quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Arthur Nestrovski (1959)


Arthur Nestrovski nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1959. Formou-se em música na Universidade de York, na Inglaterra, e doutorou-se em literatura e música na Universidade do Iowa, nos Estados Unidos. É articulista da Folha de S.Paulo, editor da série Folha explica (Publifolha) e professor titular de Literatura na Puc de São Paulo, ensaísta e autor de livros infantis premiados. 

Dedicado a complexos temas culturais, autor de livros eruditos como Ironias da Modernidade (1996), um estudo sobre a linguagem irônica na literatura e na música do modernismo, e organizador de obras como Figuras do Brasil (2002), onde se encontram reunidos textos de 80 das mais representativas personalidades da cultura brasileira, Arthur Nestrovski é também um dos mais sensíveis e criativos autores da literatura infantil brasileira. 

Depois de receber o prêmio Jabuti como autor-revelação por Debussy e Poe (1986), Arthur lançou, em 1998, Histórias de Avô e Avó (1998), um livro infantil, de cunho autobiográfico, onde ele reconta as histórias que ouviu dos avós, imigrantes judeus, como quem coloca um ladrilho indispensável ao imenso mosaico da diversidade étnica brasileira. Em seguida, foi a vez do violinista Arthur contar para crianças sua história de amor com a música, desde o primeiro concerto a que assistiu. Em O Livro da Música (2000), o autor vai de reminiscência em reminiscência, explicando os termos e as coisas do mundo da música. Nestrovski também empresta seu ouvido privilegiado de músico aos leitores de Barulho, Barulhinho, Barulhão e ensina a ouvir os sons que nos rodeiam, do barulhinho da latinha de refrigerante que se abre ao barulhão do avião que risca o céu.

Em Coisas Que Eu Queria Ser (2003), o escritor mostra que, além de ouvido, também tem olhos e coração para perceber as possibilidades de vida em objetos que cercam nosso dia-a-dia, como um simples lápis, ou naqueles que sonhamos, como uma máquina de exterminar chatos. Dando novas respostas à eterna pergunta “o que você vai ser quando crescer?”, o livro leva o leitor à aventura de experimentar outras maneiras de viver.

Essa liberdade de trafegar entre o real e o imaginário é a matéria com que o autor constrói o consagrado Bichos Que Existem e Bichos Que Não Existem (2002). Trazendo para o universo infantil a idéia do escritor francês Francis Ponge, que explorou poeticamente as coisas e objetos do mundo, o autor apresenta, com muito humor, bichos reais, de todos os tipos, e animais fantásticos que habitam os mitos gregos e o folclore nacional. E mergulhar na fantasia das lendas brasileiras é coisa que Nestrovski faz com fôlego de boto, como se vê também em A Iara (2002), a serei de água doce que, nesse livro, encanta não só o protagonista, mas também todos os leitores.

Algumas Obras

Infantil & Juvenil

- Histórias de Avô e Avó (il. Mª Eugênia) – 1998, Cia. das Letrinhas
- O Livro da Música (il. Marcelo Cipis) – 2000, Cia das Letrinhas
- A Iara – 2002, FTD 
- Bichos que Existem & Bichos que Não Existem (il. Mª Eugênia) – 2002, Cosac & Naify 
- Coisas Que Eu Queria Ser (il. Mª Eugênia) – 2003, Cosac & Naify
- Barulho, Barulhinho, Barulhão – (il. Marcelo Cipis) – 2004, Cosac & Naify

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 728)



Uma Trova de Ademar  

Procuro sempre crescer 
mesmo enfrentando empecilhos, 
mostrando em meu proceder, 
exemplos para os meus filhos... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

A noite calada e escura
que silencia meu pranto,
revela toda a amargura
na falta de teu encanto.
–Nilton Manoel/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Ao rever a sua imagem 
N’alma abri minhas cortinas 
e retoquei a tatuagem 
feita nas minhas retinas! 
–Manoel Cavalcante/RN– 

Uma Trova Premiada  

2010   -   TrovaUneVersos/RN 
Tema   -   SILHUETA   -   3º Lugar 

Quando o sol se faz mais forte 
e a chuva responde...não! 
a silhueta da morte 
se espraia pelo sertão. 
–Francisco José Pessoa/CE– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Tua carta inesperada
tantas lembranças me trouxe,
que eu vivi de um quase nada,
um quase tudo tão doce!...
–Analice Feitoza de Lima/SP– 

U m a P o e s i a  

Hoje existe uma corrente, 
pela qual alguns autores, 
defendem que, na escola, 
os nossos educadores 
tragam de volta à cultura 
de novo a literatura 
dos cordéis encantadores. 
–Hélio Pedro/RN– 

Soneto do Dia  

VARAL DE LUZES. 
–José Antonio Jacob/MG– 

Vem! Dá-me a mão princesa, o mundo é belo! 
Deixa um bilhete simples sobre a estante, 
descalça os teus pezinhos do chinelo 
e vamos juntos caminhar adiante!... 

Se o azul combina o tom com o amarelo 
e o arco-íris se inclina em céu distante, 
por que tu vives dentro de um castelo 
se a vida te ilumina a todo instante? 

Ajunta os teus sonhos cor de mel 
nas rimas de um soneto bem escrito 
e exprime teus encantos no papel! 

Colore neste dia um tom bonito 
que a noite põe estrelas no teu céu 
como um varal de luzes no infinito!

Nilton Manoel (Ribeirão Preto em Destaque)


Nilton Manoel e Rita Mourão – oradores - 
em evento no colégio Marista de Ribeirão Preto.

O lançamento de livro de poesia dos alunos da escola teve por estilo literário a literatura de Cordel. 

Ribeirão Preto homenageia o Cordel Brasileiro com o dia municipal do Cordel (dia do natalicio de Rodolfo Coelho Cavalcante e rua ) através do vereador (natural do nordeste) prof. dr. Cicero Gomes da Silva. Na coordenação de escola publica temos aqui uma sobrinha de Rodolfo. 

A literatura do Paraná (Sul) era divulgada no Diário da Manhã, onde destaca matéria que nos alerta dos 100 anos do Centro de Letras com quem tivemos vasta correspondência nos tempos de Vasco Taborda.

Fonte:
Nilton Manoel

Jornais e Revistas do Brasil (A Manha / RJ)


Período disponível: 1926 a 1955 
Local: Rio de Janeiro, RJ 

Publicação de humor político, A Manha foi criada e dirigida por Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, posteriormente auto-intitulado Barão de Itararé. O próprio nome do periódico parodiava um dos grandes jornais da época, A Manhã (de cujo título subtraiu-se o til), no qual Torelly, sob o pseudônimo Apporelly, antes de criar o seu jornal, publicava uma coluna humorística intitulada “A Manhã tem mais”. A Manha procurava imitar A Manhã também no seu aspecto visual.

Torelly foi na sua especialidade, o humor, importante personagem das redações cariocas, sendo considerado um precursor da moderna imprensa satírica brasileira. A Manha começou a circular no dia 13 de maio de 1926 com o subtítulo “Órgão de ataques... de riso”. Propunha-se abertamente a “morder o calcanhar das autoridades”, especialmente a classe política. Com estilo irreverente e inovador, A Manha revelou-se em pouco tempo um sucesso de vendas, colocando-se à frente das publicações concorrentes, como O Malho, Careta e Fon-Fon. 

Homem de idéias socialistas, ligado ao Partido Comunista Brasileiro – o que lhe valeria três prisões durante governo Vargas –, Torelly gostava de atacar com suas piadas os valores estabelecidos, enquanto se solidarizava com os setores marginalizados da sociedade. A própria figura fictícia do Barão de Itararé era uma crítica bem-humorada ao conservadorismo das elites e aos valores aristocráticos. 

Criado como semanário de circulação nacional, mas caindo depois em periodicidade irregular, A Manha era quase totalmente escrita pelo próprio Torelly, que na primeira fase do jornal ainda se assinava Apporelly. No entanto escondiam-se, sob vários pseudônimos, colaboradores importantes como Manuel Bandeira, Henrique Pongetti e José Madeira de Freitas (o caricaturista e escritor que se assinava Mendes Fradique). O jornal contava também com charges de Nássara, Pedro de Lara, Martiniano, Mollas e Hilde.

O diagramador e desenhista paraguaio Andrés Guevara foi, pela constância e qualidade do seu trabalho, o mais importante colaborador do periódico, atuando nele do início ao fim, já na década de 1950. Dividia o seu tempo entre Brasil e Argentina, onde tinha sua principal residência. Guevara não só influenciou muitos cartunistas brasileiros como introduziu modernos conceitos de diagramação e paginação em nossa imprensa, tendo sido responsável, inclusive, pelo projeto gráfico do jornal Última Hora, lançado em 1951, que introduziu a técnica da diagramação na imprensa brasileira. Muito devido a seu trabalho, A Manha foi o primeiro jornal humorístico a fazer uso de fotomontagens para ridicularizar as autoridades. 

A Manha tinha formato tabloide (fator que viria a influenciar a chamada imprensa alternativa dos anos 1960/70) e apresentava várias seções: economia, política, cotidiano, noticiário policial, página de literatura e esportes etc. Trazia também previsões de fim de ano e um suplemento de supostos correspondentes estrangeiros, com artigos redigidos à maneira pela qual imigrantes portugueses, alemães e italianos falavam coloquialmente o português, com suas respectivas pronúncias e erros de ortografia. A política, vista sempre pela ótica do humor, era o assunto predominante do jornal, que mantinha também uma seção destinada a denúncias dos leitores. 

Em 1929, durante a campanha política promovida pela Aliança Liberal, com Getúlio Vargas candidato à Presidência e João Pessoa a vice, A Manha circulou por quatro meses como encarte semanal do jornal Diário da Noite, órgão dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, em apoio ao movimento. Na primeira semana, dobrou de tiragem, vendendo 15 mil exemplares, até chegar à marca de 125 mil exemplares, vendidos na data da publicação do programa da AL. 

Após a Revolução de 1930, que levou Getúlio ao poder, A Manha se dizia um órgão independente, “que não se vende, apenas se troca por quinhentos réis”. Foi nesse período que Torelly contemplou-se com um título de nobreza, barão de Itararé, em alusão à cidade de São Paulo, de nome Itararé, onde se esperava um cruento e decisivo confronto entre as forças governistas fiéis ao presidente Washington Luís e os revolucionários liderados por Getúlio. A "Batalha de Iraré", da qual ele emergiu como "barão", jamais aconteceu, no entanto. Essa sutil provocação seria apenas o começo de uma conflituosa relação do dono de A Manha com a ditadura de Vargas. 

Em setembro de 1932, Torelly foi preso por causa de seus constantes ataques ao regime. Em 1933, seu jornal já aderia fervorosamente à campanha antifascista, ironizando o movimento integralista brasileiro, de extrema-direita, comandado por Plínio Salgado e inspirado no ideário de Hitler e Mussolini. O slogan integralista “Deus, Pátria e Família” foi substituído nas páginas de A Manha por “Adeus, Pátria e Família”. Neste período, Torelly sofreu violento atentado perpetrado por militares integralistas da Marinha por causa de uma série de reportagens sobre o marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, publicada no Jornal do Povo, editado em paralelo a seu jornal humorístico. Mas em A Manha até as tragédias se transformavam em anedota. Consta que depois do incidente Torelly teria afixado uma tabuleta na porta de sua sala com os dizeres: “Entre sem bater”. 

Em 1934, mesmo ano em que se inicia o regime nazista na Alemanha, Torelly já denunciava em A Manha a “carnificina dos campos de concentração, onde se encontram presos os adversários do regime (…) e milhares de judeus que curtem o crime de não terem nascidos arianos puros”. As posições políticas levam Torelly para a prisão pela segunda vez, em dezembro de 1935, quando seu periódico saiu temporariamente de circulação. Dessa vez o Barão de Itararé era apontado como militante e um dos fundadores da Aliança Nacional Libertadora. A ANL fora desarticulada pelo governo Vargas após o fracasso dos levantes armados de 1935, liderados pelo PCB (Intentona Comunista). Algumas reuniões da ANL ocorriam, de fato, na própria sede de A Manha, com a presença de Francisco Mangabeira, Carlos Lacerda, Roberto Sisson, Manuel Venâncio Campos da Paz, Benjamim Soares Cabello e outros. 

A Manha só foi reaberta após a soltura de Torelly, em 21 de dezembro de 1936, passando a circular sob censura exercida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Nesta fase, o periódico concentrava seus ataques às ditaduras de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, evitando choques frontais com a direita brasileira. Mesmo assim, o jornal só conseguiu funcionar por cerca de um ano a mais, sucumbindo finalmente sob as pressões da ditadura do Estado Novo. Torelly se refugiou então no Diário de Notícias, na condição de colaborador, mas acabou sendo preso novamente. Em novembro de 1937, dividiu uma cela, no presídio da Frei Caneca, com Graciliano Ramos, fato citado no livro Memórias do cárcere, do escritor alagoano. 

Quase uma década depois, em abril de 1945, A Manha ressurge, alcançando um sucesso até maior do que antes. Neste momento, em clima de instabilidade política pelo qual passava o governo Vargas, o jornal prenunciava a articulação de um golpe contra o presidente em manchete que se tornaria mais uma das célebres criações de Torelly: “Além dos aviões de carreira há qualquer coisa no ar”. Nesta nova fase, contando com a colaboração de escritores como José Lins do Rego, Álvaro Lins, Rubem Braga, Raimundo Magalhães Jr., Raul Lima, Pompeu de Sousa e Sérgio Milliet, entre outros, o jornal passou a ter Arnon de Melo como responsável pelo seu departamento comercial. Incentivou-se, nesse período, o uso da imagem do Barão de Itararé como garoto-propaganda, mas a sociedade mantida entre Torelly e Arnon de Melo acabou desfeita pouco tempo depois, quando este passou a apoiar a candidatura de Eduardo Gomes, da União Democrática Nacional (UDN), nas eleições presidenciais. 

Devido a problemas financeiros, A Manha deixou de circular em 1948. Torelly havia sido eleito vereador do antigo Distrito Federal, pelo PCB, no ano anterior, sendo cassado em 1948, assim como outros parlamentares da legenda. Um ano depois, associado a Andrés Guevara, o Barão de Itararé edita em São Paulo (SP) o Almanaque d’A Manha, também chamado Almanhaque. Impulsionada pelo repentino sucesso da publicação, A Manha volta a circular em 1950, agora em São Paulo, para desaparecer em setembro de 1952. Em 1955 Torelly lança as duas edições derradeiras do seu Almanhaque. A Manha teve ainda curta sobrevida em 1960, ao reaparecer como encarte de uma página no jornal Última Hora. Em 1989, o Almanhaque teve reedições fac-similares, editadas pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e pela Editora Studioma.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/manha

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 17 de dezembro: O Teatro Lírico


I

Por enquanto, em falta de melhor, falemos do Teatro Lírico, que está hoje na ordem do dia, justamente pela desordem em que tem andado todas estas noites, depois que o diabo lhe entrou no corpo.

Todos os jornais têm dito a sua opinião a respeito; todas as opiniões são muito acertadas; mas parece-me que ainda ninguém chegou à conseqüência necessária deste estado anormal em que se acha o nosso teatro italiano.

Nas circunstâncias atuais, só há um remédio, e é interromper os espetáculos, pelo menos durante um mês, para dar tempo a que a nossa companhia de cantores inválidos se restabeleça e possa novamente entrar em trabalhos.

Consta-nos que a maior parte dos embaraços e dificuldades que a diretoria tem ultimamente encontrado nasce dos seus próprios empregados. Ora, com o fechamento do teatro durante um mês, poderão os diretores restabelecer a ordem necessária e destruir essa soberania do capricho, que até agora era privilégio das primas-donas, mas que já se vai estendendo às comprimárias, e breve passará às coristas e às comparsas.

Temos um regulamento de teatro, que, se não é perfeito, contém ao menos um bom número de disposições acertadas, suficientes para impor o respeito a alguns cantores, que por terem meia dúzia de panegiristas, entendem poder abusar da indulgência do público.

Faça a diretoria cumprir rigorosamente este regulamento, requisite nos casos necessários a ação da polícia, que se tem mostrado zelosa, e pode ficar certa que ninguém deixará de aplaudir essa boa resolução, cujos efeitos salutares em pouco tempo se começarão a fazer sentir.

Que importa que um cantor, punido por uma falta de suas obrigações, seja recebido com palmas a primeira vez que apareceu na cena, depois do seu ato de insubordinação? Há sempre nos homens um bom instinto que ilude, e os faz tomar o partido daqueles que julguem oprimidos, que consideram como vítimas. Isto, porém, não é uma razão para que se deixe de manter o princípio da autoridade, sem o qual não há ordem nem tranqüilidade possível.

Se todas as infrações do regulamento tivessem sido punidas como essa de que falamos, ninguém se lembraria de enxergar uma vítima no ator que caíra em falta, nem de protestar contra o ato dos diretores por uma semelhante manifestação de simpatia.

Tomando a diretoria a posição que lhe convém, e fechando o teatro pelo tempo necessário para preparar as óperas que tem de levar à cena, poderá em pouco tempo continuar os espetáculos sem interrupção, e com aquela regularidade que até hoje tem sido impossível conseguir.

Todos os anos por este tempo a imprensa lembra a idéia de fechar-se o Teatro Lírico por um ou dois meses, e, apesar disto, ainda não nos compenetrarmos bem desta necessidade; não queremos reconhecer que, se na Europa a ópera italiana abre-se por uma estação, no nosso país, com o nosso clima, é quase impossível continuar os espetáculos sem dar aos artistas algum tempo de repouso e descanso.

Estou certo que este ano sucederá a mesma coisa; que a diretoria não julgará necessária uma medida sem a qual se passou muito bem os anos anteriores. Mas também este ano veremos acontecer o mesmo que o verão passado. O teatro continuará aberto por formalidade e por luxo unicamente, os cantores estarão constantemente doentes; passarão doze dias sem espetáculo; o calor e o receio das transferências afugentará os espectadores; e por fim, depois de dois ou três meses de vegetação, a companhia ficará extenuada e incompleta, e, como o ano passado, seremos obrigados a fechar o teatro justamente quando se acabar o verão, e quando os espetáculos começarem a ser agradáveis.

Talvez percamos o nosso tempo a falar destas coisas. O teatro lírico, que já tomou as proporções gigantescas de uma questão de gabinete, hoje apenas serve de tema sediço às palestras e correspondências de jornais. Entretanto isto não pode continuar assim; já não podemos passar sem ópera italiana, e por conseguinte mais cedo ou mais tarde se descobrirão os meios de possuirmos constantemente no nosso teatro uma companhia regular e composta de artistas de merecimento.

Para isso o governo pode achar um grande auxílio no nosso Conservatório de Música, dirigido pelo hábil professor o Sr, Francisco Manuel da Silva. O gosto e a aptidão que têm geralmente as brasileiras para o canto pode  concorrer para o futuro do nosso teatro, fornecendo as empresas de coristas e comprimárias, e facilitando-lhe assim os meios de contratar na Europa as primeiras partes, pelo preço que pagam os melhores teatros europeus.

Na visita que o Sr. Ministro do Império fez ultimamente a este estabelecimento, assistiu aos trabalhos da aula destinada ao sexo feminino. Estiveram presentes 34 jovens alunas, que executaram, entre outras três peças de música sacra, compostas pelo diretor, duas sobre poesias do Padre Caldas, e uma sobre a letra latina – Ó salutaris hóstia.

O Sr. Ministro do Império conta visitar igualmente a aula dos meninos, e, depois que tiver assistido a todos os trabalhos do Conservatório, é de crer trate de completá-lo, anexando às aulas rudimentais, únicas que existem, aulas de aplicação, que poderão daqui a algum tempo dar-nos ótimos instrumentistas para nossas orquestras.

A escassez dos recursos é a primeira causa do pouco desenvolvimento que tem tido o Conservatório. Os auxílios concedidos por meio de loterias estão hoje reconhecidos como pouco eficazes, principalmente correndo elas com longo espaço. Fora preferível que o corpo legislativo votasse uma dotação anual, com a qual o governo poderia contar para ir melhorando gradualmente esta instituição.

Hoje ninguém se lembra do Conservatório de Música. Entretanto quem sabe daqui a alguns anos quantas horas agradáveis não nos dará ele por ocasião dos seus concursos e dos seus exames anuais! Quem sabe se ainda não terei de contar aos meus leitores a história de alguma Rosina Stoltz brasileira, educada neste Conservatório, e para quem algum Donizetti também brasileiro escreverá uma nova Favorita.

Talvez julguem que isto são votos de imaginação: é possível. Como não dar largas à imaginação, quando a realidade vai tomando proporções quase fantásticas, quando a civilização faz prodígios, quando no nosso próprio país a inteligência, o talento, as artes, o comércio, as grandes idéias,tudo pulula, tudo cresce e se desenvolve?

Na ordem dos melhoramentos materiais, sobretudo, cada dia fazemos um passo, e em cada passo realizamos uma coisa útil para o engrandecimento do país.

Não há muito tempo que S.M. teve a bela idéia de fundar em terras de uma fazenda sua uma colônia, que recebeu o nome de Petrópolis. O ano passado, à imitação da primeira, se começou a criar uma nova cidade, à qual se deu o nome de Teresina. Hoje sabemos que uma terceira colônia se vai formar na Serra dos Órgãos, na fazenda do Marsch; já começou a divisão dos prazos, pelo mesmo sistema de Petrópolis.

A situação é a mais aprazível e a mais linda que se pode imaginar: é plana, cortada por um belo rio, e acha-se no alto da serra, num ponto de muita passagem, e por onde talvez tenha de seguir um dos ramais da estrada de ferro do Vale do Paraíba.

A viagem desta corte é a mais cômoda possível. Vai-se até Sampaio em barca de vapor; o resto é um agradável passeio de duas léguas e meia, que se pode fazer de carro, por uma excelente estrada. Reúne, portanto, todas as condições, a comodidade, a rapidez e a segurança.

Isto no estado atual; porque, logo que se começar a povoar o lugar, logo que os habitantes desta corte tiverem gozado aquele clima frio e seco, aquele céu sempre azul, aquelas águas frescas e puras, logo que se estabelecer a concorrência, não faltarão companhias regulares de ônibus e de carros, que ainda tornarão a ida mais breve e mais cômoda. Então não será uma viagem, mas um passeio; poder-se-á almoçar na corte e ir lá jantar-se, mas, jantar-se à hora curial, e não às cinco, como sucede com Petrópolis, por causa da maré.

De maneira que daqui a uns dez ou vinte anos, se as coisas continuarem, em vez de  se passar o domingo em Andaraí, Botafogo, ou no Jardim Botânico, iremos a Petrópolis, a Teresina, ou a cidade dos Órgãos; depois do almoço, se estivermos aborrecidos, tomaremos a estrada de ferro e iremos por distração ver correr o Paraíba; de noite voltaremos para o teatro, ou para o baile, e nos recolheremos tendo andado de léguas o que hoje andamos de braças.

Talvez ainda me tachem isto de sonho e de utopia. Será sonho, não o nego; mas que melhor se pode fazer neste tempo de repouso e descanso, do que sonhar? O trabalho vai cessar, as festas aí vêm, cheias de prazeres e de folhas para aqueles que estão alegres e dispostos a goza-las.

As férias começam. Os colégios se fecham desde que concluem os seus exames, os quais este ano já têm mostrado mais zelo da parte dos diretores e mais aplicação nos discípulos. O que se nota apenas é que em cada colégio o menino ressente-se um pouco da influência de uma ou outra especialidade, conforme a educação dos diretores.

Com as férias, com os dias de festa, nem a exposição da Rua do Ouvidor, verdadeira exposição, porque deixa a bolsa dos passeantes exposta a um perigo terrível. Este ano apresenta-se à concorrência uma nova casa brasileira do Sr. C. Lase, que entrou pelos domínios estrangeiros, mas com um luxo e um brilhantismo que nada tem que invejar às casas francesas.

Se não preferis, pois, o sossego e a tranqüilidade do campo, tereis durante esses dias algumas horas bem agradáveis, vendo passar diante  daqueles salões,brilhantemente iluminados, tudo quanto há de elegante e distinto na nossa sociedade.

Tereis ainda o prazer de poder escolher, entre tantas galanterias, uma bem delicada, bem mimosa, como as mãozinhas a que a destinardes; e em paga recebereis algum olhar, alguma palavra de agradecimento, que vos fará andar por ai a roer as unha e a sorrir às pedras das calçadas até o momento em que o cruel e positivo negociante vos traduzir aquele encantador olhar em linguagem de cifra, e lhe der um valor em moeda corrente.  

Tudo isto, e os mais divertimentos que gozardes durante a festa, me referireis a primeira vez que nos encontrarmos no ano seguinte. Em troca vos contarei a festa do campo, os dias passados à sombra a conversar com algum amigo, a contemplar a natureza, e a evocar as lembranças adormecidas de outros dias já passados.

II

Voltemos uma folha ao livro da semana. Um grande pensamento, uma idéia brilhante foi nela escrita pelo amor da pátria, e pelo amor da ciência.

O Instituto Histórico do Brasil celebrou a sua sessão aniversária sexta-feira no Paço Imperial. SS.MM., o seu Conselho de Estado, alguns ministros, o corpo diplomático, e quase todas as ilustrações do país, assistiram a este ato solene, celebrado com as formalidades do estilo.

Depois da breve alocução do Exmo. Visconde de Sapucaí, o Sr. Dr. Macedo, 1.º Secretário, leu o seu relatório dos trabalhos do Instituto durante o ano. É um resumo completo, um pouco longo, como exigia o seu assunto, mas ao qual o seu autor soube, com rara habilidade, dar uma forma amena, e muitas vezes eloqüente. Depois de mostrar a incansável solicitude com que S.M. continua a proteger o Instituto, o Sr. Dr. Macedo passou à enumeração dos trabalhos, e terminou por um belo trecho, notável não só pela boa dicção da frase, como por uma verdadeira apreciação da atualidade.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Raquel Ordones (Guardados de Mim)


Ruth Rocha (Bom dia todas as cores)


Meu amigo Camaleão acordou de bom humor.
- Bom dia, sol, bom dia, flores,

bom dia, todas as cores!

Lavou o rosto numa folha
Cheia de orvalho, mudou sua cor
Para a cor-de-rosa, que ele achava
A mais bonita de todas, e saiu para
O sol, contente da vida.

Meu amigo Camaleão estava feliz
Porque tinha chegado a primavera.
E o sol, finalmente, depois de
Um inverno longo e frio, brilhava,
Alegre, no céu.
- Eu hoje estou de bem com a vida
- Ele disse. - quero ser bonzinho
Pra todo mundo...

Logo que saiu de casa,
O Camaleão encontrou
O professor pernilongo.
O professor pernilongo toca
Violino na orquestra
Do Teatro Florestal.
- Bom dia, professor!
Como vai o senhor?
- Bom dia, Camaleão!
Mas o que é isso, meu irmão?
Por que é que mudou de cor?
Essa cor não lhe cai bem...
Olhe para o azul do céu.
Por que não fica azul também?

O Camaleão,
Amável como ele era,
Resolveu ficar azul
Como o céu da primavera...

Até que numa clareira
O Camaleão encontrou
O sabiá-laranjeira:
- Meu amigo Camaleão,
Muito bom dia e você!
Mas que cor é essa agora?
O amigo está azul por quê?

E o sabiá explicou
Que a cor mais linda do mundo
Era a cor alaranjada,
Cor de laranja, dourada.

Nosso amigo, bem depressa,
Resolveu mudar de cor.
Ficou logo alaranjado,
Louro, laranja, dourado.
E cantando, alegremente,
Lá se foi, ainda contente...


Na pracinha da floresta,
Saindo da capelinha,
Vinha o senhor louva-a-deus,
Mais a família inteirinha.
Ele é um senhor muito sério,
Que não gosta de gracinha.
- bom dia, Camaleão!
Que cor mais escandalosa!
Parece até fantasia
Pra baile de carnaval...

Você devia arranjar
Uma cor mais natural...
Veja o verde da folhagem...
Veja o verde da campina...
Você devia fazer
O que a natureza ensina.

É claro que o nosso amigo
Resolveu mudar de cor.
Ficou logo bem verdinho.
E foi pelo seu caminho...

Vocês agora já sabem como era o Camaleão.
Bastava que alguém falasse, mudava de opinião.
Ficava roxo, amarelo, ficava cor-de-pavão.
Ficava de toda cor. Não sabia dizer NÃO.

Por isso, naquele dia, cada vez que 
Se encontrava com algum de seus amigos,
E que o amigo estranhava a cor com que ele estava...
Adivinha o que fazia o nosso Camaleão.
Pois ele logo mudava, mudava para outro tom...

Mudou de rosa para azul.

De azul para alaranjado.

De laranja para verde.

De verde para encarnado.

Mudou de preto para branco.

De branco virou roxinho.

De roxo para amarelo.
E até para cor de vinho...

Quando o sol começou a se pôr no horizonte,
Camaleão resolveu voltar para casa.
Estava cansado do longo passeio
E mais cansado ainda de tanto
mudar de cor.
Entrou na sua casinha.
Deitou para descansar.
E lá ficou a pensar:
- Por mais que a gente se esforce,
Não pode agradar a todos.
Alguns gostam de farofa.
Outros preferem farelo...
Uns querem comer maçã.
Outros preferem marmelo...
Tem quem goste de sapato.
Tem quem goste de chinelo...
E se não fossem os gostos,
Que seria do amarelo?

Por isso, no outro dia, Camaleão levantou-se
Bem cedinho.
- Bom dia, sol, bom dia, flores,
Bom dia, todas as cores!

Lavou o rosto numa folha
Cheia de orvalho,
Mudou sua cor para
A cor-de-rosa, que ele
Achava a mais bonita
De todas, e saiu para
O sol, contente
Da vida.

Logo que saiu, Camaleão encontrou o sapo cururu,
Que é cantor de sucesso na Rádio Jovem Floresta.
- Bom dia, meu caro sapo! Que dia mais lindo, não?
- Muito bom dia, amigo Camaleão!
Mais que cor mais engraçada,
Antiga, tão desbotada...
Por que é que você não usa
Uma cor mais avançada?

O Camaleão sorriu e disse para o seu amigo:
- Eu uso as cores que eu gosto,
E com isso faço bem.
Eu gosto dos bons conselhos,
Mas faço o que me convém.
Quem não agrada a si mesmo,
Não pode agradar ninguém...
E assim aconteceu
O que acabei de contar.
Se gostaram, muito bem!
Se não gostaram, AZAR!


Fonte:

João Anzanello Carrascoza (Ponta da Língua)


Ilustração: Clouds

Cheia de graça é a nossa língua, portuguesa.
 Você nem precisa aprender o á-bê-cê para rir com ela.
 Desde pequeno já ouve dizer que mentira tem pernas curtas.
 E mentira tem pernas?
 E a verdade? A verdade tem pernas longas?
 E quando dói a barriga da perna?
 Ou quando ficamos de orelha em pé?
 O que a barriga tem a ver com a perna, e orelha com o pé?
 Pra ser divertido, não leve nada ao pé da letra!
 Até porque letra não tem pé. Ou tem?
 Pé-de-meia é o dinheiro que a gente economiza.
 Pé-de-moleque, doce de amendoim.
 Dedo de prosa é papo rápido.
 Dedo-duro é traidor.
 Pão-duro, pessoa egoísta.
 E boca da noite? E céu da boca?
 É uma brincadeira atrás da outra!
 Cabeça de cebola, dente de alho, braço de mar.
 Com a nossa língua, a gente pode pegar a vida pela mão.
 Pode abrir o coração. Pode fechar a tristeza.
 A gente pode morrer de medo e, ao mesmo tempo, estar vivinho da silva.
 Pode fazer coisas sem pé nem cabeça.
 Mas brincar com palavras também é coisa séria.
 Basta errar o tom e você vai parar no olho do furacão.
 Então, divirta-se. Cuidado só para não morder a língua portuguesa

Fonte:

Mário de Carvalho (Três personagens transviadas)


Escrevo num computador instalado num móvel polido que tem uma prateleira que se puxa. Muito vulgarizados, tais móveis podem encontrar-se em qualquer loja informática das grandes. Menciono este dado pessoal porque ele estabelece o cenário de desconfortáveis ocorrências, há pouco mais duma hora, aqui no meu escritório. Possuir um móvel destes não é coisa de que alguém se gabe, e eu preferiria ocultar o facto, se não fosse necessário confessá-lo.

Estava a premir a tecla F 11, quando um homenzinho magro, de fato escuro completo e chapéu fora de moda emergiu atrás do teclado e começou a fazer esforços para se içar para o tampo superior, onde se agigantam monitor e impressora. Levantava os braços, numa gesticulação que me pareceu desesperada e dava grandes saltos, em cima da consola. Calçava sapatos ferrados que tiravam do plástico x sons fortes lembrando bicadas repetidas de catatua.

Não foi esta a primeira vez que me vi assediado por personagens. Acontecia-me, não raro, quando ia passear para o Jardim Constantino, depois do jantar, em certos plenilúnios. Saíam-me ao caminho por detrás das árvores e quase sempre eram mais altas e encorpadas do que eu. Algumas mostravam-se pouco benignas e chegavam a maçar-me. Essa a razão por que evito o Jardim Constantino e, quando tenho de passar por ali, sigo numa corrida e oculto a cara como posso. Nunca estou bem certo do plenilúnio.

Agora, uma personagem de doze centímetros de altura, magrita, a saltar ao alcance dos meus dedos é que nunca me tinha acontecido. Alguma vez havia de ser a primeira. O que pensei logo foi «com este posso eu bem». Apesar de parecer bastante ginasticado, capaz daqueles pulos todos, não me deu para ter medo dum homenzinho que me cabia na palma da mão. E se ele estivesse armado? Pelo aspecto não parecia.

Mas havia já outra personagem. À claridade do monitor, uma jovem loura, de blusa rosa e saia preta, passeava ao comprido pelo tampo do móvel, esfregando uma na outra as mãos ansiosas. Parecia estar muito preocupada. Usava bandós e calçava saltos altos. Podia estragar-me o verniz. Aproximei a cara. Tranquilizei-me. O peso dela não era bastante para que os saltos de agulha perfurassem a mobília. A mulherzinha não deu por mim. Continuava a andar, de um lado para o outro, fazendo soar, ao de leve, no móvel o tique-tique dos saltos. Ao debruçar-me, pareceu-me ouvir, muito sumidamente, uma vozinha angustiada: «Oh, Augusto, Augusto!» Mas não garanto.

O homem, entretanto, conseguia pendurar-se no tampo, e depois de um esforço complicado de braços e cotovelo içava o corpo, com dificuldade. Demorou que tempos nisto. Sobreveio a tentação de lhe dar uma ajuda com os dedos. Mas resolvi não interferir. Se ele me desabasse sobre o teclado, então poria a mão debaixo, não fosse danificar-me algumas teclas ou ficar entalado entre elas. Seria um tanto ridículo, aparecer na loja de informática a explicar que tinha um fulano esprimido entre as teclas, e que fizessem o favor de mo tirar com aquelas pinças largas que os especialistas usam.

Mas, enfim, o homenzinho lá se levantou, sacudiu o pó do fato, num manifesto exagero, ou num reflexo habitual (injusto porque eu posso comprovar que não há pó neste móvel) teve uma hesitação, e fez qualquer coisa de absolutamente inesperado.

Em vez de se dirigir à mulher, como eu erradamente previa, encaminhou-se para o velho do tambor.

O velho, de barba branca e barrete frígio, estava sentado na borda do cinzeiro, e tocava permanentemente tambor. Não se ouvia um som. Mas eu notava que às vezes aplicava as baquetas com grande energia. E a mulher lá continuava, dum lado para o outro, tique-tique, a arrepelar as mãos. Notei que teve um sobressalto, talvez um susto, e recuou um passo. Mas quando o homem desapareceu por trás do cinzeiro, fora do seu alcance, voltou à perturbada deambulação anterior.

A mulher estava, de certeza, à espera de alguém, provavelmente do tal Augusto, que não era o do chapéu. Eu comecei a enternecer-me e quase a desejar que o Augusto se mostrasse. O velho do tambor suspendeu a batida e olhou para o homem de chapéu que o tirou, num repelão, e tornou a colocá-lo. Era educado. O velho do tambor rodou a cabeça, repetidamente, numa obstinação negativa e recomeçou a rufar.

Mas o receio de que pudessem surgir mais personagens inquietou-me. Qual Augusto! Não me apetecia nada que a casa se me enchesse de cavaleiros, de ciclistas, de pugilistas e meninas do can-can. Ou de tropa. Não, é que podia perfeitamente aparecer um pelotão, a formar, em ordem unida, no braço do meu sofá orelhudo...

Em circunstâncias difíceis como esta, não há nada como recorrer a um perito. Telefonei a um amigo, que é escritor. Atendeu mal-disposto, porque foi acordado. É um escritor dos diurnos, nove às cinco.

«Ouve, meu caro, desculpa lá, mas estão a aparecer-me personagens em volta do computador. O que é que eu faço?»

O meu amigo formulou muitas perguntas sábias. É um grande especialista de personagens. Se eram pesadas ou leves, grandes ou pequenas, silenciosas ou barulhentas, sentimentais ou secas. «Têm máscara?», inquiriu. «Não? Então são de grau inferior...» Quando eu o informei de que eram pequenas e silenciosas, ele sugeriu-me com um tonzinho superior de quem enuncia uma evidência: «Agarra nas três e atira-as pela janela.»

«E se atinjo alguém? Estás a ver-me em tribunal por defenestrar personagens, com dano para os utentes da via pública?» «Então, conduta do lixo com elas.» «Não posso fazer uma coisa dessas, sempre são gente.»

Do lado de lá do telefone o meu amigo fez um «ts» de rabugice. Desconfio de que trata as personagens dele com uma certa dureza. É o que dá a experiência.

«Escuta, não andas agora a escrever umas crónicas, uns comentários, ou lá o que é?» Como é que ele sabia? Isto é uma cidade muito bem informada. Admiti.

«Então, faz o seguinte: aprisiona-as no texto.»

Fonte:
Mário de Carvalho. Contos Vagabundos. Lisboa: Editorial Caminho,2000. 

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 727)



Uma Trova de Ademar  

Meu momento mais doído
foi perder quem tanto adoro,
por isso eu choro escondido
para ninguém ver que eu choro!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional  

Arruaça sempre grande:
jogo, bebidas, e orgia,
Quanto mais o vício expande,
mais sua alma se esvazia!
–Eliana Palma/PR–

Uma Trova Potiguar  

Não fumo nem por esporte,
porque cigarro fascina;
mas deixa um gosto de morte
no trago da nicotina.
–José Lucas de Barros/RN–

Uma Trova Premiada  

2005   -   Nova Friburgo/RJ
Tema   -   APELO   -   M/E

Preenchi a tua vida:
fui musa, amante, modelo.

Mas, hoje, a minha partida...
resiste a qualquer apelo!
–Dilva Maria de Moraes/RJ–


...E Suas Trovas Ficaram  

Quando o solo estranho pisa,
o imigrante, esta é a verdade,
imigra porque precisa,
mas não foge da saudade.
–José Maria Morgade/SP–

U m a P o e s i a  

Fugindo à desarmonia,
no Bem vivemos imersos,
numa redoma de paz,
onde os males mais diversos,
sublimamos com ternura...
e um punhadinho de versos!
–Vanda Fagundes Queiroz/PR–

Soneto do Dia  

CRIATIVIDADE NA TERCEIRA IDADE
–Roza de Oliveira/PR–


Ser criativo na terceira idade
é sublimar os próprios desenganos!
Sócrates – a lira, aos setenta anos ,
aprendeu e tocou....na intimidade!

O filósofo, em criatividade,
uniu-se aos demais gênios – mais que ufanos:
Michelângelo – Goethe – soberanos
astros e gênios na melhor idade!

Em nossos tempos Cora Coralina
nos seus setenta, jovem se insinua
nas poesias tão puras, que ao escrevê-las

revela, em sua arte cristalina,
que lançando sua rede ao mar da lua
busca as estrelas ... tão somente estrelas!!!

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Cláudia Dimer (Não Sei Falar do Amor)

Formatação: Margot Vidal

Olivaldo Junior (Fim de Feira)


Pintura: Adriane Freire
Recolho a lona, aluno aplicado
em não ser mal-educado,
escrevendo como se o Olivaldo
pudesse lhe dar respaldo
para o sol que você não queria
obrigado.

Tiro as ripas, roubo a estrutura.
Estruturo o silêncio, silencio.
Mas o cio das letras me tortura
e sou mais um no meu vazio.

Não há mais sol de querosene,
não há mais lua de metáforas,
não há mais eu que só lhe acene,
nem há mais rua de semáforos,
fechados sinais
a quem tem pressa:
- Te interessa?

Guardo as tralhas que ninguém
de mim mais quer, aguardo.

É, o fim de feira me aperta,
pois sou, amigo, o seu poeta,
a linha reta que te entorta,
o torto ao peito que se porta
como se fosse só de morte.

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 726)



Uma Trova de Ademar  

Quando uma paixão soterra 
mágoa e dor nas cicatrizes, 
deixa uma marca que ferra 
o peito dos infelizes... 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Quando o percurso é distante
e os trilhos correm sem fim,
é bem neste exato instante, 
que Deus alia-se a mim! 
–Lisete Johnson/RS– 

Uma Trova Potiguar  

Mesmo sozinho e tristonho 
jamais vou te machucar,
porque o sonho que eu sonho, 
ninguém mais pode sonhar.
–Heliodoro Morais/RN– 

Uma Trova Premiada  

1997  -  Ribeirão Preto/SP 
Tema  -  GENTE  -  9º Lugar 

Que bom se a gente pudesse
fazer tudo que não fez...
e a vida, a chance nos desse,
de ser criança outra vez!...
–Ercy Maria M. de Farias/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Nos bons tempos de criança 
sonhava ser rei na vida: 
hoje toda essa esperança 
é ser teu servo, querida! 
–Jayme Paulo Filgueira/RN– 

U m a P o e s i a  

Eu montei o meu esquema 
pra viver as emoções, 
não abro mão do prazer 
de viver minhas paixões. 
Falo do meu dia a dia, 
do trabalho, da alegria, 
do real, e de ilusões. 
–Dáguima Verônica/MG– 

Soneto do Dia  

CARRO DE BOIS. 
–Divenei Boseli/SP– 

Eu sinto a mansidão de um boi de carro 
e meu carro de bois roda mansinho 
por mais íngreme e hostil seja o caminho: 
às vezes só de pedra, outras de barro. 

Sabemos, eu e os bois, que há um passarinho 
cantando em cada arbusto em que me esbarro. 
Do cheiro do gambá não me desgarro... 
Mas ouço, de uma fonte, o burburinho! 

Eu sou carro de bois rodando agora 
caminhos que a saudade, mundo afora, 
abriu, redesenhando o meu sertão. 

A mata com veredas tem meu jeito: 
veredas são as veias no meu peito 
bordando esse meu triste coração!

Jornais e Revistas no Brasil (A Época)


Período disponível: 1912 a 1919 
Local: Rio de Janeiro, RJ 

Denunciando os hábitos "puramente provincianos" da imprensa brasileira, o matutino A Época apresentou-se, no editorial do primeiro número, como jornal crítico e de oposição ao governo do marechal Hermes da Fonseca e ao Partido Republicano Conservador (PRC), do qual o presidente da República era um dos principais nomes. Lançado no Rio de Janeiro em 31 de julho de 1912, o periódico pertencia à Sociedade Anônima A Época, e tinha como diretores, no período inicial, Vicente de Toledo de Ouro Preto, Vicente Ferreira da Costa Piragibe e J. B. Câmara Canto. Circulava diariamente, em formato standard e oito páginas, com redação e administração situadas no nº 151 da avenida Rio Branco. 

Ainda no editorial da edição de lançamento, A Época discorria sobre os vícios e desqualificações de jornalistas e da imprensa brasileira em geral, a qual tachava de "ridícula" por valorizar noticiários policiais, notas sobre órgãos públicos e a bajulação a figuras da alta sociedade. Cabe ressaltar, no entanto, que o matutino não rompeu necessariamente com alguns desses vícios. Outro editorial da mesma edição inicial, assinado pelos três diretores da folha, "sinceramente catholicos", qualificava o periódico como apartidário e defensor de "um Exercito e uma Marinha efficientes, isto é disciplinados".

Apesar de apresentar refinados artigos e ensaios de cultura e moda galante,assinados por gente como Sílvio Romero, Coelho Neto e Augusto dos Anjos, A Época também tinha também uma linha popular, voltada para questões sociais e trabalhistas. Abordando lutas e manifestações gerais do operariado, a "Columna Operaria" noticiava greves, reivindicações proletárias, novidades sobre clubes e associações sindicais, incluindo mesmo atividades dançantes, esportivas e carnavalescas. O diário ainda tratava de assuntos ligados ao cotidiano e às condições de vida da população suburbana carioca na seção "Nos Suburbios!". Em novembro de 1912, noticiou e discutiu amplamente o projeto de construção de vilas operárias pelo governo.

Curiosamente, muito pela preferência política de Vicente de Ouro Preto, o diário se mostrava por vezes simpático ao monarquismo. A possível contradição entre o monarquismo de Ouro Preto e a atenção às causas operárias fica exposta, por exemplo, no nº 706. Após destacar a figura de Ouro Preto, que acabara de falecer, o jornal publicava, em outra página, o texto "Algumas palavras sobre o movimento revolucionario contemporaneo" (p.3), do jovem anarquista Astrojildo Pereira, que mais tarde se tornaria líder comunista e prestigiado crítico literário de orientação marxista.

Em seus primeiros momentos, A Época publicava a coluna "Política Exterior", assinada por "G. Ruch"; a seção de humor político intitulada "Fora do Sério", assinada por "Ridente"; entrevistas e textos opinativos sobre política nacional; notícias sobre Portugal, na seção "Cousas Portuguezas", de Alberto Estanislau; folhetins de autores diversos; notas sobre movimentações militares, sobretudo na seção "Forças Armadas", assinada por Vedeta; notícias gerais de utilidade pública no Rio de Janeiro e em outras cidades, como transportes, obras públicas, legislação e assuntos jurídicos etc.; o cotidiano carioca; a coluna "Echos Sociaes"; artigos sobre saúde; notícias e variedades relativas ao Congresso Nacional; notas sobre política e administração pública na seção "Periódicas", assinada por "Xosciuszko"; notícias enviadas por telegramas do estrangeiro e de várias cidades brasileiras; cotidiano policial; a coluna "Commercio, Lavoura e Industria", com cotações de produtos e variedades sobre economia e mercado; a "Chronica Esotérica", assinada pelo barão Ergonte, depois substituída pela seção de ocultismo e estudos espíritas "Os mysterios do Além...", então dirigida pelo médium Fernando Lacerda; anúncios de peças de teatro e crônica teatral, em "Coisas do Theatro" ou em especiais dominicais; artigos e ensaios sobre mestres da literatura; uma seção esportiva; a "Secção Livre"; sonetos, contos e crônicas de autores variados, sendo alguns traduzidos; despachos de órgãos públicos; viagens e curiosidades sobre diversas cidades e paisagens; ciências; moda; resultados do Jogo do Bicho; anúncios publicitários, entre outras coisas, incluindo fotografias. 

De início, as assinaturas semestrais e anuais custavam, respectivamente, 18$000 e 30$000. As edições dominicais eram mais robustas, com cerca de 12 páginas e matérias especiais de capa, em geral ilustradas. Os temas de destaque dos três primeiros domingos do periódico foram, no dia 4 de agosto de 1912, "O repatriamente dos restos mortaes de Suas Magestades D. Pedro 2º e D. Thereza e a revogação do banimento da Familia Imperial".

As convicções políticas de A Época, como era de se esperar, renderam ao jornal inúmeras polêmicas e embates. Em novembro de 1913, por exemplo, o jornal desfechou uma onda feroz de ataques ao PRC e a seus políticos. Em meio a isso, noticiou, na edição do dia 25, o falecimento de seu diretor Vicente de Ouro Preto (dois dias depois, o jornal se mostraria solidário à revista Careta diante dos ataques do filho de Hermes da Fonseca, por exageros humorísticos contra seu pai). Em 1914, já sob o governo de Wenceslau Brás, A Época aplaudia a atuação de Rui Barbosa como senador.

Após desdicar atenção inicial ao conflito armado na Europa, o jornal voltaria a lançar ataques ao governo, evocando ainda a anistia aos envolvidos na Revolta da Chibata – ver, na edição nº 856, de 28 de dezembro de 1914, a matéria "A amnistia aos revoltosos de 1910". Ainda em 1914, conforme aparece a partir da edição de 3 de outubro, a redação, a administração e as oficinas do jornal se mudaram da avenida Rio Branco para o nº 139 da rua do Rosário.

Por volta de outubro de 1916, deu destaque à Guerra do Contestado e à questão fronteiriça envolvendo os estados do Paraná e de Santa Catarina. Rui Barbosa continuava uma figura benquista nas páginas do jornal, assim como o chanceler Lauro Muller, mas críticas gerais ao governo federal cessaram. A edição de nº 1.588, de 15 de novembro daquele ano, trazia uma mudança de opinião do diário em relação a Wenceslau Brás; avaliando positivamente os dois anos de seu governo. No entanto, mesmo parecendo favorável ao governo federal, A Época sofrerá com a censura. Na edição de nº 1.998, de 31 de dezembro de 1917, ao relatar a prisão de Dormund Martins, diretor de A Lanterna, a entrevista com o mesmo teve dois trechos cortados. 

Até o nº 2.114, ano 7, de 27 de abril de 1918, a publicação foi dirigida por Vicente Piragibe. Na edição do dia seguinte, o diário subtraiu seu nome do cabeçalho e passou a ser identificado como "Propriedade de P. D'Almeida Godinho". Na edição de nº 2.130, de 13 de maio de 1918, reforma editorial e gráfica modernizou-o consideravelmente. Logo na primeira página publicou editorial que destaca o novo padrão gráfico e os novos colaboradores. A partir deste momento, o alto da capa de cada edição passou a sair com a frase "Tudo pelo Brazil". Nessa nova fase, o jornal aparentava neutralidade política, pelo menos até o fim do governo de Wenceslau Braz. No governo de Delfim Moreira, que assumira a presidência com a convalescença de Rodrigues Alves, a publicação voltou a mostrar esporádicas reportagens e textos críticos ao governo. 

A partir da edição nº 2.591, de 21 de agosto de 1919, passou a estampar em cabeçalho o nome do novo dono e diretor: Jeronymo Teixeira de Alencar Lima, fundador do jornal baiano A Tarde. Iniciando sua terceira fase, passou a publicar a série de artigos "O governo e os problemas nacionaes", intitulada posteriormente apenas "Grandes problemas nacionaes". Internamente, as edições do jornal passavam a se organizar em páginas intituladas "Congresso e Governo", "Correio dos Estados" (onde saía a clássica coluna sobre o subúrbio carioca), "Vida Internacional", "Justiça – Religião – Sciencia", "Educação e Trabalho" (onde eram publicados a "Columna Operaria" e a "Resenha Commercial"), "Notas Desportivas e Sociaes" e "Letras, Artes e Diversões".

 A última edição do jornal foi, até onde se pôde apurar, de número nº 2.690, ano 8, de 28 de novembro de 1919. Além dos nomes já citados (sendo vários pseudônimos), ao longo de sua edição A Época teve o trabalho ou colaboração de nomes como Affonso Celso, Múcio Teixeira, Maurício de Medeiros, Hermes Fontes, Maria da Cunha, Angelina Vidal, Juvenal Sampaio, Teophilo Guimarães, Augusto dos Anjos, José Félix, Fialho D'Almeida, Campos de Medeiros, Alberto de Carvalho, Eduardo e Benjamin Magalhães (aparentemente os responsáveis pela coluna "Nos Subúrbios", por volta de 1917), Orestes Barbosa, Afonso Lopes D'Almeida, entre outros, assim como os caricaturistas e ilustradores Fritz, Kalixto e Edmir, de grande destaque na imprensa humorística da época.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/época