segunda-feira, 30 de março de 2020

Varal de Trovas n. 224


Amilton Maciel Monteiro ("Corona Vírus”)


Há já noventa e um anos na escola da vida,
no entanto, nem por isso sinto-me formado,
ou pronto para a prova que será sofrida
a quem jamais cuidou de preparo adequado...

Perdoa-me Senhor, por ter desperdiçado,
o tempo que me deste para a pretendida
melhora que não fiz; e sei que sou culpado!
mas, por favor, meu Deus, retarda-me a partida.

De agora em diante, quero usar o que me resta
de prazo para dar à vida melhor festa,
com a presença e a fé de todos os meus irmãos!

Então, meu Deus, nos livre dessa epidemia,
do vírus assassino e que muito judia!
Todo o poder, Senhor, está em Tuas mãos!

Fonte:
Soneto enviado pelo poeta

Fernando Sabino (Com o Mundo nas Mãos)


Bernardo tem 5 anos mas já sabe da existência do Japão. E aponta para o céu com o dedo:

- É atrás daquele teto azul que fica o Japão?

Tenho de explicar-lhe que aquilo é o céu, não é teto nenhum.

- Mas então o céu não é o teto do mundo?

- Não! O céu é o céu. O mundo não tem teto. O azul do céu é o próprio ar. O Japão fica é lá embaixo - e apontei para o chão: - O mundo é redondo feito uma bola. Lá para cima não tem país mais nenhum não, só o céu mesmo, mais nada.

Ele fez uma carinha aborrecida, um gesto de desilusão:

- Então este Brasil é mesmo o fim do mundo. Daqui pra lá não tem mais nada...

Difícil de lhe explicar o que até mesmo a mim parece meio esquisito: o mundo ser redondo, o Japão estar lá em baixo, os japoneses de cabeça pra baixo, como é que não caem? Às vezes, andando na rua e olhando para cima, eu mesmo tenho medo de cair.

Na primeira oportunidade compro e trago para casa um mapa-múndi: um desses globos terrestres modernos, aliás de fabricação japonesa, feitos de matéria plástica e que se enchem de ar, como os balões. O menino não lhe deu muita importância, quando apontei nele o Japão e a Inglaterra, o Brasil, os países todos. Limitou-se a fazê-lo girar doidamente, aos tapas, até que se desprendesse do suporte de metal. Logo se dispôs a sair jogando futebol com ele, não deixei. Consegui convencê-lo a ir destruir outro brinquedo, o secador de cabelo da mãe, por exemplo, que faz um ventinho engraçado - e assim que me vi só, tranquei-me no escritório para apreciar devidamente a minha nova aquisição.

Com o mundo nas mãos, descobri coisas de espantar. Descobri  que a Coreia é muito mais lá para cima do que eu imaginava - uma espécie de penduricalho da China, ali mesmo no costado do Japão. O que é que os Estados Unidos tinham de se meter ali, tão longe de casa? O Vietnã nem me fale: uma tripinha de terra ao longo do Laos e do Camboja. Aliás, a confusão de países por ali, eu vou te contar. Tem a Tailândia e tem Burma, dois países de pernas compridas, tem a Malásia, a Indonésia. A Tasmânia não tem. Pelo menos não encontrei. Continua sendo para mim apenas a terra daquele selo enorme que em menino era o melhor da minha coleção. Dou um piparote no mundo e ele gira diante de meus olhos, para que eu descubra o que é mais que tem. Outra confusão é ali nas Arábias, onde o pau anda comendo: Síria, Líbano, Saudi-Arábia, Iêmen, e o diabo de um país cor-de-rosa chamado Hadramaut de que nunca ouvi falar. Estou ficando bom em geografia.

Duvido que alguém me diga onde fica Andorra. A última pessoa a quem perguntei, me disse que ficava nos limites de Aznavour. Pois fica é logo aqui, encravada entre a França e a Espanha, um paisinho de nada, vê quem pode. E fez aquele sucesso todo no Festival da Canção. Em compensação a Antártida é muito maior do que eu pensava, ocupa quase todo o Polo Sul. E é bem no centro dela que eu tenho de soprar para encher o mundo.

De repente me vem uma ideia meio paranóide. De tanto apalpar o globo de plástico, ele acabou meio murcho, acho que o ar está se escapando. E quando me disponho a enchê-lo de novo, imagino que eu seja um ser imenso solto no espaço, botando a boca no mundo para enchê-lo com meu sopro. O nosso planeta é mesmo uma bolinha perdida no cosmo,  e do tamanho desta que tenho nas mãos é que os astronautas devem tê-lo visto da lua: uma linda esfera de manchas coloridas, com seus oceanos cheios de peixes e singrados  por navios, as cidades agarradas aos continentes, ruas cheias de automóveis, casas cheias de gente, o ar riscado de aviões, de gaivotas, e de urubus... Tudo isso pequenino, insignificante, microscópico, os homens se explorando mutuamente, se maltratando, se assassinando para colher um segundo de satisfação ao longo de séculos de História, não mais que alguns  minutos  em  face  da eternidade. Que aventura mais temerária, a de  Deus, escolhendo caprichosamente este lindo e insignificante planetinha para ele enviar através dos espaços o seu Filho feito homem, com a missão de  redimir a nossa pobre humanidade.

Faço votos que tenha valido a pena e que um dia ela se veja redimida. Até lá, este mundo não passará mesmo de uma bola, como esta que meu filho Bernardo, irrompendo  alegremente no escritório, me arrebata das mãos e sai chutando pela casa.

Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo Falar. RJ: Record, 1976.

Fernando Sabino (Como Comecei a Escrever)

Quando eu tinha 10 anos, ao narrar a um amigo uma  história  que havia lido, inventei para ela um fim diferente, que me parecia muito melhor. Resolvi então escrever as minhas próprias histórias.

Durante o meu curso de ginásio, fui estimulado pelo fato de  ser sempre dos melhores em português e dos piores em matemática o que, para mim, significava que eu tinha jeito para escritor.

Naquela época os programas de rádio faziam tanto sucesso quanto os de televisão hoje em dia, e uma revista semanal do Rio, especializada em rádio, mantinha um concurso permanente de crônicas sob o título  "O Que Pensam Os Rádio-Ouvintes". Eu tinha 12, 13 anos, e não pensava grande coisa, mas minha irmã Berenice me animava a concorrer,  passando à máquina as minhas crônicas e mandando-as para o concurso. Mandava várias por semana, e era natural que volta e meia uma fosse premiada.

Passei a escrever contos policiais, influenciado pelas minhas leituras do gênero. Meu autor predileto era Edgar Wallace. Pouco  depois passaria a viver sob a influência do livro mais sensacional que já li na minha vida, que foi o Winnetou de Karl May, cujas aventuras procurava imitar nos meus escritos.

A partir dos 14 anos comecei a escrever histórias "mais sérias", com pretensão literária. Muito me ajudou, neste início de carreira, ter aprendido datilografia na velha máquina Remington do escritório de meu pai. E a mania que passei a ter de estudar gramática e  conhecer bem a língua me foi bastante útil.

Mas nada se pode comparar à ajuda que recebi nesta primeira fase dos escritores de minha terra Guilhermino César, João  Etienne  Filho  e Murilo Rubião e, um pouco mais tarde, de Marques Rebelo e Mário de Andrade, por ocasião da publicação do meu primeiro livro, aos 18 anos.

De tudo, o mais precioso à minha formação, todavia, talvez tenha sido a amizade que me ligou desde então e pela vida afora a Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes  Campos, tendo como inspiração comum o culto à Literatura.

Fonte:
Para gostar de ler. vol.4. Ed. Ática, 1998.

Álvares de Azevedo (Baú de Trovas)


Acorda, minha donzela!
Foi-se a lua — eis a manhã.
E nos céus da primavera
a aurora é tua irmã!
- - - - - –

Acorda, minha donzela,
soltemos da infância o véu...
Se nós morrermos num beijo,
acordaremos no céu!
- - - - - –

Amemos! Quero de amor
viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
que desmaia de paixão!
- - - - - –

Amo a voz da tempestade
porque agita o coração,
e o espírito inflamado
abre as asas no trovão!
- - - - - –

Dá-me um beijo — abre teus olhos,
por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
és a minha alma no céu!
- - - - - –

Descansar nesses teus braços
fora angélica ventura:
Fora morrer — nos teus lábios,
aspirar alma tão pura!
- - - - - –

É doce amar como os anjos
da ventura no himeneu;
minha noiva ou minha amante,
vem dormir no peito meu!
- - - - - –

Entre os suspiros do vento,
da noite ao mole frescor,
quero viver um momento,
morrer contigo de amor!
- - - - - –

Quero viver de esperança,
quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança,
quero sonhar e dormir!...
- - - - - –

Tenho músicas ardentes,
ais do meu amor insano,
que palpitam mais dormentes
do que os sons do teu piano!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Agatha Christie (Resenha de Livros) 6


ENCONTRO COM A MORTE
Appointment with Death


O crime parece perseguir Hercule Poirot: onde quer que o grande detetive se encontre, ali será cometido um assassinato. É o que acontece novamente enquanto ele está de férias no Oriente. Desta vez, a vítima é a senhora Boyton, uma mulher repulsiva e perversa, ex-vigia de uma prisão feminina. Os principais suspeitos são seus próprios filhos, que viveram submetidos à tirania da mãe. Mesmo sem nutrir qualquer simpatia pela morta, Poirot não admite que alguém queira fazer justiça com as próprias mãos, e decide cumprir seu dever. Assim, depois de uma investigação minuciosa e angustiada, ele descobre e revela, para assombro de todos, a insuspeitada identidade do assassino.
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O NATAL DE POIROT
Hercule Poirot’s Christmas

As festas do fim de ano costumam ser sinônimo de paz e tranquilidade. Mas nem todos pensam assim. Na véspera de Natal, o velho milionário Simeon Lee é brutalmente assassinado em seu quarto. E o mais estranho é que todas as saídas do aposento estavam trancadas por dentro. Intrigado com o crime aparentemente insolúvel, o chefe da polícia local pede ajuda ao detetive Hercule Poirot. Mais uma vez, Agatha Christie engendra uma trama que fascina pelo inusitado, pelas situações originais e pela elaborada construção do perfil psicológico dos personagens, criando uma obra prima do gênero.

Após o cruel e horrendo assassinato de um pai de família, Hercule Poirot soluciona mais um crime em sua grande carreira. Qualquer um na casa teria um motivo para matá-lo, mas apenas um de seus parentes praticou esse crime de uma maneira tão perversa e no final o detetive descobre quem foi.
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É FÁCIL MATAR
Murder Is Easy


Graças à sua sagacidade e a um aguçado talento psicológico, a velha solteirona Miss Fullerton consegue descobrir a identidade de um criminoso, responsável por quatro assassinatos, e garante saber inclusive o nome da próxima vítima. É isso, pelo menos, o que ela conta a seu companheiro de viagem Luke Fitzwilliam, um ex-policial aposentado que retorna de trem a Londres depois de uma longa ausência do país. Fitzwilliam está disposto a desfrutar do sossego da aposentadoria, mas quando, logo em seguida, descobre que Miss Fullerton foi assassinada, desconfia que terá que abandonar o merecido descanso e voltar à ação.
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O CASO DOS DEZ NEGRINHOS
Ten Little Niggers


Dez pessoas recebem um estranho convite para passar um fim de semana na remota Ilha do Negro. Na primeira noite, após o jantar, elas ouvem uma voz, aguda e desafiadora, acusando cada uma delas por crimes cometidos no passado. Todas entram em pânico e mortes inexplicáveis se sucedem. Como na canção infantil dos Dez negrinhos, cada um dos convidados é eliminado e, a cada execução, também desaparece um dos negrinhos de porcelana que enfeitam a mesa de jantar. Mas quem seria o juiz de tal sentença? O Caso dos Dez Negrinhos é uma das obras-primas de Agatha Christie e foi adaptado para o cinema pelo diretor René Clair, em 1945.

Por motivos diferentes, dez pessoas vão parar na ilha do negro, Anthony Marston, Emily Brent, Ethel Rogers e seu marido, Philip Lombard, Henry Blore, Vera Claythorne, o general Macarthur, Lawrence Wargrave e o dr. Armstrong. Eles nunca haviam se encontrado antes, o que possibilitou uma boa convivência, será mesmo? Era boa até irem morrendo de acordo com uma perversa historieta infantil, diante disso Agatha Christie mais do que nunca desenrola o mistério fazendo de o caso dos dez negrinhos o melhor livro de sua carreira.

O Caso dos Dez Negrinhos conta a história de dez pessoas que ficam presas em uma ilha. Ninguém vem resgatá-los, então começam a se desesperar. Se assustam mais ainda quando começam a morrer um por um, de acordo com um quadro localizado acima da lareira da sala, que conta um poema de como dez negrinhos morreram. Os perdidos devem desvendar quem é o assassino, alguém entre as dez pessoas, antes que chegue a hora da morte. O livro promete muito suspense e angústia até acharem uma garrafa com uma carta do assassino contando tudo à polícia.
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CIPRESTE TRISTE
Sad Cypress


À primeira vista, o amor parece ser a causa do assassinato de uma linda e atraente mulher. E todas as circunstâncias apontam como culpada uma outra jovem, igualmente encantadora, motivada em princípio pelo medo de perder o homem que ama. Mas nada costuma ser assim tão óbvio para o imbatível detetive belga Hercule Poirot, que põe suas “células cinzentas” em ação para elucidar mais este caso - e mostra que, por trás de sua aparência de homem frio e racionalista, esconde-se um grande sentimental.
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UMA DOSE MORTAL
One, Two, Buckle my Shoe


Suicídio ou crime? O Dr. Morley era um homem satisfeito, respeitado pelos colegas, amado pela família e pelos amigos. Uma pessoa que não tinha nenhum inimigo nem motivos para se matar. No entanto, ele foi encontrado morto com um tiro na cabeça e um revólver na mão. O inspetor Japp acredita na hipótese de suicídio, mas o detetive Hercule Poirot desconfia das estranhas circunstâncias em que seu dentista morreu. As suspeitas aumentam quando um dos pacientes do Dr. Morley é assassinado e outro desaparece misteriosamente. O detetive belga tem que desvendar o caso antes que seja tarde demais.
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MORTE NA PRAIA
Evil Under the Sun


Nem sempre a maldade se esconde nas sombras da noite: às vezes, ela pode surpreender os incautos e ingênuos em plena luz do dia. Mas o detetive Hercule Poirot, que nada tem de ingênuo e está passando férias de verão numa praia paradisíaca, sabe que o Mal costuma estar sempre à espreita sob o sol. Por isso, ele será o mais indicado para desvendar o mistério do assassinato de uma linda mulher, provável vítima de sua própria beleza. Morte na Praia é mais uma genial criação de Agatha Christie, a “velha dama” do crime, que continua conquistando milhões de leitores em todo o mundo.

Para finalmente relaxar, Hercule Poirot vai a um hotel e se vê com um monte de pessoas estranhas e com passados desconhecidos, como o Comandante Kenneth, Arlena e Linda Marshall, Patrick e Christine Redfern, Horace Blatt, Rosamund Darnley entre muitos outros. Acontece então um previsível assassinato, que leva Poirot a retomar o seu trabalho em pleno descanso.
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M OU N?
N or M?


Um agente é friamente assassinado na Escócia depois de descobrir indícios de atividade nazista na Inglaterra no início da Segunda Guerra Mundial. Suas últimas palavras: “M ou N”. Com as missão de colaborar com o Serviço Secreto inglês, os jovens aventureiros Tommy e Tuppence seguem para a Escócia e se hospedam na pensão Sans Souci. A princípio, senhoras tricotando em cadeiras de balanço e homens que só falam de negócios não parecem ter qualquer relação com o crime. Mas essa é a única pista para solucionar a intrincada trama de crime e espionagem. E eles precisam decifrar o mistério antes que o assassino volte a agir.
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UM CORPO NA BIBLIOTECA
The Body in the Library


Membros respeitáveis da comunidade de Saint Mary Mead, o Coronel Bantry e a mulher descobrem certa manhã, na biblioteca de casa, o corpo de uma jovem, morta por estrangulamento. A polícia é chamada, mas quem se dedica a descobrir a identidade da desconhecida e identificar o criminoso é a simpática vizinha dos Bantry, a solteirona Miss Marple. Detetive amadora com um faro apurado para mistérios, ela segue a pista do estrangulador, que depois de assassinar outra mulher, é atraído para uma armadilha ousada e extremamente arriscada.

Fonte:
http://users.hotlink.com.br/pmgi/agatha/index.html

domingo, 29 de março de 2020

Varal de Trovas n. 223


Arthur de Azevedo (Ingenuidade)


    O Vaz desejava a Ernestina Friandes, não porque ela não tivesse todas as aparências de uma senhora honesta; desejava-a, porque o marido, o Friandes, era um pax vobis, que estava mesmo a pedir que o enganassem.

    Quando, após quatro meses de. perseguições incessantes, o sedutor conseguiu a promessa de uma entrevista, ficou muito atrapalhado, por não saber aonde levar a moça. Em casa dela era impossível um encontro: havia a tia Chiquinha Friandes, velhinha esperta e desconfiada; em casa dele também não podia ser, porque ele não tinha casa; apesar dos seus trinta anos, vivia ainda sob o teto e às sopas do pai.
* * *

    O nosso herói lembrou-se, afinal, de um amigo muito dado a cavalarias altas. Foi ter com ele, expôs-lhe a situação e pediu-lhe que lhe arranjasse um ninho.

    - Tu compreendes! Não posso nem devo levá-la a uma dessas casas de alugar quartos, que toda a gente conhece! Seria abusar da sua inocência!

    - Então a pequena é tão inocente assim?

    - Se é! Não fala senão de pálpebras caídas, e qualquer coisa lhe faz subir o rubor às faces! Sou o seu primeiro amante!

    - Deixa-te dessas pretensões! A gente nunca é o primeiro amante!

    - Falas assim porque não a conheces.

    - Vou indicar-te um lugar aonde podes levá-la com toda a segurança, porque é uma casa que ainda não está conhecida. Rua tal, número tantos. Vai até lá e procura de minha parte a D. Efigênia, que te servirá perfeitamente. Olha, leva-lhe o meu cartão.

    O Vaz foi à casa indicada e obteve o que desejava: um bom quarto, espaçoso, bem mobiliado, arejado, com todos os requisitos, inclusive o de ficar logo no topo da escada, de modo que ele e a Ernestina poderiam entrar sem ser vistos.

    * * *

    No dia da entrevista, correu tudo às mil maravilhas. O Vaz esperou a sua presa na esquina; ele entrou primeiro, ela depois, e lá se demoraram perto de hora e meia.

    Por que tanto tempo? Por que uma virtude não cai com a mesma facilidade que as paredes do Hospital da Penitência!

    Arrependida de haver subido aquela escada infame, a Ernestina resistiu quanto pôde.

    - Não! Não! Não!... eu quero conservar-me fiel aos meus deveres!... Que juízo estará o senhor a fazer de mim?...

    O Vaz - justiça se lhe faça - não respondeu como Pedro I, que era um bruto.

    - E o Friandes?... e o meu pobre Friandes que tem tanta confiança em mim?...
    * * *

    A Ernestina saiu primeiro. O Vaz ainda ficou, e D. Efigênia veio perguntar-lhe com o mais amável dos seus sorrisos:

    - Então? Agradou-lhe o quarto?

    - Muito e, se a senhora quisesse, eu ficaria com ele só para mim.

    - Ah! Isso não pode ser.

    - Por quê?

    - Porque há um cavalheiro e uma dama que têm este cômodo tomado para todas as quartas e sábados, às quatro horas. Não sendo nesses dias e a essa hora, o quarto é seu.

    - Bom.

    O Vaz pagou generosamente a hospedagem e saiu.
* * *

    No dia seguinte lembrou-se que era sábado, e, sendo um desocupado, sentiu desejos de conhecer a dama e o cavalheiro das 4 horas. Para isso, postou-se, no momento aprazado, bem defronte da casa hospitaleira, arranjando, por trás de uma árvore um magnífico posto de observação.

    O cavalheiro foi o primeiro a chegar. Era um velho com todas as aparências de respeitável.

    A dama pouco se demorou: era a própria Ernestina Friandes. Imaginem a surpresa do Vaz, que daquele momento em diante, convencido de que o ingênuo fora ele, nunca mais se fiou na ingenuidade das mulheres.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos Vários.

Solimar Braga de Oliveira (Baú de Trovas)


A mulher quando quer, manda,
mas quando manda não quer;
quando ela manda, desmanda.
- Quem entende o que é mulher?
- - - - - –

Anda a honra tão sem jeito,
neste mundo camuflada,
que, agora, qualquer sujeito
a exibe como fachada!
- - - - - –

As pessoas geralmente
deixam seu rastro no chão;
– o teu rastro unicamente
ficou no meu coração…
- - - - - –

As redondilhas que amamos,
e têm realce e frescor,
são sempre aquelas que armamos
com o cimento do amor…
- - - - - –

A verdade seja dita
numa trova sem valor:
– em cada mulher bonita
se encontra um verso de amor.
- - - - - –

Chegando ao fim da jornada,
sem passado e sem futuro,
no presente encontro o nada
porque nada mais procuro…
- - - - - –

Conhecerás pelos frutos
as plantas, boas ou más:
– vê que os homens dissolutos
não darão frutos de paz…
- - - - - –

Cultiva, amigo, a bondade,
E algum dia entenderás
que a maior felicidade
está no bem que se faz…
- - - - - –

Curvo-me ao fado perverso,
como te confesso assim:
-Sempre a buscar-te em meu verso,
sempre a fugires de mim!
- - - - - –

E aqui deixo a última nota
destas Trovas, coração:
– Eu, no amor, só vi derrota,
engano, nada, ilusão…
- - - - - –

Eu levo a vida cismando
no tempo todo perdido
do tempo em que andei sonhando
um tempo nunca vivido.
- - - - - –

Meu destino nesta vida
há de sempre ser assim:
– sempre a lembrar-te, querida,
sempre a fugires de mim…
- - - - - –

Não amo a felicidade,
que ninguém tem e não vê;
- amo a sombra da saudade
que me fala de você…
- - - - - –

Na velhice a gente vela,
talvez pensando, acordado:
– a vida não era aquela
que eu esbanjei no passado…
- - - - - –

Na vida, oceano inclemente,
de engano e tantos escolhos,
navega a infância inocente
tendo a esperança nos olhos.
- - - - - –

Nesta existência a alegria,
experimenta e verás,
está na doce poesia
de todo o bem que se faz…
- - - - - –

Promessas de amor! Inúteis
ilusões da humana lida!
– Assim, de coisinhas fúteis
vamos construindo a vida.
- - - - - –

Tenho o coração magoado,
não que me julgue infeliz,
mas por nunca ter amado
como devia e não quis…
- - - - - –

Tudo ilude, tudo mente,
na vida cheia de escolhos:
muita gente há descontente
com um sorriso nos olhos…
- - - - - –

Uma verdade parece
muita gente definir:
– quem muito sobe se esquece
que também pode cair…
______________________

Nasceu em Juiz de Fora, MG, em de 1913.  Filho do escritor e poeta Luiz J.de Oliveira e da educadora Ypoméia Braga de Oliveira.  Poeta, cronista, novelista, ensaísta, jornalista.   Iniciou os estudos no antigo grupo Escolar "Padre Anchieta" e depois no Colégio Nacional do Rio de Janeiro.  Em 1929, muda-se com os pais para Cachoeiro de Itapemirim (ES), onde deu continuidade a seus estudos no Ginásio "Pedro Palácios", depois Liceu "Muniz Freire".  Cursou Farmacologia na escola de Farmácia e Odontologia de Vitória.

A partir de 1930, dedica-se ao jornalismo e à literatura, tendo exercido a função de correspondente, diretor de sucursal, redator-chefe de jornais, revistas e emissoras de rádio de Cachoeiro de Itapemirim.  Fundou, organizou e tornou-se o 1º diretor do Departamento de Imprensa Oficial do Município de Cachoeiro de Itapemirim.  Integrou o quadro de colaboradores efetivos da "Revista Panamericana", editada no México e a "Revista Cachoeiro".  Foi membro correspondente da Academia Mineira de Letras, da Union Cultural Americana de Buenos Aires; do Grêmio Brasileiro de trovadores, de Salvador-BA.; da Academia Pedralva, de Campos-RJ.; do Centro de Los Insignidos de América, de Buenos Aires; da Liga Afetiva Portugal-Brasil, de Lisboa. Membro da Academia Híspano-Americana, de Costa Rica (Conselheiro n.º 76); da Academia Cachoeirense de Letras; da qual foi Presidente, ocupando a cadeira n.º 3; da Academia de Filosofia, Ciências e Letras de Anapolina-GO. Faleceu em Cachoeiro de Itapemirim/ES, em 1991.

Obras: "Ilha da Luz", 1947 (poesia); "A lágrima do Natal", 1949 (poesia); "Cidade Antiga", 1953 (poesia); "Ânfora Azul, 1956 (poesia); "Lamentação de Orfeu", 1957 (poesia); "Sangrando Mágoas", 1957 (poesia); "Paisagem Interior e outras paisagens, 1982.

Fontes:
Paulo Monteiro. A Trova no Espírito Santo.
Elmo Elton. Poetas do Espírito Santo.

Ernest Hemingway (Dicas para Escritores)


– Evite o grandioso. Recuse o épico. A pessoa que pinta quadros enormes muito bons, pode também pintar quadros pequenos muito bons.

– Escrever bem é escrever sinceramente. Se uma pessoa está escrevendo uma estoria, será verdadeira e sincera em relação à soma de conhecimentos da vida que possui. Se não souber como muitas pessoas agem e pensam, como se processam seus pensamentos e ações, a sua boa estrela poderá poupá-lo por algum tempo ou talvez possa escrever estorias da carochinha. Se continuar escrevendo sobre aquilo que não conhece, acabará por descobrir que não passa de uma fraude, de uma mistificação.

– O melhor é parar sempre quando o negócio está saindo bem e você sabe o que irá acontecer a seguir. Se fizer isso todos os dias, quando está escrevendo um romance, nunca ficará travado num beco sem saída. Assim, o seu subconsciente estará trabalhando ativamente em torno do assunto o tempo todo.

– É inútil escrever qualquer coisa que já tenha sido escrita antes, a menos que você possa superá-la. O que um escritor tem a fazer, no nosso tempo, é escrever o que não foi escrito antes ou bater os escritores mortos naquilo que fizeram. A maioria dos escritores vivos não existe. É como um corredor de milha fazendo o percurso contra o relógio em vez de tentar, apenas, bater quem estiver correndo na pista com ele. Se não correr contra o tempo, nunca saberá do que é capaz de atingir.

– Observe o que acontece hoje. Se encontrar um peixe, observe exatamente o que cada um faz. Se sentir um súbito alvoroço, uma excitação peculiar, quando vir o peixe saltar fora da água, reconstrua todas as suas recordações até perceber exatamente qual foi a ação que provocou em você aquela emoção.

– Meta-se na cabeça de outra pessoa, para variar. Se eu berrar com você, procure imaginar tanto o que é que eu estou pensando como o que você sentiu quando eu berrei.

– Quando as pessoas falam, você deve escutá-las completamente. Não fique pensando no que vai responder, no que deve dizer a seguir. A maioria das pessoas não ouve. Você deve estar capacitado para entrar numa sala e, quando sair, saber tudo o que ali viu e não só isso. Se essa sala lhe despertou algum sentimento, deverá saber exatamente o que foi que lhe deu esse sentimento.

– Às vezes, quando tenho dificuldades em escrever, leio meus próprios livros para levantar-me o ânimo, e depois recordo que sempre foi difícil, as vezes quase impossível escrevê-los.

– Evite utilizar adjetivos, especialmente os extravagantes como “esplêndido, grandioso, magnífico, suntuoso.”

- Escreva frases breves. Comece sempre com uma oração curta. Utilize uma linguagem vigorosa. Seja positivo, não negativo.

– Um escritor, se serve, não descreve. Inventa ou constrói a partir do conhecimento pessoal ou impessoal.

– O problema que tem um escritor não se altera. Ele mesmo muda, mas seus problemas permanecem os mesmos. É sempre sobre como escrever com sinceridade e, uma vez encontrado o que é verdadeiro, projete-o de tal forma que se torne parte da experiência da pessoa que o lê.

– Minha tentação é sempre escrever demais. Eu mantenho isso sob controle, então eu não preciso cortar palha e reescrever. Indivíduos que pensam que são gênios porque nunca aprenderam a dizer não a uma máquina de escrever, são um fenômeno comum.

– É melhor ler tudo todos os dias desde o início, corrigindo como você vai, então vá para onde parou no dia anterior. Quando isso for feito por tanto tempo que não pode fazê-lo todos os dias, releia dois ou três capítulos por dia. Então leia tudo desde o início todas as semanas. É assim que você faz tudo de uma só vez.

– Escrevo uma página magistral para cada noventa e uma que é porcaria. Tento jogar toda a porcaria no lixo. O presente mais essencial para um bom escritor é ter um detector de porcaria interno. É o radar do escritor e todos os grandes têm tido isso. Se você vai escrever, você precisa descobrir o que não funciona para você.

– Quando um escritor escreve uma romance, ele deve criar pessoas vivas; pessoas, não personagens. As pessoas de um romance, e não os personagens construídos com habilidade, devem ser projetados a partir da experiência assimilada do escritor, de seu conhecimento, de sua cabeça, de seu coração e de todos os seus.

– O importante é trabalhar todos os dias. Trabalho das 7 até o meio dia. Então vou pescar ou nadar ou qualquer outra coisa que eu queira.

– O jargão que você adota deve ser recente, caso contrário não funciona.

– Nunca pense sobre a história quando você não está trabalhando.

– Pelo amor de Deus, escreva e não se preocupe com o que os outros vão dizer, ou se será uma obra-prima ou o que.

Fonte:
Compilação de escritos em livros de Ernest Hemingway.
Vilto Reis.

sábado, 28 de março de 2020

Varal de Trovas n. 222


Isabel Furini (Âmago dos Sonhos)


J. G. de Araújo Jorge (O Canto da Terra) 5


DEDICATÓRIA

Dedico  este  livro  aos  irmãos  da   América   e  do   Mundo,
não importa que cruzem as pernas nos "pagodes" exóticos
ou sigam a palavra de Confúcio no templo de papel e de bambu;
que subam aos minaretes, se curvem beijando a terra,
ou simplesmente se ajoelhem no palácio de vitrais e incensos;
que dispam a palavra de Cristo de púrpuras e de ouros,
ou que sigam sem Deus, a procurá-lo nos livros...

Dedico este meu livro a todos os irmãos da América e do Mundo,
negros  ou  brancos,  amarelos  ou  vermelhos,  azuis   ou  roxos,
altos ou baixos, gordos ou magros, louros ou castanhos;
nos que ainda não morreram e aos que ainda poderão vir;
aos das planícies e dos campos, aos das florestas e das montanhas,
aos dos gelos e dos desertos,
aos das aldeias e das cidades,
aos dos faróis e aos da solidão,
aos dos navios, dos aviões ou dos subterrâneos,
a todos os homens, sem a menor distinção,
basta que creiam ainda na Vida e em nós mesmos.

Por isso escrevi este livro
como se abrisse uma veia, para o sangue aliviar o coração;
como se colhesse um fruto para o desejo inábil;
como se trouxesse água na mão, para a boca sedenta e empoeirada;
como se escrevesse sem palavras, e pudesse chegar a todos os ouvidos
e a todas as consciências
sem tradução...
Por isso escrevi este livro. Como quem acende uma lanterna
para descobrir que não está perdido...

Não se admirem irmãos, se as suas letras tiverem a cor do meu sangue,
porque elas são o meu sangue que vos ofereço,
são uma doação que faço aos que ainda creem que vivem,
mesmo aos que não poderão se refazer,
porque nunca sabemos os que resistirão...
              
Que este livro, pois, possa ao menos ser útil como o sangue,
como o ar, ou como o pão,
e possa prolongar algumas esperanças
confortar alguns momentos finais
e salvar alguns desesperos...

Que ao menos, chegue a tempo, para alguns…
****************************************

DEPOIS
    (A Erich Maria Remarque - 1939)
 

E as ruas se encheram de inválidos e mutilados
com seus estranhos vultos...

E as mulheres de preto, como espectros insepultos
      de maridos,
  de filhos,
de pais,
de noivos
e namorados,
levavam velas acesas dentro dos olhos parados...

E os caminhos caíram nas pontes desconjuntadas,  
e os campos se encheram de feridas e cicatrizes,
e as árvores voltaram para os céus a angústia  
das raízes!

E os oceanos levantaram ondas asmáticas
como se dentro delas lutassem as ânsias
de todos os afogados à procura de ar!...
E os céus se cobriram de véus negros de fumo
como quem venda os olhos
para não olhar!

E brotaram cidades de sombras e cruzes
nas ruínas das cidades viradas do avesso,
... pelos ermos, descampados...

E as chaminés pararam de fumegar
sobre os telhados,
e após o sobressalto das noites e das correrias
todas as portas se cerraram sobre o gemido dos vivos
como pálpebras frias! . . .

E as igrejas se encheram de criminosos reincidentes
e arrependidos
com as almas pesadas como as águas salubres,
se encheram dos homens que pensam que creem
em Deus!

E as vitrinas da Vida se esvaziaram
para encher as vitrinas dos museus!

E em cada esquina ficou um lenço tinto de vermelho
com a cruz dos hospitais,
como a clamar aos homens que batiam com os cascos:

_ " Paz !... "
.......................................
E o homem de galões, com o peito cheio de insígnias,
e medalhas,
tendo ainda no ouvido o ruído das metralhas
e o roncar do canhão,

- saiu correndo, louco, a gritar pela Pátria !

Queria encontrar a PÁTRIA
para pedir perdão!
****************************************

DIANTE DAS CRIANÇAS NUAS...
  
  Já pensaste num mundo sem vagabundos e indigentes
onde não seremos rebanhos porque teremos intacto o pensamento
e o coração?

Já pensaste num mundo onde não nos envergonharemos
dos nossos lares e dos nossos filhos,
e onde não haverá irmãos famintos e maltrapilhos?
........................

Bendigo a tua inconsciência por que nada pensaste
diante destas crianças descalças e nuas,
- não, não podes compreender meu sofrimento
nem sabes ler o libelo que eu vejo escrito nas ruas!
****************************************

DISCURSO
      (A Cássio Chaves- 1944)
  
Senhores,
eu vos peço um segundo de silêncio
ao menos um segundo,
pelos que sofrem, lutam e morrem
pelos homens e pelo mundo...

Por todos os que se levantaram, e acorreram, e seguiram
novamente crentes e esperançosos
e abandonaram suas terras, seus lares, seus arados,
e morreram com a liberdade nos lábios entreabertos
e silenciosos;
pelos que, sem pão, vagavam famintos
- humilhados pelos homens que passavam indiferentes
e agressivos;
pelos que, sem lar, nunca encontraram a mesa posta
nem crianças correndo a gritar nas calçadas;
pelos que, sem teto, andaram sem destino,
namorando as estrelas e invejando as casas todas
à margem das estradas...

Pelos que nunca tiveram pais, nem mãos amigas
descobrindo um rumo ou servindo de amparo;
pelos que nunca puderam amar, e invejaram os próprios cães
quando o amor é tão caro;
pelos que sem segurança e meios, sem qualquer instrumento,
esqueceram certo dia o próprio pensamento
e andaram sempre ao léu,
a arrastar os pés na terra
e a olhar, em vão, o céu. . .

Senhores,
eu vos peço um segundo de silêncio
por eles que acorreram, e seguiram, e se levantaram,
e foram lutar por um mundo melhor,
- por eles que infelizmente não voltaram
ou felizmente - quem sabe? - se a volta ainda for pior...

Senhores, eu vos peço silêncio, ao menos um segundo,
por eles, que como nós, acreditaram nos homens,
acreditaram no mundo...!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. O Canto da Terra. 1945.

Irmãos Grimm (Elsie, a Sensata)


Era uma vez um homem que tinha uma filha que se chamava Elsie, a sensata. E quando ela já tinha crescido o pai dela falou:

– "Nós vamos casá-la."

- "Sim - disse a mãe - se encontrarmos alguém que queira desposá-la."

Finalmente, apareceu um homem que morava muito longe e começou a cortejá-la, ele se chamava Hans, mas sua única exigência era que a sensata Elsie fosse realmente inteligente.

– "Oh, – disse o pai - ela é muito perspicaz"

E a mãe dizia:

"Oh, ela consegue ver o vento caminhando pelas ruas, e ouvir as moscas tossindo."

- "Bem, - disse Hans - se ela não for verdadeiramente inteligente, não irei desposá-la."

Quando eles já estavam sentados para jantar e haviam comido, a mãe falou:

- "Elsie, vá até o depósito e traga um pouco de cerveja."

Então, Elsie, a sensata, pegou o jarro que estava na parede, foi até onde guardavam a cerveja, e ia batendo levemente na tampa a medida que caminhava para que o tempo passasse rápido. Tendo chegado lá embaixo ela pegou uma cadeira, e a colocou diante do barril para que ela não precisasse inclinar-se, para não machucar as costas ou para que não se machucasse inadvertidamente. Então, ela colocou o vasilhame na frente, e abriu a torneira, e quando a cerveja estava caindo ela olhava para a parede, para que seus olhos não dormissem, e depois de muito espiar para lá e para cá, ela viu uma picareta bem em cima dela, e que os pedreiros haviam esquecido lá acidentalmente.

Então, Elsie, a sensata, começou a chorar e disse:

– "Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, e ele ficar grande, e nós o mandarmos até o depósito aqui para buscar cerveja, então, a picareta poderá cair na cabeça dele e matá-lo."

Então, ela chorou sentada e gritava com todas as forças do seus pulmões, sobre o infortúnio que poderia acontecer com ela. A família, na sala de jantar, ficou esperando a bebida, mas Elsie, a sensata, não retornava. Então, a mulher disse para a criada:

– "Desça até o depósito e procure onde está a Elsie."

A criada obedeceu e a encontrou sentada diante do barril, gritando em voz alta.

– "Elsie, porque estais chorando?" – perguntou a criada.

– "Ah, – respondeu ela – será que não tenho motivos para chorar? Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, quando ele crescer, e tiver de buscar cerveja aqui no depósito, a picareta poderá cair na cabeça dele, e matá-lo."

Então, a criada respondeu:

"Mas que garota sensata nós temos aqui!", e se sentou ao lado dela e começou a chorar em voz alta também, lamentando tão grande infortúnio.

Depois de algum tempo, como a criada não voltava, e os comensais estavam com sede de beber cerveja, o homem disse para o garoto:

"Vá até o depósito lá embaixo e veja onde Elsie e a criada estão."

O garoto foi até lá, e encontrou Elsie, a sensata, e a criada, ambas chorando uma ao lado da outra. Então, ele perguntou:

- "Porque vocês estão chorando?"

- "Ah, – disse Elsie - será que eu não tenho motivos para chorar? Se eu me casar com o Hans, e nós tivermos um filho, e ele crescer, e ele for buscar cerveja aqui no depósito, a picareta irá cair na cabeça dele e poderá matá-lo."

Então, o garoto respondeu: "Que garota sensata, nós temos aqui!" e se sentou ao lado dela, e também começou a berrar em voz alta. Na casa, todos esperavam pelo garoto, mas como ele também não retornava, o homem disse para a mulher:

– "Desça até o depósito e veja onde a Elsie está!"

A mulher desceu, e encontrou os três chorando e lamentando, e perguntou porque choravam; então, Elsie lhe falou também que o seu futuro filho seria morto pela picareta, quando ele crescesse e tivesse de buscar cerveja, caso a picareta caísse. Então, sua mãe também falou:

"Que garota sensata nós temos aqui!"

Então, a mãe se sentou e chorou com eles. O homem ficou esperando um pouco, mas como a sua esposa não voltasse e a sua sede aumentava cada vez mais, ele falou: "Preciso ir até o depósito eu mesmo e ver onde Elsie está."

Mas quando ele chegou lá, estavam todos sentados chorando, e quando ele soube do motivo, e que o filho de Elsie era a razão de tudo, e que se Elsie trouxesse um filho ao mundo algum dia, e que ele poderia ser morto pela picareta, caso o garoto estivesse sentado debaixo dela, ao buscar cerveja, exatamente no momento que ela caísse, ele gritou:

– "Oh, que garota inteligente é a Elsie!" e se sentou, e ficou chorando com eles.

O noivo, durante algum tempo, ficou sozinho na casa, então, como ninguém voltasse ele pensou: "Eles devem estar esperando por mim lá embaixo; eu devo ir até lá e ver o que está acontecendo."

Quando ele desceu, os cinco estavam chorando sentados e se lamentando desesperadamente, cada um tentando chorar mais do que o outro.

– "Que desgraça aconteceu aqui? – perguntou ele.

– "Ah, meu querido Hans, - disse Elsie - se nós nos casarmos e tivermos um filho, e ele for grande, e nós talvez o mandarmos aqui para buscar um pouco de bebida, então, a picareta que foi deixada pendurada na parede poderia esfacelar a cabeça dele caso ela caísse, então, não temos motivo para chorar?"

- "Venham! - disse Hans - Maior entendimento que este não é necessário para a minha casa, porque você é Elsie, uma mulher muito sensata, eu me casarei contigo."

E tomando a sua mão, subiu de volta para casa, e se casou com ela.

Depois que Hans havia se casado com ela durante algum tempo, ele disse:

"Esposa, vou sair para trabalhar e ganhar um pouco de dinheiro para nós; vá até o campo colher algum trigo para que tenhamos um pouco de pão."

- "Sim, querido Hans, vou já fazer isso."

Depois que Hans tinha saído, ela mesma preparou um caldo bem gostoso e levou ao campo com ela. Quando ela chegou no campo ela disse para si mesma: "O que devo fazer; devo colher primeiro, ou devo comer primeiro? Oh, vou comer primeiro."

Então, ela esvaziou a sua bacia de caldo, e quando ela já havia comido tudo, ela disse mais uma vez: "O que devo fazer agora? Devo colher primeiro, ou devo dormir primeiro? Vou dormir primeiro."

Então, ela se deitou no meio do trigal e caiu no sono. Hans já tinha chegado em casa há muito tempo, mas Elsie não tinha voltado. Então, ele pensou: "Que esposa sensata que eu tenho. Ela é tão dedicada que nem vem para casa para comer."

Mas como ela não voltava, e já estava ficando noite, Hans saiu para ver o que ela havia colhido, mas ela nada havia colhido, e ela estava deitada entre os trigais e dormia. Então, Hans correu para casa e trouxe uma rede de caçar aves que tinha pequenos sininhos nela e pendurou ao lado dela, e ela continuou dormindo.

Então, ele foi de novo para casa, fechou a porta da casa, sentou-se em sua cadeira e começou a trabalhar. Finalmente, quando já estava bastante escuro, Elsie, a sensata, acordou e quando ela se levantou ela ouviu o retinir de sinos ao seu redor, e os sinos tocavam a cada passo que ela dava. Então, ela ficou confusa, e ficou em dúvida se ela era realmente Elsie, a sensata, ou não, e pensou: "Sou eu, ou será que não sou eu?"

Mas ela não sabia que resposta daria, e durante algum tempo ela ficou em dúvida; finalmente ela pensou: "Eu irei para casa e perguntarei se sou eu, ou se não sou eu mesma, com certeza lá em casa saberão."

Ela correu até a porta da sua casa, mas a porta estava fechada. Então, ela bateu na janela e gritou:

– "Hans, Elsie está aí?"

- "Sim, – respondeu Hans - ela está aqui dentro."

Então, ela ficou apavorada, e pensou: – "Ah, Deus do céu! Então, não sou eu," e foi até outra porta; mas quando as pessoas ouviam os sininhos retinindo, elas não queriam abrir a porta, e ela não conseguia entrar em nenhum lugar.

Então, ela fugiu daquela aldeia, e ninguém nunca mais a viu.

Fonte:
Contos de Grimm

sexta-feira, 27 de março de 2020

Varal de Trovas n. 221


João Batista Leonardo (Uma Parte que se Foi)


Nas infindáveis perguntas sem respostas mais uma insinuante ao impossível e ao abstrato, incide curiosidade: companheiro, onde está você? Testemunho dos momentos no enfrentamento cotidiano, da continuidade, e do desgaste pelos idos tempos. Juntos sempre na mitigação das dores; no alívio dos sofrimentos; na força ao debilitado; na palavra ao desesperado; na participação intrigante no surgimento e fim da vida, do primeiro sorriso até o último choro.

Seria possível me responder ao menos: onde está você?

Sei que foi com as águas, evaporou e diluiu nos ares em continuação com nuvens, foi para o firmamento, levando um pouco de mim; por isso nas horas de dificuldades, alegrias e tristeza falo de você, e sei que existe, porque na natureza nada é destruído, tudo é transformado.

Sempre estivemos juntos e nunca disse que compúnhamos um todo, um, objeto do outro, um, consequência do outro. Nas lutas até injustas no picadeiro vivenciado, jamais nos destruíram, amigos bons não faltaram, amigos falsos jorraram, porém, em cada queda prontamente levantamos, pois entendemos que a humilhação não está na queda, mas sim, no sucumbir.

Começamos bem lá embaixo, galgamos valorosos degraus então os tempos nos sorriram, nós os vivenciamos, neles abraçamos as oportunidades e percebemos êxitos.

Construímos muito, destruímos poucos, causamos muitos sorrisos e pouco choro, trouxemos muitas vidas ao mundo e nenhuma tiramos. Semeamos a luz e a esperança por onde passamos, mesmo em meio aos percalços e incompreensões, éramos na certeza da boa intenção.

Nas alegrias também estivemos juntos; vivemos o esporte, nos banhamos nas grandes cachoeiras e passeamos por praias e praças engalanadas. Juntos vimos grandes espetáculos mundiais, andamos e respiramos nos quatro cantos da terra, conhecemos costumes de vida e gentes diferentes, porém, sempre valorizando a cultura e aprendizado.

Na aspereza dos tempos plantamos na terra nua, e dela fizemos um caminho firme, onde, com segurança pisamos e o mostramos aos menos corajosos. Nas horas amuadas, fomos ao campo buscar a flor do conhecimento, na sua fragrância encontramos a alegria e força da solidariedade, na valorização familiar e profissional. Em nossa seara embrenhamos luz, frutos e esperança, que por certo iluminaram e fortificaram a continuidade de tantos, na busca da gratificação. Na qualidade de humanos, cometemos erros e enganos, porém sempre desprovidos da maldade intencional.

Onde estiver saiba que tudo foi muito natural, propositalmente, e a soma dos fatos compõe o fardo dos tempos vividos, cujo conteúdo, sobretudo redunda, na boa ou má expectativa do inexorável fim; então na tristeza do choro ou na gratificação do sorriso, estarão os resultados.

Semeamos boas sementes em vários terrenos, geminaram, cresceram, arboresceram e prosperaram em nossa fertilidade e em benéficos frutos se transformaram.

Sei que a lógica nem sempre é exultante do exato, mas pensar em você, me volta os tempos, faço sondagens, revivo atitudes determinantes, hoje componentes do meu fardo, testemunho de mim mesmo. Vale a sondagem, me alegra e neste abstrativo momento, por que não esperançar? Onde está você meu suor derramado?

Fonte:
João Batista Leonardo Os tempos da esperança à razão. Maringá: Gráfica Primavera, 2008.

Alphonsus de Guimaraens (Baú de Trovas)

Afonso Henrique da Costa Guimarães

Como, Jesus, me esqueceste
nesta horrível soledade?
Aos trinta e três tu morreste...
E eu já tenho a tua idade!
- - - - - –

Nasci em leito de rosas
e morro em leito de espinhos...
Ó mães, que sois caridosas,
zelai por vossos filhinhos!
- - - - - –

O cinamomo floresce
em frente do teu postigo;
cada flor murcha que desce
morre de sonhar contigo.
- - - - - –

O coqueiro, todo em palmas,
beija o cinamomo em flor...
Imagem das nossas almas,
unidas no mesmo amor!
- - - - - –

Quando em teus olhos reluz
o carinho de uma prece,
se é dia, o sol tem mais luz,
se é noite, logo amanhece.
- - - - - –

Quando os teus olhos, Senhora,
repousam no meu olhar,
fica mais formosa a aurora,
mais formoso fica o luar.
- - - - - -

Tradições, quimeras, lendas...
Ninguém crê na Eterna Voz!
Que vale, Senhor, que estendas
o teu carinho até nós?
- - - - - –

Tristeza das tardes ermas,
das noites brancas de luar!
As almas que estão enfermas
no teu seio vão chorar...
- - - - - –

Tu não sabes porque a lua
é triste e nunca sorri...
Mas que ingenuidade a tua!
— Os poetas moram ali.
- - - - - –

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Francisca Júlia (Os Dois Mendigos)


Caminhava pela estrada real um moço de aspecto nobre, feições agradáveis, e trajava de maneira modesta, porém distinta.

Tinha os cabelos enrolados em anéis que lhe cobriam o pescoço, e um ar simpático que condizia bem com a graça natural da sua pessoa.

Seu principal encanto estava com certeza nos olhos claros, de uma expressão infantil, penetrados da mais encantadora doçura.

Caminhava distraidamente, os olhos fixos no chão.

Em sentido contrario vinham dois mendigos maltrapilhos, as roupas esburacadas, animados aos bordões, a cabeça caída para a frente, como vergados ao peso dos anos. A idade e os sofrimentos tinham-lhes arrancado os cabelos, cavado grandes rugas na face e enfraquecido todos os músculos.

Como tivessem caminhado muito, tinham os pés inchados e umedecidos do sangue que vertiam; sentiam fome; estavam extremamente pálidos, os passos trôpegos, os lábios trêmulos, de modo que nem podiam falar, mas apenas balbuciar como as crianças.

O vento impiedoso impelia-os para a frente, forçando-os a andar depressa e fazendo-os tropeçar nos calhaus da estrada.

Quando se aproximaram do moço, caíram de joelhos, mais por cansaço do que por desejo de implorar a piedade, e gemeram ao mesmo tempo:

— Uma esmola, senhor.

O moço sentiu as lágrimas empanar-lhe a vista e, penetrado de compaixão, apalpou os bolsos; mas, como encontrasse apenas uma moeda, e a justiça divina manda que se distribua a esmola em partes iguais, disse com malícia:

— Perdoai-me, pobres velhos, a vossa miséria sensibilizou minh'alma e acordou soluços em meu peito; porém não tenho um real para consolar vossos sofrimentos.

Os velhos levantaram-se.

O primeiro olhou o rapaz com mal contido rancor, os olhos intumescidos de cólera, e gritou brandindo o bastão com a pouca de forças que lhe restavam:

— Maldito sejas tu e malditos todos os teus; que o fogo devore a tua propriedade; que as águas engulam a nau em que embarcares; que teus afetos pereçam e que um vento de desgraça passe sobre a desolação da tua existência!

E partiu.

O outro velho fitou com ternura a face do jovem, e falou-lhe:

— Sê feliz, mancebo, que as minhas mãos tremulas possam tirar de sobre tua fronte as pragas do meu companheiro; que a tua propriedade seja firme, que as águas sejam mansas na tua viagem e que a bênção do Senhor esteja sempre suspensa sobre tua cabeça.

Então o moço tirou do bolso a moeda de ouro e deu-a ao mendigo.

Assim devemos praticar sempre: nunca devemos dar esmola, principalmente quando o nosso dinheiro é escasso, sem observar se a pessoa que nos pede é merecedora da nossa piedade.

Fonte:
Poeteiro

quinta-feira, 26 de março de 2020

Varal de Trovas n. 220


Fortuna (Agência Pensiero)


Um dia, defronte do espelho de fazer a barba, não viu o rosto. Primeiro verificou se não se tratava de uma peça — pregada além da sua estatura. Depois, procurando manter a cabeça fria dentro do súbito afogueamento, apalpou-a concentradamente à altura das suíças, que voltaram ao latejar normal: não, não tinha cortado a cabeça num gesto mais distraído da navalha (por via das dúvidas seria aconselhável comprar um barbeador elétrico). A cabeça lá estava com toda segurança sobre o pescoço — à distância de um milímetro já sentia o roçado da barba nas impressões digitais —, simplesmente suas feições amarelaram como uma foto de carteira de identidade e sequer a lembrança da mais recente distinguia agora no espelho.

Sentou-se no bidê que usava amiúde seco, para pensar e ficou de mão no queixo como uma estátua de mão no queixo.

Simples de explicar: nascera, crescera, estudara: noções de: moral, civismo e tiro ao alvo, línguas vivas e tumulares, ciências exatas e hipotéticas, desenho artístico, canto orfeônico e trabalhos manuais, quando recebeu o diploma estava preparado para ingressar no Parnaso. Nas páginas classificadas dos jornais do Brasil, que pediam "contact men", public relations", "executive secretaries", encontrou facilmente o que procurava:

"Precisa-se de um pensador, com prática."

Entre dezenas de candidatos, centenas dos quais prensadores com esperança de um erro de imprensa, foi o único aprovado: durante todo o teste não fez mais que pensar. Passou o primeiro mês inteiro pensando e no dia 30 recebeu o ordenado integral. Estimulado, na segunda quinzena do segundo mês transformou em palavras o seu pensamento:

"As mães estão cada vez mais cedo."

Foi chamado à direção:

— A Agência Pensiero é uma organização que fornece máximas, verbetes, pensamentos para folhinhas, almanaques de pensamentos, noites de autógrafos, colunas sociais e de amenidades, house organs; home organs, garden organs. Já vê que pensamentos revolucionários, só de revolucionários já justiçados e consagrados. Você volte para o seu bidê e procure assimilar a técnica do Marquês de Maricá.

Nesse primeiro estágio ele produziu maricacas, com admirável fluência:

"Antes ser rabo de leão do que cabeça de formiga" e "Antes ser cabeça de formiga do que rabo de leão."

Depois passou por outros pensadores anti-sociais da maior aceitação. Foi quando lhe aconteceu aquilo com o rosto.

— Agora — pensava pela primeira vez para si mesmo — o jeito é usar o espelho no lugar do rosto.

Levantou-se e prendeu ali o espelho. assim as pessoas que o mirassem não o veriam sem rosto: julgá-lo-iam mesmo uma delas. Tanto que o diretor, ao dar consigo nele, abriu um sorriso:

— Agora sim, refletes.

Logo, melhorou seu existir.

Fonte:
10 em Humor. RJ: Expressão e Cultura, 1968.

Doce Aconchego das Trovas n. 4


Piedade – termo sublime
profundo sentido encerra:
é Deus redimindo o crime
que assola a face da terra.
Adamores
São José dos Campos/SP

- - - - - –

Não há motivo que faça
dizer-se toda a verdade,
se antes disso ela não passa
na peneira da piedade
Alba Christina Campos Netto
São Paulo/SP

- - - - - –

Dai atenção e carinho
a quem te quer e te afaga:
- Se o mal se paga com o bem,
amor com amor se paga...
Antonio Carlos de Oliveira Mafra
Rio de Janeiro/RJ

- - - - - –

Enquanto choro, tu cantas
e indagas por que te amei...
Do amor as razões são tantas,
que as causas nem mesmo eu sei...
Antonio Carlos de Ribeiro Andrada
Rio de Janeiro/RJ

- - - - - –

Vou em rápida descida
como o rio, sem cansaço,
deixando às margens da vida
os tristes versos que faço.
Antonio Carlos Teixeira Pinto
Juiz de Fora/MG

- - - - - -

Vai pelo azul a andorinha
novos climas procurar;
vai, porém não vai sozinha,
cada qual leva seu par...
Antonio Chaves
Teresina/PI, 1883 - 1938

- - - - - –

Sem um gesto amigo ou nobre,
todo o homem, com maldade,
até vai roubar o pobre
sem ter dó ou piedade.
António José Barradas Barroso
Parede/Portugal

- - - - - –

Saudade! Névoa serena,
caindo além, lá na serra...
Luar de maio, novena
rezada na minha terra.
Antonio Justa
Rio de Janeiro/RJ

- - - - - -

De tanto ser visionário
num mundo de ingratidões,
hoje possuo um rosário
de vazias ilusões.
Antônio José Lima
 Januária/MG

- - - - - -

Antes de ver-te, eu vivia
bem pobre de inspiração.
Mas agora és a poesia
vivendo em meu coração!
Antonio Weindler
Nova Iguaçu/RJ

- - - - - -

Vivo a sós, compenetrado
nos sonhos, com meu amor.
Vôo mundos, desligado...
- Piedade, eu sou trovador!
Ari Santos de Campos
Balneário Camboriú/SC

- - - - - –

A piedade bem situada,
é tão nobre sentimento,
é sensação alcançada
que mitiga o sofrimento!
Carlos Imaz Alcaide
Torre Vieja Alicante/Espanha

- - - - - –

Piedade, meu amor,
é um sentimento sutil
que vive inteiro na flor
da alma... mesmo em abril.
Cidinha Frigeri
Londrina/PR

- - - - - –

Trazem paz, felicidade,
quando ditas a um irmão,
palavras sim, com piedade,
pronunciando o perdão.
Conceição Parreiras Abritta
Crucilândia/MG, 1934 - 2015, Belo Horizonte/MG

- - - - - –

Se tu conheces o amor,
sabes também de bondade,
não sofrerás ante a dor,
por saber sentir piedade !
Cristina Oliveira Chavez
Creekside/Califórnia/Estados Unidos

- - - - - –

Meu irmão, tende piedade
por quem tem sede e tem fome!
Praticai a caridade;
dai pão para quem não come!
Delcy Rodrigues Canalles
Porto Alegre/RS

- - - - - –

Sem ação sentir piedade
é piedade de si mesmo,
na falta de caridade,
na vida vivendo a esmo.
Fahed Daher
Apucarana/PR

- - - - - –

Os gritos de liberdade
abafados por censuras,
viram ecos de piedade
nos porões das ditaduras!
Francisco José Pessoa
Fortaleza/CE

- - - - - –

Em toda essa Humanidade
que se envolve em tanta guerra;
Senhor derrama piedade,
amor e paz sobre a terra.
Garibaldy Martínez
Santo Domingo/República Dominicana

- - - - - –

Há tanta gente sem nome
a sofrer pela cidade.
Muitos morrendo de fome
por falta de piedade.
Geraldo Amâncio
Fortaleza/Ceará

- - - - - –

Tem piedade de alguém
quem ajuda qualquer um,
pensando em fazer o bem
sem pedir retorno algum.
Jair Maciel de Figueiredo
Natal/RN

- - - - - –

Quem o privilégio tem
de só dormir num colchão,
tenha piedade de quem,
sempre só dorme no chão.
Joel Hirenaldo Barbieri
Taubaté/SP

- - - - - –

Eu fico muito tristonho
e tenho imensa piedade
daquele que não tem sonho,
de quem não sente saudade.
Lino Vitti
Piracicaba/SP
- - - - - -

Crianças vivem nas ruas
devido a necessidade,
sem comida e quase nuas
imploram por piedade.
Luiz Victor de Moraes Cavalcanti
Recife/PE

- - - - - –

Homem de boa vontade
empenhando-se na paz,
tendo na alma piedade
em tudo será capaz
Luz Sampaio
Okayama-ken/Japão

- - - - - -

Piedade, chama divina,
que acende a cada aflição,
é fonte que me ilumina
quando concedo o perdão.
Marcos Medeiros
Natal/RN

- - - - - –

Rogo, Espírito, piedade,
dai amor ao coração,
num mundo com crueldade
não existe compaixão.
Maria Cristina Fervier
Salto Grande/Provincia Santa Fe/Argentina

- - - - - –

Ó Espírito de Amor,
o teu “dom” de piedade
me acompanhe aonde eu for
espargindo só bondade!
Maria Ignez Pereira
Mogi-Guaçu/SP

- - - - - –

Piedade, tens irmão
pelos que estão a sofrer.
Mas, não estendes a mão
quando à porta vão bater!
Maria Marlene Nascimento Teixeira Pinto
Taubaté/SP

- - - - - –

Ante os pobres, ter piedade,
ter doçura e compaixão,
é provar a suavidade
que brota do coração.
Marina Gomes de Souza Valente
Bragança Paulista/SP

- - - - - –

É supremo o dom de Deus,
se piedade ainda persiste...
na aurora dos dias meus ,
a maldade não existe.
Mariza Soares de Azevedo
Curitiba/PR

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No dom piedade - mergulho,
caminho na compaixão
que banindo todo orgulho
faz florir o coração.
Mifori
São José dos Campos/SP

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Quando o desamor atinge
um romance envelhecido,
a piedade azul se finge
desconhecer o ocorrido.
Miguel Russowsky
Santa Maria/RS ,1923 – 2009, Joaçaba/SC

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Não é pena, nem bondade,
e nem se livrar de um resto:
quem pratica a piedade
não quer luz sobre o seu gesto.
Milton Sebastião Souza
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018 Cachoeirinha/RS
 
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Te peço por piedade,
não zombe do meu amor.
Teu ciúme é falsidade
que só me provoca dor.
Neiva Fernandes
Campos dos Goytacazes/RJ

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Por piedade peço amor,
teus braços são meu abrigo,
se me deixas, será dor!
E minha vida um castigo.
Nora Lanzieri
Buenos Aires/Argentina

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Procurando claridade
para os olhos de quem chora,
vou clamando piedade
para os pobres sob a aurora!
Olivaldo Júnior
Mogi-Guaçu/SP

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Das bofetadas que a vida
me deu sem muita piedade,
tu foste a mais dolorida
e a que mais deixou saudade.
Thalma Tavares
São Simão/SP

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A Piedade é uma virtude
que nos incita a acolher,
quem ante a vicissitude
perde o gosto por viver.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba/PR

João Ubaldo Ribeiro (Pensamentos, Palavras e Obras)



Em matéria de pecados, aliás em matéria de religião geral, eu sempre achei que a pior coisa é os pensamentos. Na aula de catecismo, que era depois da missa e antes do futebol, quer dizer, a gente só pecando porque não queria assistir o catecismo, nessa aula dona Maria José, com aquelas blusas dela de mangas fofolentas e os olhos piscando o tempo todo e a cara de doente, dizia que se peca por pensamentos, palavras e obras. Palavras e obras, certo, muito certo, certo. Mas pensamento é muito descontrolado, de maneira que todo mundo tinha dificuldades nessa parte, talvez somente dona Maria José não tivesse, porque tudo o que ela pensava era catecismo.

Muitas vezes perguntei a minha mãe — e não perguntei a dona Maria José, porque o que a gente perguntava a ela, ela mandava a gente estudar e escrever uma dissertação, para ler alto no outro domingo — como é que a pessoa fazia para não pecar por pensamentos e ela me disse que bastava não pensar nem besteira nem safadagem. Ora, isso está todo mundo sabendo, a questão é que a besteira e a safadagem aparecem o tempo todo, sem ninguém chamar. Mas de fato era uma coisa muito de admirar que os crescidos todos, na hora da comunhão, iam sem pestanejar, quer dizer, não tinham pecado nem por pensamento, por que senão não iam arriscar a receber o corpo de Cristo com tudo por dentro sujo imundo de pecados. Eu não, eu sempre tive problemas, porque primeiro nunca deixava de esquecer algum pecado e na hora que saía é que eu lembrava e aí ficava com vergonha de voltar ao padre e aí ficava achando que ia comungar sujo imundíssimo. Mas minha mãe disse que não podia fazer lista de pecados, onde já se viu, que na hora o Espírito Santo ajudava, mas ele nunca me ajudou, pelo menos eu nunca notei nada. Enfrentei bastante sofrimento.

No primeiro ano, eu não tive o problema do pecado, porque a comunhão foi na Páscoa do colégio e eu era o único aluno que ainda não tinha feito comunhão, de forma que minha mãe me mandou com uma fita branca desta largura amarrada no braço e descendo com umas franjas, que eu fiquei envergonhadíssimo. Na outra mão, minha mãe mandou eu segurar uma vela também amarrada de fita e fiquei mesmo um espetáculo, de forma que me considerei fazendo penitência o tempo todo e, de qualquer jeito, só conseguia pensar na fita e na vela, uma coisa tristíssima de se ver que eu estava e todo mundo me olhando e só não dando risada porque era uma questão de comunhão. Mas ainda assim eu fiquei desconfiado e aí, na hora que o colégio todo ficou sentado na igreja, esperando a missa começar, consegui falar com dona Maria José, para saber se podia fazer uma confissão de última hora. E somente um reforço, disse eu, a senhora sabe, a pessoa vai andando, vai pecando. Palavras e obras, não, mas pensamentos sempre uma coisa ou outra vai escapando, disse eu, e ela ficou vermelhíssima. Então ela me levou até um padre alto que estava na sacristia e perguntou a ele se ele podia ouvir a confissão de última hora de um rapaz e eu ali me sentindo todo besta, com a fita e aquela vela na mão, mas eu queria estar garantido, com essas coisas não se brinca, e o padre era desses que vem logo querendo dar porrada, desses que puxam o queixo da pessoa e passam uns tapinhas na cara, não suporto. Ah, quer dizer que veio para a primeira comunhão e não se confessou, não é, falou ele, puxando minha fita que quase esculhamba tudo e me deu grande preocupação, porque minha mãe ia botar a culpa em mim e, se eu botasse a culpa no padre, ainda ia tomar um cachação. Não senhor, eu me confessei, é que eu estou com um problema. E então o padre foi mais simpático, me chamou para o canto e disse: qual é o problema? Raiva da mãe, disse eu para não perder tempo, porque a missa ia começar e, se eu não estivesse lá na frente, minha mãe ia se aborrecer. Por causa dessa fita e dessa vela, disse eu. Ah, disse o padre, dois padre-nossos. Achei barato naquela hora, rezei os dois padre-nossos, assisti a missa, comunguei e achei que estava tudo ótimo. E a inocência.

No segundo ano não tinha mais a fita nem a vela, foi um grande alívio, porém durou pouco, justamente porque, não tendo nem fita nem vela, sobrou mais espaço para pecados de pensamento e, além disso, a pessoa vai ficando mais velha e vai pecando mais, é a lei da vida. Felizmente nesse ano teve retiro no sábado e comunhão no domingo, de forma que a gente saía correndo da confissão e ia comungar, para não dar tempo de pecar por pensamento. Também Valdilon, que tem um irmão padre e deve saber dessas coisas, explicou que o camarada fecha os olhos, tapa os ouvidos e fica fazendo barulhos os mais altos possíveis com a boca fechada, que ressoa no ouvido e faz aquele escarcéu etc etc e a pessoa vai evitando o pecado. Com treino, acho que é possível e de fato Valdilon treinou diversos, mas eu nunca treinei porque ficava com vergonha de esperar a comunhão no meio daqueles sujeitos tudo de olho fechado, ouvido tapado e fazendo mmmnnn-mmmnnn e bzzzz-bbzzz. Mas, de qualquer maneira, essa segunda comunhão correu muito bem, porque eu comunguei em cima da confissão, saí leve, leve. Quase na certeza.

Na terceira é que foi muitíssimo pior, porque eu estava numa idade de viver pecando por pensamentos. É aí que eu até entendi por que o catecismo fala tanto nos pensamentos, é porque tem gente que se torna assim como eu me tornei: não faz nada, só pensa maus pensamentos, todos os tipos. Mesmo fazendo força, não adiantava nada. Era parar, era estar tendo maus pensamentos. Às vezes eu dizia assim, franzindo até a testa: não vou ter, não vou ter, sai pra lá, e cantando músicas alto — vestida de branco ela apareceu, trazendo na cinta as cores do céu, ave, ave, ave Maria — mas não resolvia: o mau pensamento zipt! Pronto. Nessa situação, era mais do que difícil uma boa comunhão, ainda mais que eu dei para achar que os outros não tinham esse problema, que era tudo obra das tentações do diabo do cão, não se podia confiar em ninguém.

E teve coisas piores nesse ano. Minha irmã ia fazer primeira comunhão e minha mãe fez uma mesa especial, muito mais especial do que a minha, que nem foi especial. Quer dizer, pecado da inveja. E depois tinha de ficar em jejum e eu quase como uma bolachinha de goma, só não comendo porque meu anjo da guarda foi forte e apareceu gente na hora de pegar a bolacha. Pecado da gula, mais sacrilégio. A madrinha de minha irmã apareceu da Bahia e eu fiquei olhando para as pernas dela: conte ai mais pecados, começando de cem. Meu pai me deu dez mil réis e deu cinco a minha irmã e pediram para eu comprar um santinho para mim e um para ela, todos os dois com meu dinheiro e eu não gostei. Pecado da avareza e mais diversos quebrados e mistos.

Quando chegou na igreja, eu já estava suando e nesse dia não era uma questão de esquecimento na confissão, nem nada disso. Cada respirada que eu dava, tome uma pecada. A missa ia andando, ia andando e eu vendo a danação chegando, até que não aguentei mais e aproveitei que meu pai assistia missa lá de fora fumando, e minha mãe não podia gritar comigo na igreja e então disse a meu pai que queria ter uma conversa com ele de homem para homem, se ele não ia rir. Não vou rir, disse meu pai. Pois então, pois então eu quero ficar aqui na igreja até a outra missa, possa ser a missa das nove, das dez, das onze ou de meio-dia. Quero ficar para comungar depois de confessar direito. Muito bem, disse meu pai, quando voltar traga uma garrafa de clarete único da bodega de seu Barreto e volte antes de uma hora.

Minha mãe ainda quis que eu fosse com todo mundo e ainda quis muitas conversas, mas minha irmã estava com asas de anjo e tudo e tinha a madrinha altamente granfina da Bahia, de forma que eu fiquei. Confessei às nove, faltando um pouco. Pequei logo na saída, quis regressar, titubeei, fiz que ia mas não ia, acabei fazendo o sinal da cruz, rezando a penitência, assistindo a missa, mas não tive coragem de comungar, porque, na hora, eu parecia uma cabeleira pendurada de piolhos de pecados, um aspecto péssimo. Voltei, confessei às dez. Achei que, se corresse para o altar de Santo André e rezasse até a hora da comunhão, ia conseguir segurar o pecado. Mas quando fui ajoelhando no altar, veio uma onda de pensamentos de pecado e fiquei com vontade de comer um pastel com guaraná e até pensei que qualquer coisa eu dava para não estar ali e estar em outro lugar comendo um, ou dois ou três pastéis com guaraná. A missa toda eu passei pensando em comida e, quanto mais eu queria não pensar, mais eu pensava. Não comunguei, estava cada vez mais triste. Às onze, confessei rapidamente, ofereci minha fome a São Judas Tadeu e rezei cinco minutos de olhos fechados, acho que sem pecar. Mas, quando abri os olhos um minutinho, estava uma porção de moças passando lá fora para a praia e pequei, pequei, pequei! Uma fome enorme e uma vontade de chorar e então eu rezei todas as rezas que sabia e me confessei às doze horas para a missa do meio-dia e, ali ajoelhado, esperando a hora, fui sabendo que estava pecando, fui vendo aquela fieira de pecados passando por mim e até fiquei como que de fora, assistindo cinema. E nem me lembro como foi que eu me levantei e fui receber a comunhão, boiando no meio de todos aqueles pecados e, Deus me perdoe, quase tenho um engulho de arrependimento na hora da hóstia entrar em minha boca. A fome passou e acho que tive febre e até hoje não gosto de me lembrar disso, mas vivo me lembrando. Até hoje, tenho certeza de que vou para o inferno. E é só por isso que eu não quero morrer agora, porque, tirante isso, eu queria.

Fonte:
João Ubaldo Ribeiro. Livro de histórias. RJ: Nova Fronteira, 1981.

Gioconda Labecca (Baú de Versos)


TROVAS

Adoro o Bem e a Verdade,
como mandou Jesus Cristo:
— Há melhor felicidade
do que viver para isto?
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A trova é tão pequenina
e quanta coisa ela diz!
— De uma ideia repentina
nasce um conceito feliz.
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Eu agradeço a Jesus
por ter no meu coração
um lugar cheio de luz
para abrigar o perdão.
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Garoando… garoando…
essa garoa, sem fim,
é qual saudade pingando
lembranças dentro de mim…
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Meu coração é pequeno
mas é cheio de esperança,
e desconhece o veneno
do demônio da vingança.
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Nada tenho, nada quero,
nem posição, nem vitória.
Tudo na vida o que espero
é que este amor tenha glória.
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Não desesperes, querido,
e penses um pouco em mim…
— Não há mal por mais sentido
que nunca tenha seu fim.
- - - - - –

Por favor, não faças isso,
não me lances esse olhar...
Os teus olhos têm feitiço,
vão os meus enfeitiçar.
- - - - - -

Quanto tempo decorrido
nesta luta insana, inglória,
vendo o meu tempo perdido
e nem sinal de vitória!
- - - - - -

Rindo e cantando, nós vamos
no mundo a nos enganar...
Quantas vezes nós cantamos,
quando queremos chorar?
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Tu dizes que eu sou ingrata
e que não te trato bem...
— Não sabes que se maltrata
àquele a quem se quer bem?
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SONETOS

EXÓRDIO


Abre este livro meu leitor amigo
co’a alma limpa e o coração bem puro…
— Vem solitário, caminhar comigo
e junto a mim tu estarás seguro

Pelos Jardins caminharei contigo
e verás coisas belas, te asseguro,
e terra azul, no chão florindo o trigo
e a lua branca iluminando o escuro

Nossa estrada será plena de flores,
no ar os suavíssimos odores
dos mais raros perfumes de Paris.

— Nossas almas em franca transcendência
diáfana, sutis e só essência
compreenderão que é fácil ser feliz.
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SEMPRE TUA

Não penses, não, querido, que algum dia
eu possa desprezar o teu amor;
Passem homens por mim em romaria
que hei de amar-te, talvez, com mais ardor.

Não sintas, pois, assim, tanto temor
desta que é toda sonhos e euforia,
quando em teus braços cheia de fervor
canta sonetos de melancolia.

Só tu encerras o que eu quero tanto,
ninguém tem mais talento e mais encanto,
nem mais saber, nem experiência.

Venham todos os homens e os conjuro,
pois a ti dei meu sentimento puro,
minh’alma, meu amor, minha decência.

Fontes:
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,
Academia de Letras da Grande São Paulo
Angelo Rigon