segunda-feira, 18 de abril de 2022

Hans Christian Andersen (O jardim do paraíso)


Era uma vez um príncipe que tinha a maior e mais linda coleção de livros do que qualquer outra pessoa no mundo, e cheio de belíssimas gravuras reproduzidas em placas de cobre.

Ele podia ler e conseguir informações sobre os povos de todos os países, mas ele não encontrava nenhuma palavra para explicar a situação do jardim do paraíso, e isto era exatamente o que ele mais queria saber. Quando ele era ainda um belo garotinho, mas com idade suficiente para ir à escola, a avó dele havia lhe dito que cada flor no jardim do paraíso era um bolo doce, e que os pistilos das plantas eram ricos em sucos, onde a história da vida de uma flor estava escrita, numa outra a geografia ou as tabelinhas de fazer multiplicação, de modo que aqueles que queriam aprender suas lições tinham apenas de comer alguns pedaços de bolos, e quanto mais comiam, mais sabiam sobre história, geografia ou tabelas de multiplicação.

Ele acreditava em tudo até então, mas conforme ele foi crescendo, e aprendia cada vez mais, ele ficou sábio o bastante para entender que a beleza do jardim do paraíso deveria ser muito diferente de tudo aquilo. "Oh, porquê Eva teria colhido o fruto da árvore do conhecimento? Porquê Adão teria comido o fruto proibido?” - pensava o filho do rei: "Se eu estivesse lá isso jamais teria acontecido, e não haveria pecado no mundo."

O jardim do paraíso era a sua maior preocupação até que ele completou dezessete anos. Um dia, ele estava caminhando sozinho na floresta, o que ele gostava muito de fazer, quando de repente ficou noite. As nuvens ficaram mais densas, e a chuva começou a cair como se o céu fosse uma imensa tromba d’água, e à meia noite tudo estava tão escuro como o fundo de um poço, algumas vezes ele escorregava sobre a relva lisa, e caía sobre pedras que se projetavam sobre o chão rochoso. Em todos os lugares a água pingava, e o pobre do príncipe não tinha um único fio de cabelo seco. Ele era obrigado a subir grandes blocos de pedra, com água vertendo dos musgos espessos. Ele começou a se sentir muito fraco, quando ouviu um barulho muito estranho, e viu diante dele uma imensa caverna, de onde vinha um clarão de luz.

No meio da caverna um fogo imenso estava queimando, e um cervo nobre, com seus chifres em formato de galhos, estava entre os troncos de dois pinheiros. Ele se movimentava lentamente diante da fogueira, e uma velhinha, tão grande e forte como se fosse um homem disfarçado, se sentou perto da fogueira, e jogava um pedaço de madeira atrás do outro dentro das chamas. "Aproxime-se," disse ela para o príncipe, "sente-se perto do fogo e seque-se um pouquinho."

"Aqui tudo está seco," disse o príncipe, enquanto procurava um lugar no chão para sentar.

"Vai piorar quando os meus filhos chegarem," respondeu a mulher, "você está agora na caverna dos Ventos, e os meus filhos são os quatro Ventos do céu: você consegue entender isto?"

"Onde estão os teus filhos?" perguntou o príncipe.

"É difícil responder perguntas bobas," disse a mulher. "Meus filhos são pessoas muito ocupadas, eles estão brincando de jogar peteca com as nuvens lá em cima no salão do rei," e ela apontava para cima.

"Oh, é verdade," disse o príncipe, "mas a senhora fala de uma maneira bruta e não é tão gentil como as mulheres com que estou acostumado."

“Sim, isso acontece porque não tenho nada para fazer, e sou obrigada a ser dura, para poder educar os meus filhos, e estou conseguindo, porque eles são cabeças-dura. Você está vendo aqueles quatro sacos pendurados na parede? Bem, eles tem muito medo daqueles sacos, como você costumava ter do rato que ficava atrás do espelho.

“Pois fique sabendo que eu consigo dobrar os garotos, e os coloco dentro dos sacos sem qualquer resistência da parte deles. Eles ficam lá dentro, e não ousam sair até que eu permita que eles façam isso. E aí está chegando um deles."

Era o Vento Norte que estava chegando, trazendo com ele o frio, numa rajada cortante, grandes pedras de granizo faziam estrondos ao tocar o chão, e flocos de neve espalhavam-se em todas as direções. Ele usava trajes e um manto feito com pele de urso, seu boné de pele de foca cobria as orelhas, longos pingentes de gelo caíam de sua barba, e um granizo após o outro rolavam do colarinho de sua jaqueta.

"Não chegue muito perto do fogo," disse o príncipe, "ou as suas mãos e o rosto ficarão queimados pelo gelo."

"Queimados pelo gelo!" disse o Vento Norte, dando uma forte gargalhada, "Ora, o gelo é o meu maior prazer. Que coisa mais insignificante você é, e como você encontrou o caminho para a Caverna dos Ventos?"

"Ele é meu convidado," disse a velhinha, "e se você não ficou satisfeito com a explicação, pode entrar dentro do saco. Está me entendendo?"

Isso resolveu a situação. Então, o Vento Norte começou a contar suas aventuras, de onde ele tinha vindo, e onde ele tinha estado o mês inteiro.

"Venho dos mares polares," disse ele, "Estive na ilha dos Ursos com os caçadores de morsa da Rússia. Sentei-me e dormi ao comando do navio, quando eles navegaram do Cabo Norte. Algumas vezes quando eu acordava, os pássaros da tempestade voavam agarrados nas minhas pernas. Eles são pássaros curiosos, eles fazem um movimento com suas asas, e lá vão eles com suas asas estendidas voando cada vez mais alto."

"Não fique aí inventando histórias," disse a mãe dos ventos, "que tipo de lugar é essa Ilha dos Ursos?"

"Um lugar muito lindo, com uma pista de dança tão lisa e plana como se fosse uma placa. Neve meio derretida, parcialmente coberta de musgo, pedras afiadas, com esqueletos de morsas e ursos polares, espalhados por toda parte, com seus braços e pernas cobertos por uma vegetação verde. Parecia que o sol jamais havia estado naquelas paragens. Soprei suavemente, para desfazer a névoa, e de repente encontrei uma pequena cabana, que havia sido construída com a madeira de uma destruição, e era coberta com as peles de morsas, com o lado da carne voltado para fora, tinha uma aparência verde e vermelha, e no teto estava sentado um urso rosnando. Depois eu fui para o litoral, para procurar os ninhos das aves, e vi os filhotinhos ainda pequeninos abrindo suas bocas e gritando por comida.

"Soprei dentro de suas pequenas gargantas, e rapidamente eles pararam de gritar. Mais adiante, estavam as morsas com cabeças de porco, e com dentes que tinham um metro de comprimento, rolando em cima de enormes micróbios."

"Você sabe contar histórias muito bem, meu filho," disse a mãe, "quando escuto você, fico morrendo de curiosidade."

"Depois disso, – continuou o Vento Norte, – começou a temporada de caça. O arpão penetrou o peito da morsa, de modo que um pequeno jato de sangue jorrava como uma fonte, respingando sobre o gelo. Então eu pensei nas brincadeiras que gostava, e comecei a soprar, e movimentar meus próprios navios, balançar os enormes icebergs, para que eles esmagassem os barcos.

"Oh, como os navegantes gritavam e reclamavam! Mas eu gritava mais alto que eles. Eles eram obrigados a jogar fora suas cargas, e jogar fora suas caixas e morsas mortas no gelo. Depois eu espalhava neve em cima deles, e os deixava em seus barcos destruídos à deriva para o vento sul, bebendo água salgada. Eles jamais retornarão para a Ilha dos Ursos."

"Então você tem agido mal," disse a mãe dos Ventos.

"Mas eu deixei que outros vivessem para contarem as coisas boas que eu fiz. – respondeu ele - Mas aí vem o meu irmão do Oeste, eu gosto mais dele, porque ele traz consigo o cheiro de mar, e o ar fica fresco e gelado quando se aproxima."

"Seria ele o pequeno Zéfiro?" perguntou o príncipe.

"Sim, ele é o pequeno Zéfiro, – disse a velhinha,  – mas agora ele não é mais pequeno. Em anos passados ele era um lindo garoto, agora, tudo isso já passou."

Ele entrou, parecia um homem selvagem, e usava um chapéu velho para proteger a cabeça de ferimentos. Nas mãos ele trazia um açoite, feito de um pé de mogno retirado das florestas americanas, ele não levava qualquer açoite.

"De onde você vem vindo?" perguntou a mãe.

"Estou vindo do coração das florestas, onde as sarças espinhosas formam cercas vivas densas por entre as árvores, onde as cobras d’água serpenteiam entre a relva úmida, e as pessoas jamais ouviram falar."

"O que você estava fazendo lá?"

"Eu estava olhando o rio profundo, e ficava olhando quando ele jorrava no meio das rochas. As gotas d'água subiam até as nuvens e ficavam brilhando no arco-íris. Vi o búfalo selvagem nadando no rio, mas a maré forte o levou embora misturado com um bando de patos, que voaram pelos ares quando as águas avançavam com força, deixando que o búfalo fosse arremessado sobre a catarata. Isso me deixava tão feliz, então eu provoquei uma tempestade, que arrancava as árvores mais velhas pela raiz, e elas iam flutuando rio abaixo."

"E o que mais você fez?" perguntou a velhinha.

"Corri que nem louco pelas savanas, fiz carinhos nos cavalos selvagens, e sacudi os cocos derrubando-os de cima das árvores.

"Sim, eu tenho muitas histórias para contar, mas eu não preciso dizer tudo o que sei. A senhora sabe disso muito bem, não sabe, minha velhinha?"

E ele beijou a sua mãe de uma maneira tão bruta, que ela quase caiu para trás. Oh, ele era, de fato, um bom menino. Agora, quem se aproximava era o Vento Sul, usando um turbante e um roupa de beduíno flutuante.

"Como está frio aqui! – disse ele, jogando mais lenha na fogueira - É fácil perceber que o Vento Norte chegou aqui antes de mim."

"Porque aqui está quente o bastante para assar um urso," disse o Vento Norte.

"Você é mesmo um urso," disse o outro.

"Vocês querem ser colocados dentro do saco, vocês dois?" disse a velhinha. "Sente-se, agora, sobre aquela pedra que está ali, e me conte por onde você tem andado."

“Estive na África, mãe. Passeei com os hotentotes, que eram caçadores de leões na terra do Kaffir, onde as planícies são cobertas por uma vegetação da cor verde da oliva, e lá eu apostei corridas com os avestruzes, mas logo eu os superei em agilidade. Finalmente, cheguei ao deserto, onde ficam as areias douradas, que se parecem com o fundo do mar. E lá eu encontrei uma caravana, e os viajantes tinham acabado de matar o último camelo, para conseguirem água, eles eram um grupo muito pequeno, e continuaram sua jornada dolorosa sob o sol escaldante, caminhando sobre as areias quentes, que se estendiam diante deles, em meio ao deserto vasto e infinito.

"Depois rolei nos lençóis de areia, e rodopiei em colunas de fogo acima da cabeça deles. Os dromedários paravam assustados, ao passo que os mercadores tiravam as cafetãs por cima de suas cabeças, e se atiravam no chão diante de mim, assim como fazem diante de Allah, o deus deles. Depois, eu os sepultei debaixo de uma pirâmide de areia, cobrindo todos eles. Quando eu soprar desse jeito na minha próxima visita, o sol alvejará os ossos deles, e os viajantes saberão que outros estiveram ali antes deles, caso contrário, no deserto árido, eles não conseguiriam acreditar que isso fosse possível."

"Então, você não tem feito outra coisa além de maldades," disse mãe. "Já para dentro do saco," e, antes que ele percebesse, ela já tinha agarrado o Vento Sul, e o colocado dentro do saco. Ele ficou rolando pelo chão, até que ela sentou em cima dele, para que ficasse parado.

"Esses seus filhos são muito ativos," disse o príncipe.

"Sim," respondeu ela, "mas eu sei como corrigi-los, quando necessário, e aí vem o quarto deles."

De repente chegou o Vento Leste, vestido como se fosse um chinês.

"Oh, você vem vindo de lá, não vem?" disse ela, "Eu pensei que você tivesse ido até o jardim do paraíso."

“Estou indo para lá amanhã. - disse ele - Faz mais de cem anos que não vou lá. Acabo de chegar da China, onde fui dançar ao redor da torre de porcelana até que todos os sinos voltassem a tocar. Nas ruas havia um açoitamento público oficial, e canas de bambus eram quebradas nas costas das pessoas de todas as hierarquias sociais, da primeira até a última classe. Eles gritavam, "Muito obrigado, meu benfeitor paterno," mas eu tinha certeza de que suas palavras não vinham do coração, então eu tocava os sinos até que eles soassem: "ding, ding-dong."

“Você é um garoto malvado, – disse a velhinha – ainda bem que amanhã você estará indo para o jardim do paraíso, você melhora sempre com a sua educação quando vai lá. Beba bastante da fonte da sabedoria quando você estiver lá, e traga para mim uma garrafa bem cheia."

"Pode deixar, - disse o Vento Leste – mas, porquê você colocou o meu irmão do Sul dentro do saco? Solte-o, porque eu quero contar para ele sobre o pássaro fênix. A princesa sempre gosta de ouvir sobre este pássaro quando eu a visito a cada cem anos. Se você abrir o saco, minha mãezinha querida, eu lhe darei dois sacos cheios de chá verde e fresco que eu colhi do lugar onde ele nasceu."

"Bem, por causa do chá, e porque você é meu filhinho, eu vou abrir o saco e soltá-lo."

Ela fez isso, e o Vento Sul foi saindo devagar, parecendo muito abatido, porque o príncipe tinha visto o que ela tinha feito com ele.

"Trouxe aqui uma folha de palmeira para entregar para a princesa. - disse ele – O velho fênix, que é o único no mundo, trouxe ele mesmo para mim. Ele escreveu com seu bico toda a história durante os cem anos que ele viveu. Ela então poderá saber como o velho fênix tocou fogo no próprio ninho, e sentou nele enquanto estava queimando, como uma viúva hindu. Os galhos secos em torno do pescoço crepitavam até que as chamas surgiram e consumiram o fênix até as cinzas. No meio do fogo estava um ovo, vermelho como o fogo, que estourou fazendo um barulho estrondoso, e um pássaro saiu voando. Ele é o único fênix do mundo, e é o rei de todos os outros pássaros. Ele fez um buraco na folha que eu dei para você, e essa é a saudação dele para a princesa."

"Agora, vamos comer alguma coisa," disse a mãe dos Ventos.

Então, todos se sentaram para comemorar comendo veado assado, e como o príncipe estava sentado ao lado do Vento Leste, eles logo se tornaram bons amigos.

"Por favor, me diga," disse o príncipe, "quem é essa princesa de quem vocês estão falando! e onde fica o jardim do paraíso?"

"Ho! ho!" disse o Vento Leste, "Você gostaria de ir lá? Bem, você poderia ir voando comigo amanhã, mas eu devo lhe dizer uma coisa — nunca, nenhum ser humano esteve lá desde o tempo de Adão e Eva. Eu suponho que você tenha lido sobre eles na sua Bíblia."

"Lógico que li," disse o príncipe.

"Bem, – continuou o Vento Leste – quando eles foram expulsos do jardim do paraíso, ele veio parar aqui na Terra, mas o jardim manteve o calor do sol, o seu ar balsâmico e todo o seu esplendor. A rainha das fadas vive lá, na ilha da Felicidade, onde a morte nunca vai, e tudo é muito lindo. Eu posso levar você até lá amanhã, se você se sentar nas minhas costas. Mas, agora não diga mais nada, porque eu quero dormir." E então todos dormiram.

Quando o príncipe acordou bem cedo, de manhã, ele não ficou nada surpreso quando se viu lá no alto acima das nuvens. Ele estava sentado nas costas do Vento Leste, que o segurava com firmeza, e eles estavam tão altos no espaço que as florestas e campos, os rios e os lagos, que estavam debaixo deles, pareciam os pontos de localização de um mapa.

"Bom dia. - disse o Vento Leste – Você deve ter dormido bastante, pois há muito pouco para ver nesta região plana que estamos atravessando agora a menos que você goste de contar igrejas, elas se parecem com palitos de giz sobre um quadro verde."

Quadro verde era o nome que ele dava para os campos e prados repletos de vegetação.

"Foi muito rude de minha parte não me despedir de sua mãe e de seus irmãos," disse o príncipe.

"Eles perdoarão você, porque você estava dormindo," disse o Vento Leste, e então ele continuaram voando mais rápidos do que antes. As folhas e os galhos das árvores assobiavam quando eles passavam. Quando eles voavam sobre os mares e os lagos, as ondas subiam mais altas, e os enormes navios afundavam no meio da água como se fossem cisnes mergulhando. Quando tudo ficou escuro, ao anoitecer, as grandes cidades pareciam encantadoras, luzes jorravam por todos os lados, ora eram vistas, ora se apagavam, assim como as fagulhas desaparecem umas depois das outras em um pedaço de papel queimado.

O príncipe batia palmas de alegria, mas o Vento Leste o alertou para que não expressasse sua alegria dessa maneira, porque ele poderia cair, e de repente poderia ficar pendurado no campanário de uma igreja. A águia nas florestas escuras voava com agilidade, porém, ele voava mais rápido com o Vento Leste. O cossaco, em seu pequeno cavalo, cavalgava levemente sobre as planícies, mas, com mais leveza ainda passava o príncipe sobre os ventos do vento.

"Veja lá o Himalaia, a montanha mais alta da Ásia. - disse o Vento Leste – Logo vamos chegar no jardim do paraíso."

Então, eles viraram para o sul, e o ar ficou cheiroso com os perfumes das especiarias e das flores. Aqui, figos e romãs cresciam livremente, e as parreiras estavam cobertas com uvas azuis e púrpuras. Nesse instante, os dois desceram em direção à terra, e se deitaram na grama macia, enquanto as flores se curvavam sob o sopro do vento como se dessem as boas vindas para eles.

"Já chegamos no jardim do paraíso?" perguntou o príncipe.

"Não, ainda, – respondeu o Vento Leste - mas logo estaremos lá. Você está vendo aquela muralha de pedras, e a caverna debaixo dela, onde as parreiras de uvas ficam suspensas como se fossem uma cortina verde? É através daquela caverna que temos que passar.

"Enrole o manto ao redor do seu corpo, pois embora o sol aqui seja escaldante, mais alguns passos e ele estará frio como o gelo. O pássaro que entra voando pela porta da caverna sente como se uma asa estivesse na estação do verão, e a outra nas profundezas do inverno."

"Então, seria este o caminho para o jardim do paraíso?" perguntou o príncipe, enquanto adentravam a caverna.

Estava de fato muito frio, mas o frio logo passou, pois o Vento Leste abriu as suas asas, e elas brilharam como o fogo mais quente. E a medida que atravessavam a maravilhosa caverna, o príncipe podia ver grandes blocos de pedras, de onde escorria as águas, suspensas acima de suas cabeças, criando formatos estupendos.

Algumas vezes, o caminho era tão estreito, que eles tinham de rastejar usando as mãos e os joelhos, ao passo que outras vezes, era largo e alto, permitindo a livre passagem do ar. A aparência era o de uma capela para os mortos, coberta com organismos petrificados e órgãos silenciosos.

"Parece que estamos atravessando do vale da morte para o jardim do paraíso," disse o príncipe.

Mas o Vento Leste não dizia nenhuma palavra, somente apontava para a frente em direção a uma luz azul clara que brilhava ao longe. Os blocos de pedras criavam uma aparência nebulosa, até que finalmente pareciam com nuvens brancas ao luar.

O ar era fresco e balsâmico, como a brisa das montanhas perfumada com flores de um vale de rosas. Um rio, muito cristalino, cintilava aos seus pés, enquanto que em suas claras profundezas podiam ser vistos peixes dourados e prateados brincando nas águas brilhantes, e enguias púrpuras emitiam fagulhas de fogo a todo instante, enquanto que as folhas gigantescas dos lírios d'água, que flutuavam na superfície, tremulavam com todas as cores do arco-íris. A flor com suas cores ígneas pareciam receber o alimento da água, assim como o lampião é alimentado pelo combustível.

Uma ponte de mármore, com acabamento tão requintado, que parecia ter sido construída de laços e pérolas, conduzia até a ilha da felicidade, onde resplandecia o jardim do paraíso. O Vento Leste pegou o príncipe nos braços, e passeava com ele, enquanto as flores e as folhas cantavam canções dulcíssimas da sua infância em acordes completos e sonoros que nenhuma voz humana poderia se arriscar a imitar. Dentro do jardim cresciam árvores imensas, cheias de seiva, mas se eram palmeiras ou plantas d'água gigantescas, o príncipe não sabia.

As plantas trepadeiras penduravam-se em guirlandas verdes e douradas, como as iluminuras nas margens dos velhos missais ou retorcidas por entre as letras iniciais. Pássaros, flores, e ramalhetes pareciam entrelaçados em aparente confusão. Ao redor, sobre a relva, havia um bando de pavões, com suas caudas radiantes estendidas ao sol. O príncipe tocou neles, e descobriu, para sua surpresa, que eles não eram pássaros de verdade, mas folhas do pé de bardana, que brilhavam com as cores do rabo do pavão. O leão e o tigre, gentis e mansos, brincavam ao redor como se fossem gatos travessos entre os arbustos verdejantes, cujo aroma era como a flor perfumada da oliveira.

As plumas do pombo-torcaz brilhavam como pérolas, quando eles tocavam com suas asas a juba do leão, e o antílope, normalmente tão arredio, ficava por perto, balançando a cabeça como que desejando participar da brincadeira. A fada do paraíso, em seguida, fez questão de marcar presença. Suas roupas eram brilhantes como o sol, e seu semblante sereno explodia de felicidade, assim como uma mãe se alegra com seu filho. Ela era jovem e linda, e um séquito de garotas adoráveis seguiam atrás dela, cada uma delas usando uma estrela brilhante no cabelo. O Vento Leste ofereceu a ela a folha da palmeira, onde estava grafada a história do fênix, e os olhos dela resplandeceram de alegria.

Nesse momento, ela pegou o príncipe pela mão, e o conduziu até o palácio, cujas paredes eram ricamente coloridas, como a folha da tulipa quando está voltada para o sol. O teto tinha o aspecto de uma flor invertida, e as cores ficavam mais fortes e mais brilhantes para quem olhava. O príncipe caminhou até uma janela, e viu o que parecia ser a árvore do conhecimento do bem e do mal, com Adão e Eva passeando nos arredores, e a serpente deitada ao lado deles.

"Eu achei que eles tinham sido expulsos do paraíso," disse ele. O príncipe sorriu, e lhe falou que o tempo havia gravado cada acontecimento em um painel da janela sob a forma de uma imagem, mas, ao contrário das outras imagens, tudo o que ela representava tinha vida e movimento, — as folhas tremulavam, e as pessoas iam e vinham, como se estivessem num espelho.

Ele olhou através de um outro painel, e viu a escada do sonho de Jacó, onde os anjos subiam e desciam com suas asas abertas. Tudo o que já tinha acontecido aqui no mundo tinha vida e movimentos nos painéis de vidro, com imagens que somente o tempo conseguiria produzir. A fada agora levou o príncipe até uma sala grande e alta com paredes transparentes, através das quais a luz brilhava. Ali haviam muitos retratos, cada um parecendo mais belo que o outro — milhões de seres felizes, cujo riso e canção se misturavam com uma doce melodia: alguns deles estavam numa posição tão elevada que pareciam menores do que o menor botão de rosa, ou como os pontos de um lápis no papel.

No meio do salão havia uma árvore, com galhos suspensos, onde ficavam penduradas maçãs douradas, grandes e pequenas, que pareciam laranjas no meio das folhas verdes. Essa era a árvore do conhecimento do bem e do mal, de onde Adão e Eva haviam colhido e comido o fruto proibido, e de cada folha escorria uma gota de orvalho brilhante e vermelho, como se a árvore estivesse derramando lágrimas de sangue por causa do pecado que eles haviam cometido.

"Vamos agora pegar um barco, - disse a fada - um passeio de barco pelas águas frias irá nos refrescar. Mas nós não sairemos do lugar, embora o barco possa balançar sobre as ondas das águas, os países do mundo irão desfilar diante de nossos olhos, mas ainda assim estaremos parados."

Era realmente maravilhoso ver tudo aquilo.

Primeiro apareceram os altíssimos Alpes, cobertos de neve, e escondido pelas nuvens e os pinheiros escuros. A corneta voltou a tocar, e os pastores cantavam alegremente nos vales. Os pés de bananeiras faziam reverências com seus galhos dobrando-se sobre o barco, cisnes negros flutuavam em cima da água, e animais e flores singulares surgiam à distância na praia. A Nova Holanda, a quinta divisão do mundo, desfilava agora ao nosso lado, cheia de montanhas em segundo plano, que de longe pareciam azuis. Eles ouviram o canto dos sacerdotes, e assistiram a dança livre dos selvagens ao som de tambores e trombetas feitas de osso, as pirâmides do Egito subindo até as nuvens, colunas e esfinges, que tinham sido derrubadas e estavam sepultadas nas areias, seguiram-se por sua vez, enquanto as luzes boreais piscavam sobre os vulcões extintos do norte, num espetáculo com fogos de artifícios que jamais poderiam ser imitados.

O príncipe estava encantado, contudo, ele ainda viu centenas de outras coisas maravilhosas que poderiam ser contadas.

"Posso ficar aqui para sempre?" perguntou ele.

"Isso depende de você mesmo. - respondeu a fada – Se você não desejar o que é proibido, como fez Adão, você pode ficar aqui para sempre."

"Eu não tocaria no fruto da árvore do conhecimento, – disse o príncipe – há aqui uma abundância de frutas igualmente belas."

"Consulte o seu coração, – disse a princesa - e se você não tiver certeza da sua vontade, volte com o Vento Leste que o trouxe até aqui. Ele está prestes para voltar, e retornará para cá somente depois de cem anos. O tempo para você não parecerá maior que cem horas, mesmo assim, é um tempo bastante longo para tentações e resistências. Todas as noites, que eu me despeço de você, terei de dizer: "Venha comigo," e acenarei para você com a minha mão. Mas você não deve ouvir, nem se mover do lugar para me seguir, pois a cada etapa você achará que a sua vontade de resistir ficará mais fraca. Se uma única vez você tentar me seguir, você se veria no salão, onde cresce a árvore do conhecimento, porque eu durmo debaixo de seus galhos perfumados.

"Se você se curvar sobre mim, eu seria forçada a sorrir. Caso você beije os meus lábios, o jardim do paraíso apareceria na terra, e para você ele não existiria mais. O vento agudo do deserto ficaria uivando perto de você, a chuva gelada cairá na sua cabeça, e a tristeza e a aflição seriam a sua sorte futura."

"Eu ficarei," disse o príncipe.

Então o Vento Leste o beijou na fronte, e disse: "Seja resistente, pois somente assim nos encontraremos novamente quando cem anos tiverem passados. Adeus, adeus."

Então, o Vento Leste abriu suas asas enormes, que brilhavam como o relâmpago durante a colheita, ou como as luzes boreais de um inverno gelado.

"Adeus, adeus," repetiram as árvores e as flores. Cegonhas e pelicanos voaram atrás dele como um bando de aves, e o acompanharam até as fronteiras do jardim.

"Agora, vamos começar o baile, - disse a fada – e quando o por do sol estiver quase terminando, e eu estiver dançando com você, eu farei um sinal, e pedirei para você me seguir: mas você não deve obedecer. Eu serei forçada a repetir a mesma coisa durante cem anos, e cada vez que você passar no teste, e se você resistir, você ganhará forças, até que resistir será fácil, e finalmente a tentação será totalmente dominada.

"Esta noite, como será a primeira vez, eu alertei você."

Depois disto, a fada o levou até um salão imenso, repleto de lírios transparentes. O estame amarelo de cada flor formava uma minúscula harpa dourada, de onde vinham os acordes musicais como os tons misturados da flauta e da lira. Belas donzelas, esbeltas e graciosas na forma, e vestidas com gaze transparente, flutuavam pela dança, cantando a vida feliz no jardim do paraíso, onde a morte não podia entrar, e onde tudo florescia eternamente numa juventude imortal.

E enquanto o sol ia descendo, todo o céu ficava vermelho e dourado, manchando os lírios com tons de rosa. Então, as belas donzelas ofereceram ao príncipe vinho cintilante, e depois que ele bebeu, ele sentiu uma felicidade maior do que jamais havia sentido antes. Nesse instante, o fundo do salão se abriu e a árvore do conhecimento apareceu, rodeada por um halo de glória que quase o deixou cego. Vozes, suaves e melodiosas, como as de sua mãe, soaram-lhe aos ouvidos, como se ela estivesse cantando para ele, "Meu filho, meu filho querido." Então a fada fez sinal para ele, e disse com doce encantamento: "Venha comigo, venha comigo." Esquecendo a promessa, esquecendo-a mesmo na primeira noite, ele correu em direção a ela, enquanto ela continuava a acenar para ele e a sorrir.

A fragrância ao seu redor tomou conta dos seus sentidos, a música das harpas soavam mais fascinantes, enquanto que em torno da árvore surgiam milhões de faces sorridentes, acenando e cantando. "O homem deve saber tudo, o homem é o senhor da terra." A árvore do conhecimento não chorava mais lágrimas de sangue, pois as gotas de orvalho brilhavam como estrelas cintilantes. "Venha, venha," continuava aquela voz emocionante, e o príncipe seguia o chamado. A cada passo suas faces brilhavam, e o sangue desenfreadamente afluía-lhe pelas veias.

"Eu devo seguir," exclamava ele, "não é pecado, não pode ser, seguir a beleza e a alegria. Eu apenas quero vê-la dormir, e nada acontecerá a menos que eu a beije, e isso eu não farei, porque eu tenho força para resistir, e firmeza em meus desejos."

A fada jogou fora seus trajes deslumbrantes, dobrou os galhos para trás, e num instante escondeu-se entre eles.

"Eu não pequei ainda," disse o príncipe, "e não irei pecar," e nesse momento ele empurrou de lado os galhos para continuar seguindo a princesa. Ela estava deitada e já dormia, linda como somente uma fada do paraíso poderia ser. Ela sorriu quando ele se inclinou sobre ela, e viu que lágrimas tremulavam de seus lindos cílios.

"Você está chorando por minha causa? - murmurou  – Oh, não chores, pois és a mais bela das mulheres. Agora, começo a compreender a felicidade do paraíso, sinto isso no íntimo de minha alma, em cada pensamento. Uma vida nova nasceu dentro de mim. Um minuto de tão grande felicidade vale por uma eternidade de trevas e aflição."

Ele se curvou e beijou as lágrimas que caíam de seus olhos, e tocou os lábios dela com os seus. O ribombar de um trovão, alto e assustador, ressoou aos ecos pelo ar. Tudo ao redor dele caiu em ruína. A bela fada, o jardim encantador, tudo desabava para além das profundezas.

O príncipe percebeu que tudo desaparecia na escuridão da noite até que toda aquela beleza brilhou como se fosse uma estrela na distância diante dele. Depois, ele sentiu o frio, como se fosse a morte, avançando sorrateiramente sobre ele, seus olhos se fecharam, e ele perdeu toda a sensibilidade. Quando ele acordou, uma chuva refrescante caía sobre o seu corpo, e um vento cortante batia em sua cabeça.

"Oh, meu Deus! o que foi que eu fiz? - suspirou – Pequei como Adão, e o jardim do paraíso veio parar na terra."

Ele abriu os olhos, e viu a estrela à distância, mas era a estrela da manhã no céu que brilhava na escuridão.

Nesse momento, ele se levantou e percebeu que estava nas profundezas da floresta, perto da caverna dos Ventos, e a mãe dos Ventos estava sentado ao lado dele. Ela parecia nervosa, e levantava o braço para o ar enquanto falava:

"Bem na primeira noite! - disse ela – Na verdade, eu esperava isso! Se você fosse meu filho, eu o colocaria dentro do saco." 
 
"E lá ele teria de ficar afinal. - disse um homem velho e forte, com enormes asas negras, e uma foice na mão, e cujo nome era Morte – Ele será colocado no caixão, mas, não ainda. Deixarei que vagueie pelo mundo durante algum tempo, para expiar os seus pecados, e para dar-lhe tempo de se melhorar. Porém, retornarei quando ele menos esperar. E o deitarei num caixão preto, o colocarei sobre minha cabeça, e voarei com ele para além das estrelas. Lá também floresce o jardim do paraíso, e se ele for bom e piedoso ele será admitido, mas, se seus pensamentos forem maus, e seu coração estiver cheio de pecado, ele irá afundar com seu caixão para regiões mais profundas do que o jardim do paraíso. Uma vez a cada mil anos eu irei buscá-lo, onde ele será condenado a afundar ainda mais, ou será alçado para uma vida mais feliz no mundo além das estrelas.”

Fonte:
Wikisource. Contos de Andersen. Publicado originalmente em 1838.

domingo, 17 de abril de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 16

 

Therezinha Dieguez Brisolla (Pobre Professor...)

Azáfama* geral!

Durante toda a semana a escola se mobilizara para a festa do Dia das Crianças e todos se esforçavam para que tudo saísse bem...

Era sábado e ... a apoteose! Pais, mães, filhos e professores fariam um jogo de futebol encerrando as atividades. Mas, como todo craque que se preza, o professor de Educação Física fez questão do aquecimento, incluindo ginástica e, é claro, uma dança. E... surpresa! Trouxe para comandar os exercícios, nada mais nada menos que... o Pato Donald! Fizera absoluto segredo e só ele sabia quem encarnava o famoso personagem de Walt Disney.

Enquanto os pais aplaudiam, entusiasmados, a entrada triunfal do gracioso pato, as crianças, extasiadas, mal podiam acreditar... E ele, com grande desenvoltura, alinhou-se à frente de pais e filhos e iniciou os exercícios: Um... dois... três.... quatro...

O patinho lépido, saltava de um lado para o outro, flexionava os braços, abaixava-se e levantava-se seguidas vezes. As crianças, os vivos olhos muito abertos, o acompanhavam radiantes! Os pais, ainda moços e de vida sedentária, já sentiam o cansaço. O patinho, certo de que o aquecimento duraria apenas alguns minutos, extrapolava!...

Mas, o professor de Educação Física que deveria substituí-lo para dar início à dança, entusiasmado com sua criação, anunciou empolgado:

– Como todos gostaram muito do Pato Donald ele comandará também todo restante do espetáculo.  

Colocou um disco da Elba Ramalho e deu a ordem:

– Todo mundo dançando... Mais rápido...

O sol estava a pino. Já meio trôpego, o suor a molhar a máscara, onde havia apenas um pequeno orifício para os olhos, o patinho recomeçou os exercícios... Mas a fantasia pesava demais, pois não absorvia o suor que escorria do couro cabeludo, dava-lhe um calafrio na espinha e ia alojar-se no cós da bermuda que, umedecida, lhe tolhia os movimentos.

A professora, a Tia Lu, como era chamada carinhosamente na escola, dentro da fantasia sentia-se morrer! O ar lhe faltava e o seu coração batia descompassado... Estava prestes a desmaiar quando foi salva pelo gongo. A música terminou e ela ouviu quando o professor de Educação Física gritou entusiasmado: - Palmas para o Pato Donald!...

Ouviu o som das palmas, apesar do zumbido forte no ouvido e pelo orifício da máscara viu o aceno alegre das crianças.

Mal teve forças para levantar a mão para a despedida. Desnorteada, entrou na primeira porta que encontrou aberta e percebeu que era a sala da diretoria. Vagarosamente tirou a fantasia de pato, deitou-se no sofá e tentou respirar fundo e devagar até que o coração se acalmasse.

Levantou-se, ainda cambaleante, enxugou o suor, tomou um gole de água, recompôs-se e dirigiu-se ao campo de futebol para participar, com pais e alunos, do jogo que estava programado. Tentou apressar os passos ao divisar a quadra já repleta e os jogadores à sua espera. Todos acenavam e pediam que se apressasse.

Ao acercar-se do grupo que a olhava com ar reprovador, ouviu a voz estridente da diretora:

– Chegando atrasada, Tia Lu? A festa começou há mais de uma hora, já fizemos o aquecimento comandado pelo gracioso e simpático Pato Donald e agora estamos à sua espera para dar início ao jogo de futebol...

E, em voz baixa, completou: - Depois do jogo passe pela sala da Diretoria que precisamos conversar...
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* Azáfama = alvoroço, algazarra,

Fonte:
Texto enviado por Luzia Brisolla Fuim.

LXIII Jogos Florais de Nova Friburgo (Trovas Premiadas)


Obs: Menções Honrosas e Menções Especiais os premiados estão por ordem alfabética.


NACIONAL

Tema: Engano (Humorística)


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VENCEDORES
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1. Lugar
CARLA ALVES DA SILVA
Curitiba/PR

- Oferta dos concorrentes!
- Ledo engano, cidadão ...
Óculos, sem par de lentes,
só pode ser armação.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

2. Lugar
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Melhor idade a velhice?...
Quem tal engano propala?
Só pode ser gaiatice
do vendedor de bengala...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

3. Lugar
ANTONIO COLAVITE FILHO
Santos/SP

“Para a tosse, eu dou purgante!”
E o doutor morreu de rir...
- “Eu não me engano, garante,
pois não pode mais tossir...”
- - - - - - - - - - - - - - - -  

4. Lugar
JERSON LIMA DE BRITO
Porto Velho/RO

Intrigada com o assédio,
do vovô e tanta audácia,
vovó notou que o remédio
era engano da farmácia.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

5. Lugar
MARCIANO BATISTA DE MEDEIROS
Parnamirim/RN

Engana e o chama de “vida”,
mas ele ouviu num boato,
que a sua musa fingida,
tem mais “vidas” do que um gato...

= = = = = = = = = = =
MENÇÕES HONROSAS
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ALBA HELENA CORRÊA
Niterói/RJ

Pelo engano... os dissabores,
trocou os cartões, garante:
para a esposa, mandou flores,
e a vassoura... para a amante!!!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

CÉLIA M. G. MENDONÇA DE MELO
Juiz de Fora MG

Bebum entrou na festança...
Ledo engano do simplório!
Chamou viúva pra dança,
bateu palmas pro velório.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

GERALDO TROMBIN
Americana/SP

Que fora Dona Gertrudes
deu... "mamada" de cerveja:
por engano postou "nudes"
no grupo da sua igreja!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

MARIA MADALENA FERREIRA
Magé/RJ

Passei mal – tive até febre! –
pois, “por engano”, o chinês
serviu-me gato por lebre
em vez de... frango xadrez!!!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

PEDRO MELO
União da Vitória/PR

A tribo toda é enganada,
quando o noivo canibal
pede a mão da namorada...
em sentido literal...!

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MENÇÕES ESPECIAIS
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GERSON SILVESTRE ALENCAR GONÇALVES
Belo Horizonte/MG

Na cena triste, um ator
gemeu de dor, mas eu ri,
pois na frase "Ai, não, doutor!",
por engano, disse "Aí ".
- - - - - - - - - - - - - - - -  

JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR
Casei-me por mero engano,
num inverno, num abrigo
ofereci a um fulano:
- Você quer casaco, "migo"?

- - - - - - - - - - - - - - - -  

MÁRCIA JABER
Juiz de Fora/MG

Com um nervosismo insano,
procura por um calmante
e a atendente, por engano,
dá para o noivo, um purgante.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

RENATA PACCOLA
São Paulo/SP

O dentista se desmancha
num engano crucial,
pois fez, no Canal da Mancha,
tratamento de canal!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP

Por enganos da memória,
com doutor me consultei...
E ao final da minha história,
"por engano"... Não paguei!
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NACIONAL

NOVOS TROVADORES

Tema: Confissão (Lírica/Filosófica)


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VENCEDORES
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1. Lugar
ADEMARCOS DANTAS SANTANA
Nossa Senhora Aparecida/SE

Hoje minha alma se encontra
em ato de confissão,
pois meu corpo pecou contra
minha lógica e razão!

2. Lugar
WANDA CUNHA
São Luiz/MA

Confissão: foi só tristeza
a saudade que deixaste.
Mas também tenho a certeza
de que no adeus me levaste.

3. Lugar
ANETE SIMÕES
Taubaté/SP

Minha vida está passando
e não mereço perdão,
é o futuro me lembrando
que falta uma confissão!
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NACIONAL

VETERANOS

Tema: Confissão (Lírica/Filosófica)


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VENCEDORES
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1. Lugar
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Há um medo que me angustia
e à confissão, não me oponho...
É o temor de que algum dia
a idade me roube o sonho!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

2. Lugar
MARA MELINNI
Caicó/RN

Confissão é a dor da farsa
da mãe que, sem nada ter,
chora de fome e disfarça
para o filho não saber!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

3. Lugar
GILVAN CARNEIRO DA SILVEIRA
São Gonçalo/RJ

Confissão dos meus pecados...
Mas, como esconder enfim,
os silêncios camuflados
que gritam dentro de mim?...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

4. Lugar
ELIANA RUIZ JIMENEZ
Balneário Camboriú/SC

Na confissão me liberto,
ao declarar de bom grado
que conheço o rumo certo,
mas tomei o atalho errado.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

5. Lugar
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Silenciosa, tu partiste
sem bilhete e eu, sem saber
que era a confissão mais triste
do silêncio a me escrever!

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MENÇÕES HONROSAS
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ADILSON COSTA
São Lourenço da Mata/PE

Quando o amor chegar, nem tente
enganar o coração,
pois se a voz aflita mente,
os olhos confessarão.
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ALINE RIBEIRO
Natal/RN

Deste um sim por covardia,
e a mentira evoluiu,
confessando, todo dia,
um sim que nunca existiu.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

ELIANA RUIZ JIMENEZ
Balneário Camboriú/SC

Confessa o espelho a razão
dos traços envelhecidos:
A vida esculpiu o “Não”
nesses sulcos ressequidos...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

MARA MELINNI
Caicó/RN

Nossos passos, pelo chão,
ante a estrada percorrida,
são a própria confissão
de quem nós somos na vida!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

PAULO CÉZAR TÓRTORA
Rio de Janeiro/RJ

Nem por um breve momento
soube ela o quanto eu a quis.
Hoje, sozinho, eu lamento
a confissão que não fiz.
 
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MENÇÕES ESPECIAIS
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ADILSON COSTA
São Lourenço da Mata/PE

Quando a noite abre as retinas
e põe no dia os grilhões,
resvalam, pelas esquinas,
sussurros de confissões.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

MARA MELINNI
Caicó/RN

O silêncio que palpita,
num beijo dado, sem pressa,
é uma confissão não dita
que ao amor tudo confessa...!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

MARIA HELENA OLIVEIRA COSTA
Ponta Grossa/PR

Meus tropeços eu confesso,
já que é longa a caminhada...
Não são as quedas que eu meço,
mas a fé na minha estrada!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

CÉZAR AUGUSTO DEFILIPPO
Astolfo Dutra/MG

A confissão que me vale
quando erras e ficas mudo,
mesmo que a boca se cale
teus olhos me contam tudo.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

CÉZAR AUGUSTO DEFILIPPO
Astolfo Dutra/MG

Nosso amor foi censurado,
ato falho, louco, em suma:
até confesso o pecado,
mas, sem contrição alguma.
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CONCURSO LOCAL (NOVA FRIBURGO)

Tema : Coragem (Lírica/Filosófica)


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VENCEDORES
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1. Lugar
SÉRGIO BERNARDO

Força e fraqueza interagem
dentro de nós, desde cedo;
e, assim, quem sabe a coragem
seja um disfarce do medo.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

2. Lugar
SÉRGIO BERNARDO

Num mundo que exalta o riso
e onde a dor não tem lugar,
muitas vezes é preciso
coragem para chorar.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

3. Lugar
CLENIR NEVES RIBEIRO

A coragem me permite
qualquer caminho transpor...
Um sonho não tem limite
nem limites um amor!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

4. Lugar
ELISABETH SOUZA CRUZ

De coragens e de medos
nosso amor é sempre assim:
quando a sorte cruza os dedos,
a razão faz o motim!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

5. Lugar
SÉRGIO BERNARDO

Com medo da consequência,
quantos, às vezes, não agem,
fazendo com que a prudência
mude o nome da coragem.

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MENÇÕES HONROSAS
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ADILSON CALVÃO
A coragem me fez ver
que sem a sabedoria,
eu não consigo vencer
as lutas do dia a dia!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

CLENIR NEVES RIBEIRO
Enfim, eu volto a lutar...
E a custo, me recomponho
na coragem de sonhar,
quando não se tem mais sonho!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

ELISABETH SOUZA CRUZ
Eu penso...invento e me iludo...
Faço planos, mas suponho:
- Sem coragem, falta tudo
para avançar no meu sonho!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

IVONE MARQUES MOREIRA
Neste mundo pequenino,
de percalços e de dor,
na balança do destino
pesa a coragem do amor!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

SÉRGIO FERRAZ DOS SANTOS
O orgulho bateu em mim,
mudou minha vida rica...
Faltou coragem de, enfim,
trocar o "vai" pelo "fica"!

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MENÇÕES ESPECIAIS
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ANTÔNIO ROSALVO ACCIOLY
Vejam só que bela imagem
- a imagem desse doutor-
que no amparo da coragem
rompe os mistérios da dor!
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IVONE M. MOREIRA
Ante a súplica vencida,
sem coragem de impedir,
pela porta de saída
deixei meu amor partir!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

JOÃO BATISTA VASCONCELLOS
Vivo a buscar na lembrança
a coragem destemida,
que, num fio de esperança,
trouxe luz a minha vida...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

THEREZINHA TAVARES
Pelo tempo e pelo espaço
na fantasia me ponho
e com coragem eu faço
a vida ser belo sonho!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

THEREZINHA TAVARES
Por onde fores passando
planta amor, planta carinho...
com coragem vai deixando
estrelas em teu caminho!
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CONCURSO LOCAL(NOVA FRIBURGO)

Tema: Medo (Humorística)


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VENCEDORES
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1. Lugar
CLENIR NEVES RIBEIRO

Diz o marido, sisudo,
que a esposa não tem segredo,
que confia nela em tudo,
mas, que tem medo, tem medo!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

2. Lugar
CLENIR NEVES RIBEIRO

O escuro não me seduz...
Na infância, medo e tristeza...
Mas, hoje, que eu pago a luz,
tenho medo é dela acesa!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

3. Lugar
IVONE MARQUES MOREIRA

Com a sogra ele se empenha,
enchendo a velha de joias,
pois seu medo é que ela venha
a entregar suas tramoias!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

4. Lugar
ELISABETH SOUZA CRUZ

A moça é tão precavida,
de barata é tanto o medo,
que ela pôs inseticida
na barata de brinquedo!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

5. Lugar
CLENIR NEVES RIBEIRO

Ela em moda é tão focada,
mas o medo do marido
é que ela saia pelada,
dizendo: “É moda, querido!”.

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MENÇÕES HONROSAS
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ELISABETH SOUZA CRUZ
Entra o rato na cozinha...
Foi aquele bafafá!
Com medo, grita a vizinha:
- Vá tapar o vatapá!!!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

ELISABETH SOUZA CRUZ
Agora virou rotina
sair de casa, e sem medo...
Diz que vai tomar vacina,
mas a picada é um segredo!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

IVONE MARQUES MOREIRA
É corajosa a donzela
ao contar sua façanha:
não tem grades na janela,
nem medo de homem aranha!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

SÉRGIO BERNARDO
De tanto medo, coitada,
não faz nem canja a vizinha,
porque crê que alma “penada”
é fantasma... de galinha.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

THEREZINHA TAVARES
Enfrento tudo, isso eu juro,
que medo não tenho não,
eu só não ando no escuro
por causa de assombração!

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MENÇÕES ESPECIAIS
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JOÃO BATISTA VASCONCELLOS
O namoro era atrevido
e sempre lá no escurinho...
Mas o medo do cupido
era o farol do vizinho!
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JOÃO BATISTA VASCONCELLOS
Na paquera da vizinha
debrucei sobre o telhado...
Mas todo medo que eu tinha,
era o marido estressado!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

SÉRGIO FERRAZ DOS SANTOS
– "Esse exame é "nóis" sozinho?",
pergunta o "véio", ao doutor.
– Tais com medo? - É rapidinho!
– "É no meu, não no senhor!!!"....
- - - - - - - - - - - - - - - -  

THEREZINHA TAVARES
Meu medo é tão esquisito,
não sei nem mesmo explicar,
quando me dá faniquito,
eu só quero é desmaiar!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

THEREZINHA TAVARES
Com medo de estar obeso
se pesava todo mês,
mas largou de ver o peso...
da balança se desfez!
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MAGNÍFICOS TROVADORES

Tema: Confronto (Líricas/Filosóficas)

Conjunto de 5 trovas


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VENCEDORES
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1. Lugar
PEDRO MELO
União da Vitória/PR


Sou peão que, em desatino,
não viu que estava iludido...
Contra o touro do destino,
todo confronto é perdido...!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

A briga passa do ponto,
mas nosso beijo a termina...
O amor, depois de um confronto,
é movido a adrenalina...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Eu tenho a resposta pronta
e digo que o Amor é findo...
Mas o espelho me confronta...
e sabe que estou mentindo...!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

A folha em branco é cruel...
O Nada é a sua artimanha...
Ao confrontar o papel,
nem sempre o poeta ganha...!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Tanto a Maldade se eleva
num mundo contrário e horrendo,
que, em confronto com a Treva,
hoje é a Luz que está perdendo...
- - - - - - - - - - - - - - - -   

2. Lugar
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP


Não confrontei a paixão,
fugi, prevendo o perigo...
Magoado, meu coração
nunca mais falou comigo...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Antes de dar os descontos
a uma culpa que carrego,
preciso calar confrontos
que atingem meu “ponto cego”...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Os confrontos decididos
no calor dos cobertores
mostram, no fim, dois vencidos
com ares de vencedores!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Esse confronto que eu travo
comigo mesmo é pungente:
toda vez que as mãos eu lavo,
vejo um Cristo à minha frente...
- - - - - - - - - - - - - - - -  

“Nunca mais” é “não” à beça,
você sabe: o tempo voa!
Nosso confronto tem pressa
de definir quem perdoa!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

3. Lugar
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG


Nos desafios do amor,
confrontar eu não confronto;
me declaro perdedor,
entrego os pontos e pronto!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Para que fui recordar
o passado de repente.
Não se pode confrontar
a saudade impunemente!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Cansado de confrontar
e sem vitória nenhuma,
estende na praia o mar
brancas bandeiras de espuma.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

O poeta nasce pronto
mas só se sente completo
vivendo o eterno confronto
com as letras do alfabeto.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

No amor encerro os confrontos
mas a saudade quer mais
e acrescenta outros dois pontos,
após meus pontos finais!
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MAGNÍFICOS TROVADORES

TROVAS ISOLADAS


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VENCEDORES
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1. Lugar
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP

Não confrontei a paixão,
fugi, prevendo o perigo...
Magoado, meu coração
nunca mais falou comigo...

2. Lugar
PEDRO MELO
União da Vitória/PR

A folha em branco é cruel...
O Nada é a sua artimanha...
Ao confrontar o papel,
nem sempre o poeta ganha...!

3. Lugar
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA
São Paulo/SP

Tomado de insanidade,
num etéreo Coliseu,
eu confrontei a Saudade,
e a Saudade me venceu.
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MAGNÍFICOS TROVADORES

Tema: Cilada (Humorísticas)

CONJUNTO DE 5 TROVAS


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VENCEDORES
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1. Lugar
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP


Cilada: veio a polícia
e uma militar (loiraça!)
me agarrou (Ai, que delícia!)
e algemou (Ai, que sem graça!)
- - - - - - - - - - - - - - - -  

- Amante no guarda-roupa?
É cilada e eu não sou tonto.
Ah, mulher, vê se me poupa:
me apresenta o cara e pronto!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Cilada, boa, não nego:
gêmeas, esposa e cunhada,
sei quem é quem, quando eu pego,
porque esta tem mais pegada!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Um perfume conhecido
passou por minha janela...
Que cilada: era o marido
usando o perfume dela!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

A gravidez da empregada
me põe de cabelo em pé;
tá na cara que é cilada:
se o pai não é o pai... quem é???!
- - - - - - - - - - - - - - - -   

2. Lugar
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA
São Paulo/SP


Foi de mão dupla a cilada
entre a Vovó e o Gatão:
ela, toda endividada;
e, ele, sem nenhum tostão.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Uma cilada fatal
o fez, no abismo, cair:
ele, morreu no hospital;
e, a sogra, morreu... de rir.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Transbordando seu veneno,
arma a cilada; e eu desdenho:
que a cobra é peixe pequeno,
perto da sogra que eu tenho.
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Era perfeita a cilada
para caçar o leão...
Mas, por uma vacilada,
hoje, jaz um vacilão!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

Ela: mal-intencionada...
Ele: idoso e milionário...
Ele: notou a cilada...
Mas otário... é sempre otário!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

MAGNÍFICOS TROVADORES
 
TROVAS ISOLADAS

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VENCEDORES
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1. Lugar
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP

- Amante no guarda-roupa?
É cilada e eu não sou tonto.
Ah, mulher, vê se me poupa:
me apresenta o cara e pronto!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

2. Lugar
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP

Um perfume conhecido
passou por minha janela...
Que cilada: era o marido
usando o perfume dela!
- - - - - - - - - - - - - - - -  

3. Lugar
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

Que cilada a da vizinha:
toda vez que à praia vem,
põe biquini de bolinha
mas não dá bola a ninguém!

Humberto de Campos (As "meninas")

Há páginas de literatura tão de acordo com a verdade, com as lições severas e surpreendentes da vida, que a gente se fica, às vezes, a pensar horas e horas em semelhante duplicidade. Essa curiosa surpresa tenho-a eu tido de vez em quando, e tive-a ontem, mais uma vez, após uma leitura meticulosa da viagem feita por Stendhal à Suíça no ano de 1821.

Os jornais do Rio de janeiro aparecem, como é sabido, cheios, diariamente, de notícias de roubos, de assaltos audaciosos, à luz do dia ou no silêncio da noite, à propriedade alheia. Não se abre nesta capital uma folha da manhã, ou da tarde, sem encontrar a descrição da escalada de um muro ou de uma janela, por um dos numerosos ladrões que perturbam, zombando da policia, o sossego da cidade.

- É uma calamidade, conselheiro! - dizia-me, na tarde de ontem rumo da sua casa, onde íamos jantar com as suas exmas. filhas, o comendador Fulgêncio Gadelha da Cunha. - Raro é o mês em que me não penetra um gatuno no quintal, carregando-me com as galinhas, com os vasos de planta, com a roupa do tanque, enfim, com tudo que lhe fica ao alcance. Já não sei mais o que faça!

- O comendador não tem cachorros no quintal? - indaguei, penalizado daquela queixa.

O velho comerciante virou-se para mim e protestou, sacudindo a cabeça:

- Eu? Não!

- Pois, olhe, - insisti - se o senhor tivesse um ou dois cachorrões de raça, desses cães de guarda destinados a defender as habitações, ninguém lhe penetraria, sequer, no jardim, fora de horas.

- Deveras? - tornou o velho.

Eu confirmei, e ouvi, com espanto, esta resposta absolutamente inesperada:

- Nesse caso, não os quero.

- Nos os quer? - estranhei, arregalando os olhos.

- Absolutamente. Porque, se eu puser cachorros no quintal...

E concluiu, ao meu ouvido, rindo, e piscando um olho:

- As meninas... não se casam!

Nesse momento penetrávamos, os dois, no jardim da casa, onde uns pedreiros haviam deixado, por esquecimento, há seis meses, uma escada encostada ao prédio, ao lado, exatamente, da janela das "meninas"…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

sábado, 16 de abril de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 2

 

Leandro Bertoldo Silva [(Des)encontro]

Costuma-se dizer que ouvir conversa alheia é falta de educação. Concordo. Mas e quando a conversa vem até você? Vinícius de Moraes já dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”. Vinícius era poeta ou profeta? Seguramente os dois. Não sei em quais circunstâncias os escritores, músicos, compositores criam suas obras… Humm, está certo! Não posso dar-me como o poeta de Pessoa a fingir dores ou mesmo dissabores! É porque durante certo período acreditava que esses magos da palavra entravam em estado de nirvana, banhavam-se em algum rio ou subiam alguma espécie de montanha imaginária, talvez até real, e acessavam o ápice da criação. Deuses da palavra ou escultores da controvérsia: eis a questão para, como Shakespeare, ficar entre o ser e o não ser. Todas essas possibilidades, porém, caíram por terra frente o acaso do meu copo de cerveja pousado ao lado do meu bloco de notas em um bar de quinta, onde tentava, até então em vão, escrever seja lá o que fosse a fim de tornar-me o novo best seller, como se isso representasse alguma coisa…

“Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para ser percebida. Nem assim conseguia.”

Foi o que ouvi dito por uma mulher, muito bonita por sinal, a um homem supostamente seu marido ao se aproximarem da mesa em que eu estava. Não digo isso pelas alianças em seus dedos, mas pela experiência mística — porque não há outra forma de definir aquilo — revelada bem ao alcance dos meus olhos e ouvidos. Eles ainda nem tinham se sentado à mesa ao lado quando, ao fazerem, presenciei um curtíssimo diálogo ou, pelo menos, uma tentativa iniciada por aquela pérola de declaração muito, muito verdadeira:

— Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para ser percebida. Nem assim conseguia.

— Como?!

— Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para…

— O que? Só um minuto, por favor, o celular… […] Sim, agora pode falar.

— Certa vez, a rosa se enfeitara…

— Nossa, lembrei que tinha que ter postado aquela foto ontem! Desculpe, meu bem… Então…

— Certa vez, a rosa se…

— Preciso trocar esse telefone… Ah, desculpe. O que estava mesmo dizendo?

— Certa vez…

— Será que pedimos batata frita ou macarrão na chapa? Bem, parece que você estava dizendo alguma coisa…

— Certa… mente.

— O que?

— Nada. Quero ir embora.

— Você é sempre assim! Depois diz que não te dou atenção…

Saíram tão rápido quanto chegaram. Terminei meu copo de cerveja, guardei meu bloco de notas, paguei a conta e fui-me embora com essa — meu estado de nirvana — cantarolando o “Samba da bênção” enquanto outros best sellers da vida provavelmente estariam a serem escritos por aí, ou, quem sabe, cantados.

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração…

A bênção, Vinícius.

“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe…”

Moreira Cardoso (Caderno de Trovas)


Contemplando as suas águas
a saudade vem-me então,
Capibaribe de mágoas
dentro do meu coração.
= = = = = = = = = = =

De tanto amar-te, Maria,
já não comporto este amor.
Tão grande é minha alegria
que eu invejo os que têm dor!...
= = = = = = = = = = =

De verme tu me chamaste
por eu ter-te contemplado.
Tu mesma me desculpaste,
inda te fico obrigado...

E ante o insulto fico inerte,
pois se olhei-te, assim de rastros,
é que o verme pra ser verme
precisa olhar para os astros.
= = = = = = = = = = =

Do amor a fera agonia
obriga a quem tem amor,
a ver na dor - alegria -
e a ver n'alegria dor.
= = = = = = = = = = =

Do que amantes hão contado
não se duvides porque
olhares de namorado
veem coisas que ninguém vê.
= = = = = = = = = = =

Lua, pandeiro de prata,
gemendo às mãos do infinito,
seja, ao fim da serenata,
pra ti meu último grito.
= = = = = = = = = = =

Maria, foge aos luares,
que em noites de lua cheia,
desata a lua os pesares
quando no espaço passeia.
= = = = = = = = = = =

Não sei, tão grande parece
a tristeza que padeço,
se a tristeza me entristece
ou se à tristeza entristeço! ...
= = = = = = = = = = =

Não tendo sal, a comida
não presta a qualquer pessoa;
precisa ter sal a vida,
pra que a vida seja boa.
= = = = = = = = = = =

No coração, disse um santo,
origens a mágoa tem.
Se vem da mágoa o teu pranto,
tua mágoa donde vem?
= = = = = = = = = = =

O céu é fita azulada;
e a lua, que em cismas fito,
é medalha pendurada
no pescoço do infinito.
= = = = = = = = = = =

O pesar tem tal voragem
que o prazer não tem valor,
não sendo mais que a passagem
de uma dor para outra dor.
= = = = = = = = = = =

O rio Capibaribe,
que é rio do meu país,
quando aos luares se exibe
sempre me faz infeliz.
= = = = = = = = = = =

Os corações namorados
devem a lua evitar:
são tanto mais desgraçados
quando mais lindo o luar!
= = = = = = = = = = =

Por mais que tentes, senhora,
tirar-me sempre a esperança,
mais a paixão me devora
e mais tormentos me lança.

Pois este amor que me inspira
é cova, mal comparando,
que tanto mais se lhe tira
tanto maior vai ficando.
= = = = = = = = = = =

Pra minha tristeza crua,
busco amparo em que me açoite,
tomando banhos de lua
dentro do tanque da noite.
= = = = = = = = = = =

Quando tu choras, me espanto
e os meus olhos se enchem d'água!
Vem a magoa de teu pranto,
não vem teu pranto da mágoa.
= = = = = = = = = = =

Que calor em teus olhares!...
Em teus lábios, que vulcão!...
Porém, para meus pesares,
que gelo em teu coração!...
= = = = = = = = = = =

Quem espera não é santo,
pois eu tanto te esperei
que assim, de esperar-te tanto,
desesperado fiquei.
= = = = = = = = = = =

Que no amor tudo se negue
pois se uma alma amorosa
pode ver a dor, alegre,
e a ventura, dolorosa.
= = = = = = = = = = =

Se o nosso pranto é salgado,
nosso pranto não faz mal,
quem nunca tiver chorado
não presta, pois não tem sal.
= = = = = = = = = = =

Tenho sofrido bastante...
Porém, quando penso em ti,
da dor me vejo distante.
Nem me lembro que sofri.

Fonte:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.

Aparecido Raimundo de Souza (Coriscando) 23: Conversa de beira de piscina

Ananias (muito sério e com a fala compenetrada):

— Bertolto, meu amigo, deixa eu te contar, antes que me esqueça. Achei hilária a cena, até certo ponto. Depois cheguei a conclusão que a pessoa era completamente fora do juízo normal...

Bertolto (abrindo a caixa da abelhudice):

— Estou me mordendo de curiosidade. Vamos, canta a parada.

— No sábado fui almoçar na casa de um amigo meu, o Buferato, que não via há uns seis meses. Chegando lá, na hora dos comes e bebes, me deparei com um rapaz de modos estranhos. Fiquei passado como ele comia...

Bertolto (mostrando um espanto meio zombeteiro):

— Como assim passado, Ananias? Acaso o sujeito enfiava a comida pelos buracos do  nariz?

Ananias (furioso, com a observação maldosa):

— Fala sério, Bertolto. Tudo você leva na brincadeira... que saco!

Bertolto (apaziguando o amigo):

— Pra descontrair, meu prezado. Ok. Tá legal. Me perdoa. Por que ficou passado?

— Acredita que a criatura devorou, de uma só vez, na minha frente e diante de meus olhos esbugalhados e, claro, de outros figurões à mesa posta, dois bifes à milanesa sem fazer uso do garfo e da faca?

Bertolto (coçando o lóbulo da orelha direita e querendo rir):

— De que maneira? Com as mãos?  

Ananias (mais sério que lagartixa na parede):

— Com os cotovelos... e o mais espetaculoso. Com uma destreza jamais vista. Confesso à você, nunca me deparei com uma coisa igual. O sujeito é um gênio. Pelo menos eu o vi assim e o elegi herói. Não fosse estar envergonhado, e espantado, eu me levantaria do meu assento e daria os parabéns à ele.

Bertolto (novamente pretendendo cair na gargalhada e ponderando as palavras a serem ditas):

— Admiro você, meu caro Ananias, um homem viajado, chamar a isso, ou achar tal cena de comer fazendo uso dos cotovelos de modo estranho. Não vejo nada demais ou de anormal. Cada louco com a sua mania. Grosso modo, cada mania com seu louco. Eu mesmo adoro encher a barriga sem usar os apetrechos  normais. Você sabe disso. É feio? Sim!  É chato? Também! Pareço um neurastênico recém saído de algum manicômio. Entretanto, você que me conhece não é de hoje, tem pleno conhecimento de minha tara, e, inclusive, já cansou de me ver fazendo as refeições com os pés. Eu adoro comer com os pés...

— Concordo plenamente com você, Bertolto. Cada louco com a sua mania. Penso como você, ou seja, também sou adepto de comer dessa forma bem primitiva. Com os pés. Lembra meus pais e avós. Que Deus os tenha...

— Eles também comiam com os pés?

Ananias (rindo de maneira ponderada com a observação feita pelo amigo):

— Se liga, Bertolto. Eles nunca deixaram os pés em algum lugar escondido da casa, para se sentarem à mesa.

Bertolto (muito sério demonstrando não ter gostado nem um pouquinho da insinuação):

— Deixa de ser palhaço, Ananias. Não se faça de idiota. Você está mudando o rumo da prosa. Não respondeu ao que perguntei. E pior: por que todo esse espanto e alvoroço desnecessários com o pobre do indivíduo matando a sua fome com os cotovelos?

Ananias (voltando à seriedade e se fechando em copas):

— É que depois desse fato, o infeliz fez algo que considerei inusitado. Pasme, Bertolto. A figura mandou para dentro da barriga o garfo e a faca misturados com feijão  tropeiro, arroz, farinha de mandioca acompanhado de um copo de refrigerante.

Bertolto (desta feita, o olhar interrogativamente cético):

— Credo! Ai, realmente tenho que concordar com você. A coisa passou dos limites. Se você não estiver me sacaneando com suas pegadinhas... que situação incrível! Apenas uma pulguinha atrás da orelha me intriga. Peço que me esclareça esse pormenor. O abestalhado, em nenhum momento passou mal, ou, sequer se atrapalhou com essas peças?

— A certa altura, sim.

— Entendo!  E como foi?

— Imagine!

— Estou tentando desenhar um quadro da cena no interior de minha mente. Contudo,  realmente, não faço a mínima.

— Pense, Bertolto... cabeça não foi feita só pra usar chapéu... e juntar caspas...

— Sem chance. Fala de uma vez. Como o desajuizado se saiu dessa? Engasgou, se entalou, sei lá...?

— Na verdade, Bertolto, ele se sufocou. Igual quando uma espinha de peixe empaca no gogó. Começou a virar os olhos, ficou branco... passou a não respirar. Meu chapa, pensei com meus botões: esse doido varrido vai empacotar. Precisaram chamar o SAMU...

Bertolto (coçando a cabeça e tentando digerir aquele papo furado):

— Não enrola. Parta para os finalmentes, Ananias. Em consequência de todo esse vexame, como a confusão acabou...?

— Os socorristas conseguiram pinçar o garfo e a faca.

Bertolto (Soltando um suspiro de alívio):

— Graças à Deus! Dos males, o pior.

— Engano seu. Em questão de segundos tudo mudou da água para o vinho...

— Desenhe. Estou voando... acho que você está tirando uma com a minha cara...

— Jamais faria isso, Bertolto. O que estou lhe falando é a mais pura verdade.

— Ok. Então fale com mais clareza.

— Vou tentar...

— Estou esperando...

— No segundo à frente, Bertolto,  após um breve descuido dos socorristas, o maldito do rapaz engoliu o estetoscópio... e, de lambuja, o aparelho de medir pressão…

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Estante de Livros (Helena, de Machado de Assis)


Livro publicado em 1876. Ele se enquadra no gênero romance urbano. A história se desenvolve em redor de um amor proibido e da profanação de um dogma religioso.

Conselheiro Vale era um homem rico, com um caso amoroso com uma mulher que havia migrado do Rio Grande do Sul, possuindo uma filha, Helena, a qual ele adota. Morre, e em seu testamento declara que Helena era sua filha e que ela devia ter seu lugar na família. Todos acreditam nisso, mas Helena sabe que não é na realidade sua filha, mas querendo ascender socialmente aceita isso. À princípio, D. Úrsula reage com um certo preconceito à chegada de Helena, mas no decorrer do tempo vai ganhando o amor de D. Úrsula. Estácio era um bom filho, e faz a vontade do pai sem questionar.

Dr. Camargo acha aquilo um absurdo, pois ele queria casar sua filha, Eugênia, com Estácio para que eles se tornassem ricos às custas do dinheiro de Estácio, e mais um familiar só iria diminuir a parte da herança de Estácio. Padre Melchior, outro velho amigo da família e orientador espiritual, era conivente com o médico em seus propósitos. Também apoiava a ideia da união conjugal das duas famílias e tentou de tudo para dissuadir Estácio de sua rejeição à proposta do Doutor.

Helena toma seu lugar na família como uma mulher de fibra, uma verdadeira dona de casa, cuida muito bem de sua nova família, dirige a casa melhor do que D. Úrsula o fazia, e impressiona não só a família como toda a sociedade em geral, porque além de ser uma mulher equilibrada como poucas que existiam, era linda, sensível e rica. Em uma ocasião, o destino conspira a favor de Helena. Dona Úrsula adoece e a jovem cuida dela como se fosse sua própria mãe. A garota não se afastava um momento de seu lado, sempre entregue ao bem-estar da doente. Após se restabelecer, a tia passa a vê-la de outra forma e começa a cuidar dela como se Helena fosse sua própria filha. A partir dessa data Úrsula providenciou todo conforto para a jovem.

Ao longo da narrativa, Helena vai impressionando mais e mais Estácio, que acaba se apaixonando por ela, assim como ela por ele. Aí vem o X da questão, de um lado Estácio, se martirizando por estar apaixonado por sua suposta irmã, o que é um pecado, e do outro, Helena, apaixonada por Estácio. Esta sabia da verdade, mas não podia abandonar tudo e ficar com ele, já que tinha recebido uma fortuna de herança. Amigo de longa data de Estácio, Luís Mendonça, retornara do continente europeu e chega ao Brasil. Mendonça se apaixona por Helena, sempre incentivado pelo Padre Melchior. Ele já pensava em se casar com a jovem.

A família de Helena possuía uma chácara com um casarão, onde Helena costumava visitar sempre. Estácio saiu à caça de algum animal e acabou se ferindo. Então foi até o casarão pedir socorro. Ali um homem muito afável o recebeu, limpou os ferimentos de Estácio e contou que vivia na pobreza e por isso não tinha como ajudá-lo. O jovem vê seu anfitrião e seus temores crescem. Helena estará traindo a confiança de todos e se relacionando com esse indivíduo? Ou seu amante será o escravo?  Ele parte com essas dúvidas na mente e decide ir até o Padre, que ouve o rapaz e o acusa de estar alimentando um sentimento incestuoso. Ele afirma que o melhor caminho para eles é Helena se unir a Mendonça, pois assim os sentimentos de Estácio se tranquilizariam.

Estácio vai até o casarão. O homem se apresenta como Salvador e conta toda a história. Surpreende Estácio ao lhe revelar que Helena era sua filha, não de Conselheiro Vale, e toda a história da vida de Helena até ali. O homem morava com a mãe de Helena, Ângela, e ambos viviam na miséria. Eles sobreviveram graças a alguns bicos e às vezes passavam fome. Helena era sua filha verdadeira, não de Vale. Ela era a alegria de sua vida. Ele foi obrigado a fazer uma viagem que se prolongou por muito tempo. Assim que voltou, descobriu que sua mulher estava casada com o Conselheiro Vale. Ele ficou perdido e foi à procura de Ângela, exigindo que a filha ficasse com ele. A mãe dela respondeu aflita, alegando que em sua companhia a garota poderia estudar e ter mais futuro.  Ele então aceitou seu destino e partiu, mas sempre a observava à distância. Por sua vez, Vale acreditava que Salvador estava morto e, dessa forma, resolveu educar a menina como se fosse sua filha. Antes da morte de Ângela, ele procurou sua filha, então com 12 anos, e contou a verdade. Porém não queria se contrapor aos projetos de sua ex-esposa e sumiu mais uma vez. Vale tinha morrido e ele tinha certeza de que Helena ganharia parte da herança. Salvador sabia que teria de ficar longe dela. Ele fez tudo isso para que a filha não sofresse na vida, como ele e Ângela. A condição para Salvador era de nunca mais procurar Helena.

Todos optam por deixar tudo como está, até o casamento de Helena e Mendonça, mas ele rejeita a moça. Helena só deseja ficar longe de todo mundo. Mergulhada na solidão e na tristeza, ela após uma chuva forte fica debilitada, à beira da morte. Estácio, tomado por seu forte amor vai cuidar de Helena e lhe faz essa declaração. Helena morre. Estácio não se conforma. Úrsula também sofre com a partida da garota. Ela morre deixando dor e saudades nos corações de todos.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 05

 
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Milton S. Souza (Uma cadeira vazia)

Simbolizando a ausência do filho que o destino levou para longe, há mais de 10 anos, uma cadeira vazia dava um toque de tristeza nas refeições daquela humilde família do Passo da Caveira, em Gravataí. A decisão tinha sido da mãe: o lugar preferido do garoto não seria ocupado até que ele voltasse para casa. Mas o tempo ia passando, passando, e nem notícias do seu eterno “menino”.

O marido e os outros três filhos menores não concordavam, mas aceitavam a saudade da mãe. Saudade que virava pranto nas madrugadas, quando acordava sonhando com o filho e ficava de joelhos, rosário entre as mãos, mandando orações aos céus para garantir saúde e proteção para o seu “menino”.

Nestas horas, relembrava a história do garoto: aos 16 anos, se envolveu com drogas e com amigos bastante suspeitos. Foi parar na delegacia. A vergonha de encontrar o filho enjaulado foi substituída pelo medo, quando ela ouviu as duras palavras do delegado: “Se a senhora não quer ver o seu filho no cemitério, leve ele para bem longe da nossa cidade, pois não vai sobrar ninguém desta quadrilha de traficantes”.

O delegado estava certo. Os “amigos” do filho começaram a aparecer mortos nos becos da vila. “Desacerto entre traficantes causa mais uma morte”, repetia a manchete do Correio de Gravataí. E a pobre mãe ficava cada vez mais apavorada: o filho poderia ser o próximo. A decisão de mandar o rapaz para morar com uma irmã dela, em Cuiabá, no Mato Grosso, foi conjunta com o pai e aceita pelo o filho, que já estava consciente dos perigos que corria.

O embarque aconteceu na noite de Natal, na rodoviária de Porto Alegre. Quando o ônibus iniciou aquela viagem de mais de 40 horas, o coração da mãe disparou. Ela sabia que tão cedo não veria mais o seu “menino”. Nos primeiros meses ainda conseguiu falar por telefone com o rapaz, hospedado na casa da irmã. Um dia, porém, ficou sabendo que ele havia sumido. A história se repetia: o rapaz voltou a usar drogas e trilhar o mau caminho. Quando se sentiu ameaçado, fugiu sem deixar rastros. E ninguém mais soube dele...

Na noite do último Natal, não tinha festa na casinha do Passo da Caveira: o pai, desempregado, não conseguira comprar presentes para os filhos. O que a mãe ganhava com as faxinas dava somente para a comida. Apesar disso, tinham saúde.

Jantavam, pelas 11 horas da noite, quando um carro, dirigido por uma mulher, parou no portão da casa. Um Papai Noel, gordo e desajeitado, desceu e foi pedindo licença para entrar. A moça explicou que estavam entregando presentes para famílias carentes.

O Papai Noel entrou na casa humilde e sentou exatamente naquela cadeira que ficava eternamente vazia. Ela até ia protestar, mas foi impedida pelo marido. Antes de entregar os presentes para cada uma das crianças, o Papai Noel perguntava o nome, idade e outros detalhes. Por alguns segundos, os olhos que estavam por trás da máscara se cruzaram com os olhos daquela mãe sofrida. E ela sentiu um calafrio. Foi exatamente naquele momento que o Papai Noel, pegando nas mãos um pacote colorido, chamou pelo seu nome. Quando ela se aproximou, sem nem notar que o “velhinho” sabia o seu nome, o Papai Noel não aguentou mais: retirou a máscara e abraçou, em prantos, a mãe que não via há mais de 10 anos.

Choraram juntos, pai, mãe e filho, neste reencontro inesperado. Parecia um milagre de Natal. Em poucos minutos, tudo foi esclarecido: a moça que dirigia o carro era a esposa do filho, considerada por ele a responsável pelo seu afastamento do mau caminho. Moravam em São Paulo, estavam bem de vida, e resolveram voltar a Sul exatamente na noite de Natal, para terminar com aquela longa saudade. Nem foi preciso botar mais água no feijão: o filho trouxera um estoque de comidas prontas para garantir a ceia de Natal.

Ainda estavam abraçados, chorando, quando os primeiros rojões subiram aos céus avisando que o Deus Menino estava nascendo nos lares de Gravataí. E que um “menino”, que sempre foi deus no coração daquela mãe, já ocupava o seu lugar na mesa, onde não havia mais nenhuma cadeira vazia...

Manuel du Bocage (Sonetos) VII

De cima dessas pedras escabrosas
Que pouco a pouco as ondas têm minado,
Da lua co’ reflexo prateado
Distingo de Marília as mãos formosas:

Ah! Que lindas que são, que melindrosas!
Sinto-me louco, sinto-me encantado;
Ah! Quando elas vos colhem lá no prado,
Nem vós, lírios, brilhais, nem vós, oh rosas!

Deuses! Céus, tudo o mais que tendes feito
Vendo tão belas mãos, me dá desgosto;
Nada, onde elas estão, nada é perfeito.

Oh! Quem pudera uni-las ao meu rosto!
Quem pudera aperta-las no meu peito!
Dar-lhe mil beijos, e expirar de gosto!
= = = = = = = = = = = = =

Já o Inverno, espremendo as cãs nervosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao Polo em serras escumosas;

Oh, benignas manhãs! Tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias,
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minh'alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias
Da estação, que remoça a Natureza.
= = = = = = = = = = = = =

Mimosa, linda Anarda, atende, atende
Às doces mágoas do rendido Elmano;
C’um meigo riso, c’um suave engano
Consola o triste amor, que não te ofende.

De teus cabelos ondeados pende
Meu coração, fiel para seu dano,
Co’a luz dos olhos teus Cupido ufano
Sustenta o puro fogo, em que me acende.

Causa gentil das lágrimas que choro,
A tudo te antepõe minha ternura,
E quanto adoro o céu, teu rosto adoro:

O golpe, que me deste, anima e cura...
Mas ai! Que em vão suspiro, em vão te imploro:
Não pertence a piedade à formosura.
= = = = = = = = = = = = =

O Céu não te dotou de formosura,
De atrativo exterior, e a Natureza
Teu peito infeccionou co’a vil torpeza
De ingrata condição, falaz e impura.

Influiu-me os extremos da ternura
A Constância, o fervor, e a singeleza,
Esses dons mais gentis que a gentileza,
Dons, que o tempo fugaz não desfigura.

Apesar da traição , do fingimento
Que te inflama, e desluz, se envela e para
Em ti, alma infiel, meu pensamento;

Nas paixões a razão nos desampara,
Se a razão presidisse ao sentimento,
Tu morrerás por mim, eu não te amara.
= = = = = = = = = = = = =

O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura,
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia.

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia.

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glórias que consigo,
A deusa das paixões, e de Citera:

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
= = = = = = = = = = = = =
Fonte:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. SP: FTD, 1994. Disponível na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro