terça-feira, 27 de novembro de 2012

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 25 de fevereiro: Foi-se o Carnaval


Foi-se o carnaval. Passou como um turbilhão, como sabá de feiticeiras, ou como um golpe infernal.

Nesses três dias de frenesi e delírio a razão fugiu espavorida, e a loucura, qual novo Masaniello, empunhou o cetro da realeza.

Ninguém escapou ao prestígio fascinador desse demônio irresistível: cabeças louras, grisalhas, encanecidas, tudo cedeu à tentação.

Entre as amplas dobras do dominó se disfarçava tanto o corpinho gentil de uma moça, travessa, como o porte grave de algum velho titular, que o espírito remoçava.

Dizem até que a política – essa dama sisuda e pretensiosa – se envolveu um momento nas intrigas do carnaval, e descreveu no salão uma parábola que ninguém talvez percebeu.

Deixemos, porém, dormir no fundo do nosso tinteiro esses altos mistérios que se escapam à pena do folhetinista. Já não estamos no carnaval, tempo de livre pensamento – tempo em que se pode tudo dizer – em que é de bom gosto intrigar os amigos e as pessoas que se estimam.

Agora que as máscaras caíram, que desapareceu o disfarce, os amigos se encontram, trocam um afetuoso aperto de mão e riem-se dos dissabores que causaram mutuamente uns aos outros.

O nosso colega do Jornal do Comércio, que se disfarçou com três iniciais que lhe não pertenciam, compreende bem essas imunidades do carnaval.

Hoje, que o reconhecemos, não é preciso explicações: ele tem razões de sobra para acreditar que sinceramente estimamos o seu valioso auxílio na realização de uma idéia de grande utilidade para o país.

Nunca desejamos o monopólio; ao contrário, teríamos motivos de nos felicitar, se víssemos geralmente adotada pela imprensa do nosso país uma tentativa, um ensaio de publicação, cuja falta era por todos sentida.

Quando deixamos cair do bico da pena um ligeiro remoque à publicação do colega, não era que temêssemos uma imitação;não era porque receássemos uma emulação proveitosa entre os dois mais importantes órgãos da imprensa da corte.

Esta luta, mantida com toda a lisura e toda lealdade, nós a desejamos em bem do pais, embora nos faltem os recursos para sustenta-la com vantagem. É dela, é do calor da discussão, do choque das idéias, que têm nascido e que hão de nascer todos os progressos do jornalismo brasileiro.

O que nós receávamos era a reprodução de uma dessas lutas mesquinhas, indignas de nós ambos, e das quais a história da nossa imprensa apresenta tão tristes exemplos. Era um desses manejos impróprios de jornalistas, e aos quais o mecanismo complicado da nossa administração tanto favorece. Era enfim uma representação dessa ridícula farça de publicidade tão em voga nas nossas secretarias, nas quais se dão por favor as cópias dos atos oficiais ao jornal que quer fazer um favor publicando-as.

Temíamos uma luta desta natureza, porque não estamos ainda afeitos à chicana; porque, do momento em que ela se tornasse necessária, seríamos forçados a abandonar uma idéia, pela qual trabalhamos com todo o amor que nos inspira a nossa profissão.

É tempo, porém, de voltarmos ao carnaval, que preocupou os espíritos durante toda a semana, e deu matéria larga às conversas dos últimos dias.

Entre todos os festejos que tiveram lugar este ano cabe o primeiro lugar à sociedade Congresso das Sumidades Carnavalescas, que desempenhou perfeitamente o seu programa, e excedeu mesmo a expectativa geral.

No domingo fez esta sociedade o seu projetado passeio pelas ruas da cidade com a melhor ordem; foi geralmente recebida, nos  lugares por onde passou, com flores e buquês lançados pelas mãozinhas mimosas das nossas patrícias, que se debruçavam graciosamente nas janelas para descobrirem entre a máscara um rosto conhecido, ou para ouvirem algum dito espirituoso atirado de passagem.

Todos os máscaras trajavam com riqueza e elegância. Alguns excitavam a atenção pela originalidade do costume; outros pela graça e pelo bom gosto do vestuário.

Nostradamus – uma das mais felizes idéias deste carnaval – com o seu  longo telescópio examinava as estrelas, mas eram estrelas da terra. Um Merveilleux dandinava-se na sua carruagem, repetindo a cada momento o seu c’est admirable! quando a coisa mais incrível deste mundo é a existência de um semelhante tipo da revolução francesa.

Luis XIII, livre do Cardeal de Richelieu, tinha ao lado uma Bayadère, e parecia não dar fé do seu rival Lord Buckingham, que o seguia a cavalo no meio de um bando de cavaleiros ricamente vestidos.

Esquecia-me dizer que ao lado do Merveilleux ia um Titi de marinha, que atirava concetti em vez de confetti. Era o mais fácil de conhecer, porque a máscara dizia o que ele seria se as moças que o olhavam fossem cordeirinhos.

Em uma das carruagens iam de companhia Temistovles, Soulouque, Benevenuto Cellini, Gonzalo Gonzáles, quatro personagens que nunca pensaram se encontrar neste mundo, e fazerem tão boa amizade.

Se fosse  possível que Temístocles e Benevenuto Cellini passassem esta tarde por uma das ruas por onde seguiu o préstito, estou persuadido que o artista florentino criaria uma nova Hebe mais linda que a da Canova; e que o general antigo rasgaria da história a página brilhante da batalha de Salamina por um só desses sorrisos fugitivos que brincam um momento numa boquinha mimosa que eu vi, e que apenas roçam os lábios como um sopro da aragem quando afaga o seio de uma rosa que se desfolha.

Quanto a Van Dick – que seguia-se logo após – este quebraria o seu pincel de mestre, desesperado por não achar na sua paleta essas cores suaves e acetinadas, essas linhas puras, esses toques sublimes que o gênio compreende, mas que não pode imitar.

Eram tantos os máscaras e os trajes ricos que se apresentaram, que me é impossível lembrar de todos; talvez que aqueles que agora esqueço sejam os mais geralmente lembrados; e, portanto, está feita a compensação.

Como foi este o primeiro ensaio da sociedade, de propósito evitamos fazer antes algumas observações a respeito do seu programa, com receio de ocasionar, ainda que involuntariamente, dificuldades e embaraços à realização de suas idéias. Hoje, porém, essas reflexões são necessárias, a fim que não se dêem para o futuro os inconvenientes que houve este ano.

O entrudo está completamente extinto; e o gosto pelos passeios de máscaras tomou este ano um grande desenvolvimento. Além do Congresso, muitos outros grupos interessantes percorreram diversas ruas, e reuniram-se no Passeio Público, que durante os três dias esteve literalmente apinhado.

Entretanto, como os grupos seguiam diversas direções, não foi possível gozar-se bem do divertimento; não se sabia mesmo qual seria o lugar, as ruas, donde melhor se poderia aprecia-lo.

A fim de evitar esse dissabor, a polícia deve no ano seguinte designar com antecipação o círculo que podem percorrer os máscaras, escolhendo de preferência as ruas mais largas e espaçosas, e fazendo-as preparar convenientemente para facilidade do trânsito.

Desta maneira toda a população concorrerá para aqueles pontos determinados: as famílias procurarão as casas do seu conhecimento: os leões arruarão pelos passeios; e o divertimento,  concentrando-se, tomará mais calor e animação.

Tomem-se estas medidas, preparem-se as ruas com todo esmero, e não me admirarei nada se no carnaval seguinte aparecerem pelas janelas e sacadas grupos de moças disfarçadas, intrigando também por sua vez os máscaras que passarem, e que ficarão desapontados não podendo conhecer através de um loup preto o rostinho que os obrigou a todas estas loucuras. 

Se o Sr. Desembargador chefe de polícia entender que deve tomar essas providências, achamos conveniente que trate quanto antes de publicar um regulamento neste sentido, designando as ruas por onde podem  circular os máscaras, e estabelecendo as medidas necessárias para a boa ordem e para a manutenção da tranqüilidade pública.

Estas últimas medidas são fáceis de prescrever, quando se tem um povo sossegado e pacífico, respeitador das leis e da autoridade, como é o desta corte. Nestes três dias que passaram, o divertimento e a animação foi geral; e entretanto numa população de mais de trezentas mil almas não tivemos um só desastre a lamentar. Exemplos como estes são bem raros, e fazem honra à população desta cidade.

Na terça-feira sobretudo houve no Passeio Público uma concorrência extraordinária. Grande parte das Sumidades Carnavalescas aí se achava; e a curiosidade pública não se cansava de vê-los, a eles e a muitos outros máscaras que também tinham concorrido ao rendez-vous geral deste dia.

Às oito horas da noite o Teatro de São Pedro abriu os seus salões, nos quais por volta de meia-noite passeavam, saltavam, gritavam ou conversavam perto de cinco mil pessoas; era um pandemônio, uma coisa sobrenatural, uma alucinação fantástica, no meio da qual se viam passar figuras de todas as cores, de todos os feitios e de todos os tamanhos.

Muitas vezes julgareis estar nos jardins do profeta, vendo brilhar entre a máscara os olhos negros de uma huri, ou sentindo o perfume delicioso que se exalava de um corpinho de lutin que fugia ligeiramente.

Foi numa dessas vezes que, ao voltar-me, esbarrei face a face com Lorde Raglan, que acabava de chegar da Criméia e que deu-me algumas balas, não das que costuma dar aos russos; eram de estalo. Conversamos muito tempo; e o nobre deixou-me para voltar de novo à Criméia, onde naturalmente não deram pela sua escapula.

À meia-noite em ponto serviu-se no salão da quarta ordem uma bela ceia, que o Congresso ofereceu aos seus convidados e sócios. A mesa estava brilhantemente preparada; e no meio das luzes, das flores, das moças que a cercavam, e dos elegantes trajes de fantasia dos sócios, apresentava um aspecto magnífico, um quadro fascinador.

Bem queria vos dizer todas as loucuras deste último baile até as derradeiras arcadas do galope infernal; mas na quarta-feira de cinzas esqueci tudo, como manda a religião. Por isso ficais privados de muita crônica interessante, de muito segredo que soube naquela noite, mas que já não me lembro.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte 5


4- FUNÇÃO ESTÉTICA, POÉTICA, RETÓRICA ou TEXTUAL:

Aqui a atenção se dirige para os elementos da mensagem utilizados; o signo chama a atenção ou provoca uma reação pelo que ele é, não pela função prática que desempenha ou para que serve. É uma ruptura da norma, não uma ruptura do código. A intenção é produzir obra de arte e não informar. Não cabe aqui explicar as elaborações lingüísticas mas tão somente compreendê-las, fluí-las. É a função do discurso literário. Ela pode, inclusive, englobar as outras funções da linguagem.

Veja-se o seguinte exemplo:

Parolagem da Vida  C.Drummond de A.

“Como a vida muda.
     Como a vida é muda.
    Como a vida é nuda.
    Como a vida é nada.
     Como a vida é tudo.”

Você pode observar que as palavras foram selecionadas e combinadas de maneira que pudessem ser obtidos efeitos sonoros especiais. Para tanto, o poeta utilizou os seguintes recursos:

– a repetição, no início de cada verso da expressào: “como a vida...”
= o emprego, no final dos três primeiros versos, de palavras com finais idênticos: “muda”(verbo), muda (adjetivo) e “nuda”(adjetivo);
– o emprego, no 4o verso, da palavra “nada”(advérbio), de diferente vogal tônica, mas com os demais fonemas idênticos aos da palavra “nuda”, empregada no final do verso precedente;
– o emprego, no último verso, da palavra “tudo”, cuja vogal tônica coincide com as vogais tônicas das palavras finais dos três primeiros versos.
Além de combinar as palavras de forma pouco usual, visando à produção de efeitos sonoros na comunicação da mensagem, o poeta teve ainda o cuidado de selecioná-las a partir de sua expressividade significativa, conforme pode ser observado na antítese nada/tudo, nos dois últimos versos. Esse recurso procura sugerir o sentido contraditório da vida - ao mesmo tempo que “é nada”, “é tudo”, pois é a única coisa concreta de que dispomos.

Vamos agora comentar um aspecto morfossintático observado na estrofe. No 1o verso, o poeta empregou o vocábulo “muda” como verbo (intransitivo), para, no 2o verso, repeti-lo, mas como adjetivo, funcionando como predicativo do sujeito “vida”. É de grande efeito estilístico essa construção sintática, ainda mais quando conjugada com os aspectos de sonoridade e significação, já anteriormente comentados.

Os aspectos relacionados com sonoridade, significação e estruturação sintática, observados na construção da estrofe, não devem, pois, ser vistos dissociados, mas como elementos que se completam para veicular, de uma forma especial, a mensagem a ser comunicada.
Quando as palavras são selecionadas e combinadas segundo critérios semelhantes aos observados na estrofe de C.D.A. que acabamos de comentar, atribui-se à Linguagem a função denominada “estética” (ou “poética”). Esta é a função dominante na linguagem literária (sobretudo nos textos em verso), mas pode ser observada em outras situações de comunicação lingüística, como em ditados populares, letras de música e na linguagem publicitária.

A função estética traduz a intenção deliberada do autor em realçar a mensagem. A linguagem é, portanto, trabalhada de forma especial, a fim de que produza no recebedor os efeitos esperados pelo emissor. Esses efeitos podem ser de naturezas variadas.

Com a função estética a associação não é tão simples e imediata como foi vista nas outras três funções da linguagem estudadas anteriormente.

No trecho do poema de C.D.A. que comentamos, por exemplo, as palavras foram empregadas para exteriorizar o pensamento do autor. Já vimos que foram selecionadas, combinadas e organizadas cuidadosamente, de maneira a sugerir, indiretamente, que o recebedor se detenha na mensagem e reflita sobre ela. O texto não deixa, portanto, de ser uma espécie de “apelo”, se bem que subentendido.

Retomando a classificação de Bühler, podemos considerar, então que a função estética é determinada pelo arranjo especial das palavras, que são usadas simultaneamente como “exteriorização” e “apelo”.

Vejamos mais um exemplo da função estética na literatura. Desta vez, vamos encontrá-la num texto em prosa, extraído do romance GABRIELA, CRAVO E CANELA, de Jorge Amado:

   “Gabriela ia andando, aquela canção ela cantara em menina. Parou a escutar, a ver a roda rodar. Antes da morte do pai e da mãe, antes de ir para a casa dos tios. Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar! Seus pés reclamavam, queriam dançar. Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar. Arrancou os sapatos, largou na calçada, correu pros meninos. De um lado Tuísca, de outro lado, Rosinha. Rodando na praça, a cantar e a dançar”.

A função poética se faz presente no texto:

– no ritmo progressivo e ascendente observado na seqüência dos períodos, sugerindo o desejo de Gabriela, crescente e incontido, de brincar de roda com as crianças. Desejo que acaba por se concretizar, conforme se lê nos dois últimos períodos do texto.
– na seleção de palavras terminadas em -ar: escutar, rodar, dançar, brincar.
– na estrutura sintática de alguns trechos:“Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar”
– nas combinações de vocábulos do mesmo radical: “roda rodar”, “brinquedo de roda adorava brincar”.
– nas repetições: “antes da morte... antes de ir...”, “de um lado, Tuísca de outro lado, Rosinha”.
Observação importante: A função estética pode perfeitamente existir no texto, ao lado de outras funções da linguagem. No trecho de Jorge Amado, comentado acima, ocorrem, por exemplo, mais duas funções da linguagem: a INFORMATIVA (“Gabriela ia andando...”) e a EMOTIVA (“Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar!”).
Outros exemplos da função estética da linguagem:

– em ditados populares:

“Quem casa, quer casa”.
“Quem não tem cão, caça com gato”.

– em letras de música:

Há muito tempo
que eu sei o que eu quero
Preparo, planto, espero,
Reviro, viro, arreviro (Virá!)
(Gonzaga Jr. - “Meu Segredo”)

Das considerações feitas e dos exemplos dados, podemos concluir que:
a função da linguagem será ESTÉTICA, quando, na veiculação de uma MENSAGEM, for observada a preocupação do emissor em selecionar e combinar as palavras de FORMA ESPECIAL, a fim de se obter maior efeito na comunicação dessa mensagem.

Duas observações importantes:

a)- Do que concluímos acima, pode-se deduzir que a função estética está orientada para a própria MENSAGEM.

b)- Quando estudamos as outras funções, vimos que uma outra relacionava-se diretamente com a mensagem - a função informativa. Temos, portanto, duas funções da linguagem orientadas para a MENSAGEM - a estética e a informativa.

Convém ter em mente que a diferença entre ambas se explica pelo tratamento que o emissor dá à linguagem empregada na formulação da mensagem. Para que fique bem clara essa diferença, vamos retomar um pequeno trecho do texto de Jorge Amado que comentamos anteriormente:

“Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar”.

  Só que o efeito não seria o mesmo observado no texto original. Na segunda construção, a função observada é a INFORMATIVA.

Continua…

domingo, 25 de novembro de 2012

Contos Africanos (Ananse)


Ananse, ou Anansi, é uma lenda africana. Conta um caso interessante, no qual no mundo antigo não havia histórias e por isso viver aqui era muito triste.

Houve um tempo em que na Terra não havia histórias para se contar, pois todas pertenciam a Nyame, o Deus do Céu. Kwaku Ananse, o Homem Aranha, queria comprar as histórias de Nyame, o Deus do Céu, para contar ao povo de sua aldeia, então por isso um dia, ele teceu uma imensa teia de prata que ia do céu até o chão e por ela subiu.

Quando Nyame ouviu Ananse dizer que queria comprar as suas histórias, ele riu muito e falou: - O preço de minhas histórias, Ananse, é que você me traga Osebo, o leopardo de dentes terríveis; Mmboro os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu.

Ele pensava que com isso, faria Ananse desistir da idéia, mas ele apenas respondeu: - Pagarei seu preço com prazer, ainda lhe trago Ianysiá, minha velha mãe, sexta filha de minha avó.

Novamente o Deus do Céu riu muito e falou: - Ora Ananse, como pode um velho fraco como você, tão pequeno, tão pequeno, pagar o meu preço?

Mas Ananse nada respondeu, apenas desceu por sua teia de prata que ia do Céu até o chão para pegar as coisas que Deus exigia. Ele correu por toda a selva até que encontrou Osebo, leopardo de dentes terríveis. - Aha, Ananse! Você chegou na hora certa para ser o meu almoço. - O que tiver de ser será - disse Ananse - Mas primeiro vamos brincar do jogo de amarrar? O leopardo que adorava jogos, logo se interessou: - Como se joga este jogo? - Com cipós, eu amarro você pelo pé com o cipó, depois desamarro, aí, é a sua vez de me amarrar. Ganha quem amarrar e desamarrar mais depressa. - disse Ananse. - Muito bem, rosnou o leopardo que planejava devorar o Homem Aranha assim que o amarrasse.

Ananse, então, amarrou Osebo pelo pé, pelo pé e pelo pé, e quando ele estava bem preso, pendurou-o amarrado a uma árvore dizendo: - Agora Osebo, você está pronto para encontrar Nyame o Deus do Céu.

Aí, Ananse cortou uma folha de bananeira, encheu uma cabaça com água e atravessou o mato alto até a casa de Mmboro. Lá chegando, colocou a folha de bananeira sobre sua cabeça, derramou um pouco de água sobre si, e o resto sobre a casa de Mmboro dizendo: - Está chovendo, chovendo, chovendo, vocês não gostariam de entrar na minha cabaça para que a chuva não estrague suas asas? - Muito obrigado, Muito obrigado!, zumbiram os marimbondos entrando para dentro da cabaça que Ananse tampou rapidamente.

O Homem Aranha, então, pendurou a cabaça na árvore junto a Osebo dizendo: - Agora Mmboro, você está pronto para encontrar Nyame, o Deus do Céu.

Depois, ele esculpiu uma boneca de madeira, cobriu-a de cola da cabeça aos pés, e colocou-a aos pés de um flamboyant onde as fadas costumam dançar. À sua frente, colocou uma tigela de inhame assado, amarrou a ponta de um cipó em sua cabeça, e foi se esconder atrás de um arbusto próximo, segurando a outra ponta do cipó e esperou. Minutos depois chegou Moatia, a fada que nenhum homem viu. Ela veio dançando, dançando, dançando, como só as fadas africanas sabem dançar, até aos pés do flamboyant. Lá, ela avistou a boneca e a tigela de inhame. - Bebê de borracha. Estou com tanta fome, poderia dar-me um pouco de seu inhame?

Ananse puxou a sua ponta do cipó para que parecesse que a boneca dizia sim com a cabeça, a fada, então, comeu tudo, depois agradeceu: - Muito obrigada bebê de borracha.

Mas a boneca nada respondeu, a fada, então, ameaçou: - Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou te bater.

E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando com sua mão presa na sua bochecha cheia de cola. Mais irritada ainda, a fada ameaçou de novo: - Bebê de borracha, se você não me responde, eu vou lhe dar outro tapa."

E como a boneca continuasse parada, deu-lhe um tapa ficando agora, com as duas mãos presas. Mais irritada ainda, a fada tentou livrar-se com os pés, mas eles também ficaram presos. Ananse então, saiu de trás do arbusto, carregou a fada até a árvore onde estavam Osebo e Mmboro dizendo: - Agora Mmoatia, você está pronta para encontrar Nyame o Deus do Céu.

Aí, ele foi a casa de Ianysiá sua velha mãe, sexta filha de sua avó e disse: - Ianysiá venha comigo vou dá-la a Nyame em troca de suas histórias.

Depois, ele teceu uma imensa teia de prata em volta do leopardo, dos marimbondos e da fada, e uma outra que ia do chão até o Céu e por ela subiu carregando seus tesouros até os pés do trono de Nyame. - Ave Nyame! - disse ele -Aqui está o preço que você pede por suas histórias: Osebo, o leopardo de dentes terríveis, Mmboro, os marimbondos que picam como fogo e Moatia a fada que nenhum homem viu. Ainda lhe trouxe Ianysiá minha velha mãe, sexta filha de minha avó.

Nyame ficou maravilhado, e chamou todos de sua corte dizendo: - O pequeno Ananse, trouxe o preço que peço por minhas histórias, de hoje em diante, e para sempre, elas pertencem a Ananse e serão chamadas de histórias do Homem Aranha! Cantem em seu louvor!

Ananse, maravilhado, desceu por sua teia de prata levando consigo o baú das histórias até o povo de sua aldeia, e quando ele abriu o baú, as histórias se espalharam pelos quatro cantos do mundo vindo chegar até aqui.

Fonte: 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ananse

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 738)



 - Uma Trova de Ademar  - 

Já quase louco de amor, 
envolto num triste enlevo 
ponho toda a minha dor 
no papel...quando eu escrevo! 
–Ademar Macedo/RN– 

 - Uma Trova Nacional  - 

Duas culpas, um pecado
e um remorso a nos doer:
você- que escolheu errado;
eu- que nem pude escolher…
–José Ouverney/SP– 

 - Uma Trova Potiguar  - 

Há uma sombra em meu caminho 
que me segue...e, mesmo assim... 
Nem quer me deixar sozinho 
nem diz o que quer de mim! 
–Prof. Garcia/RN–

 - Uma Trova Premiada  - 

2001   -  Nova Friburgo/RJ 
Tema   -  DETALHE   -  1º Lugar 

Meu perdão foi um tributo
A uma lágrima suspensa:
- um detalhe diminuto
Mas, que fez a diferença…
–Darly O. Barros/SP–

 - ...E Suas Trovas Ficaram  - 

No prazer que envolve a gente 
há tanta proximidade, 
que me sinto intimamente 
parte da tua metade. 
–Analice Feitoza de Lima/SP– 

 - U m a P o e s i a  - 

Eu queria a ponteira e o pião 
uma lata de óleo como carro, 
a peteca, uma bola, um boi de barro 
e a gaiola que prendia um azulão; 
tudo isso trago na recordação 
onde age a saudade persistente, 
só o peito percebe o quanto é quente 
a ferrada das letras da lembrança; 
“Eu queria de novo ser criança, 
Pra brincar de criança novamente”. 
Wellington Vicente/PE– 

 - Soneto do Dia  - 

VIDA ESCURA. 
–Cruz e Souza/SC– 

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro
ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste no silencio escuro
a vida presa a trágicos deveres 
e chegaste ao saber de altos saberes
tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto.
Que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos,
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!

Teatro de Ontem e de Hoje (Buffet Glória)


Buffet Glória, escrito por Ilana Kaplan e Élcio Rossini, destaca o trabalho de interpretação de Ilana Kaplan, calcado na caracterização dos tipos e na versatilidade em representar as mais diversas personagens. A comédia marca uma nova parceria da atriz com Élcio Rossini, após o êxito de Passagem para Java, em 1986. Por sua atuação, a atriz recebe indicações e premiações em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

A ação da peça se passa em uma festa da alta sociedade. A ausência da anfitriã na recepção, que se encontra trancada em um quarto da casa, é uma das situações cômicas apresentadas no espetáculo e permite à atriz mostrar sua habilidade em caracterizar os diferentes tipos que se encontram no local, entre eles uma madame esnobe, um executivo, uma bêbada e uma empregada doméstica. Na comédia, André Boll aparece no papel do garçom durante as rápidas trocas das personagens interpretadas por Ilana Kaplan. Em uma cena, em meio à correria dos preparativos, se destaca a riqueza visual dos pratos que são servidos na recepção (enormes frutos do mar criados pelo artista Elton Manganelli). Élcio Rossini, que também é artista plástico, assina a cenografia e a direção do espetáculo. O espaço é composto de três grandes colunas de metal, e são criados elementos cênicos especialmente para a encenação. 

O escritor Luis Fernando Verissimo comenta, logo após a estreia do espetáculo, a interpretação de Ilana: "Ilana Kaplan não surpreende, quem viu Passagem para Java sabe como ela é ótima. Mas acho que em Buffet Glória ela transcende o ótima. É uma comediante para fazer sucesso em Nova York ou Paris ou qualquer outra dessas porto alegres do Norte. Mas, como acontece com os restaurantes que a gente tem medo de recomendar muito e depois não conseguir lugar, fica-se com medo de elogiar demais a Ilana. Numa dessas descobrem que uma das melhores atrizes do Brasil está aqui e nos levam ela embora. Portanto, vá ver o Buffet Glória, ria, aplauda, grite, role no corredor, mas na saída, se alguém perguntar, diga 'Médio' ".1

Para o escritor Moacyr Scliar: "O espetáculo é tudo o que dizem, e mais ainda. Trata-se de um 'one-woman show': Ilana Kaplan mostra seu talento histriônico interpretando os vários personagens de uma típica festa da classe média alta brasileira. Eis aí uma grande atriz, que faz aquele humor escrachado tão típico do país".2

Em suas temporadas de 1991 e 1992, em Porto Alegre, Buffet Glória torna-se sucesso de público, sendo um dos espetáculos gaúchos mais assistidos nessa década. Por seu trabalho na montagem, Ilana Kaplan recebe o troféu do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Rio Grande do Sul (Sated/RS) de melhor atriz, em 1991.

Em 1993, o espetáculo cumpre longa temporada paulistana nos teatros Hilton e João Caetano. Nelson de Sá comenta sobre a montagem: "Ilana Kaplan é uma humorista. Menos uma atriz, muito mais uma criadora de tipos, ela está o tempo todo a incorporar seres patéticos, confusos. Talvez seja esta a razão pela qual Buffet Glória não funcione tanto quanto prometia: a humorista Ilana Kaplan não cabe num roteiro. Como quase todo comediante, ela é melhor quando ocupa o palco inteiro, sem trama, sem ação, só riso. Fazer rir é o que faz melhor; nada de buscar densidade psicológica nas palavras ou plasticidade nos gestos; já tem muita gente fazendo isso. O que Ilana Kaplan faz melhor é o ridículo, não o belo. [...] A comédia de Élcio Rossini, também com André Boll, sobre uma festa em que aparecem personagens como a bêbada ninfomaníaca e uma sogra chata, é um bom cenário para a comediante. Mas Ilana Kaplan é ela, sozinha, o espetáculo".3 Em São Paulo, em 1993, ela ganha o prêmio de atriz revelação da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp).

No ano de 1994, Buffet Glória realiza uma temporada carioca, primeiro no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), depois no Teatro Ipanema. No Rio de Janeiro, Ilana Kaplan é indicada ao Troféu Oscarito. Em janeiro de 1995, são realizadas as últimas apresentações da peça Buffet Glória em Porto Alegre. No mesmo ano, Ilana Kaplan se muda para São Paulo, e começa a carreira no teatro paulistano.

Notas
1. VERISSIMO, Luis Fernando. Gente boa. Zero Hora, Porto Alegre, 16 abr. 1991.
2. SCLIAR, Moacyr. Diário de bordo. Zero Hora, Porto Alegre, 30 jun. 1991.
3. SÁ, Nelson de. Diversidade: um guia para o teatro dos anos 90. São Paulo: Hucitec, 1997. p. 160.

Fonte:

Eliezer Demenezes (Poemas Escolhidos)


Nasceu em Fortaleza, Ceará, a 11 de Março de 1910. Filho de Francisco Simões da Costa e Maria de Menezes Costa.

Residiu no Rio Grande do Sul desde os 17 anos de idade, onde fundou e dirigiu a revista “Clímax”, de feição tipicamente moderna. Pertenceu ao grupo chamado do Sul, ligado à Editora Globo, colaborando na “Revista do Globo” e “ Província de São Pedro”, e nas outras revistas e jornais daquele Estado. 

Em 1942 foi para o Rio de Janeiro.

Bibliografia
“Poemas da Hora Amarga”, 1943 – Porto Alegre.
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" CANTIGA DE AGORA E SEMPRE "

Veio o vento. Veio a chuva.
Foi-se a lava. Onde o céu.
Um chão riscado de mágoas.
Um mar revolto de sonhos.
Perdido alguém sem razão.
Caiu a estrela no fundo.
Fundiu-se o astro nas algas.
Luziu o fogo, - por quem.
Estradas de não sei onde

cruzando o destino meu.
Apelos de toda parte
- caindo em brasa nas almas,
torcendo as rotas do mundo.

Cantiga de agora e sempre.
A! Meu amigo sem face,
meu irmão que não tem nome,
- tão em mim e além eu, -
murchou a rosa dos ventos
no caule de tuas mãos!

" DULCE, - MAR, ESTRELA E SONHO "

Dulce, - mar, estrela, sonho.
Mar de estranhas águas e roteiros.
Estrela e sonho em minha mão.
Que primeiro barco te singrara.
Que primeiro gesto te colhera.
Estrela e sonho em minha mão.
Mar de aventuras e naufrágios,
longas vozes ressoam no teu corpo,
e há tesouro submerso e navios perdidos em ti.
De que longínquo céu caíste em chamas.
Estrela e sonho em minha mão.
Há em tuas margens enseadas e abrigos,
Há no teu seio, - ilhas.
E passeio neles como um peixe ou uma nuvem,
Mar que mergulho, e afloro, e navego.

Estrela e sonho em minha mão.

" ELEGIA À BRANCA IRMÃ "

É, inútil inscrever o teu nome
na pauta perdida do sonho.
Correm lágrimas na face das esfinges
e no rosto dos mortos.
Agora a desolação.
Talvez, algum dia,
possa se inscrever com a mão pesada e dolorida de séculos
o teu simples nome de três letras, ingênuo e promissor.
Agora o insossego.
Agora a devastação.
As fontes secaram na alma dos homens.
Agora é inútil o teu nome.

Estou triste e desolado
como o leito sem água de um rio, abrasado de sol.

" POEMA À AMADA CONSTANTE "

Teus olhos estão lânguidos.
E nascem cardos e urzes no meu pensamento.
Teus lábios falam promessas e pedem consolo.
E sou a árvore muda destroçada pela tempestade do mar.
Me convidas para a viagem da tua ternura.
E me obstino em ignorar a tua presença compassiva,
em comer os frutos maus e amargos da terra,
em procurar o teu oposto e a tua negação,
quando tudo em mim arde por ti, minha paz e meu bálsamo.
Minha vida e meu chão estão cheios de cinzas, -
não manches a tua túnica límpida
pois quero-te assim branca e pura.
Meus ouvidos transbordam de gritos.
Minha garganta sufoca-se de brados.
E no meu mar interior
andam barcos de velas negras,
e feios pássaros de bico recurvo,
e é noite, sempre noite sobre as águas...

Espera,
que voltarei com meu lado melhor, redimido e teu.

" POEMA A MINHA MÃE MORTA QUE NÃO CONHECI "

A tua mão pálida e ausente
tracejando bênçãos sobre meus sonhos aflitos.

Onde estas que apenas te suponho.
Na raiz dos meus pensamentos
Na força obscura dos meus desejos melhores
És talvez esse vôo desgarrado de esperanças,
que há em mim.
És talvez esse veleiro em mar alto à procura de náufragos,
que há em mim.

Na minha vida és como uma ficção ou a lenda de um milagre.
Algo que ficou intangível e suspenso.
Entretanto,
eu guardo na boca a impressão do teu seio
e o gosto do teu leite e do teu sangue.
As palavras, a ternura, os devaneios teus
que se fundiram no silêncio
repousaram na minha carne, certamente.
A tua face esta voltada para mim em mim mesmo,
e talvez só agora que a reconheci
eu possa me chamar de teu f ilho.

Fonte:
 Antologia da Nova Poesia Brasileira.  J.G . de  Araujo Jorge - 1a ed.   1948 . 

Walmir Cardoso (Lenda Grega Recontada: Pégaso e Andrômeda, a princesa acorrentada)


Diz a lenda que muito tempo atrás, num distante país do Oriente, havia um rei chamado Cefeu, casado com a linda rainha Cassiopéia. Tal era a fama de sua beleza, que as pessoas vinham em caravana dos lugares mais remotos apenas para contemplá-la. Com o passar do tempo, a rainha começou a se considerar a mulher mais bonita do mundo. Foi nessa época que cometeu um grande erro. Diante de uma multidão que a aclamava, ousou dizer que era mais bela que as Nereidas. Estas ninfas, para infelicidade da rainha, eram protegidas pelo poderoso deus dos mares — Posêidon —, que ficou irado com a comparação. Num acesso de fúria, ergueu-se das águas segurando o tridente, seu enorme cetro de três pontas, e lançou uma maldição sobre o reino. O nível do mar subiu rapidamente e inundou grande parte do país. Ainda insatisfeito, o deus dos oceanos enviou um monstro marinho para devorar qualquer criatura que se aproximasse do reino pela região costeira. 

Os pescadores não se atreviam mais a sair de casa. Os navios estrangeiros que costumavam trazer preciosas mercadorias, não podendo atracar, nem saíam mais de seus portos. E o rei Cefeu foi aconselhado a realizar um sacrifício para aplacar a ira do deus ofendido. A vítima escolhida foi a princesa Andrômeda, sua filha. Deveriam amarrá-la aos rochedos para ser devorada por Cetus, o monstro que aterrorizava a costa. Andrômeda, que além de linda era muito corajosa, resolveu apresentar-se ao sacrifício para salvar o reino. E assim foi amarrada aos rochedos e ficou esperando o monstro.

Enquanto isso, longe dali, um jovem herói cumpria certa profecia. O belo Perseu, filho de Zeus — deus da terra e do céu, que habitava o monte Olimpo — e da princesa Danae, havia recebido três presentes muito especiais: o manto da invisibilidade, sandálias com asas e um escudo de metal, tão polido que mais parecia um espelho. Sua incumbência era matar a Medusa, um monstro em forma de mulher, cujos cabelos eram serpentes vivas. Todos os seres que a Medusa olhava se transformavam imediatamente em pedra. Usando seu manto e voando com as sandálias mágicas, Perseu conseguiu se aproximar da Medusa enquanto esta dormia. Quando ela pressentiu a presença de alguém, despertou, mas viu apenas sua própria imagem refletida no escudo polido do nosso herói. Antes que petrificasse, ele cortou-lhe a cabeça e colocou-a dentro de uma bolsa mágica de couro. 

Quando voltava dessa arriscada missão, o jovem encontrou Andrômeda acorrentada nos rochedos e ambos ficaram perdidamente apaixonados. Mas, no exato instante em que eles se olharam, o monstro Cetus apareceu. Foi só então que Perseu se lembrou que trazia consigo a cabeça da Medusa. E não pestanejou. Aproximou-se o mais que pôde e mostrou os olhos petrificantes da Medusa para Cetus, que imediatamente se transformou em pedra e caiu no fundo do oceano. Quando tudo parecia terminado, Perseu aproximou-se de Andrômeda para soltá-la, mas nesse exato instante uma gota de sangue da Medusa, que restara na bolsa, caiu no mar. Posêidon era apaixonado pela Medusa mas nunca tinha conseguido tocá-la. Esta única gota de sangue em contato com a água provocou um estrondo e uma abundante espuma branca, da qual emergiu um belíssimo cavalo alado chamado Pégaso. E assim, ao ver o filho de sua amada, Posêidon abandonou a idéia de vingança.

Muitas lutas o herói Perseu precisou vencer para chegar à felicidade e casar-se com Andrômeda. E propagou essa vitória ao mundo, mostrando a todos a cabeça decepada da inimiga. Por fim livrou-se dela ofertando-a à deusa Atena, sua protetora.

Segundo a lenda, Pégaso foi recebido no monte Olimpo, morada dos deuses gregos e, tempos depois, transformou-se numa das constelações mais representativas da primavera — estação do ano que começa em 23 de setembro no hemisfério Sul. 

Fonte:
Revista Nova Escola

Jornais e Revistas do Brasil (Cinearte)


Período disponível: 1926 a 1932 
Local: Rio de Janeiro, RJ 

Em busca da modernidade, uma das palavras de ordem que marcaram as grandes cidades ocidentais no início do século XX, o Rio de Janeiro também foi palco, na mesma época, de profundas mudanças em sua paisagem urbana. Capitaneadas pelo prefeito Francisco Pereira Passos, com apoio decisivo do presidente da República, Rodrigues Alves, as reformas modernizadoras tinham por objetivo transformar a então capital federal numa cidade que pudesse rivalizar, pelo menos em matéria de bom gosto arquitetônico e estética urbana, com as melhores urbes européias. 

Foi parte significativa dessa modernização a verdadeira revolução no mundo audiovisual operada pelo “cinematógrafo”, ou melhor, “cinemathographo”, logo chamado de cinema. Em 1905, inaugurava-se a Avenida Central (hoje Rio Branco) e logo depois o Teatro Municipal. a Biblioteca Nacional e o novo prédio do Museu Nacional de Belas Artes, e também os primeiros cinematógrafos cariocas. Anos depois, a Cinelândia, como ficou conhecida posteriormente a Praça Floriano, se converteria num complexo de lazer tendo o cinema e os bares como principais atrações. Foi nesse último contexto histórico que surgiu, em 1926, Cinearte, uma das mais importantes revistas sobre o tema que circularam no país.

Referência obrigatória para quem deseja conhecer a história do cinema, Cinearte apareceu no momento em que a mídia assumia importante papel na formação cultural da sociedade. O interesse pelo cinema havia crescido, e a imprensa não poderia ficar indiferente ao fenômeno. A seção de cinema da revista Para Todos fazia tanto sucesso entre os leitores que surgiu a idéia de transformá-la numa publicação independente... Nascia assim Cinearte.

Criada por Mário Behring e Adhemar Gonzaga, a nova revista oferecia aos leitores informes sobre produções hollywoodianas, mas também dava destaque às incipientes produções nacionais da época e ao mercado cinematográfico, em seções que tratavam de temas variados. Entre essas seções, uma em especial, a crítica de cinema, que logo se tornaria indispensável nos grandes periódicos do país. 

Cinearte era feita por intelectuais, cineastas, advogados, literatos, educadores, críticos de arte e até advogados. Publicação quinzenal desde 1933, tornou-se depois bimensal e, em sua última fase, mensal. A tiragem chegou à notável marca de 250 mil exemplares por edição. 

Impressa em papel jornal, era inspirada na revista americana Photoplay. Seus padrões de papel e formato pouco mudaram até a última edição, que foi o número 561, de julho de 1942. Media 31cm x 23cm. As cores das imagens variavam entre o azul, verde, marrom, vermelho. Algumas edições tinham páginas em papel especial,contendo apenas anúncios publicitários. A Biblioteca Nacional possui em seu acervo 569 edições referentes aos anos 1926 a 1942, todas digitalizadas e disponíveis neste site.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/cinearte

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 737)



Uma Trova de Ademar 

Com sua língua de trapo 
disse, ao ser mandado embora: 
– É moleza engolir sapo, 
o duro é botar pra fora! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional 

Cuidado, minha querida!
Teu marido é um belo gato
que deixa a tua comida
e vem comer do meu prato...
–Almira Guaracy Rebêlo/MG– 

Uma Trova Potiguar 

Virgindade, com certeza
tornou-se coisa banal;
existe enquanto está presa
no cordão umbilical. 
–Heliodoro Morais/RN– 

Uma Trova Premiada 

2009  - Nova Friburgo/RJ 
Tema  - CINQUENTÃO  - 1º Lugar 

Diz o cinquentão vaidoso:
- “Eu sou madeira de lei!”
E, a mulher, em tom jocoso:
- “Então deu cupim…que eu sei !”
–Marta Paes de Barros/SP–

...E Suas Trovas Ficaram 

Não sei se cometo um erro 
fugindo de quem morreu, 
jamais acompanho enterro 
de quem nunca irá no meu. 
–Hildemar de Araújo/BA– 

Soneto do Dia 

O FANTASMA. 
–Orlando Brito/MA– 

O armário, numa alcova, junto à cama, 
é o último refúgio de um sabido, 
quando, nos braços quentes de quem ama, 
ouve, na escada, os passos do marido. 

Não sou desses vilões que o povo chama 
de “pé-de-pano” ou nome parecido. 
Outro seria o fim do mesmo drama, 
se eu fosse em tal colóquio surpreendido. 

Eu sinto falta de ar, eu sofro de asma, 
por isso, em vez de entrar no guarda-roupa, 
pego o lençol, dou uma de fantasma, 

e faço – ú ú – num passo de balé. 
O marido, assustado, grita: - Opa! 
recua, ganha a porta, e dá no pé!

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte 4


3. FUNÇÃO CONATIVA, APELATIVA ou IMPRESSIVA:

A palavra como “apelo”.

Bühler atribui às palavras a função de “apelo”, na medida em que o emissor pretenda, com sua mensagem verbal, agir sobre o interlocutor, convidando-o a realizar algo.

De natureza volitiva ou coercitiva. Centrada no destinatário, visa a influenciar seu comportamento. É representada pelo vocativo ou pelo imperativo nas ordens, nas propagandas, nas admoestações, nas persuasões. Tem em vista provocar um resultado.

Em situações do cotidiano, empregando a língua oral, é muito comum utilizar-se a palavra como “apelo”... Imagine, por exemplo, que você encontre na rua um amigo de quem goste muito. Há algum tempo vocês dois não se vêem. Conversam sobre vários assuntos e então você se despede, fazendo-lhe um convite:

“Aparece lá em casa sábado, prá gente papear mais e ouvir uns discos novos que comprei.”

Alguns linguistas denominam essa função de “impressiva”. A função “impressiva” (ou “apelativa”) é observada não só na linguagem cotidiana, mas também na literatura e sobretudo na propaganda, já que, nesse caso, o objetivo é agir sobre o “recebedor”, induzindo-o a consumir o produto anunciado. Procure observar os anúncios que você vê na televisão, em revistas, jornais e nos “out-doors” espalhados pela cidade. Você vai perceber que o “apelo” às vezes não se faz lingüisticamente de maneira explícita, direta, mas sempre vem implícito, subentendido nos recursos visuais, utilizados para impressionar o recebedor, possível consumidor do produto.

Os recursos lingüísticos que possibilitam ao recebedor o reconhecimento da função “impressiva” na mensagem enunciada são os seguintes:

= na língua oral:       
 - emprego do verbo no imperativo (afirmativo ou negativo),
                                   - tom de ordem, pedido ou súplica, observado na enunciação da mensagem,
                                   - emprego do vocativo;

= na língua escrita:  
- emprego do verbo no imperativo (afirmativo ou negativo),
                                   - pontuação,
                                   - emprego do vocativo.

Um exemplo literário para a função impressiva da linguagem:

Brisa  (BANDEIRA, Manuel)
Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus livros, meus amigos, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.

Observamos a função impressiva sobretudo no primeiro, terceiro e último versos do poema.
É possível encontrar a função impressiva também em letras de música:
“Ëspere por mim, morena, espere, que eu chego lá,
  o amor por você, morena, faz a saudade me apressar.”
  (Gonzaga Jr. - “Espere por mim, morena”).
Considerando as observações feitas e os exemplos dados, podemos concluir que:
a função da linguagem será IMPRESSIVA, quando as palavras forem utilizadas como APELO  ao RECEBEDOR, atuando sobre este, no sentido de o influenciar, convidando-o a tomar uma atitude qualquer.

Continua…

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, ,21 de janeiro: Ecos do Passado


Sexta-feira, era tarde da noite. Pensava, não me lembra a que propósito.

Se há coisa que dê asas ao pensamento, que solte o vôo à fantasia, é uma dessas mudas contemplações pelo silêncio da noite, quando num momento de tédio o espírito se revolta contra as misérias do presente, e procura além no futuro, ou nos tempos que passaram, um novo elemento de força e de atividade.

A imaginação se lança no espaço, percorre mundos desconhecidos, atravessa o tempo e a distância, e vai muitas vezes acordar os ecos do passado, revolver as cinzas das gerações extintas, ou contemplar as ruínas de uma cidade opulenta, de um vasto império abatido.

A história se desenha então como um grande monumento. Ao volver-lhe as páginas, volvem-se os séculos. Os anos correm por minutos. As raças que desapareceram da face da terra se levantam do pó, e passam como sombras fugitivas. Cada folha do grande livro, é o berço de um povo, ou o túmulo de uma religião, um episódio na vida da humanidade.

Era tarde da noite.

Ao redor tudo estava tranqüilo. A cidade dormia; o silêncio pairava nos ares. Apenas algumas luzes suspensas na frente de uma ou outra casa, e perdidas no clarão do gás, faziam reviver do esquecimento uma grande recordação da nossa história.

Havia apenas vinte dias que começara o novo ano; e esses dias, que agora corriam tão calmos e tranqüilos, há mais de três séculos passavam e repassavam sobre esta cidade adormecida, deixando-lhe sempre uma data memorável, escrevendo-lhe o período mais brilhante dos seus anais.

O tempo, por uma coincidência notável, parece ter confiado ao mês de janeiro os maiores acontecimentos, os destinos mesmos desta grande cidade que dele recebeu o seu nome, que com ele surgiu do seio dos mares aos olhos dos navegantes portugueses, e neles recebeu o primeiro influxo da civilização e ergueu-se das entranhas da terra para um dia talvez vir a ser a rainha da América.

E todas essas recordações se traçavam no meu espírito vivas e brilhantes. As sombras se animavam, os mortos se erguiam, o passado renascia.

Aquela massa negra da cidade que se destacava no meio da escuridão da noite levantava-se aos meus olhos como um pedestal gigantesco, onde de momento  a momento vinha colocar-se uma grande figura de nossa história, que se desenhava no fundo luminoso de um quadro fantástico.

Era uma visão como o sonho de Byron, como a cena da gruta no Mackbeth de Shakespeare.

Vi ao longe os mares que se alisavam , as montanhas que se erguiam, as florestas virgens que se balouçavam ao sopro da aragem, sob um céu límpido e sereno.

Tudo estava deserto. A obra de Deus não tinha sido tocada pela mão dos homens. Apenas a piroga do índio cortava as ondas, e a cabana selvagem suspendia-se na escarpa da montanha.

A bela virgem da Guanabara dormia ainda no seio desta natureza rica e majestosa, como uma fada encantada por algum condão das lendas de nossos pais.

A aurora de um novo ano – de 1531 – surgia dentre as águas, e começava a iluminar  esta terra inculta. Algumas velas brancas singravam ao longe sobre o vasto estendal dos mares.

Passou um momento. A figura de Martim Afonso destacou-se em relevo no fundo desta cena brilhante, e tudo desapareceu como um sonho que era.

Mas um novo quadro se desenhou no meu espírito.

No meio de um povo em lágrimas, ergue-se o vulto imponente de um fidalgo português. Sua vida lia-se no dístico  gravado sob o pedestal em letras de ouro:

Arte regit populos, bello proecepta ministrat;
Mavortem cernit milite, pace Numam

Ergueu-se. Era o Conde de Bobadela. Contemplou um instante esta cidade que havia governado vinte e nove anos e cinco meses, esta cidade que tinha aformoseado e engrandecido. Depois deitou-se no seu túmulo e passou. Um grande préstito fúnebre o seguiu.

Novo quadro ainda se desenhou no meu espírito.

Vi um combate naval.. Vi o assalto de uma fortaleza – de  Villegaignon. A fumaça envolve os combatentes; ronca a artilharia; a de flecha voa com o pelouro; a piroga do selvagem lança-se no ataque..

Um cavalheiro desconhecido atira-se ao mais forte da peleja e anima os combatentes portugueses. Seu corpo é invulnerável, suas palavras excitam o entusiasmo e a coragem. Dir-se-ia que uma auréola cinge a sua cabeça.

Mais longe o general português expira, e seus soldados redobram de esforço e de valor para vingar a sua morte, e para ganhar enfim uma vitória tão valentemente disputada pelos franceses.

Terminou o combate. Aquele soldado, que com a ponta de sua espada, ainda tinta do sangue do inimigo, traça sobre o campo da batalha a planta de uma nova cidade – é Estácio de Sá, o fundador do Rio de Janeiro.

A pequena colônia começou a estender-se pelas ribeiras da baía, e cresceu no meio desta terra cheia de força e de vigor. De simples governo passou a vice-reinado; depois à capital de um reino unido; e por fim tornou-se a corte de um grande Império. 

Mas que vulto é este que assoma no meio do entusiasmo e  da exaltação patriótica do povo agradecido? Não tem ainda a coroa, nem o manto; mas há nele o tipo de um grande imperador, de um herói.

É D. Pedro I, que, em resposta à representação do senado, da câmara e do povo da cidade, profere essa palavra memorável, que decidiu do futuro do Brasil, e que, firmando as primeiras bases da nossa independência política, concorreu igualmente para elevar o Rio de Janeiro a capital do novo Império.

Contemplei por muito tempo, tomado de santo respeito, esse tipo simpático de um monarca cavalheiro, que deixou na nossa história os mais brilhantes traços de sua vida.

Lançando os olhos sobre esta cidade, que ele tanto amara seu rosto expandiu-se. Viu o comércio e a indústria florescerem, criando esses grandes capitais que alimentam as empresas úteis para o país. Viu o amor e a dedicação nos degraus daquele trono em que se sentara. Viu por toda a parte a paz e a prosperidade.

Volveu ainda um último olhar, e sumiu-se de novo nas sombras do passado.
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O que acabais de ler é uma página perdida, é uma folha arrancada a um livro desconhecido, que talvez daqui a algum tempo vos passará pelos olhos, se não tiver o destino de tantos outros, que, antes de nascidos, vão morrer entre as chamas.

A história do Rio de Janeiro tem algumas páginas, como essa, tão belas, tão poéticas que às vezes dá tentações de arranca-las das velhas crônicas, onde jazem esquecidas para orna-las com algumas flores deste tempo.

Hoje não aparecem mais desses fatos brilhantes de coragem e heroísmo. A época mudou: aos feitos de armas sucederam as conquistas da civilização e da indústria. O comércio se desenvolve; o espírito de empresa, servindo-se dos grandes capitais e das pequenas fortunas, promove o engrandecimento do pais, e prepara um futuro cheio de riqueza e de prosperidade.

Ide à Praça. Vereis que agitação, que atividade espantosa preside às transações mercantis, às operações de crédito, e sobretudo às negociações sobre os fundos de diversas empresas. Todo o mundo quer ações de companhias; quem as tem vende-as, quem não as tem compra-as. As cotações variam a cada momento, e sempre apresentando uma nova alta no preço.

Não se conversa mais sobre outra coisa. Os agiotas farejam a criação de uma companhia; os especuladores estudam profundamente a idéia de alguma empresa gigantesca. Enfim, hoje já não se pensa em casamento rico, nem em sinecuras; assinam-se ações, vendem-se antes das prestações e ganha-se dinheiro por ter tido o trabalho de escrever o seu nome.

Este espírito da empresa e esta atividade comercial prometem sem dúvida alguma grandes resultados para o país; porém é necessário que o governo saiba dirigi-lo e aplica-lo convenientemente; do contrário, em vez de benefícios, teremos de sofrer males incalculáveis.

É preciso não conceder autorização para incorporação de companhias que não revertam em bem do país, que não tenham todas as condições de bom êxito. Não procedendo desta maneira, se falseará o espírito da lei e a natureza das sociedades anônimas, e se perderá indubitavelmente o concurso deste poderoso elemento de riqueza e de engrandecimento.

Companhias que, como algumas que já existem, não forem criadas no pensamento de uma necessidade pública, ou de uma grande vantagem do país, não só esgotarão os capitais que podem servir para outras obras de maior alcance, como desacreditarão o espírito de empresa, desde que, como é natural, os seus lucros não corresponderem às esperanças do comércio.

Cumpre também – já falamos em companhias – que o governo trate de examinar se algumas empresas privilegiadas que existem nesta corte, principalmente navegação do costeio, têm satisfeito as condições de sua incorporação. Fala-se em tantos abusos, em tantas negligências, que é provável haver um fundo de verdade nas exagerações que costumam envolver certas censuras.

E sobre isto me parece que é tempo de quebrar-se esse círculo de ferro do exclusivismo e do monopólio, que tanto mal começa a fazer à nossa navegação de costeio. O privilégio é um agente aproveitável nos países novos; mas convém que seja empregado com muita reserva, e unicamente no período em que a indústria que se quer proteger ainda não tem o desenvolvimento necessário.

Atualmente que nos nossos estaleiros e na Ponta da Areia, já se constroem tantos vapores próprios para a navegação do interior, qual é a vantagem que resulta das empresas privilegiadas? Não é isto matar a concorrência, e impedir que uma indústria útil se desenvolva e se aperfeiçoe?

Repetimos. O governo deve examinar escrupulosamente este objeto; e não só abster-se de conceder incorporações de companhias privilegiadas desta natureza, como desautorizar, na forma do código comercial, a existência daquelas que não tiveram cumprido as condições da sua organização.

É porque desejamos unicamente o bem do país que tememos esses desvios no espírito de empresa que se está desenvolvendo tão poderosamente no Império, e sobretudo na praça do Rio de Janeiro.

Entretanto há algumas companhias, como por exemplo a da Rua do Cano, que se incorporou ultimamente com o nome de Reformadora, a qual deve merecer do governo toda a proteção, por isso que para o futuro ela pode vir a realizar grandes melhoramentos urbanos, e criar um sistema de arquitetura de casa muito necessário ao aformoseamento da cidade e à higiene pública.

É inconveniente, porém, a demora que tem havido no regulamento da companhia, principalmente aparecendo na praça algumas apreensões (que julgo infundadas) a respeito de condições rigorosas que se supõe seriam impostas à sociedade. O objeto me parece maduramente estudado, esclarecido por uma luminosa discussão nas câmaras e pelos planos e dados estatísticos coligidos na municipalidade pelo Dr. Haddock Lobo. Não enxergamos, pois, uma razão plausível para essa tardança do regulamento, aliás tão prejudicial ao público e aos proprietários da Rua do Cano.

Depois da empresa Reformadora, organizou-se a companhia de colonização agrícola do Rio Novo, com um capital de quinhentos contos de réis, representado por 2.500 ações. Foi o Major Caetano Dias da Silva, fazendeiro na Província do Espírito Santo, Município de Itapemirim, quem teve a idéia da criação desta sociedade.

A importância do seu objeto, a inteligência e a longa prática do seu diretor, junta à fertilidade, a um clima salubre e à facilidade de comunicações com as grandes praças de comércio, asseguram a esta companhia grandes vantagens, que reverterão todas em proveito do país, e particularmente da Província do Espírito Santo.

A colonização para um novo e de vasto território, como o nosso, é a primeira condição de riqueza e de engrandecimento. O estrangeiro que procura o nosso país não nos traz unicamente braços e forças para o trabalho material; não é somente um número de mais que se aumenta ao recenseamento da população.

É uma inteligência prática que melhora a indústria do país e um grande elemento de atividade que desenvolve as forças produtivas da terra; é finalmente uma nova seiva que vigora, uma nova raça que vem identificar-se com a raça antiga aperfeiçoando-se uma pela outra. O nosso governo tem compreendido o grande alcance da colonização, e, o que é mais, tem-se empenhado em promove-la eficazmente.

Depois que o Sr. Conselheiro Euzébio de Queirós travou a última luta contra o tráfico, e conseguiu esmagar essa hidra de Lerna, cujas cabeças renascem do seu próprio sangue, o nosso governo tratou de aproveitar o favorável ensejo que lhe oferecia a crise proveniente da deficiência dos braços para a agricultura.

Começou-se então a olhar com mais atenção para as nossas pequenas colônias do Sul; e animou-se a Sociedade Hamburgo, à qual devemos neste ponto grandes serviços pela exatidão com que tem cumprido as suas obrigações e pelo zelo com que constantemente na Alemanha defende a nossa causa, contra os ridículos inventos de alguns detratores.

Consta-nos agora que o nosso governo acaba de tomar suas medidas, que são da maior importância, para o futuro da colonização.

A 1.ª é a autorização mandada ao nosso ministro em Londres a fim de promover a emigração de Chins para o Brasil segundo as bases e instruções que já lhe foram remetidas. Os bons resultados que se têm conseguido desta emigração nas colônias inglesas nalguns lugares da América Meridional nos deve dar boas esperanças para a nossa cultura do chá e do café.

A outra deliberação do governo que nos consta, que se deduz de alguns atos ultimamente praticados – é a da subvenção de 30$000 concedida por cada colono maior de dez anos e menor de  45, honesto e lavrador, sendo estabelecidos em colônias ou fazendas pertencentes a empresas agrícolas. O governo reservou-se muito prudentemente em que convém conceder o favor.

Esta medida inesquecivelmente é um poderoso auxílio para as companhias agrícolas, ao mesmo tempo que corta certas empresas mercantis muito prejudiciais, e que previne, de alguma maneira, a introdução de colonos que não tenham boa moral e uma vida honesta.

Depois destas rápidas observações, creio que se pode dizer com toda a franqueza de uma opinião sincera que o governo cumpriu o seu dever e faz mais do que se podia exigir dos poucos recursos de que dispõe.

Estamos, porém, em tempo de tratar, não de pequenas colônias, mas de uma colonização em vasta escala, de uma emigração regular que todos os anos venha aumentar a nossa população.

O governo, pois, que chame a atenção do corpo legislativo sobre este assunto e que inicie um projeto de lei, no qual se adotem as medidas tomadas pelos Estados Unidos para promover a emigração. Eu lembraria neste caso a conveniência de limitar os favores concedidos unicamente àquelas nações cuja população desejaríamos chamar ao nosso país.

Não temos nada a invejar à América Inglesa em recursos naturais, em fertilidade do solo, em elementos de riqueza. O nosso clima é mais salubre; desde o sul ao norte temos no alto das nossas serras uma temperatura quase européia. . Como país ainda inculto, oferecemos muito maior interesse ao colono agrícola que quiser explorar a terra.

Por que razão, pois, não havemos de ter a mesma emigração?

Porque temos ciúme do estrangeiro, porque guardamos como um avaro este título de cidadão brasileiro, e o consideramos como uma espécie de quinhão hereditário que se amesquinha à proporção que se divide. É por isso que vemos no estrangeiro um intruso, um herdeiro bastardo, que nos quer disputar a herança paterna, isto é, os empregos, os cargos eleitorais e as sinecuras.

Sacrifiquemos esses prejuízos ao interesse público, e pensemos ao contrário, que é levando por toda parte este título de cidadão brasileiro, que é recebendo na nossa comunhão todos os irmãos que nos estendem a mão, que um dia faremos aquele nome grande e poderoso, respeitado da Europa e do mundo.

Voltai! Voltai depressa esta folha, minha mimosa leitora! São coisas sérias que não vos interessam. Não lestes?... Ah! fizestes bem!

Com efeito, que vos importa a vós estas espécies de companhias, se tendes as vossas à noite, junto do piano, a ensaiar com alguma amiga um belo trecho da música, a cantar alguma ária, algum dueto de Trovador? Que vos importa nestes momentos saber o que vai algures, se as ações baixam, ou se uma pobre cabeça atordoada de pensar já não pode de tanto que lhe corre a pena?

Era melhor que tivesse tomado a boa resolução de ir fazer um giro pelo Passeio Público.

A aceitação dessas de outras idéias que temos lembrado nos anima ainda a dizer alguma coisa sobre os melhoramentos do Passeio Público, principalmente quando o Sr. Ministro do Império, como homem de bom gosto que é, se tem mostrado tão desejoso de embelezar este lugar e torna-lo um agradável ponto de reunião.

Para isso a primeira coisa a fazer é o asseio e a limpeza. As árvores ainda estão muito maltratadas; os dois tanques naturais sobre os quais se elevam as duas agulhas de pedra estão tão bem fingidos que são naturais de mais; pelo menos, têm  lodo e limo como qualquer charneca de pântano. A arte deve imitar a natureza, mas nem tanto. Há também uma palhoça a um dos lados do passeio, que, a não estar ali como coisa exótica, não lhe compreendo a utilidade. Não digo que a deitem abaixo como uma parasita; mas é bom cuidar em faze-la seguir o destino das coisas velhas e feias.

Outro dia me disseram que o Sr. Conselheiro Pedreira tencionava renovar as grades das alamedas, e substituir o muro exterior por gradeados de ferro, para o que já se havia feito o orçamento.

A primeira idéia é muito acertada; todos sentem a necessidade, e nós mesmos já a lembramos. Quanto à segunda, não acreditamos. É impossível que o Sr. Ministro do Império tenha tido esta lembrança. Para que servem nos jardins as grades exteriores? Para descobrir a beleza das alamedas e abrir um lanço de vista agradável.

No Passeio Público, porém, servirão para mostrar árvores velhas, ruas estragadas, e finalmente o tal Nestor das casinhas velhas de que já falamos. Tratemos, pois, primeiro do interior.

Assim parece-nos que seria muito agradável e muito fácil, fazer correr veios de água límpida ao longo das alamedas, e construir-se nos quadros alguns repuxos e jets d’’eau...

Ai! lá me caiu a palavra do bico da pena. Nada; vamos tratar de nacionalizar a língua; um correspondente do Correiro Mercantil de segunda-feira reclama de nós este importante serviço.

Mas que quer dizer nacionalizar a língua portuguesa? Será mistura-la com o tupi? Ou será dizer em português aquilo que é intraduzível, e que tem um cunho particular nas línguas estrangeiras?

Há de ser isso. Mãos à obra. Daqui em diante, em vez de se dizer passei num coupé, se dirá andei num cortado. Um homem incumbirá a algum sujeito que lhe compre entradas, e ele lhe trará bilhetes de teatro em vez de étrennes. E assim tudo o mais.

Quanto a termos de teatro, fica proibido o uso das palavrinhas italianas, porque enfim é preciso nacionalizar a língua.

E é bom que os dilettanti (perdão – amantes de música) fiquem desde já prevenidos disto, porque breve, parece que vamos ter uma excelente companhia.

A nova empresa de que vos falei há quinze dias organizou-se e nomeou a sua diretoria. Pelo Maria 2.ª, partem para a Europa duas pessoas encarregadas de contratar os artistas necessários, entre os quais virão quatro primeiras partes, escolhidas no que houver de mais notável na Europa. Levam ordem de oferecer honorários dignos das melhores reputações européias.

A empresa pode já contar com 2:500$000 por noite, de assinaturas tomadas até hoje; e espera aumentar esta soma. A primeira estação de quarenta récitas começará a 12 de julho deste ano e terminará a 12 de dezembro de 1856.

Basta. Vamos agora desfolhar algumas flores, e derramar uma lágrima de saudade sobre a lousa de um grande poeta.

Enquanto seus irmãos na inspiração e na poesia vão acordar os ecos da morte com um cântico sentido, seja-me permitido a mim, humilde prosador, misturar um goivo às flores perfumadas da saudade, e derramar uma lágrima sobre o fogo sagrado.

A beira desse túmulo, onde o poeta dos grandes amores, das paixões ardentes, o poeta do coração, talvez que venha pender uma cabeça pálida, e que os ecos da tarde murmurem às brisas que passarem, aquela endeixa repassada de tanta mágoa: 

Correi sobre estas flores desbotadas,
Lágrimas tristes minhas, orvalhai-as,
Que a aridez do sepulcro as tem queimado.

Mas erguei os olhos! Nesses versos que aí vedes é um irmão que fala. Silêncio, pois! Deixemos ao poeta dizer as saudades da poesia. Lede a bela poesia do Sr. Andrada Machado sobre a morte de Garrett.

À MORTE DO INSIGNE POETA PORTUGUES
VISCONDE DE ALMEIDA GARRETT

Morrer! Porqu’extinguir-se assim tão rápida
A centelha vivaz que alumiava
Por entre os véus da noite a turba varia?
Morrer! E além perder-se fenecida
A fronte poderosa que abrigava
A vontade de Deus! – Nem mais seus olhos 
Lerão nos astros a marcada rota
       Que o mundo há de seguir.
De Lísia a musa – joelho em terra – pára
Junto da campa que entre a noite alveja!
    Treme-lhe o corpo, como sacudido
Por ventania rija, e os olhos turvos
Em vão se esforçam por verter um pranto –
Consolo que lhe adoce a dor cruenta.
E as lágrimas enxutas se derramam
Por sobre a face em convulsivos traços
Do sangue coagulado que nas veias
                De súbito estancou.

Que maldição, Senhor, açoita o século!
A morte hedionda, entrechocando os ossos,
Tripudia de júbilo, espreitando
A vítima infeliz. Seu peito cavo
Anseia de alegria. Os que mais alto
Erguem a fronte refulgindo glórias.
- Decrépita manceba – ela escolhe;
E tenta remoçar o amor adusto,
Chupando o sangue que mais puro gira
              Em coração de homem.

E assim de um só ímpeto se apaga
Uma vida que rútila brilhara,
Seus raios desferindo a acalentaram
Com seu almo calor as mós do povo!
E assim resvala na solidão perdida
A voz que descantara em lira d’oiro,
Com coração pungido de amarguras,
A cruenta desgraça do poeta
              Que morreu com a pátria.

Oh! Que sina tão negra a do poeta!
Escolhido da dor, perlustra a vida,
Rasgando o seio que a desgraça oprime,
A derramar nos cantos inspirados
Essa de vida seiva tão possante
Que pródigo oferece às multidões.
E por trôco o sofrer angustiado
Do maldito de Deus que vaga incerto
          No caminhar contínuo.

Nenhum consolo sobre a terra ao pobre!
E quando era sentado sobre o marco,
Pendida à frente a descantar às auras
A dulia inefável de seu seio,
A morte lhe interrompe o canto suave,
Que ele vai terminar na eternidade
            Junto ao trono de Deus.

Que plácido repouse nas alturas – 
No remanso da paz – entre os arcanjos,
Que em seus braços o acolhem pressuroso!
E unindo sua lira em nota amena
Às harpas divinais, ufano entoe
          Os hinos do Senhor.

Feliz, despiu a túnica poenta;
E, se prostrado jaz na loiza frígida
Estanguido seu corpo pela morte,
Eternos viverão seus divos cantos,
Que não há esquecer obras que o gênio
           Com seu sopro inspirou.

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.