quinta-feira, 30 de maio de 2024

Eliana Palma (Microcontos) = 3 =

Não suportava mais a fibromialgia. A infiltração de anestésico a fez sorrir, aliviada, pouco  antes que o choque anafilático eliminasse a dor... definitivamente.
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Voluntariosos, não davam o braço a torcer. Trocaram o amor pelo orgulho. Hoje, duas famílias desfeitas sofrem com o reatar da paixão antiga!
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Sentira o carocinho há tempos. Não doía. Deixou para lá! Calva e sem curvas, lamenta a negligência!!!!!
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Depois da “barriga de aluguel”, a casa nova e o coração vazio…
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Trocou a mulher velha e gorda pela gatinha coquete. O coração safenado não resistiu à emoção da primeira noite!
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Sempre se achara diferente dos irmãos; loira, sardenta; os outros, morenaços como o pai. E a voz da vizinha não saía da cabeça: "você é a cara do ex-namorado de sua mãe"...
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Uma vida de paixão à distância. Enviuvou. Esperou impaciente o tempo do luto, e foi atrás do grande amor. Errara o timing. Ele morrera uma semana antes!
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Embirrou que queria o carro da moda. O marido não podia, mas ela exigiu. Saiu da agência tão feliz que os olhos se encheram de lágrimas. Nem viu o ônibus acelerado...
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Fez um book caprichado: muito photoshop, reclamações e correções. E as perguntas invariáveis: "é sua filha"?
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Queria ser famoso no mundo da literatura! Contratou um escritor competente e pagou caro pela edição. Só no dia do lançamento deu-se conta de que nada era seu: nem o nome do autor, na capa...
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Custou para entrar na equipe. Subornou o técnico! No primeiro jogo a falta de habilidade o fez cair, e o estalo no tornozelo o deixou fora das quadras para sempre!!!!
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Chovia torrencialmente. Um homem, ao lado da estrada, fez sinal para parar. Obedeceu, e a pista foi tomada por enorme carreta, na contramão. Não havia ninguém no acostamento a quem pudesse agradecer...
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Do alto, olhava montanhas e vales feitos de nuvens. Estranhou o verde abrupto, e nem ouviu a explosão.
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Não faria exames de prevenção; e se aparecesse alguma coisa? Não fez. Apareceu. Esparramou-se e levou-a!
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Boa pessoa, não acreditava no além. Na hora da passagem, em meio a vultos luminosos, julgou ouvir: "Eu não disse?”
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Sol forte, brisa fresca e mar azul. Tinha fome, mas decidiu dar um mergulho antes. Ainda no ar, ao saltar da popa, divisou o triângulo cinzento, na flor da água, também em busca do almoço...
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Nunca trabalhara, seguindo o exemplo paterno. Na calçada, sob a chuva, em meio aos últimos pertences despejados, amaldiçoava a sabedoria do avô: —"Pai rico, filho nobre, neto pobre"!
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Sonhava em ter asas! Mas, ao menos, não tinha raízes... Custou a subir no penhasco e, finalmente, voou...
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Seu sonho era ser cantor, mas a voz não ajudava. Comprou horários e jabás, mas nada de a carreira decolar. Um dia, ouviu seu empresário cantarolar e trocou os papéis. Hoje, contando muito dinheiro acordou!
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Adotaram-no pequenino, sem se importarem com a procedência. Após a festa de 18 anos, a execução dos ricos pais adotivos no aflorar dos genes assassinos!
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Casou-se com o mais pobre da turma, sob o escárnio dos amigos da roda. Trabalho, poupança, foco, a melhor vida do grupo e a inveja dos demais.
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Sempre fora bela, mas a idade chegava e não cessavam os procedimentos estéticos. E o amigo alemão se recusava a contar a ela o motivo de querer conservar a imagem!

Fonte: Maria Eliana Palma. Momentos em prosa e verso. Maringá, 2016. Entregue pela autora.

Recordando Velhas Canções (Força Estranha)


Compositor: Caetano Veloso

Eu vi um menino correndo
Eu vi o tempo
Brincando ao redor do caminho daquele menino
Eu pus os meus pés no riacho
E acho que nunca os tirei
O Sol ainda brilha na estrada, e eu nunca passei

Eu vi a mulher preparando
Outra pessoa
O tempo parou pra eu olhar para aquela barriga
A vida é amiga da arte
É a parte que o Sol me ensinou
O Sol que atravessa essa estrada que nunca passou

Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha

Eu vi muitos cabelos brancos
Na fronte do artista
O tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece
Aquele que conhece o jogo
Do fogo das coisas que são
É o Sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão

Eu vi muitos homens brigando
Ouvi seus gritos
Estive no fundo de cada vontade encoberta
E a coisa mais certa de todas as coisas
Não vale um caminho sob o Sol
E o Sol sobre a estrada, é o Sol sobre a estrada, é o Sol

Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha

Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha

Por isso uma força me leva a cantar
Por isso essa força estranha no ar
Por isso é que eu canto, não posso parar
Por isso essa voz tamanha
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A Eternidade e o Momento: A Força da Arte em 'Força Estranha'
A canção 'Força Estranha', interpretada por Caetano Veloso, é uma obra que contempla a relação entre o tempo e a existência, a arte e a vida. A letra, rica em imagens poéticas, sugere uma reflexão sobre a passagem do tempo e a percepção de momentos que, embora efêmeros, são eternizados pela arte.

No primeiro verso, a visão de um menino correndo e o tempo 'brincando' ao seu redor evocam a ideia de que a vida é um ciclo contínuo e que o tempo é um elemento lúdico, mas também inexorável. A menção aos pés no riacho que nunca foram retirados e ao Sol que brilha na estrada por onde nunca se passou, pode ser interpretada como a imersão do eu lírico na corrente da vida e na luz da criação artística, sem se deixar levar pela pressa ou pela necessidade de seguir um caminho pré-determinado.

A 'força estranha' que leva o eu lírico a cantar é uma metáfora para a inspiração e a necessidade intrínseca de expressão artística. A repetição do refrão enfatiza a intensidade dessa força que impulsiona o artista a criar, a despeito do tempo que não para e das adversidades. A música, portanto, celebra a arte como uma manifestação atemporal e poderosa, capaz de capturar a essência da vida e de resistir ao próprio tempo.

Marcelo Spalding (A Ambientação nos Textos)

A AMBIENTAÇÃO EM TEXTOS HISTÓRICOS

Quem se aventura a escrever um texto histórico deve ter alguns cuidados com o enredo e a ambientação, pelo bem da verossimilhança. O curioso é que em relação ao enredo alguns artistas fazem o que se chama metaficção historiográfica, combinando de modo irreal os fatos da história e por vezes, inclusive, modificando-os. Se isso no começo espantou os leitores e espectadores, hoje é considerado característica da cultura pós-moderna.

Mesmo nesses casos, porém, é fundamental que a ambientação seja verossímil. Por mais que o artista esteja recriando os fatos da Segunda Guerra, como Tarantino em Bastardos Inglórios, não pode de uma hora para outra aparecer alguém com um telefone celular, ou alguém ouvindo Lady Gaga, ou alguém comentando sobre Barack Obama, ou alguém de minissaia.

Nesse sentido, para escrever um texto histórico procure se informar sobre a cultura da época: os costumes, a moda, a gastronomia. Mas, quando possível, procure se informar com textos e documentos da época, não a partir de textos de outros escritores sobre a época, pois sempre que um autor contemporâneo resgata o passado, ele o faz com o olhar contemporâneo.

Claro que alguns se esforçam para tornar a ambientação mais realista, outros não se preocupam com isso (como os blockbusters históricos de Hollywood, em que as mulheres da Idade Média têm cabelos bem cortados, sobrancelhas aparadas e axilas depiladas), mas é impossível dissociarmos totalmente o tempo em que vivemos, seus valores, seu passado, seus aprendizados, do tempo representado.

Lembre-se, por fim, de que a língua também é parte da cultura e também se modifica com o tempo. O próprio vocabulário das personagens precisa ser adequado à época: tenha cuidado com gírias, regionalismos ou construções comuns hoje, mas não utilizadas na época de ambientação do texto.
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A AMBIENTAÇÃO EM TEXTOS FUTURISTAS

A criação de textos futuristas é sempre muito instigante? embora não seja nada fácil. Ocorre que a ambientação de um texto futurista parte da realidade atual, modificando-a de acordo com a proposição do autor: por exemplo, se no futuro viveremos todos vigiados por um Big Brother; ou se no futuro não teremos mais água; ou se no futuro voaremos como pássaros.

Como exercício, imagine o mundo de hoje. Agora faça uma ou outra modificação importante nas leis de hoje (sociais, físicas, econômicas, políticas). E desloque sua história para 50 ou 100 anos adiante. Pronto, pense em quanta coisa mudou em função desse deslocamento.

Alguns escritores, como Júlio Verne, foram saudados como visionários por terem escrito sobre invenções que futuramente se confirmariam. Outros influenciaram as próprias pesquisas e o desenvolvimento tecnológico com seus textos, como Asimov. Modernamente, porém, percebemos que há uma grande quantidade de textos futuristas que se inspiram em pesquisas e relatos já publicados, explorando-os de forma poética e reflexiva em seriados, livros e filmes.

O filme Gattaca, por exemplo, lida com a complexa questão da engenharia genética e seus dilemas éticos. Esta é uma pesquisa avançada, e se não há ainda uma manipulação genética como a proposta no filme é mais por questões legais do que questões tecnológicas. Já Minority Report traz uma temática bastante fantasiosa ? a possibilidade de se prever crimes ?, mas com uma ambientação muito cuidadosa, baseada em pesquisas de ponta, como holografia, realidade aumentada, transportes individuais automatizados, reconhecimento facial, etc. Além disso, o filme cria uma ambientação social muito verossímil, com a tecnologia sendo usada para aumentar a segurança do cidadão, ainda que para isso viole sua liberdade e privacidade (neste aspecto, não poderia deixar de citar o seriado brasileiro 3%). Em histórias como Gattaca ou Minority Report, o futuro parece melhor ou mais organizado (embora os homens, por questões sociais, possam torná-lo aparentemente pior). Pode- mos dizer que essa é uma visão utópica, a do futuro como algo promissor, comum especialmente por aqueles que acreditam nas maravilhas da tecnologia.

Outra visão que se reflete na ficção futurista é a visão distópica, em que a humanidade é destruída em função de guerras, invenções tecnológicas, doenças, etc. Matrix e O Livro de Eli são exemplos de filmes distópicos, sem falar nos clássicos romances Admirável Mundo Novo e 1984. Particularmente me parece melhor evitar o maniqueísmo, cuidando o futuro catastrófico (já um tanto clichê) ou o futuro paradisíaco (até porque você precisa de um conflito).

Fontes:

quarta-feira, 29 de maio de 2024

José Feldman (Versejando) 139

 

Jaqueline Machado (O presenteador)

O jovem disse a um velho sábio:

- Sou um viajante sonhador. Em cada lugar que chego, compro presentes para oferecer às pessoas que amo. Junto dos presentes, ofereço minha transparência e verdade. Mas elas acham que quero algo em troca. Por que isso acontece?

 - “As pessoas não acreditam mais em gentilezas. Acostumaram-se a um estilo de vida onde nada mais parece ser genuíno, gratuito e verdadeiro. Não veem você como um presenteador, mas como um manipulador. Só que manipuladores forçam, e você apenas oferece... E apesar das decepções deve permanecer assim.

“Porque tudo que é manipulado, calculado demais, foge à essência natural das coisas. 

“Tudo o que fere o livre arbítrio, não é da vontade de Deus. 

“Nem trabalho, nem amizade, nem amor. Nem outra coisa alguma. 

“Absolutamente nada deve ser forçado. 

“Se a pessoa recusa o seu presente, não o ofereça mais. 

“Nada pode ser exigido. O estranho é saber que muitos dos que se negam receber presentes da vida, são merecedores de tais dádivas, mas por algum motivo se sabotam.   

“E quando o que é sincero, por razões de orgulho e desconfiança parece ser falso, a Vida, zangada, vem e desfaz milagres e alianças que deveriam ser reconhecidas, celebradas e intensamente vividas junto dos anjos e dos homens.

“Em casos de negações, o merecedor vira pecador. 

“E o presente que era para ser de alguém, é tirado de suas mãos. E oferecido a quem merece mais. 

“É por motivos como estes que muita gente se perde do caminho da felicidade. 

“Vá em paz, meu bom garoto. Siga o seu caminho. E não deixe de viver de acordo com as regras de sua essência.” 

O rapaz, feliz, em sinal de reverencia beijou as mãos do ancião e com sua mochila cheia de lembrancinhas seguiu as trilhas de seu destino...

Fonte: Texto enviado pela autora

Vereda da Poesia = 20 =


Trova de Curitiba/PR

Emílio de Meneses  
Curitiba/PR, 1866– 1918, Rio de Janeiro/RJ

Estranha contradição
que a Terra vira e revira:
muita mentira é paixão,
muita paixão é mentira.
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Soneto de São Paulo/SP

Mauro Raul de Moraes Andrade
1893– 1945

ARTISTA

O meu desejo é ser pintor — Leonardo,
cujo ideal em piedades se acrisola;
fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
do sonho ilustre que em meu peito guardo...

Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo
da vida, a cor da veneziana escola,
dar tons de rosa e de ouro, por esmola,
a quanto houver de penedia ou cardo.

Quando encontrar o manancial das tintas
e os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos,

irei morar onde as Desgraças moram;
e viverei de colorir sorrisos
nos lábios dos que imprecam ou que choram!
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Triverso de Caxias do Sul/RS

Fabrício Carpinejar

A vida com erros de ortografia
tem mais sentido.
Ninguém ama com bons modos.
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Poema de Lisboa/Portugal

António Lampreia
(António José Lopes Lampreia)
Setubal, 1929 – 2003, Lisboa 

SOMBRAS DA MADRUGADA

Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra já esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu não queres
mas já te amou!
É madrugada não importa
neste silêncio há mais verdade
a noite é triste e tão sózinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu não te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.
Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
já não tem nada
anda perdida
quando a manhã, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!
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Trova Humorística, de Fortaleza/CE

Nemésio Prata
(Nemésio Prata Crisóstomo)

Nos bailes não dava trela,
e a todos dizia não;
mas no fim foi a donzela
quem "dançou": ficou na mão!
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Poema de Divinópolis/MG

Adélia Prado

PARA PERPÉTUA MEMÓRIA

Depois de morrer, ressuscitou
e me apareceu em sonhos muitas vezes.
A mesma cara sem sombras, os graves da fala
em cantos, as palavras sem pressa,
inalterada, a qualidade do sangue,
inflamável como o dos touros.
Seguia de opa vermelha, em procissão,
uma banda de música e cantava.
Que cantasse, era a natureza do sonho.
Que fosse alto e bonito o canto, era sua matéria.
Aconteciam na praça sol e pombos
de asa branca e marron que debandavam.
Como um traço grafado horizontal,
seu passo marcial atrás da música,
o canto, a opa vermelha, os pombos,
o que entrevi sem erro:
a alegria é tristeza,
é o que mais punge.
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Epigrama da Bahia

Lafaiete Spínola Castro

É um caso de embasbacar,
mas, que faz a gente rir:
O De Nancy – a velar…
E seu talento – a dormir!

(Sobre o literato baiano De Nancy Avelar)
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Décima de Natal/RN

Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal

PERDÃO NA ETERNIDADE
 
Para alcançar o perdão
no reino da eternidade,
vão pesar meu coração
na balança da verdade;
pra saber a quantidade
dos meus erros capitais,
entre os pecados mortais
e meus atos de bonança,
quando eu botar na balança
Deus sabe quem pesa mais!…
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Trova Premiada  em Pedro Leopoldo/MG, 2003

A. A. de Assis
(Antonio Augusto de Assis) 
Maringá/PR

Era um guri tão terror,
que a escola inteira o temia.
Cresceu... virou professor...
paga com juro hoje em dia!
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Glosa de Catanduva/SP

Ógui Lourenço Mauri

MOTE:
 Pai, eu te peço perdão
por não ser o que querias!
Eu vivo na contramão,
num refúgio... de poesias!
 José Feldman 
(Campo Mourão/PR)
  
GLOSA:
 Pai, eu te peço perdão
por ter frustrado teu sonho.
Assim, não queria, não;
é disso que me envergonho!
 
Lamento muito, meu velho,
por não ser o que querias!
 Na leitura do Evangelho,
eu tento acalmar meus dias.
 
Desde cedo, fiz a opção,
eu nasci pra ser poeta.
Eu vivo na contramão
de tua paternal meta.
 
Não me ajeito a obrigações,
só faço o que repudias.
Vivo minhas emoções
num refúgio... de poesias!
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

Cecy Barbosa Campos

metrô
transportando
cansaço
na
cidade
grande
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Sextilha Agalopada, de São Simão/SP

Thalma Tavares
(Vicente Liles de Araújo Pereira)

Martins Fontes amou uma roseira
e com ela casar-se pretendeu.
Sofreu tanta ilusão o bom poeta
que as delícias trocou do himeneu
pelo encanto floral da Natureza
e à pureza das rosas se rendeu.
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Trova de Santos/SP

Luiz Otávio
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ, 1916-1977, Santos/SP

Nessas angústias que oprimem,
que trazem o medo e o pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto!.. 
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Poema de Cachoeira do Sul/RS

Jaqueline Machado

PALAVRAS 

Não pronuncio palavras sombrias 
porque todas elas
já foram lançadas em minha direção. 
São duras feito pedras. 
E como machucam... 
Se fugi de algumas delas? 
Não. 
Acolhi todas. 
E as transformei em bênçãos. 

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Quadra Popular

Mandei buscar na botica
remédio para uma ausência,
me mandaram a saudade,
coberta de paciência.
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Ditirambo de São Paulo

Oswald  de Andrade
São Paulo/SP, 1890- 1954 

Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade
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Ditirambo, poema lírico de estrofes irregulares que exprime o delírio do entusiasmo, da alegria.

O poema é simultâneamente claro e sombrio, talvez daí o nome ditirambo...faz lembrar um daqueles sonhos em que tudo parece perfeito, mas há um pormenor que o transforma em pesadelo, causando-nos espanto e desespero (Alexis, in http://www.luso-poemas.net)

Nas origens do teatro grego, o ditirambo era um hino grego antigo cantado e dançado em homenagem a Dionísio, o deus do vinho e da fertilidade; O termo também foi usado como um epíteto do deus. Platão, em As Leis, ao discutir vários tipos de música, menciona "o nascimento de Dionísio, chamado, eu acho, de ditirâmbdio". Platão também observa na República que os ditirâmbos são o exemplo mais claro de poesia em que o poeta é o único orador.

No entanto, em A Apologia, Sócrates foi aos ditirâmbos com algumas de suas passagens mais elaboradas, perguntando seu significado, mas obteve uma resposta de: "Você vai acreditar em mim?" que "me mostrou em um instante que não por sabedoria os poetas escrevem poesia, mas por uma espécie de gênio e inspiração; São como adivinhos ou adivinhos que também dizem muitas coisas boas, mas não entendem o significado delas".

Plutarco contrastou o caráter selvagem e extático do ditirâmbo com o peão. De acordo com Aristóteles, o ditirâmbo foi a origem da tragédia ateniense. Um discurso ou peça de escrita extremamente entusiasmada ainda é ocasionalmente descrito como ditirâmico.

Ditirâmbos foram cantados por coros em Delos, mas os fragmentos literários que sobreviveram são em grande parte atenienses. Em Atenas, os ditirâmbos eram cantados por um coro grego de até cinquenta homens ou meninos dançando em formação circular, que podem ou não estar vestidos como Sátiros, provavelmente acompanhados pelos aulos. Eles normalmente relatariam algum incidente na vida de Dionísio ou apenas celebrariam o vinho e a fertilidade.

Os gregos antigos estabeleceram os critérios do ditirâmbo da seguinte forma:

Ritmo especial
Texto enriquecedor
Conteúdo narrativo considerável
Caráter originalmente antistrófico

Competições entre grupos, cantando e dançando ditirâmbos eram uma parte importante das festas de Dionísio, como a Dionísia e Lenaia. Cada tribo entraria em dois coros, um de homens e outro de meninos, cada um sob a liderança de um corifeu. Os nomes das equipes vencedoras das competições ditirâmbicas em Atenas foram registrados. Os No entanto, a maioria dos poetas permanece desconhecida. 

Eduardo Martínez (Santana e o furto em residência)

O plantão da delegacia estava abarrotado, mas o agente Ricky Ricardo precisou designar dois policiais para um local de furto em residência. Chamou o Pedro, um dos mais competentes da delegacia. No entanto, para acompanhar o colega, estava sem melhores opções e, por isso, mandou o Santana. Que lástima! Fazer o quê?

Os dois agentes, já na viatura a caminho do local de crime, tiveram que enfrentar um engarrafamento. Pedro, ao volante, procurava encontrar uma brecha entre os carros para chegar logo, enquanto o Santana, com aquela vontade louca de acender mais um cigarro, abriu a janela da viatura. As baforadas começaram a sair da chaminé instalada entre o nariz e o queixo do antigo policial. 

Quase meia hora após, eis que os canas estacionaram em frente a uma casa na parte mais nobre da cidade. Pedro, mais ágil e proativo, desceu do veículo para desenrolar aquela situação. Quanto ao Santana, com os costumeiros movimentos de bicho-preguiça, ainda quis acender outro cigarro antes de descer da viatura. 

Pedro, serelepe que nem esquilo, sacou um pequeno caderno e uma caneta do bolso a fim de começar a anotar os detalhes para começar as investigações. Também precisava averiguar possíveis pontos de vestígios deixados pelo ladrão para que a seção de perícia fosse acionada. Quando o policial estava conversando com a dona da residência, eis que o Santana surge. Pedro, que já conhecia o modus operandi do colega, se afastou para procurar alguma pista, enquanto Santana e a vítima conversavam.

— Por onde o ladrão entrou?

— Por aquela janela.

— Hum... O ladrão entrou por aquela janela?

— Sim.

— Entrou por aquela janela?

— Isso.

— O ladrão entrou por aquela janela, né?

— Foi o que eu disse.

— Hum... Então, a senhora está me dizendo que o ladrão entrou por aquela janela ali?

Após quase 10 minutos naquela lenga-lenga, a mulher começou a se irritar com o Santana. Pedro, percebendo a situação, tratou logo de puxar o colega pelo braço e ir embora, mesmo porque sabia que precisava retornar o mais rápido possível para a delegacia, pois Ricky e Evelina estavam sozinhos para atender aquele mundaréu de gente. Mal entraram na viatura, o Santana, com a cara mais cínica do mundo, ainda quis se fazer de desentendido.

— Você viu aquela mulher, Pedro? Que estresse foi aquele? Esse mundo está mesmo perdido!

Fonte: Fonte> Blog do Menino Dudu – 27.05.2024

Recordando Velhas Canções (Saudosa Maloca)


Compositor: Adoniran Barbosa

Se o senhor não está lembrado
Dá licença de contar
Que aqui onde agora está
Esse adifício alto
Era uma casa velha, um palacete abandonado
Foi aqui, seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca

Mas um dia
Nem quero me lembrar
Veio os homis co as ferramentas
Que o dono mandou derrubar
Peguemo tudo a nossas coisas
E fumos pro meio da rua apreciar a demolição
Que tristeza que eu sentia
Cada táuba que caía, doía no coração

Mato Grosso quis gritar
Mas em cima eu falei
Os homis tá ca razão, nós arranja outro lugar
Só se conformemos
Quando o Joca falou
Deus dá o frio conforme o cobertor

E hoje nós pega paia nas grama do jardim
E pra esquecer, nós cantemos assim

Saudosa maloca, maloca querida
Dim, dim, donde nós passemo os dias feliz de nossas vidas
Saudosa maloca, maloca querida
Dim, dim, donde nós passemo os dias feliz de nossas vidas

Saudosa maloca, maloca querida
Dim, dim, donde nós passemo os dias feliz de nossas vidas
Saudosa maloca, maloca querida
Dim, dim, donde nós passemo os dias feliz de nossas vidas
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A Melancolia e Resistência em 'Saudosa Maloca'
A música 'Saudosa Maloca', composta pelo icônico Adoniran Barbosa, é uma crônica cantada que retrata a realidade dos moradores de uma maloca, ou seja, uma habitação improvisada e precária, que é despejada para dar lugar a um 'adifício arto', um edifício alto. A letra é um relato nostálgico e triste de um dos moradores que, junto com seus companheiros Mato Grosso e Joca, é forçado a deixar o lugar que chamavam de lar.

A canção é marcada por uma melodia que transmite a melancolia da situação, mas também a resignação dos personagens diante da realidade. A expressão 'Deus dá o frio conforme o cobertor' é uma metáfora que ilustra a aceitação da condição de vida e a capacidade de adaptação dos menos favorecidos. A música também reflete a urbanização acelerada e a consequente marginalização de pessoas de baixa renda, que são deslocadas sem consideração pelas suas histórias e memórias.

'Saudosa Maloca' é um retrato social que denuncia as injustiças e a desigualdade, mas também celebra a resiliência e a solidariedade entre aqueles que compartilham do mesmo destino. Adoniran Barbosa, conhecido por suas composições que retratam o cotidiano paulistano, utiliza a linguagem coloquial e elementos do samba para dar voz aos sentimentos e desafios enfrentados pelos personagens da música.

Sílvio Romero (O rei Andrada)

(Folclore do Sergipe)

Havia um rei de nome Andrada, que tinha três filhas, e lhes disse que o que sonhassem lhe contassem todos os dias pela manhã. 

Uma delas, logo no dia seguinte, contou ao rei um sonho que foi o seguinte: “Sonhei que havia de mudar de estado nestes poucos dias, e cinco reis haviam de me beijar a mão, e entre eles el-rei meu pai.” 

O rei ficou muito zangado com a filha e lhe ordenou que, se de novo sonhasse aquilo, não lhe contasse mais, senão a mandaria matar. 

A moça tornou a sonhar coisa semelhante, e pela manhã, apesar de lhe rogarem as irmãs, ela contou o sonho ao pai. Ele mandou matá-la, e cortar-lhe o dedo mindinho que os matadores lhe deviam trazer.

Os criados do rei levaram a princesa para um ermo, e tiveram pena de a matar; cortaram-lhe somente o dedo, que levaram ao rei, deixando a moça nas brenhas. 

Ela começou a caminhar, e, muito longe, encontrou um buraco, e entrou por ele dentro, e, quanto mais entrava, mais o buraco se alargava até que ela foi dar num rico palácio. Aí ela tinha o almoço, a janta, e a ceia, sem ver ninguém, porque o palácio era encantado. Apenas ela ouvia, de um quarto que estava fechado, falar um papagaio. 

Depois de alguns dias, apareceu-lhe um lindo moço que lhe deu a chave do quarto, e disse que o abrisse e respondesse ao papagaio coisa que fizesse sentido ao que ele dissesse. O moço desapareceu. 

A princesa abriu o quarto, e o papagaio, que era muito grande e bonito, e das asas douradas, ficou muito alegre, sacudindo-se todo, e disse:

“Como vem a filha
Do rei Andrada
Tão bonita,
Tão formosa,
E tão ornada!”

— Ó meu papagaio dourado,
Eu das tuas ricas penas
Pretendo fazer um toucado.

Aí o papagaio desencantou-se no lindo moço que antes lhe tinha aparecido. O moço mandou logo vir um padre e se casou com a princesa, mandando convidar cinco reis, que no cortejo beijaram a mão de sua noiva. 

No meio deles veio o rei Andrada. Todos os outros beijaram a mão da princesa, e, quando chegou a vez do rei Andrada, a nova rainha não lhe quis dar a mão; pelo que ele ficou muito injuriado, e foi queixar-se ao rei seu amigo, e dono da casa. 

O noivo, indo perguntar a razão daquilo, a moça lhe contou a sua história, o que sabendo o rei Andrada foi pedir perdão à sua filha.

Fonte: Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1885. Disponível em Domínio Público. 

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Daniel Maurício (Poética) 67

 

Laé de Souza (Mudanças de um tocador)

Eminiana conhecia muito bem o Laureano. Nos seus quase dez anos de casados pouca coisa tinha mudado no moço.

Era tradição, no final do dia, trancar-se no quarto e tocar pelo menos por uma hora suas músicas de rock. 

Eminiana segurava os filhos para não importunar o cantor. Se quisessem ouvir que colassem o ouvido na porta. Ferrenho crítico e de ouvido apurado, repetia por diversas vezes a mesma canção, até que se desse por satisfeito e, aí sim, tocaria numa reunião com amigos.

Por mais que insistissem, se não estivesse com os acordes perfeitos, ritmo e harmonia acasalados, não tocaria uma canção, mesmo que embalado por churrasco e bebedeira e ainda que algum se oferecesse a acompanhá-lo ou a fazer uma segunda voz.

Muitos achavam o fulano esnobe, metido e extremamente carinhoso com seu instrumento. Até brincavam: "Podem arranhar e amassar a mulher do Laureano, mas ai de quem melindrar o seu violão." Mas todo artista tem o seu estilo e o Laureano era criterioso com sua arte. E foi num animado churrasco na casa do Doidão que, pela primeira vez, Eminiana percebeu que, embalado pela caipirinha, o tocador batia um sertanejo acompanhado em coro pelos amigos. Apareceram até com uma revista de músicas do Zezé di Camargo e Luciano, que jogaram nas mãos do Laureano que se esforçava no pontear de boleros sertanejados e no arrastar de voz. A alegria era geral com o novo estilo do violeiro.

'Agora sim! Tá do jeito que a gente gosta", dizia o Doidão. Mas Eminiana não se entusiasmava nem entrava no clima. Estava no seu canto, apagada e pensativa com aquela mudança de estilo do marido. E foi no refrão de Pão de Mel, música que o marido já sabia de cor, que ela abriu um choro baixinho, daqueles que perturbam mais que um berreiro, e que acabou com a festa. Questionamentos sobre o quê? Qual o problema?... E nada. Conjecturas e comentários em cochichos, Mas foi quando o Laureano lhe perguntou qual a dor que lhe incomodava, que ela se abriu: 

"Dor de coração. E a mudança no teu estilo Laureano. Como é que tu, que só queria saber de rock e só tocava quando atingia a perfeição, me vem com estes sertanejos e melodias dengosas e ainda arranhando o violão de qualquer jeito?"

Não adiantou ele retrucar que estava em voga, A Eminiana rebateu que ele nunca foi de modismo e que, pelo que se sabia, o que estava em moda e crescendo no gosto do povo era o forró e não aquelas canções que ele estava tocando num jeito apaixonado. Embora o tocador argumentasse que forró e sertanejo eram quase iguais, a mulher chamava-lhe ã atenção de que ele era muito bom de ouvido e de viola para querer confundir os ritmos.

A festa acabou, a viola está por uns dias encostada e até empoeirando, mas não me sai da cabeça e nem da cuca da Eminiana que o jeitão do Laureano é de quem está com o coração com paixão nova, o que faz com que ela se ligue em outros comportamentos do mancebo e fique a observar suas conversas com amigas que sejam caídas por moda caipira.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.