sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Guy de Maupassant (O Guarda)

 


Contavam-se aventuras e desastres de caça, no fim de jantar. Um velho amigo de todos nós, o sr. Boniface, grande matador de bichos e grande bebedor de vinho, homem robusto e alegre, cheio de espírito, bom senso e filosofia, de uma filosofia irônica e resignada, manifestando-se por patuscadas provocantes e nunca por tristezas, — disse de repente:

— Sei eu uma história de caça, ou antes um drama de caça, bem singular. Não se parece nada com o que nesse gênero se conhece; e nunca portanto o contei, pensando que a ninguém divertiria. Não é simpático, percebem? Quero eu dizer que não tem essa espécie de interesse que apaixona, que seduz, ou que comove agradavelmente. Mas enfim, lá vai.

Tinha eu então os meus trinta e cinco, e caçava como um danado. Possuía nesse tempo uma propriedade muito isolada nos arredores de Jumièges, cercada de matas, esplêndida para lebres e coelhos. Só lá ia passar quatro ou cinco dias por ano, porque a instalação me não dava para levar um amigo. Tinha eu lá metido por guarda um gendarme reformado, bom homem, violento, ríspido em cumprir as ordens, terrível para os caçadores furtivos, homem que não devia nem temia. Morava sozinho, longe da aldeia, numa casinha, ou antes casebre, composto de cozinha e despensa em baixo, e de dois quartos no primeiro andar. Um deles, espécie de edícula em que cabiam ao certo uma cama, um armário e uma cadeira, era-me reservado. O tio Cavalier ocupava o outro.

Dizendo que morava sozinho na casa, exprimi-me mal. Tinha consigo um sobrinho, um malandrinho de catorze anos que ia às compras à vila, distante três quilômetros, e ajudava o velho nos seus trabalhos cotidianos. Esse garoto, comprido e magro, um pouco adunco, tinha o cabelo loiro como uma penugem de franga depenada, tão raro que parecia calvo. Pés enormes e mãos gigantes, mãos de colosso. Entortava um pouco a vista, e nunca encarava ninguém. Na raça humana, fazia-me o efeito dos bombardeiros entre os irracionais. Ou era doninha ou raposa, o maroto.

Dormia num desvão ao cimo da escada; mas durante as minhas estadas no Pavilhão, — nome que eu dava ao casebre — o Mário cedia o seu nicho a uma velhota de Ecorcheville, chamada Celeste, que me vinha fazer a comida, porque os pitéus do tio Cavalier eram uma desgraça. Conhecem, pois, os personagens e o local. Agora, aí vai a ventura:

Foi em 1854, 15 de outubro, — lembro-me bem, e nunca me esquecerei. Parti de Ruão a cavalo, seguido do meu cão Bock, perdigueiro magnífico do Poitou, largo de encontros e ladrador, que flanava pelos silvados como um gozo de Pont-Audemer. Levava eu na garupa o saco de viagem, e a tiracolo a espingarda. Dia frio, de ventania triste, com nuvens sombrias a correrem pelo céu fora. Subindo a ladeira de Cinteleu, olhava o largo vale do Sena, que o rio atravessava até ao horizonte, com sinuosidades de serpente. À esquerda, Ruão perfilava no céu todos os seus campanários, e à direita, estacava o olhar nas encostas longínquas, cobertas de mato. Atravessei depois a mata de Roumare, ora a passo ora a trote, e por volta das cinco cheguei ao Pavilhão, onde o tio Cavalier e a tia Celeste me esperavam.

Havia dez anos que eu me apresentava da mesma forma na mesma época, e que as mesmas bocas me saudavam com as mesmas palavras.

— Viva, meu senhor. O meu senhor tem passado bem?

O Cavalier estava o mesmo. Resistia ao tempo como uma velha árvore; mas a Celeste, especialmente de quatro anos àquela parte, nem parecia a mesma. Tinha-se quebrado ao meio, e, bem que sempre videira, andava, com o corpo tão dobrado que fazia quase um ângulo reto com as pernas. Muito dedicada, a velha parecia sempre alvoroçadíssima quando me via, e dizia-me sempre à despedida:

— Lembrar-me eu que talvez o não torne a ver meu rico senhor!

E essa despedida consternada, tímida, da pobre criada, essa resignação sem esperança perante a morte inevitável e decerto próxima para ela, bulia sempre comigo, de um modo esquisito. Apeei-me pois, e enquanto o Cavalier, a quem eu tinha apertado a mão, levava a cavalgadura para o telheiro (abrigo de animais) que lhe servia de estrebaria, entrei, seguido da Celeste, na cozinha, que também servia de sala de jantar.

O guarda lá foi depois ter conosco. Vi num relance que não vinha bem. Parecia preocupado, constrangido, inquieto. Disse-lhe:

— Então, Cavalier? Corre tudo a seu gosto?

Ele murmurou:

— Assim... assim... Há só uma coisa que me não agrada.

Perguntei:

— O que é? Conte lá isso.

Mas ele abanava a cabeça:

— Nada, por ora não, meu senhor. Não o quero incomodar logo à chegada, com as minhas rabugices.

Eu insisti, mas ele recusou absolutamente contar-me antes de jantar o que havia. Pela cara dele, contudo, eu bem via que a coisa era séria. Sem saber que dizer-lhe, pronunciei:

— É a respeito de caça? Temo-la por cá?

— Ora! É o que falta... Tem caça para dar e vender. Graças a Deus, eu cá andei de olho à
mira.

Dizia isto com tanta gravidade, com uma gravidade tão aflita, que chegava a ser cômica. Parecia mesmo que lhe caíam do beiço os grandes bigodes grisalhos. De repente, fiz reparo em que ainda não tinha visto o sobrinho:

— E o Mário? Que é feito dele? Porque se não mostra?

O guarda teve uma espécie de sobressalto, e encarando-me:

— Pois aí está, meu senhor, mais vale contar-lhe já o caso. Antes isso, é por causa dele que eu ando apoquentado.

— Olá! Então onde está ele?

— Está na cavalariça, meu senhor, eu esperava ocasião de o fazer aparecer.

— Então que fez ele?

— Lá vai, meu senhor.

O guarda hesitava contudo, com a voz mudada e trêmula, as feições repentinamente cavadas de rugas profundas, rugas de velho. E continuou:

— Ora pois, este inverno, eu bem vi que andavam ao laço nas matas das Roseraies, mas não conseguia pilhar o homem. Passei noites e noites à caça. Nem nada! E durante esse tempo, quem quer que era pôs-se a armar ao laço para as bandas de Ecorcheville. Eu até andava na espinha, de raiva; mas quanto a apanhar o malandrinho, era uma vez! Parecia que sonhava os meus passos e os meus projetos. Nisto, um dia, ao escovar as calças do Mário as calças domingueiras encontro-lhe quarenta sous no bolso. Onde os teria ele ido buscar? Andei a matutar no caso oito dias, e notei que ele saía justamente quando eu me recolhia para descansar. Espreitei-o então; mas nem por sombras suspeitava da coisa. Um dia de madrugada, tendo acabado de me deitar à vista dele, ergui-me num pronto, e segui-o. Não há outro como eu para ir na cola a alguém. E vai então, pilho o Mário a armar laços nas suas terras, meu senhor; ele, meu sobrinho, sobrinho do seu guarda! Subiu por mim a cima uma coisa, e não sei como não dei cabo dele, de tanto que lhe bati. Isso é que foi bater! E ainda por cima, prometi-lhe outra sova para quando o senhor chegasse! Só para lhe ficar de castigo. Ora aí está; pus-me definhado de desgosto. O senhor bem sabe o que são estas arrelias. Mas o que faria o senhor no meu caso? O rapazinho já não tem pai nem mãe, eu sou o seu único parente, deixei-o ficar, que o não havia de pôr fora, pois não é assim? Mas jurei-lhe que se tornasse, punha-o com dono. Fiz bem, meu senhor?

Eu respondi, estendendo-lhe a mão:

— Fez bem, Cavalier. Você é um homem honrado.

Ele ergueu-se:

— Muito obrigado, meu senhor. Agora vou buscá-lo, para lhe dar a outra sova.

De mais sabia eu que era escusado tentar dissuadir o velhote. Deixei-o pois. Foi buscar o garoto e trouxe-o por uma orelha. Eu tinha-me sentado numa cadeira de palhinha, com cara solene de um juiz.

Pareceu-me crescido o Mário, ainda mais feio que o ano anterior, com o seu ar velhaco e mau. E as suas mãos pareciam monstruosas. O tio empurrou-o para diante de mim, e no seu tom militar:

— Pede perdão ao patrão!

O rapaz ficou-se.

Então, metendo-o debaixo do braço, o antigo gendarme levantou-o em peso, e desandou-lhe uma data de açoites com tamanha violência, que me levantei para lhe ter mão.

O rapaz berrava agora:

— Perdão! Perdão! Perdão! Eu prometo...

Cavalier pousou-o no chão, e forçando-o a pôr-se de joelhos:

— Pede perdão! — disse ele.

O garoto murmurava, de olhos baixos:

— Peço perdão...

O tio levantou-o então, e pô-lo fora com um derradeiro tabefe que não sei como o não fez ir de cangalhos. Ele pirou-se, e não o tornei mais a ver. Mas o Cavalier parecia aterrado:

— É má rês. — dizia ele.

E durante todo o jantar, não cessava de dizer:

— Nem o senhor calcula a pena que isto me faz.

Tentei consolá-lo, mas em vão. E deitei-me cedo, para ir à caça logo de madrugada. Já o meu cão estava a dormir no assoalho aos pés da cama, quando apaguei a luz. Pelo meio da noite acordou-me o Bock, ladrando furiosamente. Notei logo que tinha o quarto cheio de fumo. Saltei da cama abaixo, acendi a vela, corri à porta e abri-a. Entrou uma onda de labaredas. Estava casa a arder. Fechei logo a grossa porta de carvalho, e enfiando as calças, desci primeiro o meu cão pela janela com uma corda feita de lençóis enrolados, e depois atirado fora o fato, a espingarda e a bolsa de caça, safei-me pelo mesmo caminho. E pus-me a gritar com quanta força tinha:

— Cavalier!... Ó Cavalier!... Ó Cavalier!

Mas o guarda não acordava. Tinha um sono de chumbo. Entretanto, pelas janelas de baixo, via que todo o rés do chão era uma fornalha; e notei que o tinham enchido de palha para favorecer o incêndio.

Era portanto fogo posto!

E continuei a gritar com furor:

— Cavalier! Ó Cavalier!

Lembrou-me então que o asfixiava o fumo. Numa inspiração, e carregando os dois canos da minha espingarda, disparei um tiro contra a janela dele. Os seis vidros desfizeram-se em cacos; mas daquela feita o velho tinha ouvido, e apareceu desvairado, em fralda de camisa, atarantado sobretudo por aquele clarão que alumiava violentamente toda a frente da casa.

Gritei-lhe:

— Tem a casa a arder. Salte pela janela, depressa, depressa!

As labaredas, saindo bruscamente pelas aberturas de baixo, lambiam a parede, chegavam até ao guarda, não tardariam a tomar-lhe o caminho. Ele saltou e caiu de pé, como um gato. Não era sem tempo. O teto de colmo abriu ao meio, por cima da escada que servia de chaminé ao fogo de baixo, e subiu aos ares um imenso fogaréu vermelho, elevando-se como um repuxo de água e espalhando uma chuva de fagulhas em torno da habitação. Em poucos instantes a casa ficou reduzida a um braseiro.

Cavalier, aterrado, perguntou:

— Como seria isto?

Respondi:

— Foi fogo posto na cozinha.

Ele murmurou:

— Quem era que ia pôr fogo?

E eu, adivinhando num ai, pronunciei:

— O Mário.

O velho compreendeu, e balbuciou:

— Jesus Maria! Foi então por isso que ele não se recolheu!

Mas um pensamento horrível me atravessou o espírito, e clamei:

— E a Celeste? E a Celeste?

Ele não respondeu, a casa desabou diante de nós, formando apenas um espesso braseiro faiscante, sanguinolento, de fazer doer a vista, uma fogueira formidável, em que a pobre mulher devia estar reduzida a uma brasa de carne humana.

Nem um só grito nós tínhamos ouvido.

Mas como o fogo fosse a alcançar o telhado contíguo, lembrou-me de repente o meu cavalo, e o tio Cavalier correu a soltá-lo. Mal abriu a porta da cavalariça, um corpo ágil e rápido, passando-lhe entre as pernas, atirou com ele de ventas ao chão. Era o Mário, fugindo à desfilada.

O homem levantou-se num momento, quis correr mas compreendendo que o não alcançaria, e com a cabeça perdida por um furor irresistível, cedendo a um desses ímpetos irrefletidos, instantâneos, que não é possível prever nem reprimir, apanhou do chão a minha espingarda, pôs a arma à cara e antes que eu pudesse fazer um movimento, desfechou, mesmo sem saber se a arma estava carregada.

Um dos cartuchos que eu metera nos canos para anunciar o fogo, não tinha chegado a servir; e a carga, apanhando o fugitivo pelas costas, fê-lo cair de borco, alagado em sangue. O rapaz pôs-se ainda a engatinhar na terra com as mãos e os joelhos, como se quisesse correr, à maneira das lebres mortalmente feridas, vendo o caçador aproximar-se.

Corri. Já o pequeno agonizava. Expirou antes de apagado o fogo, sem ter proferido uma palavra. Cavalier, sempre em fralda de camisa, com as pernas à vela, ficava-se ao pé de nós imóvel, atoleimado.

Quando os habitantes da aldeia acudiram, levaram o meu guarda como doido. Fui ao julgamento como testemunha, e contei os fatos pelo miúdo, sem nada mudar. O Cavalier foi absolvido. Mas sumiu-se nesse mesmo dia, abandonando a terra. Nunca mais o tornei a ver.

E aí têm, meus senhores, a minha história de caça.

Fonte:
Guy de Maupassant. A sereia. (Beldemónio, tradutor). Publicado originalmente em 1884 .

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Adega de Versos 99: Carolina Ramos

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 73


O pé de uvaia anda com cara triste, melancólico, folhas desbeiçadas. O que há com você, sombra amiga? Adoro tanto vê-lo florido nas noites de lua cheia de dezembro.  Daqui a alguns dias . . .

Vida de encantos e desencantos.

Vida sem encantos ?

A vida não é feita de mesmismos, senão de variedades.  Os humanos serezinhos são mesminhos que as companhias da natureza. Ora alegres, ora tristes, inflados ou vazios, vivem as variáveis do viver terreno.

Ninguém é grande, ninguém é pequeno, mais frágil ou menos frágil, somos todos acometidos de alegrias e tristezas, ventos fortes e calmaria, doçuras e amarguras. Dualidades da existência.  Deste cadinho deve surgir a vida açucena de cada dia.

Por isso, meu belo tronco de uvaia, logo o verei novamente com as folhas verdejantes, brilhando, esbanjando NATURIDADE.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Nilto Maciel (Um coveiro monstruoso)


Montado num cavalo recém-domado, Átila percorria a vista pelos prados da Panônia. O animal trotava, cheio de garbo, como se quisesse dizer ao homem que também tinha dignidade.

Satisfeito com o procedimento do cavalo, Átila pôs-se a falar, carinhosamente. Dar-lhe-ia um belo nome. Que tal Huno? Não, arranjaria um nome próprio dos melhores animais. Leão, por exemplo. Sim, Leão.

O animal relinchou, como se risse, gostasse da fala do homem.

Átila prometeu outras cortesias ao cavalo. Invadiria Roma, montado nele. Destruiria o Império Romano. E lhe daria até um cognome: Leão, o Cavalo. Para distingui-lo do Papa Leão, o Grande.

De novo o animal relinchou, agora de maneira esquisita, e deu pulos, como se tivesse gostado das últimas palavras do rei.

Para sossegá-lo, Átila comprometeu-se a nomeá-lo papa. O rei do mundo cavalgaria o papa-cavalo.

Leão desembestou e livrou-se, de vez, da carga. Machucado, furioso, Átila sacou a espada e investiu contra o cavalo. Ia ensinar como uma animal devia tratar um rei.

Ameaçado, o cavalo ergueu as patas dianteiras e, gigantesco, atacou o pequeno homem. E relinchava e arreganhava os dentes.

Átila recuava, praguejava, desequilibrava-se. E terminou caindo num buraco.

Leão chegou à beira da cova, olhou para o homem caído e pôs-se a escavar o chão. Sim, ia jogar terra sobre Átila, enterrá-lo vivo.

Desesperado, o rei dos hunos gritava, se debatia, tentava escalar as paredes da cova. E mais terra sobre ele caía. O cavalo ria, gargalhava, feito um coveiro monstruoso. Átila, porém, salvou-se no último instante. Sacudiram-no e ele acordou.

Fonte:
Enviado pelo escritor.
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 18


Cansada do próprio colo,
do ventre da terra mansa,
a semente rasga o solo
e enche a vida de esperança!
= = = = = = = = =

Depois que tu foste embora,
sem motivo e sem razão,
soluça o vento lá fora
e, aqui dentro, a solidão!
= = = = = = = = =

Dou tanta crença ao meu ego,
que essa crendice, me acalma.
Vê que essa paz que carrego,
também carrega minha alma!
= = = = = = = = =

É mais triste o meu versejo,
ao ver nos portais da fome...
Crianças, comendo sobejo
dos restos que ninguém come!
= = = = = = = = =

Em meio a tantos extremos,
às vezes, até presumo,
que somos barco sem remos
remando num mar sem rumo!
= = = = = = = = =

Escuto a voz da neblina.
olho e não vejo ninguém;
e o pranto da chuva fina,
lembra-me o choro de alguém!
= = = = = = = = =

Fere-me a saudade antiga,
daquele amor, que te dei!
Hoje, a saudade é cantiga
do antigo amor que sonhei!
= = = = = = = = =

Filho, a honra é tão sagrada,
que a vida, sem honradez,
para o mundo é quase nada,
para Deus, nada, outra vez!
= = = = = = = = =

Lágrima, essência, caída,
dos olhos de quem padece;
às vezes, fonte de vida,
regando a vida da prece!
= = = = = = = = =

Madrugada!... E, em meio ao drama,
escuto, outra voz sem sono,
de um violino que reclama
da dor, nas mãos de outro dono!...
= = = = = = = = =

Maria estende a mantilha
e forra o berço de palha,
onde a luz que tanto brilha,
brilha e no mundo se espalha!
= = = = = = = = =

Não seja escravo do tédio,
que o ódio fere e magoa;
só vence um mal sem remédio,
aquele amor que perdoa!
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Na paz, do mosteiro, ao longe,
sem que da oração, se prive,
solitário, o velho monge,
tenta saber por que vive!
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Na vida, o que mais me enleva,
quando em silêncio eu medito,
é ver, que quem fez a treva,
fez toda a luz do infinito!
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Peço sempre, no altar mor,
de joelhos, aos pés da cruz...
Paz para um mundo melhor
sem treva e, cheio de luz!
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Quando Deus rasgou o véu
mostrando a noite estelar,
via-se estrelas no céu,
na areia, estrelas-do-mar!
= = = = = = = = =

Quando sozinho, eu me deito,
e um travesseiro eu descarto,
a ausência dela em meu leito
dobra a saudade em meu quarto!
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Saudade, é sem dimensão
na dor, de alguém, na orfandade!
Quem fez da dor, solidão,
fez sem limite a saudade!
= = = = = = = = =

Se a maldade lhe atrapalha,
beije-a, de forma discreta;
que o mal nunca se agasalha
no coração de um poeta!
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Se a saudade, nunca passa
e a solidão nunca finda,
entram por minha vidraça,
os olhos da noite linda!
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Sem usar tinta ou pincéis,
o sol, com sua energia,
pinta à tarde, em seus painéis,
a cor da melancolia!
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Se o outono que nos invade,
tivesse mais compaixão,
não juntava mais saudade,
à velhice e à solidão!
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Se o vento em seu destemor,
gera fortes vendavais...
A tempestade do amor
ruge mais forte em seus ais!
= = = = = = = = =

Torna-se mais pensativo
o olhar do velho ancião.
que aos poucos, se faz cativo
do templo da solidão!
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Tudo que a vida me empilha,
de algum tipo de saber...
Dedico à velha cartilha
que um dia, ensinou-me a ler!
= = = = = = = = =

Tu queimaste as minhas cartas;
mas nas cinzas da memória,
eu guardo lembranças fartas
das cinzas de nossa história!
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Velha rua da esperança,
onde na infância eu brincava...
Hoje, a saudade é que dança,
no mesmo chão que eu dançava!

Fonte:
Enviado pelo trovador.
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.

Sammis Reachers (O Pau-de-Sebo)

As novas gerações e mesmo as mais maduras, porém criadas em ambiente urbano, talvez não saibam o que seja um pau-de-sebo – ou imaginem, de pronto e maldosamente, que ele seja algo muito diverso do que é na realidade.

Antes de maiores desentendimentos, deixe-me aclarar logo a questão: Pau-de-sebo é uma tradição típica de festas juninas, uma tora de madeira de grande altura, à semelhança de um poste desses de eletricidade, completamente lambuzado, lubrificado, empapado com sebo (gordura) de porco. Eeeecaaa!, dirá você. E qual o objetivo disso? Um totem para ser incendiado à meia noite? Um símbolo do sincretismo pátrio que fundiu temas do catolicismo a outros oriundos dos cultos de matriz afro?

O pau-de-sebo é apenas uma brincadeira, algo perigosa, sim, mas muito divertida, daquelas diversões cruentas hoje já tão raras.

Instalada a grande tora em ponto central da festa, já devidamente “confeitada”, avisava-se aos festeiros presentes que, no topo daquele poste, havia uma nota ou um cheque representando um valor algo considerável – digamos, em valores de agora, 300, 500 reais. Pois bem: Estava dada a largada para as tentativas de subir em tal poste. Escadas e apetrechos de apoio não podiam, claro, ser utilizados: O valente ou a valentina, pois sempre houve dessas, deveria atracar-se a todo aquele escorregadio desafio e escalar tronco acima, como um macaco. E como era divertido! De quando em vez o sebo era reposto, pois o frenesi de candidatos ao tesouro acabava arrancando boa parte do tal sebo, que saía grudado em camisas e bermudas... Alguns, já quase chegando ao topo, cansados e de repente tocando área de banha ainda “virgem”, repentinamente despencavam – e o sebo restante na enorme envergadura daquele pau fazia as vezes de poderoso lubrificante, pois para baixo, seja em festa de São João ou de qualquer outro patrono, todo santo ajuda.

Certa feita, fins da década de oitenta, realizaram aqui na comunidade do Jardim Nazaré, e bem em frente à minha casa, uma festa junina. O festim foi organizado dentro do tradicional, no prumo da ortodoxia: Montaram palanque para a dança de quadrilha, forraram a rua de lado a lado com barraquinhas de guloseimas e prendas; bandeirinhas cruzando os céus, bambus e caniços dando o tom de roça. O organizador da festa era um camarada bem simpático, eterno candidato a vereador (eterno não, depois cansou-se), o William. William era também cana, meganha, magarefe: Soldado porra-louca.

Anunciado o valor, os durangos, aventureiros e também cachaceiros do bairro se lançaram ao desafio, como heróis numa batalha.

Dias se passaram enquanto aqueles sôfregos heróis de birosca se revezavam na frente – ou tora – de combate, e nada de nenhum dos valentes conseguir assenhorear-se daquela quantia, a essa altura já mítica.

Eu e Renato, junto a outros peraltas, bem que tentamos dar nosso sangue em tal peleja comunitária, mas nada logramos. Nem o talvez maior escalador de nossa idade, o legendário Luciano “Neném”, também dito “Highlander, o Imortal” – que se tornara lenda não por seus dotes de abraça-tora mas, acredite se quiser, por engolir qualquer remédio que achasse no lixo durante as expedições em que catávamos ferro-velho, sem jamais manifestar qualquer efeito, seja salutar, seja colateral, de tão sinistro apetite – conseguia superar a extensão daquela vara... O expediente era coisa pra adultos mesmo.

A causa ou a bufunfa já era dada como perdida. Mas, num arroubo final, já no penúltimo dia dos festejos – que se estenderiam por uma semana – uma aliança sombria foi formada, uma cabala de malandros do “melhor” que havia na área. Iluminados ou apertados pela desesperança, elucubraram uma ideia, uma última cartada contra a fortaleza de sebo. E assim, com cada um dando o melhor de si, formou-se uma pirâmide humana, composta de uns seis bravios canabravas...

E não é que os rapazes conseguiram? Nande, o mais leve deles, ficou com a honra ou a temerosa missão de ser o topo da pirâmide. Foi lindo: O sol de fim de tarde chegou a emitir um pulso, um flash, um brilho especial quando aquela mão leve – na plena acepção do termo – apalpou a pontinha do cheque.

Ao desmontar-se aquela pirâmide mambembe, salvos todos sem ferimentos, grande foi a festa! Cada um daqueles pipa-avoadas parecia imitar um bicho, de tanto que urravam, ou mugiam, ou grasnavam, ou sei lá que som um burro faz quando avoa!

Apanhando o cheque das mãos de Nande, o suarento Marcão, organizador ou chefe daquela estranha liga dos escaladores de tora, e que aturara o peso de cinco homens nas costas (não tente isso em casa!), foi conferir o valor do mesmo e a assinatura. Assinatura não constava, e o valor era nenhum: O cheque estava em branco.

O que se seguiu, amigo leitor, naquela festa que se iniciava, foi um fuzuê, um arranca-rabo, um salseiro como o Jardim Nazaré poucas vezes teve o desplante de ver. O impasse entre xerife William e aqueles homens agora furiosos – sujos, fedorentos e furiosos – terminou em desobediência civil e desrespeito à autoridade, que afinal era gente boa mas não merecia lá muito respeito mesmo.

Naquele vai-não-vai que sempre impede o cidadão de bem de esmurrar a cara dum poliça, sobrou mesmo foi para o segundo-em-comando da festa: O DJ, eletricista, técnico em eletrônica, mecânico de mobiletes e professor Pardal da comuna, o Paulo.

E finalmente, ao som de Gonzagão e Gonzaguinha, a pancadaria se estabeleceu no arraiá. E, naquele anarriê, entre chutes e sopapos, badulaques e enfeites foram arrancados, caniços de bambu se tornaram varas justiçadoras, e até as inocentes caixas de som, grandes e valiosas e que pertenciam ao franzino Paulo, tiveram seus alto-falantes arrebentados a coices por aquela boiada em estouro.

O dia seguinte, último dia da agora esvaziada festa, parecia dia de luto: Eu fora proibido de atravessar o portão e, contrafeito, observava de por cima do muro. Era cada um em sua casa, chorando mágoas, esfregando roupa encardida até o talo, de tanto abraçar aquela grande e sebenta tromba, e aplicando emplastro de saião nas feridas e nos magoados.

Quanto ao cheque em branco, em branco ficou: Nunca foi saldado, e cada um ficou com seu prejuízo. Mais que o valor imaginado, custavam aquelas caixas de som que foram despedaçadas naquela festa de São João, um São João palha-sequence regado a maçãs-do-amor e tapas na cara, e que, ao menos naquele ano, foi melhor que o de Campina Grande, a capital paraibana e mundial do tal festim!

(No camarote das santidades, imagino que o bom São Gonçalo deve ter olhado para o veterano João e, desaguentando a bronca e desrespeitando a hierarquia, soltado: “Espia, espia... Espia e aprende como se faz uma festa, meu padrinho...”)

Fonte:
Enviado pelo autor.
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco: uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. do Autor, 2021.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Daniel Maurício (Poética) 46

 

Machado de Assis (O segredo do bonzo)

CAPÍTULO INÉDITO DE FERNÃO MENDES PINTO

Atrás deixei narrado o que se passou nesta cidade Fuchéu, capital do reino de Bungo, com o Padre-mestre Francisco, e de como el-rei se houve com o Fucarandono e outros bonzos*, que tiveram por acertado disputar ao padre as primazias da nossa santa religião. Agora direi de uma doutrina não menos curiosa que saudável ao espírito, e digna de ser divulgada a todas as repúblicas da cristandade.

Um dia, andando a passeio com Diogo Meireles, nesta mesma cidade Fuchéu, naquele ano de 1552, sucedeu deparar-se-nos um ajuntamento de povo, à esquina de uma rua, em torno a um homem da terra, que discorria com grande abundância de gestos e vozes. O povo, segundo o esmo mais baixo, seria passante de cem pessoas, varões somente, e todos embasbacados. Diogo Meireles, que melhor conhecia a língua da terra, pois ali estivera muitos meses, quando andou com bandeira de veniaga* (agora ocupava-se no exercício da medicina, que estudara convenientemente, e em que era exímio) ia-me repetindo pelo nosso idioma o que ouvia ao orador, e que em resumo, era o seguinte: — Que ele não queria outra coisa mais do que afirmar a origem dos grilos, os quais procediam do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova; que este descobrimento, impossível a quem não fosse, como ele, matemático, físico e filósofo, era fruto de dilatados anos de aplicação, experiência e estudo, trabalhos e até perigos de vida; mas enfim, estava feito, e todo redundava em glória do reino de Bungo, e especialmente da cidade Fuchéu, cujo filho era; e, se por ter aventado tão sublime verdade, fosse necessário aceitar a morte, ele a aceitaria ali mesmo, tão certo era que a ciência valia mais do que a vida e seus deleites.

A multidão, tanto que ele acabou, levantou um tumulto de aclamações, que esteve a ponto de ensurdecer-nos, e alçou nos braços o homem bradando: “Patimau, Patimau, viva Patimau, que descobriu a origem dos grilos!” E todos se foram com ele ao alpendre de um mercador, onde lhe deram refrescos e lhe fizeram muitas saudações e reverências, à maneira deste gentio, que é em extremo obsequioso e cortesão.

Desandando o caminho, vínhamos nós, Diogo Meireles e eu, falando do singular achado da origem dos grilos, quando, a pouca distância daquele alpendre, obra de seis credos, não mais, achamos outra multidão de gente, em outra esquina, escutando a outro homem. Ficamos espantados com a semelhança do caso, e Diogo Meireles, visto que também este falava apressado, repetiu-me da mesma maneira o teor da oração. E dizia este outro, com grande admiração e aplauso da gente que o cercava, que enfim descobrira o princípio da vida futura, quando a terra houvesse de ser inteiramente destruída, e era nada menos que uma certa gota de sangue de vaca; daí provinha a excelência da vaca para habitação das almas humanas, e o ardor com que esse distinto animal era procurado por muitos homens à hora de morrer; descobrimento que ele podia afirmar com fé e verdade, por ser obra de experiências repetidas e profunda cogitação, não desejando nem pedindo outro galardão mais que dar glória ao reino de Bungo e receber dele a estimação que os bons filhos merecem. O povo, que escutara esta fala com muita veneração, fez o mesmo alarido e levou o homem ao dito alpendre, com a diferença que o trepou a uma charola; ali chegando, foi regalado com obséquios iguais aos que faziam a Patimau, não havendo nenhuma distinção entre eles, nem outra competência nos banqueteadores, que não fosse a de dar graças a ambos os banqueteados.

Ficamos sem saber nada daquilo, porque nem nos parecia casual a semelhança exata dos dois encontros, nem racional ou crível a origem dos grilos, dada por Patimau, ou o princípio da vida futura, descoberto por Languru, que assim se chamava o outro. Sucedeu, porém, costearmos a casa de um certo Titané, alparqueiro, o qual correu a falar a Diogo Meireles, de quem era amigo. E, feitos os cumprimentos, em que o alparqueiro chamou as mais galantes coisas a Diogo Meireles, tais como — ouro da verdade e sol do pensamento, — contou-lhe este o que víramos e ouvíramos pouco antes. Ao que Titané acudiu com grande alvoroço:

— Pode ser que eles andem cumprindo uma nova doutrina, dizem que inventada por um bonzo de muito saber, morador em umas casas pegadas ao monte Coral. E porque ficássemos cobiçosos de ter alguma notícia da doutrina, consentiu Titané em ir conosco no dia seguinte às casas do bonzo, e acrescentou: — Dizem que ele não a confia a nenhuma pessoa, senão às que de coração se quiserem filiar a ela; e, sendo assim, podemos simular que o queremos unicamente com o fim de a ouvir; e se for boa, chegaremos a praticá-la à nossa vontade.

No dia seguinte, ao modo concertado, fomos às casas do dito bonzo, por nome Pomada, um ancião de cento e oito anos, muito lido e sabido nas letras divinas e humanas, e grandemente aceito a toda aquela gentilidade, e por isso mesmo mal visto de outros bonzos, que se finavam de puro ciúme. E tendo ouvido o dito bonzo a Titané quem éramos e o que queríamos, iniciou-nos primeiro com várias cerimônias e bugiarias necessárias à recepção da doutrina, e só depois dela é que alçou a voz para confiá-la e explicá-la.

— Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contato com outros homens, é como se eles não existissem. Os frutos de uma laranjeira, se ninguém os gostar, valem tanto como as urzes e plantas bravias, e, se ninguém os vir, não valem nada; ou, por outras palavras mais enérgicas, não há espetáculo sem espectador. Um dia, estando a cuidar nestas coisas, considerei que, para o fim de alumiar um pouco o entendimento, tinha consumido os meus longos anos, e, aliás, nada chegaria a valer sem a existência de outros homens que me vissem e honrassem; então cogitei se não haveria um modo de obter o mesmo efeito, poupando tais trabalhos, e esse dia posso agora dizer que foi o da regeneração dos homens, pois me deu a doutrina salvadora.

Neste ponto, afiamos os ouvidos e ficamos pendurados da boca do bonzo, o qual, como lhe dissesse Diogo Meireles que a língua da terra me não era familiar, ia falando com grande pausa, porque eu nada perdesse. E continuou dizendo: — Mal podeis adivinhar o que me deu ideia da nova doutrina; foi nada menos que a pedra da lua, essa insigne pedra tão luminosa que, posta no cume de uma montanha ou no píncaro de uma torre, dá claridade a uma campina inteira, ainda a mais dilatada. Uma tal pedra, com tais quilates de luz, não existiu nunca, e ninguém jamais a viu; mas muita gente crê que existe e mais de um dirá que a viu com os seus próprios olhos. Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente. Tão depressa fiz este achado especulativo, como dei graças a Deus do favor especial, e determinei-me a verificá-lo por experiências; o que alcancei, em mais de um caso, que não relato, por vos não tomar o tempo. Para compreender a eficácia do meu sistema, basta advertir que os grilos não podem nascer do ar e das folhas de coqueiro, na conjunção da lua nova, e por outro lado, o princípio da vida futura não está em uma certa gota de sangue de vaca; mas Patimau e Languru, varões astutos, com tal arte souberam meter estas duas ideias no ânimo da multidão, que hoje desfrutam a nomeada de grandes físicos e maiores filósofos, e têm consigo pessoas capazes de dar a vida por eles.

Não sabíamos de que maneira dessemos ao bonzo as mostras do nosso vivo contentamento e admiração. Ele interrogou-nos ainda algum tempo, compridamente, acerca da doutrina e dos fundamentos dela, e depois de reconhecer que a entendíamos, incitou-nos a praticá-la, a divulgá-la cautelosamente, não porque houvesse nada contrário às leis divinas ou humanas, mas porque a má compreensão dela podia daná-la e perdê-la em seus primeiros passos; enfim, despediu-se de nós com a certeza (são palavras suas) de que abalávamos dali com a verdadeira alma de pomadistas; denominação esta que, por se derivar do nome dele, lhe era em extremo agradável.

Com efeito, antes de cair a tarde, tínhamos os três combinado em pôr por obra uma ideia tão judiciosa quão lucrativa, pois não é só lucro o que se pode haver em moeda, senão também o que traz consideração e louvor, que é outra e melhor espécie de moeda, conquanto não dê para comprar damascos ou chaparias de ouro. Combinamos, pois, à guisa de experiência, meter cada um de nós, no ânimo da cidade Fuchéu, uma certa convicção, mediante a qual houvéssemos os mesmos benefícios que desfrutavam Patimau e Languru; mas, tão certo é que o homem não olvida o seu interesse, entendeu Titané que lhe cumpria lucrar de duas maneiras, cobrando da experiência ambas as moedas, isto é, vendendo também as suas alparcas: ao que nos não opusemos, por nos parecer que nada tinha isso com o essencial da doutrina.

Consistiu a experiência de Titané em uma coisa que não sei como diga para que a entendam. Usam neste reino de Bungo, e em outros destas remotas partes, um papel feito de casca de canela moída e goma, obra mui prima, que eles talham depois em pedaços de dois palmos de comprimento, e meio de largura, nos quais desenham com vivas e variadas cores, e pela língua do país, as notícias da semana, políticas, religiosas, mercantis e outras, as novas leis do reino, os nomes das fustas*, lanchas, balões e toda a casta de barcos que navegam estes mares, ou em guerra, que a há frequente, ou de veniaga. E digo as notícias da semana, porque as ditas folhas são feitas de oito em oito dias, em grande cópia, e distribuídas ao gentio da terra, a troco de uma espórtula*, que cada um dá de bom grado para ter as notícias primeiro que os demais moradores. Ora, o nosso Titané não quis melhor esquina que este papel, chamado pela nossa língua Vida e claridade das coisas mundanas e celestes, título expressivo, ainda que um tanto derramado. E, pois, fez inserir no dito papel que acabavam de chegar notícias frescas de toda a costa de Malabar e da China, conforme as quais não havia outro cuidado que não fossem as famosas alparcas dele Titané; que estas alparcas eram chamadas as primeiras do mundo, por serem mui sólidas e graciosas; que nada menos de vinte e dois mandarins iam requerer ao imperador para que, em vista do esplendor das famosas alparcas de Titané, as primeiras do universo, fosse criado o título honorífico de “alparca do Estado”, para recompensa dos que se distinguissem em qualquer disciplina do entendimento; que eram grossíssimas as encomendas feitas de todas as partes, às quais ele Titané ia acudir, menos por amor ao lucro do que pela glória que dali provinha à nação; não recuando, todavia, do propósito em que estava e ficava de dar de graça aos pobres do reino umas cinquenta corjas das ditas alparcas, conforme já fizera declarar a el-rei e o repetia agora; enfim, que apesar da primazia no fabrico das alparcas assim reconhecida em toda a terra, ele sabia os deveres da moderação, e nunca se julgaria mais do que um obreiro diligente e amigo da glória do reino de Bungo.

A leitura desta notícia comoveu naturalmente a toda a cidade Fuchéu, não se falando em outra coisa durante toda aquela semana. As alparcas de Titané, apenas estimadas, começaram de ser buscadas com muita curiosidade e ardor, e ainda mais nas semanas seguintes, pois não deixou ele de entreter a cidade, durante algum tempo, com muitas e extraordinárias anedotas acerca da sua mercadoria. E dizia-nos com muita graça: — Vede que obedeço ao principal da nossa doutrina, pois não estou persuadido da superioridade das tais alparcas, antes as tenho por obra vulgar, mas fi-lo crer ao povo, que as vem comprar agora, pelo preço que lhes taxo.

— Não me parece, atalhei, que tenhais cumprido a doutrina em seu rigor e substância, pois não nos cabe inculcar aos outros uma opinião que não temos, e sim a opinião de uma qualidade que não possuímos; este é, ao certo, o essencial dela.

Dito isto, assentaram os dois que era a minha vez de tentar a experiência, o que imediatamente fiz; mas deixo de a relatar em todas as suas partes, por não demorar a narração da experiência de Diogo Meireles, que foi a mais decisiva das três, e a melhor prova desta deliciosa invenção do bonzo. Direi somente que, por algumas luzes que tinha de música e charamela*, em que aliás era mediano, lembrou-me congregar os principais de Fuchéu para que me ouvissem tanger o instrumento; os quais vieram, escutaram e foram-se repetindo que nunca antes tinham ouvido coisa tão extraordinária. E confesso que alcancei um tal resultado com o só recurso dos ademanes*, da graça em arquear os braços para tomar a charamela, que me foi trazida em uma bandeja de prata, da rigidez do busto, da unção com que alcei os olhos ao ar, e do desdém e ufania com que os baixei à mesma assembleia, a qual neste ponto rompeu em um tal concerto de vozes e exclamações de entusiasmo, que quase me persuadiu do meu merecimento.

Mas, como digo, a mais engenhosa de todas as nossas experiências, foi a de Diogo Meireles. Lavrava então na cidade uma singular doença, que consistia em fazer inchar os narizes, tanto e tanto, que tomavam metade e mais da cara ao paciente, e não só a punham horrenda, senão que era molesto carregar tamanho peso. Conquanto os físicos da terra propusessem extrair os narizes inchados, para alívio e melhoria dos enfermos, nenhum destes consentia em prestar-se ao curativo, preferindo o excesso à lacuna, e tendo por mais aborrecível que nenhuma outra coisa a ausência daquele órgão. Neste apertado lance mais de um recorria à morte voluntária, como um remédio, e a tristeza era muita em toda a cidade Fuchéu.

Diogo Meireles, que desde algum tempo praticava a medicina, segundo ficou dito atrás, estudou a moléstia e reconheceu que não havia perigo em desnarigar os doentes, antes era vantajoso por lhes levar o mal, sem trazer fealdade, pois tanto valia um nariz disforme e pesado como nenhum; não alcançou, todavia, persuadir os infelizes ao sacrifício. Então ocorreu-lhe uma graciosa invenção. Assim foi que, reunindo muitos físicos, filósofos, bonzos, autoridades e povo, comunicou-lhes que tinha um segredo para eliminar o órgão; e esse segredo era nada menos que substituir o nariz achacado por um nariz são, mas de pura natureza metafísica, isto é, inacessível aos sentidos humanos, e contudo tão verdadeiro ou ainda mais do que o cortado; cura esta praticada por ele em várias partes, e muito aceita aos físicos de Malabar. O assombro da assembleia foi imenso, e não menor a incredulidade de alguns, não digo de todos, sendo que a maioria não sabia que acreditasse, pois se lhe repugnava a metafísica do nariz, cedia entretanto à energia das palavras de Diogo Meireles, ao tom alto e convencido com que ele expôs e definiu o seu remédio. Foi então que alguns filósofos, ali presentes, um tanto envergonhados do saber de Diogo Meireles, não quiseram ficar-lhe atrás, e declararam que havia bons fundamentos para uma tal invenção, visto não ser o homem todo outra coisa mais do que um produto da idealidade transcendental; donde resultava que podia trazer, com toda a verossimilhança, um nariz metafísico, e juravam ao povo que o efeito era o mesmo.

A assembleia aclamou a Diogo Meireles; e os doentes começaram de buscá-lo, em tanta cópia, que ele não tinha mãos a medir. Diogo Meireles desnarigava-os com muitíssima arte; depois estendia delicadamente os dedos a uma caixa, onde fingia ter os narizes substitutos, colhia um e aplicava-o ao lugar vazio. Os enfermos, assim curados e supridos, olhavam uns para os outros, e não viam nada no lugar do órgão cortado; mas, certos e certíssimos de que ali estava o órgão substituto, e que este era inacessível aos sentidos humanos, não se davam por defraudados, e tornavam aos seus ofícios. Nenhuma outra prova quero da eficácia da doutrina e do fruto dessa experiência, senão o fato de que todos os desnarigados de Diogo Meireles continuaram a prover-se dos mesmos lenços de assoar. O que tudo deixo relatado para glória do bonzo e benefício do mundo.
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* Vocabulário
Ademanes = aceno, trejeito.
Bonzo = membro de qualquer ordem religiosa, frade, sacerdote.
Charamela =instrumento medieval de sopro, de timbre estridente, com o corpo de madeira cilíndrico dotado de orifícios e com embocadura de palheta, considerado o antecessor do oboé e do clarinete modernos
Espórtula = esmola, gorjeta.
Fustas = embarcação indiana comprida e rasa, a vela ou a remo, mercante ou de guerra
Veniaga = comércio, tráfico.

Fonte:
Machado de Assis. Papéis avulsos. Publicado originalmente em 1882. Disponível em domínio público.

Madalena Castro (Canteiro de Trovas)


 A poesia me faz
pelas nuvens viajar,
só com ela eu sou capaz
de ir ao fundo do mar.
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A vida é feito uma flor
que vai se despetalar,
regue-a sempre com amor
para não vê-la murchar.
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A vida é grande ciranda
e cada vez mais rodada,
Uma hora a gente manda
Na Outra a gente é mandada.
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Cirandeira, cirandeira
venha logo cirandar,
aproveite a brincadeira
hoje é noite de luar.
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Das flores do meu jardim,
só uma eu gosto mais dela,
é o pequenino jasmim
que enfeita a minha janela.
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Doce e gostosa lembrança
eu guardo no coração,
do meu tempo de criança
vendo o luar do sertão.
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Estou sentindo saudade
dos beijos que mamãe dava,
quando eu bastante à vontade
no seu colo me deitava.
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É tão grande a singeleza
dos versos de um trovador,
e tem muito mais beleza
quando ele fala de amor.
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Eu gosto de contemplar
o luar lá do sertão,
pois ele me faz lembrar
do meu querido torrão.
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Eu levo o tempo sorrindo
contemplando a natureza,
só assim vou extinguindo
as mazelas da tristeza.
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Eu não sou nenhuma artista
gosto de ler, de escrever,
por sorte sou cordelista
isto eu faço com prazer.
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Eu queria ser doutor.
mas mudei de opinião,
passei a ser trovador,
que me traz mais emoção.
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Foi na voz de um trovador
que lá da minha janela,
escutei versos de amor
pra sua amada tão bela.
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Foi no carnaval passado
que meu grande amor perdi,
não sei quem foi o culpado…
só sei que muito sofri.
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Gosto do Bloco das Flores
onde o lirismo irradia,
me faz lembrar dos amores
que conheci na folia.
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Igualzinho ao vendaval
o nosso amor começou,
terminado o carnaval
este amor se evaporou.
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Mamãe foi a flor mais bela
que brotou no meu jardim,
bem delicada e singela
que o Senhor mandou pra mim.
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Mando daqui meu abraço
com ternura e nostalgia,
dos encontros no terraço
que a gente sempre fazia.
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Me recordo com saudade
do meu tempo de criança,
eu tinha felicidade,
amor e muita esperança.
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Na noite em que está brilhando
o luar do meu sertão,
minha mente sai voando
e me traz inspiração.
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Nesta grande brincadeira
não dou bolas pra ninguém,
eu passo uma noite inteira
cirandando com meu bem.
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O frevo enlouquece a gente,
nos faz até delirar,
e neste delírio quente
nós frevamos a sonhar.
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O poeta expressa a dor
também expressa alegria,
faz declaração de amor
nos versos da poesia.
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O teu sorriso, meu bem
tem a graça de uma flor,
quando se abrindo ela vem
no jardim do nosso amor.
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Pode até fazer calor
o sol, meu corpo queimar,
mas por sentir tanto amor
não deixarei meu lugar.
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Quando estou com meu amor,
não vejo o tempo passar,
sinto-me igual ao condor
num largo espaço a voar.
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Que coisa boa, chegou
o verão tão esperado,
mas o sol quente deixou
meu rosto quase queimado.
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Recife, nunca esqueci
do teu passado de glória,
de tudo que descobri
nos vários livros de história.
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Saudade bate e machuca,
nunca respeita o sujeito,
deixa a cabeça maluca,
se aloja dentro do peito
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Saudade é faca que corta
sem ter gume pra cortar,
e bate na sua porta
sem você nem esperar.
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Saudade é fogo que queima
machucando o coração,
e só por maldade teima
em trazer recordação.
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Ser uma grande cantora
era tudo o que eu queria,
findei sendo professora
de cordel e poesia.
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Sou mulher e sou feliz,
não devo nada a ninguém,
de tudo um pouco já fiz
e vou muito mais além.
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Todas mulheres são flores
vindas da Mãe Natureza,
despertadoras de amores
por terem graça e beleza.
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Todo o sertão agradece
ao ver a chuva caindo,
seu povo reza uma prece
e vai pro campo sorrindo.

Fonte:
https://ubt-recife.blogspot.com/

Concursos de Trovas com Inscrições Abertas


III CONCURSO DE TROVAS DE SÃO GONÇALO/RJ

Prazo: 30 de abril de 2023

Nacional / Internacional – L/F (demais países de língua portuguesa):

Tema: MILAGRE = para Veteranos e Novos Trovadores

Estadual (Rio de Janeiro) – L/F

Tema: MILAGRE

Humor (todos os trovadores independentes da categoria e âmbito)

Tema: AGULHA

– Máximo de 02 trovas inéditas por participante para todas as categorias;

– É obrigatório constar a palavra tema na trova;

– Entende-se por Novo Trovador: aquele que não obteve até a divulgação deste regulamento 03 classificações entre os 5 primeiros colocados em 3 concursos oficiais da UBT em âmbito Nacional.

Por e-mail, as trovas devem ser encaminhadas aos cuidados dos Fiel depositários do presente Concurso, conforme abaixo discriminado.
O inscrito deverá enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o concurso, âmbito (Nacional/Internacional ou Estadual) e a categoria (Veterano ou Novo Trovador) pela qual concorre o trovador, além do nome e endereço completo, telefones e e-mail.

NÃO SERÃO ACEITOS ANEXOS.

No assunto deve constar a expressão: III Concurso de Trovas de São Gonçalo 2023

(Todos os âmbitos e categorias)

Por e-mail: Fiel Depositário – Renato Alves – ra.renatoalves@gmail.com

– As decisões da Comissão Julgadora serão soberanas e irrecorríveis;
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XIV CONCURSO LITERÁRIO “POETA ZÉ MITÔCA”

Prazo: 31 de março

Âmbito Nacional/Internacional

– apenas uma trova por participante.

VETERANOS
Tema: BRANCO

NOVOS TROVADORES
Tema: MAR

ÂMBITO ESTADUAL (CEARÁ)
sem distinção de veteranos ou novos trovadores:

Tema: BODAS DE ESTANHO (referindo-se aos 10 anos da UBT Ocara

- até duas trovas por participante.

ÂMBITO MUNICIPAL (Ocara)

Tema: BRISA

– até duas trovas

JUVENTROVA

Tema: AMOR

até duas trovas

Poesia Tema Livre: um poema de até 20 linhas

Enviar por email para Aldemiza Correia: aldemizacorreia2020@yahoo.com

No corpo do email colocar, nesta ordem:

Trova, nome completo do autor, localidade, categoria, contato
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XV JOGOS FLORAIS DE CAMBUCI/RJ

Prazo: 31 de maio

TEMA LIVRE:

– 1 trova em todos os âmbitos (Nacional/Internacional, Estadual) e categorias (analisadas separadamente), por modalidade.

Modalidades: Lírica/Filosófica e Humorística

Enviar para Rogério Marques Sequeira Costa: informativoalac@yahoo.com.br
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Outros concursos e respectivos links:

I Jogos Florais de Irati PR
Prazo: 28 de fevereiro
https://singrandohorizontes.blogspot.com/2022/12/concursos-de-trovas-com-inscricoes.html

I Concurso de Trovas de São Paulo/SP
Prazo:31 de março
https://singrandohorizontes.blogspot.com/2022/12/concursos-de-trovas-com-inscricoes.html

XVIII Concurso de Trovas de Maranguape/CE
Prazo: 31 de março
https://singrandohorizontes.blogspot.com/2022/12/concursos-de-trovas-com-inscricoes.html

X Jogos Florais de Campos dos Goytacazes/RJ
Prazo: 30 de abril
https://singrandohorizontes.blogspot.com/2023/01/mais-2-concursos-de-trovas-com.html

XXII Jogos Florais de Curitiba/PR

Prazo: 31 de maio
https://singrandohorizontes.blogspot.com/2023/01/xxii-jogos-florais-de-curitiba-prazo-31.html

Aparecido Raimundo de Souza (Como moeda de troca)

ANUNCIEI NO WATSAPP do grupo do prédio onde moro, que estou trocando uma caixa de som por um rádio portátil, desde que o aparelho funcione e pegue todas as estações. O meu atual não foge à regra, porém, a estação que eu gosto de ouvir, a FM-95,9, a Solta o Som, por algum motivo inexplicável, toda vez que é ligada, se transforma numa chiadeira infernal.

A coisa pegou. Todo mundo resolveu entrar na dança gostosa e se fazer presente, barganhando alguma coisa ou vendendo, aquilo que não faz mais uso. O Beto, do 501, quer se desfazer da coleção da vampiresca americana L. J. Smith, por alguma coisa mais séria. Beto deixou claro que os textos englobados nos volumes lidos não lhe convenceram. Água com açúcar. Prefere Stephanie Meyer.

Ofereci a ele o E. L. James, e o prezado deixou claro que a britânica E. L. James, apesar dos seus Cinquenta Tons de Cinza não está mais no topo das suas predileções. Dona Rosinha do 803 quer trocar seu gato por um cachorro. O gato dela solta muitos pelos, daí a preferência por um cachorro. Deixou sintetizado que o gato está com todas as vacinas em dia. Ela quer que a troca seja justa.  Que o animal a ser apresentado em substituição ao bichano também exiba toda a documentação em perfeita ordem.

A moradora do 1002, dona Vitalina quer doar uns vestidos que lhe ficaram pequenos e mais de uma dúzia de sapatos em perfeito uso.

Seu Luiz do 704 anunciou que leciona violão. Aulas a partir de 200 reais. Os interessados carecerão trazer seus instrumentos.

O Chico do 605 fez uma pergunta que deixou o músico do 704 deveras embrabecido. Escreveu:

— Dar aulas de violão sem o violão?  Entendo que o professor aí precisaria ter, pelo menos, uma meia dúzia para empréstimos.

O professor não deixou por menos. Gravou um vídeo em resposta, mostrando a sua cara furiosa e de poucos amigos:

— Caro morador, entendo que o senhor ao pretender tomar aulas de violão comigo, precisa ter a seu ao alcance das mãos. Em minha antiga casa, contava com três. Ao me mudar para cá, meu carro foi arrombado e o infeliz do meliante levou os violões, me deixando a ver navios onde só existiam partituras. Se o companheiro quiser vir tomar aulas, será bem-vindo, contudo, providencie um violão ao sabor da sua predileção.

O doutor Paulo, síndico e administrador do grupo deu um chega pra lá calando os dois brigões:

— Por favor, cavalheiros. Vamos ficar de fora das picuinhas e dos melindres.  

A Bárbara do 804 que enviuvou do marido, quer se desfazer dos ternos do falecido. Anunciou as peças com uma série de fotos a preços módicos. O engraçadinho do Pilombeta, porteiro da noite, não deixou por menos. Gravou um áudio:

— Tenho interesse nas vestimentas. A viúva vem junto?

Toda a galera pendurada caiu na gargalhada. Contei mais de 50 risadas. Novamente o doutor Paulo entrou em cena:

— Gente, vamos focar sem melindres e gracinhas. Rogo que venham ao grupo apenas aqueles moradores que desejem vender ou comprar alguma coisa que esteja sem valor ou ocupando espaço. Sugiro colocarmos a educação em primeiro lugar.

Um telefonema não cadastrado sinalizou anonimamente pedido de permissão. Foi aceito. Gravou áudio:

— Oa arde a odos. Dona Árbara do 804. Ona Árbara, aqui é o Alo Arijó. Enho interesse as oupas do eu ex. Odavia, ostaria de aber se a enhora me eixaria udar de ala e uia ara eu apê e lhe eter a espora. O ue e iz?

Sem brincadeira nenhuma. Oitenta risadas se fizeram ouvir. Algumas escritas com o tradicional kikikikikiki. Ganhou a maioria com mais de cem áudios os mais cabeludos e a revelia da proposta inicial do organizador.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

José Fabiano (Muros de Trovas) 04

 

Jaqueline Machado (Por quê?)


Nada é para sempre... Sendo assim, quero esse amor pra mim.

Tudo vai acabar em breve, tão em breve que não sei se vale o esforço da espera de provar da magia dessa chama que me contagia, e que sim, é amor. Ainda assim eu quero. E por um instante me deixo enganar pela ilusão de que tenho o poder de reter a sobrevivência desse amor que é tão lindo - o mais lindo de todos - num frasco consagrado pelo tempo divino.

Não temo a morte. Afinal, ela existe, e dela ninguém escapa. E num dia ou numa noite qualquer, por ela serei levada a viver em outro reino. Mas ao me apaixonar por você,  passei a temer a morte. E desejar só o que é infinito. Porque a realidade do que é finito referente a este amor, não me basta.

Antes do amor chegar, tudo parecia caber na pequena redoma, morada da vida, mas depois que o amor chegou, tudo se modificou dentro de mim. Um dia parece caber no espaço de um segundo, as semanas são regidas por minutos, um ano não passa de umas poucas horas. E eu querendo você por uns duzentos anos...

Mas agora há pouco, olhei para o firmamento e disse: oh, Senhor dos tempos, não seja malvado assim... Antes apreciava habitar o mundo, mas um dia queria morrer só para renascer e sentir minha alma esvoaçante evoluir nas finas camadas celestiais do infinito. Agora não quero mais nada disso. Sou uma pequena flor, e assim quero continuar a ser. E para esse amor, viver a sorrir... Só isso me importa. Nada mais.

O para sempre não existe, tudo são momentos que surgem de outros momentos e isso tudo se segue num ciclo sem fim.

Ainda assim quero esse amor que vai durar pouco,  apenas alguns segundos... E como amo esse querer...

Foi então que o tempo, vestido de nuvem e olhos de sol, apareceu para mim, e se aproximando devagar falou: - Sabe por que o ser humano  luta tanto em nome do amor mesmo sabendo que ele pouco vai durar? Por que a vida não passa de breves dias?

E eu, surpresa com a presença daquele velho de aparência jovem, respondi – Não sei.

Então ele disse: - Isso acontece porque o amor é a manifestação do Deus Supremo em estado de absoluta graça nos corações. E nem mesmo eu, o tempo, sou eterno. Só Deus vive para sempre. Mas quem vive o amor, em segundos, conhece a eternidade. E descobre o segredo de Deus por inteiro. O amor, em si, é a própria eternidade. Sabe, filha, às vezes, o ser humano é mais privilegiado do que os deuses e não se dá conta disso.

- O Tempo se foi. - E eu fiquei aqui embevecida com a beleza da grande descoberta.

Agora eu entendi... O tempo do amor não se soma em números. É por si só, uma imensidão, independente do tempo vivido...

E me dei conta de que qualquer pedaço de tempo junto de você é uma versão do infinito...

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Solange Colombara (Ramalhete de Versos) 3


LUCIDEZ


Será loucura
Se reinventar todos os dias
Mesmo que em pensamento?
Será loucura
Ser um pouquinho feliz
Com a pessoa errada
Do que ser totalmente infeliz?
Será loucura
Ser apaixonada pela vida
Sem se importar com nada?
É, é loucura sim.
Porque o amor...
O amor é pura loucura.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

LUZES DA ALMA

Olhar perdido,
Olhar de paixão.
Olhar fingido,
Olhar de solidão.

Olhar cativante,
Olhar brejeiro.
Olhar falante,
Olhar matreiro.

Olhar saudoso,
Olhar apaixonado.
Olhar gostoso,
Olhar iluminado.

Olhar maroto,
Olhar sofrido.
Olhar fofo,
Olhar vivido.

Olhares...
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

MATURIDADE

O corpo de menina
Cede espaço às rugas,
Sinais que o tempo
Não consegue apagar.
Mulher madura
Mas com seu
Charme bem peculiar.
A vida é linda!
Basta ser vivida!
Aos 20, 40 ou 60...
O que importa
É o coração imune a indiferenças
E até mesmo às maledicências.
Envelhecer faz parte,
Mas ser feliz,
Poucos sabem.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

MEIA LUA, MINHA LUA

Lua quente
Lua ciúme
Lua solidão
Lua enluarada
Lua escuridão
Lua paixão dos amantes
Lua sonhada
Lua esquecida
Lua...
Que linda a lua...
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

MENINA MULHER

Corpos nus
Entrelaçados
Na dança da paixão.
Quero colo
Quero beijo
Quero prazer
No suor do seu abraço.
Uma flor brilha na escuridão.
É você menina mulher
Totalmente entregue
Totalmente sua
Totalmente saciada
Totalmente nua.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

NOITES DE INVERNO

Noites vazias, frias...
Uma solidão sem fim,
Te procuro...
Te acho...
Te perco...
A lua ilumina
Meu rosto molhado.
Olho o céu...
Te vejo em mim.
São estrelas,
Apenas algumas estrelas...
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

O TEMPO

Sentimento escondido
Em um emaranhado sem fim.
Vontade de gritar ao mundo
O que sinto...
Mas a razão e o orgulho
Me impedem.
Prefiro sofrer calada
Prefiro chorar escondida
Prefiro sentir dor.
Que amor é esse que maltrata?
E quando tudo parecer ruir
Melhor deixar o pranto cair.
Quando tudo desmoronar
Nada melhor do que o tempo
Para curar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

OUTRORA

Houvera um tempo
Em que os olhos dela brilhavam
Irradiando felicidade por onde passasse.
Houvera um tempo
Em que o canto melodioso de sua voz
Fazia com que o mundo a seus pés se ajoelhasse.
Houvera um tempo
Em que as crianças correndo pelo jardim
Bastava para lhe fazer feliz.
Houvera um tempo...
Quão belos aqueles tempos...
Em que uma simples dança
Deixava no ar um aroma sereno
De paz e anis.
Houvera um tempo
Em que tudo eram flores, risos, na singeleza pueril.
Os tempos agora são outros...
Hoje, olhar os pássaros pela janela, lhe basta.
Faz com que seu coração pulse na calmaria
Amena e tranquila de uma tarde primaveril.

Fonte:
Enviado pela poetisa.
Solange Colombara. Dançando com as palavras. SP: Futurama, 2018.

Humberto de Campos (Entre os Papuas)

Um dos maiores sonhos da minha infância era atravessar a vida viajando. As aventuras do "Gulliver" de Swift; o "Rocambole", de Ponson, e as fantasias de Júlio Verne, cuja primeira obra me foi oferecida no dia do meu 14° aniversário, exerceram tamanha influência sobre o meu ânimo, que eu não pensava, na adolescência, senão naquelas viagens maravilhosas. Homem feito, abracei a carreira que mais se coadunava com as minhas aspirações de criança; e, como a vida fosse curta para tanto projeto desordenado, é com verdadeira alegria que os completo hoje, mentalmente, ouvindo, aqui e ali, onde os deparo, a palestra dos amigos mais viajados do que eu.

Uma destas noites, após o jantar elegantíssimo com que o desembargador Corrêa da Cunha festejou o regresso do comendador Adeodato de Barros, que voltava da sua última excursão às índias e à Oceania, tive eu um dos momentos mais felizes da minha vida, ouvindo a história desse passeio de milionário, o qual durou, como é sabido, cerca de três anos e meio. Com a sua palavra viva, segura, concisa, narrava o soberbo capitalista os episódios mais interessantes, quando, em certo momento, se voltou para as senhoras, explicando:

- O costume mais curioso que eu encontrei foi, porém, o dos indígenas das Molucas, entre os quais me demorei algum tempo.

As senhoras voltaram-se, interessadas, e o comendador começou, mexendo, pausadamente, com uma colherinha de prata, a sua taça de vinho com água e açúcar:

- Entre os papúas, o casamento é inteiramente livre. Adeptos da poligamia, como o são, em geral, os povos brutalizados, esses indígenas permitem que o homem tome, e sustente, as mulheres que bem entenda. Uma exigência é, no entanto, feita a quantos se queiram prevalecer dessa faculdade: cada casamento que o indivíduo contrai é selado com uma cerimônia bárbara, que consiste em arrancar um dente aos esposos. Ao contrário do que sucedia a certos povos antigos, entre os quais o contrato nupcial era selado com a incisão em duas veias do braço, para que o sangue dos noivos se misturasse, os papúas exigem esse sacrifício dos dentes, de modo que o beijo de núpcias é um beijo sangrento em que se confunde, num pacto horrendo, que é um símbolo da união na vida, o sangue dos nubentes.

- Que horror! - observou Mme. Schwartz, fazendo uma careta.

- Que bárbaros! - reforçou Mlle. Toledo Gomide, repetindo o mesmo gesto de nojo.

As outras senhoras comentavam esse costume dos indígenas com a mesma indignação incontida, quando Mme. Corrêa Gomes indagou, curiosa:

- Quanto tempo o comendador passou entre essas feras?

- Um ano, minha senhora.

- Sem se afastar deles?

- Não, senhora. Saí duas vezes, para ir a Amboine, capital do arquipélago.

Passado um instante, explicou, distraído:

- Mas demorei-me pouco longe deles. Fui apenas consertar a dentadura...

E continuou a mastigar, forte, com todos os dentes.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro da Penha de França


A água, o pão e o vinho, são os elementos que constituem o brasão deste bairro. A freguesia é, relativamente, mas as suas tradições são tão antigas como a cidade.

Freguesia criada a 13 de Abril de 1918, a Penha de França foi, durante anos, o local com mais habitantes de Lisboa.

Este bairro da zona oriental ocupa um dos pontos mais altos da capital e, do miradouro da sua igreja, avista-se o Tejo e boa parte da cidade. O que inicialmente não passava de uma ermida construída em madeira, deu lugar à igreja de sólida construção que remonta ao ano de 1597. A Igreja da Nossa Senhora da Penha foi edificada no então Cabeço de Alperche, hoje Alto da Penha de França. A igreja foi totalmente destruída com o terremoto de 1755 e, num local que era composto por quintas e hortas, ergueram-se imponentes e majestosos solares, onde viveram algumas famílias senhoriais. Reconstruída após o terremoto, a igreja atual possui no seu altar-mor a imagem de Nossa Senhora da Penha de França e, num dos lados, uma reprodução da antiga ermida. No outro extremo do altar está uma figura representando um homem adormecido com o famoso “Lagarto da Penha” que, reza a lenda, o salvou milagrosamente de um ataque de uma cobra.

Uma da tradições mais antigas é a famosa "Procissão do Ferrolho”. Corria o ano de 1599, quando um surto de peste assolou a cidade. O povo da cidade, aflito, solicitou ajuda à Senhora da Penha. O mal foi debelado e os habitantes cumpriram a sua promessa, organizando todos os anos, uma romaria à Virgem. Os crentes participavam descalços na procissão e, entre a casa do Santo António, a Sé, a Mouraria e a Penha de França, batiam nos ferrolhos das portas para acordar os devotos.

O Sporting Clube da Penha foi fundado a 8 de Dezembro de 1939. Organiza a marcha do seu bairro. Na parte cultural já obteve vários prêmios no Festival de Teatro de Amadores de Lisboa, em 1991, e honras de participação na iniciativa “Lisboa, Capital Europeia da Cultura”, em 1994.
 
 MARCHA DA PENHA DE FRANÇA
(Uma Estrela na Penha)


 Letra de Rosa Lobato Faria
Música de Fernando Correia Martins


(Refrão)
Penha de França
Penha de França
Tu és criança entre as outras Freguesias
Penha de França
A tua trança
É penteada pela mão das ventanias
Penha de França
Ninguém se cansa
E a tradição uma vez mais vai ser verdade
Entra na dança
Penha de França
Bate ao ferrolho pra acordar
Toda a cidade.

Tens Lisboa
Toda a teus pés
Vês Alfama, vês Rossio
Vês o povo entrar na Sé
Vês os barcos singrar no rio, pois é …
Foste ermida
De muita fé
Tens orgulho na tradição
E o ex-voto dum bom jacaré
Que salvou uma vez
 Quem lá está a dormir
Na igreja que um bom Português
Prometeu ao Senhor em Alcácer-Quibir.

(Refrão)
Tens fadista
Tens foliões
Que marcaram no carnaval
Tens guitarras e tens brasões
muita casa senhorial, que tal ? ...
No convento de teus avós
Jesus Cristo vela por nós
Desde o tempo em que os Homens do mar
Iam ao Ferrugento beber e cantar
És Penha de França e de Vida
Que desce a Avenida
Que sabe marchar.

 
Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

A. A. de Trovas (Jardim de Trovas) 21

 

Cláudio de Cápua (A arte e a criatura)


Tudo o que a retina humana fotografa é registrado com mais ou menos força no cérebro. A contemplação de uma paisagem, por uma pessoa de sensibilidade, pode criar sensações, inexplicáveis, em sua alma, e essa mesma paisagem, vista por outra criatura menos sensível, pode passar completamente despercebida.

A Arte é magia que penetra na alma e povoa a mente das criaturas.

É o despertar das ideias mais elevadas do ser humano.

É claro que, dependendo da categoria a que pertença esta criatura, as visões de um tema, ao invés de propiciar pensamentos sublimes, pode também contribuir para estimular pensamentos ruins.

Diante de tal questão, é desejável que a Arte caminhe sempre de mãos dadas com a moral, dentro de objetivos que, através da sensibilidade, consiga entusiasmar a criatura, atingindo subjetivamente sua inteligência.

Segundo a filosofia, o homem, antes de pensar, sente.

O pensamento nasce como fatal consequência do sentimento e desvela pensamentos, que fazem nascer diferentes estados de alma.

Quando se sente oprimida, a criatura humana, por ideias ácidas e tormentosas, refugia-se na literatura, na poesia, na música ou na contemplação de uma obra de Arte.

Diante da influência benéfica da Arte, o espírito ferido encontra o bálsamo milagroso.

Se a Arte em geral desperta sentimentos bons, estimulando novas ideias, fortalecendo a inteligência, não resta dúvidas de que é saudável estabelecer ligações permanentes com as variadas formas de beleza encarnadas pela Arte.
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Revista Santos Arte e Cultura - Setembro/2010

Fonte:
Enviado pelo autor.
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.

Mara Garin (Notícia de Jornal)

Dia destes, quente tarde de verão, saí caminhando pelo meu sítio, fotografando flores, bichos, plantas, céu, vertentes, pedras e ilusões. No limite Sul da propriedade encontrei minha vizinha lindeira, uma senhorinha envergada por muitos verões, mas de mãos firmes na enxada, que habilmente separa as ervas daninhas, de suas lindas e coloridas pimenteiras dedo de moça, ela bem disposta e sorridente questionou:

– Vizinha! Tu viu as notícias do jornal de sábado?

– Não!

– Dois moços brigaram de facões! Um caminhou até perto de casa e morreu, sentado no meio da rua, o outro caminhou até uma parada de ônibus e sentou, quase morto, esperando socorro, está bem mal no hospital, muito triste! O que tu pensa disso?

- Eu? Não penso nada, só oro pelos corações das mães! Não me interessam os motivos, não me interessam as mensagens que correm nos grupos de WhatsApp, não me interessam os que viram e não impediram, não me interessam as fotos sangrentas. Só me interessa orar pelos corações das mães!

A vizinha deu uma desculpa, falou da falta de chuva, mostrou uma nuvem cinza ao norte, que o vento soprava para longe da cidade, e, vagarosamente despediu-se e entrou em sua casa. Eu voltei pelo mesmo caminho refletindo, porque a desgraça é notícia e a arte não? Porque os textos com tristezas rapidamente são virais na Internet, enquanto a literatura mofa, em páginas de jornais, livros nas estantes ou arquivos nunca impressos? Porque a poesia e o amor não são virais?

Porque somos frutos de nossas escolhas! Enquanto eu escolho a beleza do meu mundo, a vizinha compra a tristeza espalhada no jornal, reproduzida na televisão, viralizada nas redes sociais.

Neste mesmo dia, na mesma rua, um menino de família humilde se formava professor, mas isso não vende jornal, só eu vi a beleza e o orgulho nos olhos daquela outra mãe.

Fonte:
Texto enviado por Jaqueline Machado.