sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Aparecido Raimundo de Souza (O Caso do Porco Subtraído)

O TÚLIO RESOLVEU entrar no sítio do velho Siqueira que criava porcos para abate e levar, na mão grande, um dos milhares que ele mantinha nos chiqueiros. Como a divisa da quinta do sujeito ficava perto da herdade onde morava com os pais, o criador de galinhas e plantador de café Bartolomeu Carrancudo, o rapaz fez um planejamento bem simples e objetivo para não ser pilhado em flagrante e tudo que esquematizara rolasse por água abaixo. No dia que botou na cachola ser o momento propício, se alinhavou para praticar, sem mais delongas, o que levou quase um mês sopesando pós e contras.

Este dia seria o domingo. Geralmente, nos finais de semana os empregados do comerciante (como os de seu pai) relaxavam a guarda, o que lhe daria uma excelente margem para penetrar nas contiguidades do velhote e subtrair um dos animais sem ser apanhado com a boca na botija. Portanto “flexível a investida”, concluiu satisfeito e seguro de si. Esperou dar meia noite. A partir daí, se armou de uma lona de plástico, pegou seu pequeno caminhão e partiu para o desafio. Já em terras alheias, se protegendo entre árvores, caindo aqui, tropeçando ali, chegou, finalmente, aos barracões onde ficavam instaladas as pocilgas.

Em meio a enorme manada dos “sus scrofa domesticus”* que se descortinou à sua frente, Túlio carecia, no menor tempo possível, escolher um quadrúpede artiodáctilo* que não fosse muito obeso para ser melhor conduzido, uma vez que seu regresso até onde deixara o transporte amoitado, se daria pela mesma leiva, todavia, aquela hora da noite, totalmente desconhecida. Havia um outro detalhe que não poderia ser esquecido. Talvez o pior deles. Dependendo do peso do bunodonte* “escolhido”, a sua caminhada se faria duplamente penosa. Baseado nessa teoria da balança invisível, pinçou o “doméstico” que achou moleza manobrar a sua “barrilesca” carga sem muito esforço. Com ele em volta do pescoço, embrulhado no plástico que trouxera, tratou de picar a mula.

Não contava com um pormenor. O infeliz do suíno “rufião” chafurdado em excrementos os mais diversos, tranquilo e em paz, retirado assim, à força, sem prévio aviso, no cômodo do descanso, em seu persigal*, é lógico, ao se ver fisgado, se abriu endoidecido em sons engraçados e bizarros. A voz do cerdo é, por natureza, um tanto esquisita, e, de certa forma, excêntrica. Ao se sentir em perigo iminente, o coitado mandou ver num enraivecido iiihhh... iiihhh... iiihhh... iiihhh... quebrando a quietude silenciosa da noite lúgubre e entenebrecida.

Na revinda (*regresso), Túlio usaria a mesma picada de acesso. Não tinha como atalhar. Por conta, o medo enorme que sentia em ser pego por funcionários triplicou. Afora isso, levado pela chatice enervante do mamífero resmungando atabalhoadamente, por entre guinchos e grunhidos, tais cantorias deixavam os seus nervos frangalhados, ou melhor, emporcalhados.

— Cala essa matraca. — Observou a certa altura – Precisa ficar dando banda com esses sons aborrecidos em meus ouvidos?

O rapaz cochichava com o suidae* como se a criatura fosse alguém de entendimento pleno que pudesse ouvir e assimilar os seus clamores e, por conta, no minuto seguinte, obedecer e fechar o comedor de lavagens. Faltava pouco para chegar ao marco que estabelecia os limites da saída e ganhar a liberdade. A alguns passos de colocar os pés para o sucesso da missão, jogar o porco na carroceria do seu VUC, da JAC, um V260 e dar partida no motor, faróis e lanternas se acenderam inundando (como se dia fosse) a escuridão mansa da noite amena.

Rifles apareceram do nada, apontados para a sua cabeça. Ouviu, entre risos e chacotas, a voz do homem que identificou, de primeira: ali estava, em carne e osso, o velho Siqueira, ou como todos, na localidade, o chamavam pelas costas, de “Napoleão”.

— Alto lá, seu ladrãozinho barato. Fique onde está. E antes que eu ordene a meus empregados que lhe deem uma lição inesquecível, me esclareça uma dúvida cruel: onde pensa que vai com o meu porco?

Túlio se deteve apavorado. As duas mãos a segurarem o gorduchinho desviado que viajava às costas, aos berregos, passaram a tremer desordenadamente. Com a quebra da compostura, exatamente pela vergonha de ter sido pilhado com o produto do crime grudado em seu suor, a sua fortaleza desmoronou. Em trote idêntico, sem ter como se segurar, uma súbita incontinência urinária lhe fez molhar pernas abaixo, numa espécie de desarranjo renal surgido de modo imprevisto.

— E ai, seu ladrãozinho de meia tigela! — repetiu a voz, desta vez mais forte. - Responda: onde pensa que vai com o meu porco?

O desditoso, além da falta de paciência (o Landrace não dava trégua, parecia estar cantando, em repeteco, “O Porco”, do Beto Jamaica), e, sobretudo, aviltado em não conseguir se premunir até a “moita” mais próxima, também viu lhe escapar, de roldão, a voz. Afônico, balbuciou, mais assaparantado* que um rato solitário a se ver diante de uma gataria pronta para manda-lo para a barriga:

— Por... por... por... co... se.... seu... Si... Si... Si... quei... ra... que por... cooooooo...?!

Final da história: Túlio levou uma surra memorável dos peões do estancieiro. A parcela da coça se fez sem perdão, ou seja, mais dupla e atordoante, notadamente quando os esculcas* identificaram o larápio e comunicaram ao patrão que o “meliante”, não era outra figura, senão um dos filhos do Bartolomeu Carrancudo, seu amigo do peito e confinante por aquelas paragens.
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VOCABULÁRIO
Artiodáctilo = Ordem de mamíferos ungulados com um número par de dedos. Inclui os porcos, os touros, os hipopótamos, os camelos, os veados, as girafas, os carneiros, as cabras e os antílopes. Assentam no solo os dedos revestidos por cascos. Caracterizam-se por o eixo do membro passar entre os terceiro e quarto dedos. Estes podem ser quatro, como nos porcos e hipopótamos ou, mais vulgarmente, dois, como nos fissípedes típicos. Todos os artiodáctilos exceto os porcos são herbívoros. (Infopedia)
Assarapantado = Que se assustou; assustado. Que está atrapalhado; pasmado.
Bunodonte = Em zoologia, chamam-se bunodontes aos mamíferos que têm dentes molares com cúspides arredondadas e pouco desenvolvidas, como o homem, o porco e o urso. (wikipedia)
Esculcas = sentinelas, vigias noturnos.
Persigal = curral de porcos; pocilga, chiqueiro. (Oxford)
Suidade = é uma família de mamíferos artiodáctilos. Esta família taxonómica inclui vários gêneros, nos quais se encontram espécies de animais domésticos, como o porco-doméstico, e selvagens tais como o javali. (Wikipedia)
Sus scrofa domesticus = porco doméstico.


Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Minha Estante de Livros (Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia)


Uma tragédia no Amazonas é uma novela envolvente que narra como o ódio e o desejo de vingança pode arruinar muitas vidas, e como uma pessoa pode ser odiada e amada ao mesmo tempo.

É cheio de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Com maestria o autor narra a história de Eustáquio, sua esposa Branca, e a enteada Rosalina, que passaram a ser vitimas de perseguição, que incluíam tanto danos à propriedade da família, que ficava no vilarejo de São João do Príncipe no Amazonas, como tentativas de matar Branca e Rosalina. Curiosamente, em duas tentativas contra as mulheres, um misterioso protetor dá cabo dos agressores, o que não acontece com um escravo e um soldado contratados para defender a casa do subdelegado.

Começa por parte de Eustáquio uma caça aos agressores, aos poucos o editor traz a lume fatos que culminam com a identificação dos mesmos como sendo um grupo de negros que após assassinarem seu feitor e o dono da fazenda, saqueiam a sede e fogem, sendo capturados e presos pelo subdelegado, no entanto pouco depois eles fogem da improvisada cadeia, para a floresta, e começam a maquinar a vingança.

A morte de um dos escravos pelo misterioso defensor da família faz com que eles fiquem um pouco acuados, e passam dois anos sem fazer novas ameaças. No entanto a chegada ao vilarejo de salteadores espanhóis interessados em roubar Eustáquio, porque foram informados que ele possuía uma grande riqueza, reacendeu nos escravos fugitivos a chama da vingança, e encorajados pelos espanhóis voltaram a tramar contra a família.

Nesta ocasião, Eustáquio, que já não é mais subdelegado, passa a espionar o bando, descobrindo que tramavam atacar a casa no dia seguinte, recorre à ajuda do padre que no afã de proteger a casa indica quatro lavradores da cidade para reforçar a segurança. Eustáquio os contrata, sem saber na verdade que eles faziam parte dos seus inimigos, num plano do líder espanhol de infiltrá-los na residência de Eustáquio fato que o padre também desconhecia.

Enquanto aguardavam o ataque protegendo a casa, o padre revela que o misterioso protetor que por vezes defendeu a família, era na verdade um jovem que teve sua vida salva pelo pai de Rosalina, a enteada da família, só que embora salvasse o garoto o homem não sobreviveu ao acidente, em retribuição a isso o garoto vigiava a casa para proteger seus moradores.

Neste mesmo dia os vingadores conseguem invadir a casa, matam Branca, Eustáquio, bem como outros que ali estavam, incluindo uma criança que ainda a pouco havia nascido, filho de branca com Eustáquio.

Quando o jovem que protegia a família chega já é tarde e o malfeitor lhes tira a vida, e como última vítima Rosalina é barbaramente torturada e morta. Finalizando a história, o pai do jovem chega de uma viagem, mas já encontra todos mortos e o fim é dramático, com o pai ao lado do corpo do filho lamentando sua morte.

A história é cheia de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Em Uma Tragédia no Amazonas, ressaltamos três espaços, onde decorre a intriga na novela, a floresta, a casa e o roseiral. Todavia, dos três espaços apontados, é a floresta que recebe um tratamento discursivo e imagético mais acentuado, em princípio, por ser objeto da curiosidade de leitores urbanos e alimentar fantasias de aventuras e de expedições fascinantes e perigosas, e depois, por estabelecer relação direta com a criação e a manutenção da atmosfera trágica.

Sob certa perspectiva historiográfica, a representação discursiva e imagética da floresta amazônica, na novela de Raul Pompéia, alude tanto à retórica dos cronistas de viagem do século XVI quanto reproduz a retórica folhetinesca.

Ao seguir o roteiro de narrativa linear, Raul Pompéia reserva o primeiro capítulo da novela à descrição de dois espaços em que se desenrolará a história, um deles, é a floresta amazônica e outro é a casa de Eustáquio. Esses dois espaços contribuem para determinado desenrolar e desfecho do enredo. A floresta e a casa do protagonista recebem do escritor certo tratamento visual que torna evidente a natureza oposta e contraditória de ambos, a partir dos quais e nos quais se refletem conflito e tensão decorrentes da relação entre cidadão e natureza, civilizado e selva, estrangeiro e autóctone, agente da justiça e regime do instinto, da violência e da vingança. A representação da floresta sobrepõe à representação da casa e se constitui esfera em que esses polos opostos provocam estado de situação pouco esclarecida que conduz o protagonista a cometer erros e enganos, o chamado miasma para os trágicos gregos.

No desenrolar da novela, notamos algumas formas de representação da floresta, que pretendem intensificar a ideia de que trágico é o espaço. Já nos primeiros parágrafos, o narrador reproduz discurso semelhante aos dos cronistas de viagem ao fazer referência a alguns aspectos geográficos da região, o que atribui tom levemente informativo à descrição da natureza. No entanto, o aparente esforço do escritor em tornar verossímil a descrição do espaço cede à projeção da imagem poetizada e alegórica da Amazônia

Em princípio, o enredo da novela de Pompéia explora a temática da vingança para justificar o drama violento vivenciado por Eustáquio e sua família em plena floresta amazônica. Todavia, a chacina da família do subdelegado, de seus ajudantes e amigos mais do que representar a efetivação do plano de vingança de um grupo de bandidos, representa a replicação, em escala menor, do fracasso da utopia da formação da civilização brasileira a partir da ação do homem branco em explorar e dominar a floresta.

O drama violento vivenciado pelos personagens possibilita a alegoria da repetição desse fracasso que sugere que outros problemas históricos e sociais brasileiros se fazem presentes a partir do desenrolar da trama, tais como exploração e domínio da terra, formação de novas cidades no interior do país, ausência dos aparatos do Estado em locais extremos e isolados do país, e a problemática jurídica em torno da aplicação da lei em “terra de ninguém”.

Fontes:
Net Saber. Resumos.

Danilo de Oliveira Nascimento. A representação do espaço trágico em Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia. Disponível na Revista Recorte. Mestrado em Letras: Linguagem, Cultura e Discurso / UNINCOR. v. 12 - n. 1. jan -jun, 2015. (trechos)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 18

 


Carolina Ramos (O “meu” sanhaço)

De vez em quando é bom fechar os olhos ao panorama atual, com suas crises e cataclismos que nos puxam para baixo e abrir o cofre das lembranças, deixando aflorar o que venha de mais leve.

Desta vez, foi um sanhaço que saiu voando do baú em forma de crônica escrita há algum tempo, em apoio à surpreendente repercussão alcançada por outra publicada na imprensa local, na qual o autor falava de um sanhaço em sua vida. Crônica que acabou por motivar mais duas, de outros autores, levando-me à tentação de também dizer algo a respeito daquele que eu poderia chamar, possessivamente, de - "o meu sanhaço".

Todo interesse demonstrado pelas publicações que enfocavam essa avezinha silvestre, capaz de enfrentar com denodo as complicações da vida de uma cidade, veio provar que a sensibilidade humana, mesmo embotada pelas calamidades divulgadas todos os dias pela mídia, ainda não está de todo morta, permitindo algumas fugas pelas janelas da alma.

Mas... deixem que eu diga, solidária: - Sim, eu também tive um sanhaço em minha vida! Azul como um retalho de céu! Foi meu... por espaço mínimo, que talvez nem tenha passado de meros minutos, mas, valeu a pena... como vale a pena contar:

Tinha um amplo quintal na casa de meus pais. Coisa bastante rara em nossos dias. Casa com pomar, no qual não faltava a tradicional goiabeira de galhos acolhedores, permitindo escalada.

Casa com galinheiro - mais raro ainda! E, portanto, com direito a clarinadas de galo pela manhã! E até com pintinhos a bicar o ovo pelo lado de dentro... rompida a casca... o milagre da vida!

Coisas que hoje poucas crianças têm o privilégio de testemunhar, fora da área rural.

Coisas mágicas que, graças a Deus, meus filhos puderam presenciar por conta daquele quintal encantador, palco de cenas cada vez mais difíceis de serem vistas!

Ovos... nos supermercados. Galinhas... nas panelas, ou nos pratos, às refeições. E a tal clarinada dos galos?... Talvez, que ainda possa ser ouvida nas vizinhanças, vinda de uma dessas casas velhas que, paulatinamente, cedem espaço aos espigões de concreto, vítimas indefesas das pressões financeiras, enquanto as famílias se empoleiram, umas sobre as outras, em prédios espigados, às vezes tortos, como os daqui da orla santista.

- E o "meu sanhaço"... onde fica ele, após emaranhadas digressões sobre casas e quintais?!

Naquela tarde distante em que o irrequieto sanhaço entra nesta história, eu chegava serenamente ao amplo quintal de minha antiga casa, a meia quadra da praia, onde agora um prédio moderno exibe o garbo.

Levava o almoço para os dois gatos que, como sempre, me aguardavam com miados festivos. Foi quando, a meus pés, se abateu um punhado de penas azuis e asas agitadas a despertar pronto interesse dos bichanos ronronantes à minha volta.

Num átimo, recolho a ave! Biquinho aberto... debatia-se em desespero, garganta totalmente trancada por um grão de milho, o que exigia ação imediata. Sufocava!

Com o pássaro nas mãos, voei, atrás de uma pinça! Vencendo a ansiedade, trêmula e com extremo cuidado, consegui, com a ajuda de Deus, extrair da garganta bloqueada o grão assassino!

Aquele terrível grão que, sem matar a fome, quase matara o faminto! E que grande seria a fome daquela pobre ave... já que os sanhaços, frugívoros, alimentam-se apenas de frutos, não de grãos!

Com alívio, senti o oxigênio revitalizar os pulmões do pássaro aflito, que, estonteado, permaneceu por mais alguns segundos na concha de minhas mãos.

Asas ligeiras, logo depois o levariam de volta ao espaço, tão azul quanto ele, num maravilhoso voo de redenção!

Por ter resgatado da asfixia aquela pequena ave indefesa e por tê-la livrado das garras ávidas dos gatos, prontos para saboreá-la como sobremesa, guardo para mim, deliciada, a dupla e gratificante sensação de ter salvado, por duas vezes, aquela preciosa joia emplumada!

Assim, embora nunca mais o tenha visto, creio ter pleno direito de chamar o pequenino herói desta crônica, muito afetivamente de: - o "meu" sanhaço!

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.

I Prêmio de Trova da UBT – Dourados/MS (Trovas Premiadas)


NACIONAL/INTERNACIONAL

Tema: AFETO (L/F)

 NOVOS TROVADORES

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 VENCEDORES
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 1.
Ronaldo Dória dos Santos Junior

O vovô carrega o neto
cheio de amor e esperança.
Fragilidade e afeto
em formato de criança.

2.
Prof. Maia

Sob aquele humilde teto,
sem luxúria e sem tostão;
talvez haja mais afeto,
que numa rica mansão.

3.
Júlia Fernandes Heimann

Todo o afeto que lhe tenho
e tão profundo e sincero
que, às vezes, não o contenho
e, ao demonstrá-lo, exagero!

4.
Geisa da Silva Moreira Alves

Apaixonado eu descanso
no embalo do teu afeto,
pois nele encontrei remanso,
meu cais, meu porto e meu teto!

5.
Jorge Ribeiro Marques

Pobre morador de rua,
um ser humano sem teto,
precisa mais que uma lua,
um novo olhar, um afeto.

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MENÇÃO HONROSA
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1.
Solange Colombara

Plena em afeto, decanto
a saudade em desalinho.
O teu colo era acalanto,
tua voz, doce carinho.

2.
Prof. Maia

Não existe amor completo,
tendo falta de carinho;
amor que não tem afeto,
é incompleto, anda sozinho.

3.
Nely Cyrino de Melo

Meu coração inquieto,
quase em segredo, lhe diz:
-Preciso de seu afeto,
para poder ser feliz.

4.
Angela Maria da Silva Castro Stoller

Um afeto sempre externa
o que sente o coração,
uma ponte tão fraterna
que aproxima a relação.

5.
Angela Maria da Silva Castro Stoller

Afeto, gesto tão doce,
de intenso e grande valor.
Decerto  como se fosse
carinho em forma de amor.

6.
Francisco de Assis Bento de Souza

Não seria racional
deixar os filhos sem teto.
Se até mesmo um animal
cuida dos seus com afeto!

7.
Anete Simões

A vovó, toda candura,
a sua netinha envolve,
cheia de afeto... doçura
que os males todos dissolve.

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VETERANOS
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Tema: EMPATIA (L/F)

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VENCEDORES
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1.
Lucília Alzira Trindade Decarli

Não sei dizer o porquê...
Nossa empatia age assim:
se eu sofro, dói em você;
você sofre... e dói em mim!

2.
Antonio Augusto de Assis

O poeta é intimamente
prisioneiro da empatia.
Toda dor que o mundo sente
ele sente em parceria.

3.
Maria Lúcia Daloce

Em tempos de carestia,
onde tantos passam fome,
uma palavra - empatia,
tem rosto, endereço e nome!

4.
Maria Lúcia Daloce

Nos momentos de alegria
e em tempos de provação...
demonstra ter empatia
quem sabe estender a mão!

5.
Arlindo Tadeu Hagen

Definição de empatia:
é aquilo que a gente sente
do jeito que gostaria
que sentissem pela gente.

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MENÇÃO HONROSA
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1.
Élbia Priscila de Souza e Silva

A empatia, meu irmão,
é uma chama que incendeia
as fibras do coração,
em favor da dor alheia!

2.
Ariete Regina Fernandes Correia

Olha o caminho do pobre
qual fosse de um filho teu,
empatia é o dom mais nobre,
que o bom  Deus nos  concedeu.

3.
Vânia Figueiredo

Empatia, muito além,
do que mera compaixão,
é entender a dor de alguém
sem julgamento ou sermão.

4.
Maurício Cavalheiro

Não ria da dor que aperta
seu inimigo, porque
a empatia sempre alerta:
— E se fosse com você?

5.
César Defilippo

Amor de mãe... empatia,
se o mal traz choro, empecilho,
pudesse transferiria
pra si própria, a dor do filho.

6.
Márcia Jaber

Gentil, tua mão inclina
ao irmão fraco ou doente:
a empatia é luz Divina
brilhando dentro da gente.

7.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho

A empatia acorda o amor
que adormece em cada ser,
ao fazê- lo sofredor,
vendo o próximo sofrer.

8.
Maria Helena Oliveira

Quando a dor do semelhante
nos toca profundamente,
a empatia nos garante...
O que é ser, de fato, gente!

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MENÇÃO ESPECIAL
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1.
Maria Madalena Ferreira

Como esperas harmonia
em vez de tédio ou rancor,
se não existe empatia
entre o teu e o meu amor?

2.
Renato Alves

Empatia é sentir junto,
é ser mais que solidário,
é sempre agir em conjunto,
cumprindo o mesmo fadário!!!

3.
Mário Moura Marinho

Empatia, em sua essência,
é ver com o coração
e sentir na consciência
o sentimento do irmão.

4.
Edweine Loureiro da Silva

A caridade - atenção! -
pode tornar-se vazia
se não repartes o pão
recheado de empatia.

5.
Edweine Loureiro da Silva

Votar é ter consciência
para não errar de novo:
eleja quem tem decência
e empatia pelo povo.

6.
Arlindo Tadeu Hagen

Talvez o mundo estivesse
do jeito que Deus queria
se, em nossas vidas, houvesse
um pouco mais de empatia.

7.
Maurício Cavalheiro

Justo e nobre é o coração
que em segredo, noite e dia,
ao pobre que pede pão
doa pratos de empatia.

8.
Jérson Lima de Brito

Empatia é doce amiga
presente no exato instante
em que um coração abriga
as dores do semelhante.

9.
Márcia Jaber

É, de Deus, o Filho eleito
e no amor que Lhe permeia,
empatia, em Seu conceito,
é doar- se a dor alheia.

10.
Luiz Antonio Cardoso

Quisera eu ser - da empatia -
elo perene e seguro,
a esculpir, no dia a dia,
mil pontes para o futuro!

11.
Dionazine Navarro

Para toda dor humana
só se pede uma magia:
trocar a frieza insana
por sementes de empatia!

Aluísio de Azevedo (Fora de Horas)


Ora! Para que lhes hei de contar isto? Histórias do Norte! Histórias de amor! Coisas que não voltam mais!

Era a última vez que eu ia ter com ela, e seria menos uma entrevista de amor do que um encontro de despedida; meus lábios pressentiam já ligeiro travor de lágrimas nos beijos que sonhava pelo caminho.

Fui. Ela me esperava à meia-noite, como de costume, espreitando por detrás da porta cerrada, descalça e palpitante de ansiedade e de susto. Eu costumava chegar furtivamente, cosendo-me à própria sombra pelas paredes da rua. Entrava, a porta fechava-se então de todo, surdamente, e nós ficávamos sendo um do outro até esgotar-se a noite. Ninguém desconfiava da nossa felicidade.

Vivia a minha amada em companhia de uma parenta velha, sua madrinha, viúva e rica, senhora de engenho, dona austera e venerável, devota até ao fanatismo. A madrinha idolatrava-a loucamente. A casa era grande, antiga e nobre, povoada de agregados, de mucambas e muitos fâmulos. Para chegar ao quarto da afilhada era preciso atravessarmos, eu e ela, de mãos dadas, na escuridão, longos corredores e varandas, com o calcanhar no ar, a respiração suspensa, os sapatos fora. Mas que prêmio era ganhar o fim dessa jornada aflitiva e tenebrosa! A alcova lá no fundo, isolada do resto da casa, dava janelas sobre um jardim de árvores floríferas, todo cercado de altos muros de convento e todo envolvido no doce mistério de uma fortaleza de amor.

Que delícia contemplar da altura das janelas silenciosas o céu todo orvalhado de estrelas, e beber o segredo da noite; cinturas presas, cabeças juntas, cabelos confundidos.

Ela não tinha mãe desde o berço e fora criada pela madrinha. Casara aos quinze anos e enviuvara aos dezoito. A nossa loucura principiou no calor das valsas e foi-se derramando num delírio de mocidade até àquela perfumada alcova, onde a nossa última madrugada recolheu no seio o eco dos nossos derradeiros beijos.

A madrinha não me podia ver.

Ressentimentos de devota: Eu nesse tempo, com pouco mais de vinte anos, supunha-me um batalhador predestinado a regenerar o mundo a golpes desapiedados contra as velhas instituições. Tinha o meu jornal republicano e acatólico e duelava-me, dia a dia, ferozmente, com os redatores de um órgão ultramontano e com os velhos jornalistas conservadores. Imaginem se a velha me podia ver!

Era por toda a cidade apontado a dedo, amado pela metade da população e amaldiçoado pela outra. Os devotos enfureciam-se comigo e os padres pediam ao diabo que me carregasse para longe da minha província.

Ouviu-os o demo. Tive de partir para o Rio de Janeiro. E foi nas últimas horas precursoras desse triste dia que os mais amorosos lábios de mulher gemeram contra os meus a dolorosa cavatina precursora da saudade.

Ai! quantas lágrimas nos ensoparam os beijos e quantos soluços nos cortaram os juramentos de fidelidade! Só resolvemos separar-nos quando o horizonte já nos ameaçava com a aurora, e lentamente nos afastamos do nosso paraíso, mais tristes e mais mudos que os dois primeiros amantes enxotados sobre a terra. Ao meu lado ela caminhava quase tão nua e certamente mais comovida e chorosa do que a primeira Eva.

– Espera! Espera ainda um instante, meu querido amor! – suplicava-me entre beijos desesperançados, na ocasião de abrirmos a porta da rua. – Espera! Diz-me um negro pressentimento que nunca mais nos veremos! Espera ainda! Um instante só!

Mas era preciso separar-nos. O dia não tardaria a repontar e eu tinha de estar ao lado de minha família ao amanhecer. O vapor largaria cedo. Os amigos viriam buscar-me logo pela manhã. Era preciso ir!

– Adeus! Adeus!

E arranquei-me dos seus braços, enquanto desfalecida e soluçante, ela se amparava contra a parede do corredor. E, para não sucumbir também, tratei de apressar a fuga e precipitei-me sobre a porta da rua.

Mas, que horror! A chave já lá não estava na fechadura. Alguém de casa tinha carregado ela.

– Ah! Foi Dindinha com certeza. - disse dolorosamente a minha pobre amada. – Meu Deus! Meu Deus!

E quase sem poder andar, de tão nervosa e trêmula, voltou ao interior da casa e tornou a ter comigo, para me segredar aterrada que havia luz no quarto da madrinha.

– Descobriu tudo! Descobriu tudo! – murmurou aflita. – Fechou-nos! Estamos presos! Estamos perdidos!

– E agora?… – perguntei, deveras agitado, lembrando-me da monástica altura dos muros do jardim.

– Não sei! Não sei! – foi a única resposta que lhe obtive.

Tornamos à alcova, mais tristes e mais lentos do que de lá saímos. A ideia da nossa separação não nos acabrunhava mais do que a de ficarmos juntos à força. Se me doía abandonar aquele doce paraíso de amor, não me atormentava menos ter de ficar lá dentro prisioneiro.

E ela, perplexa, chorava, chorava, apertando a cabeça entre os formosos braços, numa angústia sem esperança de salvação. Urgia, porém, tomar qualquer partido decisivo: o dia estava a chegar e eu não podia amanhecer ali, tendo de seguir para o Rio de Janeiro e embarcar dentro de poucas horas!

Afinal, a minha companheira de agonia muniu-se de coragem e foi bater de leve, muito de leve, no quarto da madrinha.

Silêncio.

Tornou a bater.

Bateu a terceira vez.

– Quem está aí?

– Sou eu, Dindinha. Abra por favor…

– Que quer a senhora?

– Nada, Dindinha… Eu queria a chave da porta da rua…

– Para quê?

– Não me pergunte, Dindinha, por amor de Deus! e dê-me a chave… Peço-lhe por tudo que Dindinha mais deseja no mundo!…

– Não dou!

– Minha Dindinha

– Não! Não!

– Abra a sua porta ao menos…

E esta súplica foi já toda embebida de lágrimas e soluços.

A velha veio à porta e eu então pude espiar lá para dentro. Era um pequeno aposento, bem arrumado e limpo. Havia uma cômoda com um oratório, onde luzia uma lâmpada que era única a iluminar o honesto e tranquilo dormitório. Pelas paredes aprumavam-se quadros de santos, contrastando com o retrato a óleo de um tenente de cavalaria, mal pintado, mas de olhinhos vivos e que parecia sorrir lá da sua moldura para a viuvinha, com o ar escarninho assim de quem diz: “Tu então, pequena, fizeste a tua falcatrua e foste apanhada, bem?… Pois é bem feito!”

A velha, assentada de novo na sua rede, conservava a fisionomia fechada e parecia implacável.

A afilhada, procurando esconder nos braços nus a pecadora nudez do colo, desfazia-se em lágrimas e nelas repisava as suas súplicas, jurando que nunca mais, nunca mais! Por tudo que houvesse de sagrado! Reincidiria naquela feia culpa!

– Não!

– Tenha pena de mim, Dindinha!…

– Quem é que estava aí com a senhora?!

A moça calou-se, de olhos baixos, arfando-lhe por sob a cambraia da camisa os seios atormentados.

– Diz ou não diz?

– É… é… Para que Dindinha quer saber?… Dindinha vai ficar zangada se eu disser…

– Diga quem é!

– Dindinha saberá depois…

– Pois então retire-se já daqui! Saia da minha presença!

– Não… Não… Eu digo… É…

E ouvi o meu nome balbuciado a medo no ouvido da velha.

Um charuto aceso, que lhe metessem pela orelha, não lhe produziria tanto efeito.

A devota teve um frouxo de tosse convulsa.

– Com efeito! – rosnou afinal, contendo a custo uma explosão de cólera. – Com efeito! Pois é esse alma perdida, esse ateu, esse monstro, que a senhora introduziu velhacamente em minha casa?!

– Tenha paciência, Dindinha… Ele parte esta manhã mesmo para o Rio de Janeiro…

– Paciência?!… É boa! Esse herege há de ficar aqui preso e só sairá com alto dia e na presença do senhor vigário geral e dos padres da Sé, a quem vou chamar! O público há de ver e apreciar o escândalo, para vergonha sua e para castigo dele! Paciência! Sim, hei de ter paciência, mas será para desmascarar aquele pedreiro livre!

A velha tinha chegado ao auge da cólera e já falava em voz alta.

Vi o caso perdido.

E a minha pobre cúmplice, de pé ao lado da rede, descalça e apenas resguardada pela trêmula camisa, abaixou ainda mais o rosto e deixou que as suas perdidas lágrimas lhe corressem ao suspirado resfolegar do peito.

A velha conservava-se inflexível. Mas a afilhada chegou-se mais para junto dela e pousando carinhosamente uma das mãos nos punhos da rede, começou a embalá-la de leve, e começou a murmurar num flébil queixume ressentido:

– Dindinha, entretanto, não devia fazer assim comigo… Dindinha bem sabe o muito que lhe quero e o muito que a respeito… Mas Dindinha devia lembrar-se de que enviuvei com dezoito anos e tenho apenas vinte… devia lembrar-se de que sou moça e que o rapaz a quem amo não pode sequer aproximar-se de Dindinha…

– Confiada!

– Devia lembrar-se que… certa noite. (e abaixou mais a voz) quando eu era ainda pequenina e dormia no mesmo quarto com Dindinha… já depois que meu padrinho se separou de vosmecê… o tenente Ferraz, que ali está pintado na parede, saltou a janela do nosso quarto e Dindinha o recebeu nos braços, depois de ter ido verificar se eu estava dormindo…

– Cala-te, doida!

– Eu estava bem acordada, mas fiquei quietinha na minha rede, fingindo que dormia, só para ser agradável à Dindinha… e ouvi todas as palavras de ternura que o tenente disse ao ouvido da Dindinha.. E nunca falei disto a ninguém… Ouvi tudo! Por sinal que o tenente dizia: “Eu te amo, minha flor! Eu te amo como um louco! Se quiseres quê…”

Mas a velha interrompeu-a.

– Cala-te! Cala-te! disse.

A sua fisionomia tinha pouco a pouco se transformado com as palavras da afilhada e ia ganhando um triste e compassivo ar de desconsolação. Os olhos relentaram-se-lhe de saudade com aquele frio recordar do passado.

Quando a rapariga quis continuar as suas revelações, ela interrompeu-a de novo com um fundo suspiro e acrescentou com a voz quebrada pela comoção:

– Cala-te, minha filha!… Aí tens a chave… Abre-lhe a porta… Vai! vai, antes que amanheça… E deixa-me só! deixa-me ficar só

Fonte:
Aluísio de Azevedo. Demônios. Publicado em 1895.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Solange Colombara (Portfólio de Spinas) 12

 

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) VI


Os títulos dos poemas são de versos de Mário Quintana in "A rua dos Cataventos".

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ESTÃO PARADAS COMO NOS VITRAIS

Estão paradas como nos vitrais
Essas horas de risos e de folguedos
Éramos pardais violando os arvoredos
E que, em bandos, comiam pelos trigais.

A correr, não parávamos nos sinais
Chilrando como indomáveis passaredos
Rijos, iguais ao mais forte dos rochedos
Sem conhecer as urgências de hospitais.

Foi-se o tempo que em nós pôs uns pares de anos
E deixou tantos males e tantos danos
Quebrando a força dos juvenis assomos,

Asas frouxas de penas desalinhadas
Já não largamos mais nessas debandadas;
Somos só a saudade do que já fomos.
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EU PINTAVA TREZENTOS ARCO-ÍRIS

Pintaria trezentos arco-íris
No céu de chumbo desse teu futuro
Para que ele não fosse tão escuro
E alegre com a sorte, tu te rires.

É tempo de a tristeza despedires
De veres o que está além do muro
E que o teu sol rebrilhe, grande e puro
Para que à luz te vejas e te admires.

A chuva misturada com o pranto
Vai, da alma, lavar o desencanto
Que em dias já passados tu tiveste.

Enfrenta cada dia sem temer
Que a vida só te paga com prazer
Aquilo que primeiro tu lhe deste.
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FORAM LEVANDO QUALQUER COISA MINHA

Foram levando qualquer coisa minha
Os ocasos que eu tanto apreciava
Como se o sol morrendo envolto em lava
Me roubasse o que em minha alma eu tinha.

De cada vez que a luz, régia rainha
Do meu olhar carente se ocultava
Levava o que mais rico em mim achava
Até do meu ser não restar nadinha.

Corpo seco, sou concha de molusco
Solto à beira da praia onde eu busco
A minha alma por quem ando a penar,

E se o destino não me deixar tê-la
No fim de cada tarde eu venho vê-la
À hora em que o sol cá se vem deitar.
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SOBRE A MARGEM TRANQUILA DE UM AÇUDE

Sobre a margem tranquila de um fresco açude
Fez uma pausa longa o Tempo, a acalmar
Exausto de correr sempre a vindimar
Risos, vontades, crenças e juventude.

Também eu me detive nessa atitude
De conceder a mim mesmo esse vagar
Vergando-me ante mim, não sendo eu altar
Num gesto de humildade que me desnude.

Temos andado os dois sempre de mãos dadas
Desperdiçando as horas, que são sagradas
Em correrias loucas e sem sentido.

Vejo agora que me expus ao grave risco
De fazer desta vida um pequeno cisco
E chegar ao fim sem nunca ter vivido.
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TU DEIXASTE A LEITURA INTERROMPIDA

Tu deixaste a leitura interrompida
Nas linhas de um parágrafo qualquer
Quando foste atender uma mulher
Que à porta perguntava por guarida.

O livro que tu lias era a vida
Prosseguir a leitura era mister
Mas tu, que sempre acolhes quem vier
Disseste que a visita era querida.

Não lhe viste esse olhar desfigurado
Nem a foice cravada no cajado
Quando ela em tua casa se instalou.

Para te dar trouxe as trevas e um açoite
E ao partir, logo nessa mesma noite
Com ela, de mãos dadas, te levou…

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

Stanislaw Ponte Preta (A papagaia)

Era uma vez uma papagaia ... ou antes, era uma vez uma senhora que vivia sozinha, era muito católica e não tinha bicho nenhum em casa. Como era uma senhora solteirona, ficava até um pouco puxado para o tarado o fato dela não se dedicar a um bicho. É aqui que entra a papagaia.

Um dia a senhora solteirona sem nenhum bicho em casa foi visitar uma família conhecida. Chegou lá, viu uma papagaia num poleiro, cantarolando. "Que bonito papagaio" – ela disse. "Não é papagaio. É papagaia" - disseram para a senhora. E, como tivesse se interessado muito, a família ofereceu a papagaia a ela.

Está na cara que a senhora solteirona sem nenhum bicho em casa adorou o oferecimento e carregou a papagaia para casa. Mas aí é que foi chato, pois a papagaia era levadíssima. Mal chegou à sua nova casa, começou a dizer palavrões homéricos, a citar trechos completos da última peça do Nélson Rodrígues, a recitar o diálogo de La dolce vita* e a dizer coisas horríveis sobre seus desejos incontidos.

A senhora ficou horrorizada e já ia mandar a papagaia embora quando chegou um vizinho para visitar. Soube do drama e disse: "Não há de ser nada. Eu tenho lá em casa dois papagaios comportadíssimos. Tão comportados que passam o dia rezando. Eu boto a papagaia perto dos dois e pode ser que ela se manque e fique igual a eles".

A senhora agradeceu muito e a papagaia foi.

O vizinho colocou a papagaia num poleiro entre os dois papagaios. Assim que ela se viu na parede, começou a engrossar outra vez. Foi aí que um dos papagaios abriu um olho e ficou observando. Quando ficou convencido de que a papagaia era mesmo da pá virada, cutucou o outro que continuava rezando e disse:

- Pare de rezar, companheiro, que, ou muito me engano, ou nossas preces acabam de ser atendidas.
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* La dolce vita: filme italiano de 1960 dirigido por Federico Fellini.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Gol de Padre e outras crônicas.

Minha Estante de Livros (Gol de Padre e outras crônicas, de Stanislaw Ponte Preta)

Sobre o autor


Stanislaw Ponte Preta era o pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, jornalista e escritor. Seu personagem acabou tendo personalidade própria e um jeito muito peculiar de conversar com o público, usando uma linguagem leve e descontraída. Sua obra inspirou a criação do jornal “O Pasquim”, criado por amigos jornalistas em sua homenagem após sua morte.

Importância do livro

Gol de Padre e outras crônicas é uma coletânea de crônicas de Sérgio Porto. As crônicas apresentam uma linguagem simples e histórias do cotidiano como tema. As histórias são sempre contadas com humor e ironia. De forma irreverente, os escritos de Porto representam o retrato de sua época: o Rio de Janeiro da década de 60.

ANÁLISE

Em Gol de Padre e Outras Crônicas, encontramos a caracterização de tipos comuns: o adulto que se permite ter um instante de menino, recordando sua infância; o marido adúltero que acredita estar enganando, mas descobre que também está sendo enganado; o grupo de amigos que fica no bar até tarde e leva bronca quando chega a casa, entre outros. Com histórias do cotidiano o autor constrói um interessante panorama da sociedade em geral.

Os personagens das crônicas de Stanislaw Ponte Preta são caracterizados de forma bastante superficial, muitos não chegam a receber um nome, só sabemos o suficiente para entender as histórias. Por isso, em muita das crônicas, dizemos que o narrador executa as ações, pois seu nome, muitas vezes, não é relevado. Por tratar-se de narrativas muito curtas, o foco das histórias não é a construção dos personagens, mas sim a situação.

 Por trás das histórias cheias de humor, havia uma crítica à política e ao moralismo vigente na sociedade da época. Através de sua narrativa, as situações comuns vividas no dia a dia ganham um olhar peculiar, o que faz o leitor rir e ao mesmo tempo questionar a realidade. Suas críticas são feitas com humor e ironia, o que proporciona uma leitura descontraída, mas que revela muito sobre as questões sociais e psicológicas da cidade do Rio de Janeiro nos anos 60.

A falta de profunda caracterização dos personagens é comum ao estilo de narrativa breve, como a crônica. Isso se dá porque o foco neste tipo de narrativa está na situação apresentada. Ao final da história, podemos observar uma moral, uma mensagem que o autor deseja transmitir: seja a de não deixar morrer o lado criança que existe em cada adulto, mostrar que aquele que se acha esperto pode se surpreender ou fazer uma crítica ao funcionalismo público.

Resumo de crônica:

No texto “Levantadores de copo”, quatro amigos bebem num bar até tarde. Um começa a cantar um samba, o outro diz que a música não presta e começam a discutir até que os outros apartam. A fala embargada pela bebida só cessa quando passa uma mulher, depois voltam a falar novamente. Certa hora, o garçom vem trazer a conta e eles seguem juntos para suas casas. Todos os quatro eram casados. Ao chegar à porta da casa de um deles, com dificuldade, conseguem tocar a campainha. Atende uma mulher sonolenta que começa a dar uma bronca por conta do estado em que estavam e pelo horário. E um deles responde: “— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa”.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Versejando 97

 

Milton S. Souza (Dia da saudade)

O calendário avisa que devemos lembrar uma vez por ano o Dia da Saudade. Creio, porém, que o calendário interno do meu coração nunca esteve bem regulado com este que é chamado de “oficial”. Dentro do meu coração todos os dias (e, principalmente, as noites) são de saudade. A minha alma mais parece um canteiro de saudades, onde os espinhos duram muito mais do que as flores e não cansam de machucar as lembranças mais felizes e mais risonhas. Se precisasse definir o meu “eu”, diria que ele é composto, meio a meio, por emoções e... saudades...

Sinto saudade, muitas saudades, daquelas pessoas que passaram pela minha vida, deixando marcas coloridas, e depois sumiram quase sem deixar rastro. Algumas partiram para a eternidade por já terem cumprido as suas missões aqui na terra. Outras, porém, estão apenas trilhando caminhos diferentes e, por causa da correria do dia-a-dia, por espaços de tempo muito grande, não aparecem e nem mandam notícias. Quando as suas imagens se formam nos espelhos das minhas recordações, a saudade se liquefaz e transborda quente e amarga pelos meus olhos. Nestes momentos eu sinto que a vida é muito curta para a gente cometer este grave pecado de não encontrar tempo para abraçar os familiares, amigos e conhecidos. Um gesto simples, um telefonema, uma visita ou qualquer tipo de aproximação serviria para matar de vez estas saudades. Mas somos nós mesmos que alimentamos este sentimento daninho e damos armas para que ele permaneça dentro de nós e nos maltrate cada vez mais.

Uma saudade que maltrata muito é aquela que a gente sente de um amor distante que um dia foi tão presente e tão nosso, mas que partiu para, quem sabe, nunca mais. Estas lembranças nos fazem viajar nas asas da brisa ou nos raios prateados da lua cheia, para tentar uma aproximação, através do pensamento, daquela pessoa que nós não conseguimos deixar de pensar. Nestes instantes, quando a solidão teima em ficar maior do que a distância, nosso coração dispara num ritmo tão forte que até parece estar querendo cavalgar o vento para poder abraçar a pessoa que tanto recordamos. Estes momentos nostálgicos, porém, quase sempre terminam em pranto. E numa saudade muito maior ainda...

Mas, na verdade, a saudade maior que nós sentimos é de nós mesmos. Saudade daquela idade onde tudo era permitido e tão pouco realizado. Saudade daquele beijo roubado que ficou queimando a lembrança por longos anos. Saudade do descompromisso de amar de brinquedo no meio de tantas brincadeiras infantis. Saudade da primeira professora que, sem ela saber, era também a nossa primeira namorada. Saudade dos cabelos longos, das roupas coloridas e da bicicleta que sabia voar. Saudade de um tempo em que a gente não sabia o que era sentir saudades. Saudade de todas as saudades que moram dentro da gente e que conseguem transformar cada dia da nossa vida (principalmente este) num eterno Dia da Saudade...

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXIII

A caminho do trabalho
muita gente se arrepia,
não por falta de agasalho
mas por mera teimosia.
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A criança mal percebe,
nem consegue dar um passo,
sequer no sonho concebe
o que está detrás do abraço.
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Alcançar a perfeição
de tudo, talvez um dia,
seja muita pretensão
ou não passe de utopia.
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Antigamente o que tinha
era tudo tão precário!
Grande sonho era a festinha
na data do aniversário.
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Ao completar um aninho,
muitos, para aparecer,
chamam o rico vizinho
pra festa comparecer.
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A verdade nunca morre
mesmo sendo contestada,
dela todo o falso corre
pra mentira, sua estrada.
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A vida somente é dura
pra quem vive na moleza,
nunca sonhe obter fartura
sem enfrentar a dureza.
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Balões suspensos no teto
com as congratulações,
explodem de tanto afeto
que brotam dos corações.
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Basta olhar pra tantos rostos
nem sempre reconhecidos,
pra vermos que seus desgostos
aos nossos são parecidos,
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Bloco de pedra suspenso
no firmamento a rodar,
tão finito quanto imenso
com tanta vida a nos dar.
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É no desfecho da vida
que seu gargalo afunila,
a alma fica enriquecida
mas o corpo se aniquila.
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Hoje, à festa tem salgados,
tem bolo com vela acesa,
parabéns dos convidados
e presentes sobre a mesa.
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Junto à fonte ceifo a sede,
do viver, sorvo alegrias,
no embalo da Iene rede
passo o final dos meus dias.
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Melhorando a medicina
neste mundo tão sofrido,
se a doença não termina
tem seu mal diminuído.
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Menos sufoco haveria
se mais doação tivesse,
só uma taça de alegria
pra matar tamanho estresse,
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Neste mundo em que vivemos,
muitas vezes não buscamos
tudo aquilo que não temos,
nem sequer o que sonhamos.
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O nosso ser se engalana
com formidável beleza,
mas a todos nos conclama,
em cuidar da natureza.
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Os momentos se aglutinam,
se desfazem em lamentos,
as dores, talvez terminam
sem findar os sofrimentos.

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Para alguns, viver não passa
de uma grande brincadeira,
para outros, fonte de graça,
que perdura a vida inteira.
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Pelos frutos conhecemos
a planta, profundamente,
se for bons os cultivemos
cuidando cada semente.
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Quando para atrás da grade
muitos infratores vão,
perdem toda a liberdade
num mandado de prisão.
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Quem tem pressa pra chegar
e não conhece o caminho,
antes deve se informar
se quiser chegar 'vivinho'.
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Saúde debilitada
nos conduz ao tratamento,
porém se não for tratada,
nos leva ao sepultamento.
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Se a sociedade não fosse
tão fechada em seu viver,
nela a vida era mais doce,
ninguém pensava em morrer,
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Sempre temos pela frente
sonhos de felicidade,
porque ao lado, muita gente,
também sente igual vontade.
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Se os homens todos vivessem
mais a solidariedade,
não faltavam os que lessem:
"Temos paz, fraternidade".
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Todo mundo quer saber
o que o mundo todo sabe,
bastará apenas querer,
na cabeça tudo cabe...
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Um gigante adormecido
das trevas é despertado,
pelas mãos de Deus regido
no universo sustentado.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Mia Couto (O fazedor de luzes)

Estou deitada, debaixo do céu estrelado, lembrando o meu pai. Há muito tempo, nós nos dedicávamos, à noite, a apanhar frescos. O céu era uma ardósia riscada por súbitos morcegos, desses caçadores de perfumes.

— Pai, eu quero ter uma estrela!

— Estrela, não: é muito árdua de criar.

Eu insistia. Queria possuir estrela como as outras meninas tinham brinquedos, bonecos, cachorros. Aqui, no rés da terra, eu não podia ter nada. Ao menos, lá no firmamento, se autenticassem minhas posses.

— Mas, pai: o senhor diz que faz criação de estrelas.

— Fazia, tive que entregar todas. Eram dívidas, paguei com estrelas.

— Eu sei que sobrou uma.

Meu pai não respondia nem sim nem talvez. Era um homem vagaroso e vago, sabedor de coisas sem teor. Dedicava-se a serviços anônimos, propício a nenhum esforço. Dizia:

— Sou como o peixe, ninguém me viu transpirar.

E me alertava: veja o musgo, que é o modo do muro ser planta. Quem o rega, quem o aduba? Nada, ninguém. Há coisas que só paradas é que crescem.

— É, minha filha: aprenda com o mineral. Ninguém sabe tanto e é tão antigo como a pedra.

Cuidava-me sozinha, órfã eu, viúvo ele. Ou seria ele o órfão, sofrendo do mesmo meu parentesco, o falecimento de minha mãe? Perguntas dessas são incorrigíveis: quem sabe é quem nunca responde. Na realidade, meu nascimento foi um luto para meu pai: minha mãe trocou de existir em meu parto. Me embrulharam em capulana* com os sangues todos misturados, o meu novinho em gota e o dela já em cascata para o abismo. Esse sangue remexido foi a causa, dizem, de meu pai nunca mais botar o olho em outra mulher. Em toda minha vida, eu conheci só aquela exclusiva mão dele, docemente áspera como a pedra. Aquele côncavo de sua mão era minha gruta, meu aconchego. E mais um agasalho: as estranhas falas com que ele me enevoava o adormecer.

— Você escuta os outros se lamentarem de seu pai.

— Não escuto, não. —menti.

— Dizem que eu não faço nada na vida, não faço nem ideia.

E prosseguia, se perdoando:

— Mas eu, minha filha, eu existo mas não sei onde. Nessa bruma que fica lá, depois do estrangeiro, nessa bruma é que você vai encontrar a mim, exato e autêntico. Lá fica minha residência, lá eu sou grande, lá sou senhor, até posso nascer as vezes que quiser. Eu não tenho um aqui.

— Não diga assim, pai.

— Nesse outro mundo, filhinha, eu tenho o mais requerido dos serviços: sou fabricante de estrelas. Sim, faço estrelas por encomenda.

— Verdade, pai?

— Verdade, filha. Pergunte a Deus, sou até fornecedor do Paraíso.

Voltávamos ao quintal, deitávamos a assistir ao céu. Eu já adivinhava, meu velho não suportava silêncio. Num gesto amplo, ele cobria o inteiro presépio do horizonte:

—Tudo isso fui eu que criei.

Eu estremecia, gostosa de me sentir pequenina, junta a esse Deus tão caseiro.

— E lá, pai, eles nos veem?

— Nada, filha, não nos veem. A luz daqui está suja, os homens empoeiraram isto tudo.

— Mas ela nos vê, lá nessa estrela onde foi?

O pai não respondia. Ele que tinha palavra para tudo, tropeçava sempre no mesmo silêncio. Minha mãe: dela não se mencionava nunca nada. Ela não era nem criatura, nem coisa, nem causa. Nem sequer ausência. E não sendo nem sujeito nem passado, ela escapava a ser lembrada. Meu velho fugia a sete corações do assunto da saudade. Como daquela vez que a mão, veloz, enxugou o rosto.

— Você nunca olhe o céu enquanto estiver chorando. Promete?

— Então, me dê uma estrela, pai.

— Nada, as estrelas não podem ser dadas. Nunca veja a noite através da lágrima —insistiu ele, sério.

Depois, quando se ergueu lhe veio uma tontura, sua mão procurou apoio no meio de dançarinas visões. Eu o amparei, raiz segurando a última árvore.

— Está doente, pai?

— Qual doente?! É a terra que não gosta que eu saia de cima dela. A terra é uma mulher muito ciumenta.

E outras vezes ele voltou a tontear. Até que uma noite, após estranho silêncio, ele me disse, esquivo, quase tímido:

— Vá lá. Escolha uma...

— Posso, pai?

E fingi apontar uma estrela, entre os mil cristais do céu. Ele fez de conta que anotava o preciso lugar, marcando no quadro negro o astro que eu apontara. Me ajeitou a mão na minha fronte e me puxou para seu peito. Senti o bater do seu coração:

— Escolheu bem, filha.

E explicou: aquela que eu indicara seria a luz onde ele iria morrer. Ninguém lembra o escuro onde nasceu. Todos viemos de fonte obscura. Por isso, ele preferia a claridade dessa estrela ao escuro de um qualquer cemitério. Então, pela primeira vez, meu pai fez referência àquela que me anteriorou:

— É nessa estrela que ela está.

Agora, deitada de novo nas traseiras da casa, eu volto a olhar essa estrela onde meu pai habita. Lá onde ele se inventa de estar com sua amada. E em meus olhos deixo aguar uma tristeza. A lágrima transgride a ordem paterna. Nesse desfoco, a estrela se converte em barco e o céu se desdobra em mar. Me chega a voz de meu pai me ordenando que seque os olhos. Tarde demais. Já a água é todas as águas e eu me vou deitando na capulana onde as primeiras mãos me seguraram a existência.
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* Capulana = Usada para cobrir o corpo das mulheres, este tecido foi evoluindo ao longo dos anos em termos de textura, cores, e até no seu próprio uso. Em Moçambique por exemplo, as mulheres usam-na no seu dia-a-dia e principalmente em cerimônias tradicionais como funerais, casamentos, ritos de iniciação, cerimônias mágico-religiosas, etc. Também chamada de “pano” em Angola, “kitenge” ou “chitengue” na Zâmbia, Namíbia e “canga” no Brasil, o seu uso vai muito além da moda: o tecido é usado pelas mulheres para carregar os seus filhos nas costas, para carregar trouxas, para inúmeras funções, como toalha, cortina, pano de mesa, etc. (Conexão Lusófona)

Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Adega de Versos 66: Ademar Macedo

 

Júlia Lopes de Almeida (As Rosas)

O meu jardineiro era um homem de feio aspecto, todo coberto de pelos eriçados, vermelhaço de pele e de olhar desconfiado e sombrio.

Toda a gente me dizia:

– Olha que aquele sujeito compromete a tua casa! Põe-no fora!

Mas, como ele era calado, metido consigo, e porque, principalmente, tratava muito bem das minhas flores, eu levantava os ombros:

– Não era tanto assim! O pobre homem! Aqueles modos de animal bravio, não os tinha decerto por culpa sua!

E assim íamos vivendo.

Uma tarde, em setembro, desci ao jardim. Que crepúsculo aquele! No céu, esgarçado de nuvens, a lua, em foice, brilhava já, e com tamanha doçura, que dava vontade na gente de não fazer outra coisa senão olhar para ela! Havia também no ar, transparente e calmo, tal delicadeza de colorido, que a minha alma ficaria nela estática, se os olhos, percorrendo tudo, não vissem logo a infinidade de rosas, que as minhas roseiras prometiam.

– Quantos botões, Mãe do Céu!

– Tudo isto abre esta noite. – resmungou com voz soturna o jardineiro... – Amanhã haverá centenas de rosas no jardim!

A minha fantasia desencadeou-se. Centenas de rosas frescas, todas abertas, deveriam dar uma graça nova àquele recanto, pouco acostumado a semelhante fartura de flores.

Eu mesma iria querer colhê-las ainda frescas de orvalho: mandaria um ramalhete a minha mãe, cobriria de rosas a sepultura de minha filha, encheria de rosas a minha casa...

E, usando de uma forma imperativa e severa, pouco comum em mim, disse ao medonho e hirsuto jardineiro que não tocasse nenhuma flor! Seria eu quem as colhesse todas!

Ele curvou-se, em obediência.

Nessa noite, fui cedo para a cama, preparando-me para madrugar no dia seguinte. E tal era o meu propósito, que peguei logo num sono doce e tranquilo.

Eram seis horas e já eu estava no jardim. Como quem desperta de um sonho, apatetada, olhei à roda e só vi folhas... folhas e mais folhas verdes! Nem uma flor!

Gritei pelo jardineiro, e ele veio, como por encanto, num momento, mas com tal jeito e tão demudadas feições, que tive medo.

Os olhos, de vermelhos, eram só sangue; a barba áspera, longa e ruiva estava revolvida como por um vento de loucura, e nos grossos braços tisnados tinha sinais fundos de unhadas...

– As minhas rosas?! – perguntei-lhe, disfarçando o pavor que a sua figura estranha me infundia.

– Estão aqui! – disse ele, com voz grossa, como um baixo de órgão de catedral; e caminhou para o quarto.

Fui atrás dele, espantadíssima, mal segurando a saia do vestido, que se não molhasse na relva – cheia de raiva e curiosa ao mesmo tempo.

O quarto do jardineiro era ao fundo, entre a horta e o jardim, ao pé de dois limoeiros da Pérsia, de gostoso cheiro. Ensombrando a porta, havia uma latada de maracujás e, à esquina, encostados à parede, estavam os utensílios de jardinagem.

– Que irá querer ele? – perguntava a mim mesma. De repente, estaquei:

– Não entro! – respondi, a um gesto que me fazia.

– Então, olhe daí! – replicou o homem bruscamente, escancarando a porta.

Encostei-me ao umbral para não cair. No meio do quarto, sob uma avalanche de rosas perfumadíssimas, entrevi o corpo de uma mulher.

– Era minha filha – disse o jardineiro, entre soluços que mais se assemelhavam a uivos que a dor humana; – Um dia abandonou-me, correu por esse mundo... Esta noite, veio bater ao portão, muito chorosa... que o amante lhe batera... Ouviu bem, senhora?! Quis fazê-la jurar que desprezaria agora esse bandido, para viver só no meu carinho... só no meu carinho!... Eu havia de tratá-la com todo o mimo, como se fora uma criancinha... Fiz-lhe mil promessas, de joelhos, com lágrimas... Sabe o que me respondeu, a tudo?! Que amava ainda o outro! Cego de raiva, matei-a; ah! matei-a e não me arrependo... Antes morta por um pai honrado do que batida por um cão qualquer... Depois de morta... achei-a linda, linda! mas, coitadinha! vinha miserável, quase nua... tive pena, e para fazê-la aparecer bem a Nossa Senhora, vesti-a de rosas!...

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Ânsia eterna. 2. ed. rev. Brasília : Senado Federal, 2020. Publicada originalmente em 1903.

Fernando Pessoa (Diário de Bernardo Soares) “5”

(continuação de 11. Litania)


19.
No recôncavo da praia à beira-mar, entre as selvas e as várzeas da margem, subia da incerteza do abismo nulo a inconstância do desejo aceso. Não haveria que escolher entre os trigos e os muitos [sic], e a distância continuava entre ciprestes.

O prestígio das palavras isoladas, ou reunidas segundo um acordo de som, com ressonâncias íntimas e sentidos divergentes no mesmo tempo em que convergem, a pompa das frases postas entre os sentidos das outras, malignidade dos vestígios, esperança dos bosques, e nada mais que a tranquilidade dos tanques entre as quintas da infância dos meus subterfúgios… Assim, entre os muros altos da audácia absurda, nos renques das árvores e nos sobressaltos do que se estiola, outro que não eu ouviria dos lábios tristes a confissão negada a melhores insistências. Nunca, entre o tinir das lanças no pátio por ver, nem que os cavaleiros viessem de volta da estrada vista desde o alto do muro, haveria mais sossego no Solar dos Últimos, nem se lembraria outro nome, do lado de cá da estrada, senão o que encantava de noite, com o das mouras, a criança que morreu depois, da vida e da maravilha.

Leves, entre os sulcos que havia na erva, porque os passos abriam nadas entre o verdor agitado, as passagens dos últimos perdidos soavam arrastadamente, como reminiscências do vindouro. Eram velhos os que haveriam de vir, e só novos os que não viriam nunca.

Os tambores rolaram à beira da estrada e os clarins pendiam nulos nas mãos lassas, que os deixariam se ainda tivessem força para deixar qualquer coisa.

Mas, de novo, na consequência do prestígio, soavam altos os alaridos findos, e os cães tergiversavam nas áleas vistas. Tudo era absurdo, como um luto, e as princesas dos sonhos dos outros passeavam sem claustros indefinidamente.

20.
Várias vezes, no decurso da minha vida opressa por circunstâncias, me tem sucedido, quando quero libertar-me de qualquer grupo delas, ver-me subitamente cercado por outras da mesma ordem, como se houvesse definidamente uma inimizade contra mim na teia incerta das coisas. Arranco do pescoço uma mão que me sufoca. Vejo que na mão, com que a essa arranquei, me veio preso um laço que me caiu no pescoço com o gesto de libertação. Afasto, com cuidado, o laço, e é com as próprias mãos que me quase estrangulo.

21.
Haja ou não deuses, deles somos servos.

22.
A minha imagem, tal qual eu a via nos espelhos, anda sempre ao colo da minha alma. Eu não podia ser senão curvo e débil como sou, mesmo nos meus pensamentos.

Tudo em mim é de um príncipe de cromo colado no álbum velho de uma criancinha que morreu sempre há muito tempo.

Amar-me é ter pena de mim. Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema, e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino.

Deus é o existirmos e isto não ser tudo.

Fonte:
Fernando Pessoa. Livro do Desassossego. Disponível em Domínio Público.

domingo, 16 de janeiro de 2022

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 26: Milton Nunes Loureiro

 

Benedita Azevedo (O Príncipe e a Professora)

- Sabe o que a Diana me perguntou?
 
- Não, o quê?

- Se eu tinha ficado mais riquinho com o que roubei da minha irmã, vendendo o hotel.

- E o que você respondeu?

- O que você acha que eu deveria responder para uma criança de dez anos?

- Ela só tem dez anos, mas sabe te hostilizar. Devem ser estes os comentários dos teus parentes.

- Eles não têm o que comentar. Ainda que eu tivesse vendido, pois era tudo do meu pai e eu era filho único. As pessoas que me hostilizam, como você diz, foram beneficiadas pelo meu pai. Até hoje vivem do que ele construiu. Só que a ganância não as deixa ver isso. E se um dia pudessem, elas tirariam tudo dos herdeiros diretos do meu pai, que na verdade, sou eu e os meus filhos. Ou você acha que eles gostam de mim? Os cuidados e álbuns onde estão fotos do meu pai, para mim, é tudo uma grande hipocrisia. Pois dele só queriam o prestígio. A prova disso é a maneira como você me encontrou. Todos sabiam que eu estava numa situação muito difícil, mas ninguém se preocupou de me ver andando na rua todo roto. Você não era parente, nem me conhecia e se preocupou comigo. As pessoas que tiveram todo o apoio do meu pai, que viveram comigo desde que nasci e sabiam como fui criado, não tiveram a sensibilidade de perceber que eu precisava de apoio. Mesmo que fosse um pouco de atenção, uma palavra de carinho.

- Será que estavam conscientes da tua real situação?

- Sabiam. Para completar a minha desgraça, minha irmã entra lá em casa com uma ordem judicial para pegar uns móveis que eram dela. Eu nunca disse que não os entregaria. Foi um golpe mortal em nosso relacionamento.

- Ela precisava dos móveis para quê, se você já lhe doara o sítio com a casa toda mobiliada? De porteira fechada, não é assim que dizem?

- Ela não precisava deles, vendeu-os a preço de banana podre.

- Não acredito que alguém seja tão insensível a tal ponto! A não ser que desconhecesse a situação grave pela qual você passava.

- Conhecia sim. Ela foi à minha casa perguntar para minha ex-mulher por que eu andava tão maltratado na rua e soube que era porque não tínhamos dinheiro para comprar roupas.

- Mas isso aconteceu antes dela pegar os móveis?

- Ela perguntou se eu queria ficar com os móveis pelo preço que foram avaliados, mas eu não tinha como. Estava atravessando a pior fase da minha vida. Mas, ela não queria saber de nada. É por isso, e por outras coisas desse tipo que aconteceram durante a doença da minha mãe, que minha ex-mulher não perdoa a minha irmã.

- Mas, você também não tinha, ao seu lado, uma pessoa que lhe apoiasse como precisava. Ela estava por fora de tudo! Não tinha nenhuma condição de ser a âncora de que você precisava após a morte de sua mãe.

- Coitada! Ela também não estava preparada para enfrentar os dissabores que nos atingiram. Quando a conheci, tinha as pernas e o bumbum muito bonitos.

- Só por curiosidade: os homens quando escolhem uma companheira, só olham a parte física? Não se preocupam com mais nada?

- Em nenhum momento pensei que viesse a precisar de uma mulher para me orientar na vida. Mesmo porque, na época, acreditava que o advogado, meu compadre, a pessoa em quem, segundo meu pai, eu poderia confiar se um dia precisasse, cuidaria dos meus negócios honestamente.

- Essa é uma questão séria em sua vida. Mais uma pessoa usando você e se aproveitando da amizade que seu pai lhe dedicou para tirar proveito da situação. Apoiando-se no fato de você ser uma pessoa boa e sem malícia que acredita em todo mundo.

- É, parece que todos que se aproximaram de mim, depois da morte do meu pai, só queriam tirar vantagens.

- Quem, por exemplo?

- Em primeiro lugar, a minha irmã que ficou contra mim, querendo participar da partilha dos bens do meu pai. Depois o meu compadre, que aproveitando a atitude dela, vendo que eu estava sozinho no mundo, manipulou-me à vontade e acabou subtraindo quase tudo que ele administrava. Dentro da mais perfeita ordem, tudo documentado como se eu tivesse vendido. Mas isso ele vai pagar no fogo do inferno. Por fim, a Catarina que me passou uma rasteira e obrigou-me a passar para o nome dela uma fazenda que comprei em Minas. Soube depois que vendeu a propriedade e comprou um apartamento, na Lagoa, para o filho.

- E a Manuela, qual o significado dela em sua vida?

- É a mãe dos meus filhos. Uma pobre mulher que não tem culpa de nada. Apenas, talvez, tenha sonhado com uma vida milionária e sem querer, e por não ter nenhuma condição de ajudar, pois não tem nenhuma habilitação, a não ser a de dona de casa de classe média baixa, ajudou a jogar-me no fundo do poço.

- E você não trabalhava?

- Quando meu pai era vivo eu trabalhei na Companhia de Álcalis, no Banco Boa Vista e, por fim, trabalhei com ele. Quando o perdi, fiquei numa boa situação. Eu vivia dos rendimentos dos aluguéis, das ações e da firma administrada pelo meu compadre. Hoje vejo que se tivesse assumido os negócios quando meu pai morreu, poderia estar muito bem. Mas acreditei muito e perdi quase tudo. O resto você já sabe. Como já lhe falei, quando nos encontramos eu estava atravessando a pior fase da minha vida. Sofri as piores humilhações que um homem pode passar. Trabalhei nas condições mais subalternas possíveis. Vendi quadros, carnês e quando você me conheceu eu estava trabalhando de segurança numa esquina onde morava o presidente do Banco Boa Vista, onde trabalhei como advogado e que foi fundado pelo meu tio avô. Tinha de esconder-me cada vez que um conhecido passava.

- Você não acha que faltou empenho da sua parte para evitar toda essa situação?

- Acho que não fui preparado para enfrentar a vida. Fui educado como um príncipe. Os obstáculos eram tirados do meu caminho pelo meu pai. Depois da morte dele, fiquei perdido sem saber o que fazer. Fui jogado aos leões e não sabia me defender. Como um animal domesticado, fui jogado na jaula, no meio de feras selvagens. Se eu já te conhecesse, as coisas seriam diferentes.

- Talvez não. Naquela época eu ainda não era como hoje. Era também um animal domesticado, no meio de algumas feras. Só que hoje as feras viraram cordeiros. Aprendi a conquistar o meu espaço à custa de muita luta. Provavelmente, você nem ia ligar para mim. Uma simples professora.

- É isso seria possível. Mas, graças a Deus eu te encontrei e a minha vida tomou uma nova direção. És o meu Anjo da Guarda.

A Árvore em Versos – 5 –


JÚLIA LOPES DE ALMEIDA
(Rio de Janeiro/RJ, 1862 – 1934)
AFONSO LOPES DE ALMEIDA
(Rio de Janeiro/RJ, 1889 – 1953)

A ÁRVORE


Fui débil caule, à flor da terra, quando
Do chão nasci, meu maternal regaço.
Atraiu-me o esplendor do vasto espaço:
Para o alcançar, me fui da terra alçando.

Cresci. Dei flor. E os galhos recurvando,
Exausta, pelo esforço, de cansaço,
Ao calor fecundante do mormaço
As flores fui em fruto transformando.

Crianças, que marinhais por mim acima!
Trepai ao alto, como o arrais nos mastros!
Vegetal como sou, que nada anima,

Pudesse eu elevar-me, eu rude, eu bronco!
Vossa cabeça chegaria aos astros,
E vossos pés à terra, por meu tronco!
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NEWTON MESSIAS
(Recife/PE)

ÁRVORE


Das raízes bem fincadas no chão
Sobe um tronco rígido e solitário
Que se abre ao céu azul, santuário,
Em piedosos braços, em oração.

De roupagem leve que o vento abana
E às vezes nua em pele de madeira
(Cada estação à sua própria maneira):
"Nunca envergonhada", ela se ufana.

Conhece a sanha de chuvas e ventos;
As variações de frio e calor;
A solidão de cumes e desertos.

Pássaros cantam para seu alento
Antes que morra e tombe sem vigor
Deixando as raízes a céu aberto.
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OCTÁVIO PAZ
(México, 1914 – 1998)

ÁRVORE ADENTRO


Cresceu uma árvore à minha frente.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos, seus ramos,
Suas confusas folhas, pensamentos.

Teus olhares incendeiam-na,
e seus frutos sombras
são laranjas de sangue,
romãs feitas de lume.

Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, à minha frente,
a árvore fala.

Acerca-te. Ouve-a já tu?
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RENÉ JUAN TROSSERO
(Argentina, 1927 – 2020)

ENSINAMENTOS DA ÁRVORE


Aprende da árvore
E deixa que os ventos da vida
Te despojem dos ramos secos
Para deixar lugar aos brotos novos.

Aprende da árvore
E deixa cair as folhas secas do passado
Para que adubem o solo,
Onde tuas raízes preparam o futuro.

Aprende da árvore
E não faças do inverno
Um tempo de tristeza e morte,
Mas um tempo de esperança, para enraizar-te melhor
E reviver mais forte como primavera.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

RICARDO GONÇALVES
(São Paulo/SP, 1888 – 1916)

A ÁRVORE


Salta do leito e vem cá fora,
Vem ver esta árvore, sonora
De murmurinhos e canções.
O sol nascente a afaga e beija,
E as suas frondes purpureja
Com seus vivíssimos clarões.

Anda-lhe em torno, álacre, um vivo
Zumbir de insetos; pelo crivo
Das folhas verdes fulge o sol;
E, entre cortinas viridentes,
Zinem cigarras estridentes,
Tecem aranhas o aranhol.

Depois, a pino, o sol escalda,
E a sua copa de esmeralda
É como um pálio protetor,
A cuja sombra, ampla e divina,
Cantam as aves, em surdina,
Cantos dulcíssimos de amor.

Ama-a! Toda a árvore é sagrada.
Ama esta esplêndida morada
De abelhas de ouro e aves gentis!
Busca entender tanta poesia,
E faze coro à sinfonia
Da natureza, que a bendiz!

Ama-a, na glória matutina,
Entre os vapores da neblina,
Que toda a envolvem, como véus,
Cheia dos prantos da alvorada,
Ou melancólica, estampada
No ouro e na púrpura dos céus...

E reza então: “Bendita sejas
Por tuas frondes benfazejas,
Pelos teus cânticos triunfais,
Por tuas flores e perfumes,
Pelos teus pássaros implumes,
Por tuas sombras maternais.”

Fonte:
Sammis Reachers (org.). Árvore: uma antologia poética.
São Gonçalo/RJ, 2018. E-book enviado pelo organizador.

Minha Estante de Livros (Um anjo burro, de Christopher Moore)


Era noite, quase Natal, e todos em Pine Cove estão ocupados comprando, embrulhando e trocando presentes. Mas nem todos estão no clima para receber o bom velhinho. O pequeno Joshua Barker, de apenas sete anos, está desesperado: precisa de um verdadeiro milagre. Ele tem certeza de que viu o Papai Noel tomar uma pazada na cabeça e agora não faz outra coisa senão rezar para que ele volte dos mortos.

Nesse meio tempo, o anjo Raziel recebe uma missão na terra, em que ele terá que realizar o desejo de uma criança. Mas Raziel é um anjo muito, muito, muito, muito atrapalhado e incompetente e quando Josh deseja que o Papai Noel não tivesse morrido, ele acaba por ressuscitar todos os mortos de Pine Cove, ou seja, os ressuscita como zumbis.

Um anjo burro é uma obra polêmica que retrata acontecimentos numa das épocas mais importantes do ano. Não há no livro um compromisso com lendas já conhecidas, mas um compromisso com o riso, com um texto bem construído e com um entretenimento de qualidade.

“Christopher Moore tem um humor negro bem patente e não perdoa nem a época do bom velhinho. Uma comédia de tirar o fôlego.” (New York Times)

“Moore escreve romances que são hilários e extremamente divertidos de ler. Um autor no auge de sua criação.” (Nicholas Sparks)
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Christopher Moore, nasceu em 1957 em Toledo, Ohio, nos Estados Unidos. É um escritor de fantasia cômica . Estudou na Ohio State University e no Brooks Institute of Photography em Santa Barbara , Califórnia. Filho único, Moore aprendeu a se divertir com sua imaginação. Ele adorava ler e seu pai lhe trazia muitos livros da biblioteca toda semana. Ele começou a escrever por volta dos doze anos e percebeu que esse era seu talento aos 16 anos, e começou a considerar fazer disso sua carreira.

Os romances de Moore normalmente envolvem personagens comuns em conflito lutando por circunstâncias sobrenaturais ou extraordinárias. Com raras exceções, todos os seus livros se passam no mesmo universo e alguns personagens se repetem de romance em romance. Moore nomeou Kurt Vonnegut, Douglas Adams, John Steinbeck, Tom Robbins, Robert Bloch, Richard Matheson, Júlio Verne, Ray Bradbury, HP Lovecraft, Edgar Allan Poe e Ian Fleming como as principais influências em sua escrita. Moore mora em São Francisco, depois de alguns anos na ilha de Kauai, no Havaí .

Alguns livros:
Os Livros de Pine Cove; Vampiros em San Francisco; Crônicas do Mercador da Morte; Almas de segunda mão; Shakespeare para Esquilos: Um Romance; Coiote Azul; Carma do gato, entre outros.