sábado, 16 de abril de 2022

Moreira Cardoso (Caderno de Trovas)


Contemplando as suas águas
a saudade vem-me então,
Capibaribe de mágoas
dentro do meu coração.
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De tanto amar-te, Maria,
já não comporto este amor.
Tão grande é minha alegria
que eu invejo os que têm dor!...
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De verme tu me chamaste
por eu ter-te contemplado.
Tu mesma me desculpaste,
inda te fico obrigado...

E ante o insulto fico inerte,
pois se olhei-te, assim de rastros,
é que o verme pra ser verme
precisa olhar para os astros.
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Do amor a fera agonia
obriga a quem tem amor,
a ver na dor - alegria -
e a ver n'alegria dor.
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Do que amantes hão contado
não se duvides porque
olhares de namorado
veem coisas que ninguém vê.
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Lua, pandeiro de prata,
gemendo às mãos do infinito,
seja, ao fim da serenata,
pra ti meu último grito.
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Maria, foge aos luares,
que em noites de lua cheia,
desata a lua os pesares
quando no espaço passeia.
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Não sei, tão grande parece
a tristeza que padeço,
se a tristeza me entristece
ou se à tristeza entristeço! ...
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Não tendo sal, a comida
não presta a qualquer pessoa;
precisa ter sal a vida,
pra que a vida seja boa.
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No coração, disse um santo,
origens a mágoa tem.
Se vem da mágoa o teu pranto,
tua mágoa donde vem?
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O céu é fita azulada;
e a lua, que em cismas fito,
é medalha pendurada
no pescoço do infinito.
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O pesar tem tal voragem
que o prazer não tem valor,
não sendo mais que a passagem
de uma dor para outra dor.
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O rio Capibaribe,
que é rio do meu país,
quando aos luares se exibe
sempre me faz infeliz.
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Os corações namorados
devem a lua evitar:
são tanto mais desgraçados
quando mais lindo o luar!
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Por mais que tentes, senhora,
tirar-me sempre a esperança,
mais a paixão me devora
e mais tormentos me lança.

Pois este amor que me inspira
é cova, mal comparando,
que tanto mais se lhe tira
tanto maior vai ficando.
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Pra minha tristeza crua,
busco amparo em que me açoite,
tomando banhos de lua
dentro do tanque da noite.
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Quando tu choras, me espanto
e os meus olhos se enchem d'água!
Vem a magoa de teu pranto,
não vem teu pranto da mágoa.
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Que calor em teus olhares!...
Em teus lábios, que vulcão!...
Porém, para meus pesares,
que gelo em teu coração!...
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Quem espera não é santo,
pois eu tanto te esperei
que assim, de esperar-te tanto,
desesperado fiquei.
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Que no amor tudo se negue
pois se uma alma amorosa
pode ver a dor, alegre,
e a ventura, dolorosa.
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Se o nosso pranto é salgado,
nosso pranto não faz mal,
quem nunca tiver chorado
não presta, pois não tem sal.
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Tenho sofrido bastante...
Porém, quando penso em ti,
da dor me vejo distante.
Nem me lembro que sofri.

Fonte:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.

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