sexta-feira, 13 de junho de 2008

Noticias Rápidas (São Paulo)

PROJETO DOSE DE LEITURA
Projeto “Dose de Leitura” abre inscrições para doação de três mil livros para 15 hospitais em todo o país. Com o objetivo de incentivar o hábito da leitura e levar entretenimento aos pacientes, o projeto “Dose de Leitura” do escritor Laé de Souza, em execução desde 2004, com o apoio do Ministério da Cultura, abre inscrições pelo site http://www.projetosdeleitura.com.br/ para 15 hospitais em todo o país receberem gratuitamente livros de sua autoria, que ficarão disponíveis nos quartos e recepções para os pacientes, acompanhantes e visitantes durante a permanência no local.
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HORIZONTES DA POESIA, DE EUCLIDES CAVACO
Este livro de Euclides Cavaco – “Horizontes da Poesia” – suscita reflexões ou abordagens heurísticas que, ao longo dos últimos anos, tive oportunidade de exprimir no contexto da Lusofonia, sua expansão e divulgação.
http://www.joaquimevonio.com/prosa_1.htm#horizontes
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PNLL: BIBLIOTECAS E MEDIADORES PELA LEITURA NO BRASIL
12/5/2008 - Equipe PNLL
O Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), dos Ministérios da Cultura e da Educação, com o apoio da Bienal do Livro de Minas Gerais e da Fagga Eventos, tem o prazer de convidar para o encontro
PNLL: Bibliotecas e Mediadores pela Leitura no Brasil
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LYGIA FAGUNDES TELLES FALA SOBRE CAPITU
A romancista Lygia Fagundes Telles, cujo livro "A Ciranda de Pedra" é pela segunda vez novela da Globo, falará esta semana, na Academia Paulista de Letras, sobre "O Enigma de Capitu". A conferência de Lygia será às 18 horas de 12 de junho, quinta-feira, na sede da Academia, com entrada franca. A APL fica no Largo do Arouche, 324, 2º andar.
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CAFÉ FILOSÓFICO
O psicólogo Marco Heleno Barreto é o convidado para mais um Café Filosófico. Ele falará sobre “Individuação: entre destino e liberdade”. Quando: sexta-feira (13), a partir das 19 horas, Onde: Auditório da CPFL Piratininga. A entrada é gratuita.
http://www.vejosaojose.com.br/sorocabadiaenoite.htm
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RODA MUNDO E RODAMUNDINHO SERÃO LANÇADOS EM JULHO
O Rodamundinho é uma antologia infanto-juvenil idealizada que reúne textos de jovens de sete a 15 anos. (vejam as capas)
http://www.itu.com.br/noticias/detalhe.asp?cod_conteudo=14109
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IMIGRAÇÃO JAPONESA
Os 100 Anos Imigração Japonesa é tema de exposição que acontece de 13 a 22 de junho no Esplanada Shopping. Informações: 3332-9933.
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BONADIO NO PROGRAMA 'TRANSPARÊNCIA', NA TV SOROCABA AO VIVO
O presidente da Associação Sorocabana de Letras, o escritor e jornalista Geraldo Bonadio, será o próximo entrevistado do programa 'Transparência' transmitido pela web-tv Sorocaba ao vivo (www.sorocabaaovivo.com.br) todas as terça-feira, às 19h30.
Com apresentação de Helio Rubens, o programa Transparência semanalmente coloca em exposição pública, da maneira mais transparente possível, ao vivo, uma grande personalidade da cidade de Sorocaba ou da Região.
fonte: http://www.itapedigital.com.br/rol/index.php?option=com_content&task=view&id=3037 ======================
4ª SEMANA DO ESCRITOR RECEBE INSCRIÇÕES
Estão abertas as inscrições para autores que desejam divulgar suas obras durante a 4ª Semana do Escritor de Sorocaba, que será realizada de 22 a 27 de julho na Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba - Fundec. (As inscrições vão até o dia 18 de julho).
http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/1027036
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Fonte:
Douglas Lara. In
www.sorocaba.com.br/acontece

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Milton Hatoum (Leitores incomuns)

O observador sabe que lá no alto, sentado num galho, alguém olha para um livro

Há tanta diferença entre a “atitude” de quem lê e a de quem escreve? Um dos problemas cruciais do leitor e do escritor é a falta de tempo, decorrente da pressão do dia-a-dia.

Os escritores que vivem de sua pena não podem escolher uma hora do dia ou da noite para trabalhar. Mesmo os que tiveram ou têm a sorte de não depender do trabalho da escrita, revelam-se compulsivos, ávidos para narrar. O que deve ser escrito é inadiável. Deixar para escrever mais tarde, amanhã ou outro dia qualquer só atrapalha o andamento da narrativa. Adiar um trabalho pode ser um alívio para um burocrata, não para um escritor. Ainda assim, há momentos de pausa e reflexão, de pesquisa e anotações, e, às vezes, de interrupções forçadas, um verdadeiro castigo para quem escreve. E há também pausas para leitura: a urgência de escrever não é menor nem menos intensa do que a urgência de ler.

“Escrevo porque leio”, afirmam alguns escritores. Mas um leitor poderia dizer: não escrevo nada, mas é como se a leitura fosse um modo de escrever, de imaginar situações, diálogos e cenas que a memória registra no ato da leitura.

O pior leitor é o passivo, resignado, que aceita tudo e lê o livro como uma receita ou bula para o bem viver. Este é o não-leitor. Porque o texto de auto-ajuda é um compêndio de trivialidades, palavras que não questionam, não intrigam nem fazem refletir sobre o mundo e sobre nós mesmos.

II

Um bom leitor reescreve o livro com a imaginação de um escritor. Alguns vão mais longe. Com os olhos no texto e um lápis na mão, eles fazem anotações nas margens das páginas, sublinham frases, cravam aqui e ali pontos de interrogação. Há os que elaboram fichas com resumos ou esquemas do enredo, árvores genealógicas, comentários sobre o tempo da narrativa, posição do narrador, personagens, idéias, metáforas, ambiente político, social etc. Esse leitor incansável seria o leitor ideal, mencionado por Umberto Eco no ensaio Seis passeios pelo bosque da ficção.

No Tempo redescoberto – último volume do Em busca do tempo perdido –, o narrador de Proust faz uma reflexão sobre esse tema. Um livro, diz o narrador proustiano, pode ser sábio demais, obscuro demais para um leitor ingênuo. A imagem que Proust evoca é a de uma lente embaçada entre o olhar e as palavras: um anteparo à leitura. Mas o inverso também acontece quando o leitor astucioso revela capacidade e talento para ler bem. De acordo com o autor francês, “cada leitor é, quando está lendo, o leitor de si próprio”. Ou seja, uma obra literária permite ao leitor discernir tudo aquilo que, sem a leitura dessa obra, ele não teria visto ou percebido em sua própria vida.

No quarto capítulo de seu belo ensaio O último leitor, o argentino Ricardo Piglia lembra a figura de um leitor incomum: o revolucionário e guerrilheiro Ernesto Guevara. O comandante Che sonhava ser escritor, mas o compromisso político-social o conduziu a outras veredas. No entanto, ele escreveu diários de viagem, textos sobre técnicas e estratégias de guerrilha, relatos inspirados diretamente em sua experiência revolucionária em Cuba, na África e na América do Sul. O que não falta em suas incansáveis viagens – inclusive a última, pouco antes de morrer – é o livro, a leitura.

III

“A marcha, escreve Piglia, supõe leveza, agilidade, rapidez. É preciso desprender-se por completo, estar leve e andar. Mas Guevara mantém um certo peso. Na Bolívia, já sem forças, carregava livros. Ao ser detido em Ñancahuazu, quando é capturado depois da odisséia que conhecemos, uma odisséia que supõe a necessidade de movimento incessante e de fuga ao cerco, a única coisa que ele conserva (porque perdeu tudo, não tem nem sapatos) é uma pasta de couro, que leva amarrada ao cinturão, sobre a ilharga direita, onde guarda seu diário de campanha e seus livros. Todos se desfazem daquilo que dificulta a marcha e a fuga, mas Guevara continua mantendo seus livros, que pesam e são o oposto da leveza exigida pela marcha.” (pág. 103)

A capa do livro (da autoria de Angelo Venosa) foi inspirada numa fotografia de Ernesto Guevara lendo no alto de uma árvore. É uma imagem notável do guerrilheiro – homem de ação – que faz uma pausa para ler. Armas e letras, dois temas medievais explorados no Dom Quixote, parecem reviver nessa imagem em que o leitor, significativa e simbolicamente, situa-se no alto. Longe de ser uma posição de quem se sente elevado, a altura, aqui, é uma posição precária, que denota perigo e instabilidade. O inimigo pode estar por perto, pode surgir a qualquer hora e matar o guerrilheiro-leitor. Na fotografia é impossível reconhecer com nitidez a figura de Guevara, mas o observador sabe que lá no alto, sentado num galho, alguém olha para um livro. O fundo da fotografia é alaranjado, de uma tonalidade que evoca o fogo crepuscular: começo ou fim do dia. Ou luz que se esvai, anunciando a noite, o enigma do que vem por aí. Não sabemos se este livro é o último que Guevara leu. O último leitor é a metáfora de uma atitude diante da leitura: alguém que não pode viver sem livros.

IV

Narrar para não morrer é a mensagem de Sherazade ao rei Shariar (e ao leitor) em cada conto do Livro das mil e uma noites. Ernesto Guevara lê para viver. Ou suportar a vida: fado de um homem que vivia perigosamente à beira da morte. Mas ler é também o destino de tantos outros seres que não se lançam à aventura utópica de transformar o mundo por meio da ação revolucionária. Esse leitor apaixonado forma o duplo do escritor. E ambos justificam a literatura.

Fonte:
Revista Entrelivros. edição 28. agosto 2007.
http://www2.uol.com.br/entrelivros/

Derotheu Gonçalves da Silva (Padre Zico)

I.

Era dia de festa em Bororó. Festa grande. Depois de quatro longos anos, chegava o novo padre. Pouco se sabia a seu respeito. O bispo fora breve na notícia. Era o seu jeito de lidar com Bororó. Breve nas notícias e demorado nas decisões. Aquela sempre fora uma paróquia problemática. Sua primeira e última visita ao local foi marcante. Ocorrera havia mais de dez anos mas continuava inesquecível. Por mais que tentasse se livrar das impressões daquele dia, não conseguia. Todo o povo de branco na estação ferroviária. No lugar das habituais bandinhas municipais, o inédito som dos atabaques. Em vez de hinos religiosos ou cívicos, apenas os famosos “pontos de umbanda”. E regidos por uma senhora de pele escura e idade muito avançada. Lá atrás, muito atrás, o tímido padre Bento, com seus oitenta e tantos anos, ao lado do prefeito.. Batina batida pelo uso diário e noturno, sorriso infantil – talvez até meio divertido. Podia jurar que até ele estava cantarolando “...chegou o Pai Ubá, Nosso Pai Ubá chegou...”. Pai Ubá ! Tanto na Itália, como burocrata no Vaticano, quanto nesta terra abençoada, primeiro como sacerdote de uma capital e agora como bispo daquele fim de mundo, já recebera vários títulos, honoríficos ou não. Mas “Pai Ubá” nunca havia imaginado. Com aquela inédita recepção, procurou rapidamente apressar a volta para o refúgio de seu confortável palácio episcopal. Mas os horários do trem, apenas a cada dois dias, estavam acima de seu poder temporal. E foram dois longos, longos dias... Talvez por isso, com a morte, havia mais de três anos, de padre Bento, apenas agora decidira pela nomeação de padre Zico para aquele recanto, onde o tratamento de Sua Excelência fora reduzido a um simples “PAI UBÁ”.
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II.
Quando o trem chegou conduzindo padre Zico, a cidade parou de novo. A curiosidade era geral. Quem o grande Pai Ubá teria enviado para substituir o querido padre Bento ?

Os atabaques, como sempre, se puseram a trabalhar. Mãe Lena logo fez os últimos reparos na comitiva de recepção. Essa parte também era com ela. Na frente as crianças, depois os jovens e por último a ala dos velhos. Todos de branco e, bem ensaiados, mostrando seus cânticos antigos, herdados dos antepassados escravos.

Padre Zico era jovem. E inexperiente. Recém-saído do seminário, aquela seria sua primeira paróquia. No vagão, ao lado de poucos passageiros, procurava relembrar todos os rituais de etiqueta e convívio social que aprendera. Cumprimentar primeiro o prefeito, os vereadores, depois as damas. Manter sempre um sorriso de poucos dentes e semblante sereno e de poder. Sabia pouco de seu novo rebanho. O bispo fora muito vago nas informações. Cidade pequena, antiga colônia de escravos libertos. Enfim, almas boas. Dissera ainda alguma coisa sobre um pequeno sincretismo religioso que imperava no local. Quando quis saber mais a respeito, não obteve resposta. Ficou com a impressão de que Sua Excelência demonstrara certa pressa, talvez até mesmo um pequeno nervosismo. Atribuiu à sua própria inexperiência de jovem, demonstrando insegurança ante a primeira paróquia. Enfim, achou normal. Enquanto relembrava esse rápido encontro, pareceu-lhe ouvir o som intermitente de atabaques. Talvez algum músico da banda municipal, um pouco mais empolgado, afinando seu instrumento de percussão. Olhou pela janela enquanto o trem lentamente parava e viu... foi quando percebeu que fora nomeado não para uma paróquia, mas para um grande centro de umbanda.
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III.
A manhã fora longa. Primeiro o discurso de Mãe Lena. É bem verdade que ele não acompanhou o significado de palavras como “zurungudun e zurungunde”, mas pareceram-lhe palavras elogiosas à sua pessoa. Também não entendeu muito bem tanta referência ao grande “Pai Ubá”. Com certeza, reminiscências de alguma distante língua tribal. Uma coisa, contudo, ficou clara: Mãe Lena era a autoridade maior na cidade. Depois dela falou o prefeito, que lhe pareceu estar levemente embriagado. Ficar em pé sob o sol escaldante foi a prova mais difícil. Quando finalmente chegou sua vez, padre Zico falou pouco para uma platéia que reagia conforme ditava o corpo volumoso de Mãe Lena. Quando ela começou com alguns bocejos, sabiamente percebeu que era hora de interromper sua fala. No início da tarde, finalmente conseguiu ficar só para conhecer a nova morada. Igrejinha antiga, construída em pedras, com um pequeno quarto e cozinha num anexo. Quando entrou ali no final da manhã, conduzido por aquela improvisada procissão ainda ao ritmo dos atabaques, não conseguiu ver muita coisa. Agora fazia o reconhecimento. Nos fundos minúsculo quintal com uma horta bem cuidada. O quarto, com pequeno guarda-roupa, não era muito diferente de sua antiga cela no seminário. Foi quando desfazia a única mala que o viu pela primeira vez. Não precisou muito para sentir que ele era o dono do quarto. Com miados firmes, parecia acariciar as paredes, roçando aquele bolo de pêlos nelas. Imaginando tratar-se de um gato comum, enxotou-o batendo com os pés no chão. Em vão. Miando com certo desdém, de um salto empoleirou-se na antiga escrivaninha. Era seu velho dilema, sentia que os animais gostavam dele, embora o sentimento não fosse recíproco. Aliás, sempre se perguntava por que virara franciscano, já que nunca simpatizara muito com os amigos prediletos de São Francisco. Quando foi inspecionar melhor o interior da igreja, fez de conta que não o viu seguir na sua frente. O altar estava em perfeitas condições, toda a indumentária sagrada nos devidos lugares. Enquanto examinava uma estola corroída pelo tempo, foi surpreendido por um sonoro “- ‘tarde’, seu padre”.
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IV.
Surpreso, viu aquela figura retornando de um sono profundo no último banco. Barba de cinco anos e chinelão nos pés, idade de ancião, que logo lhe trouxeram à mente a figura de Antônio Conselheiro, por sinal filho daquela região. O gato logo pulou no mesmo banco, demonstrando tratar-se de amizade antiga.

- O povo daqui estava rezando muito pela sua chegada.
- Sei, sei – mas é melhor que nos apresentemos primeiro. Sou o padre Zico e estes bancos parece-me que foram feitos para os fiéis rezarem.
- Ah ! seu padre. Não leve a mal não, é que eu moro aqui. Fiquei cuidando da casa de Deus depois da partida do padre Bento. Mas pode ficar tranqüilo que nunca dormi naquela cama lá dentro. Faz mal para a minha coluna. Colchão muito macio. Sabe como são estas coisas. Prefiro dormir por aqui mesmo.
- Disse que mora aqui !? Na igreja ?
- É. O padre Bento deixava e Deus também nunca reclamou.
- Respeito com as coisas sagradas, por favor.
- Não falo por mal, seu padre, mas dizem que é a casa Dele, não é ?
- Tá bom, tá bom... Mas vamos dizer que agora Ele mudou de idéia. Não quer mais você nem o gato morando por aqui.
- Vai dar não, seu padre. Eu o Mialzão aqui somos do tempo do padre...
- Já sei, já sei. Do bondoso padre Bento.... Mas agora precisamos reorganizar as coisas. Além de ser alérgico a gatos, não gostaria de ter também o senhor morando em tempo integral em minha igreja.
- Sua não, seu padre. De Deus...
- Pois é. Mesmo assim, aqui é lugar para oração e não moradia.
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V.
Mialzão e Profeta – este era o nome do morador clandestino – eram daqueles que não tinham muita paciência para discutir sobre as propriedades de Deus na terra. Antes de terminar a conversa, um voltou a dormir, agora acompanhado pelo outro, no mesmo banco. Padre Zico, vendo que não tinha jeito, ignorou suas presenças e passou parte da tarde conferindo cada detalhe da bela igrejinha. Chamou sua atenção o fato de estar tudo estranhamente muito limpo e arrumado. Notou que até os canteiros da horta estavam bem cuidados, com várias hortaliças plantadas. Exausto, tinha decidido que sua primeira missa ali seria no dia seguinte, por ser domingo. Um forte cheiro de comida, vindo da pequena cozinha, lembrou-lhe que ainda não tinha pensado a respeito de sua logística doméstica. Qual foi sua surpresa quando deparou com o “morador” trajando enorme avental, com várias panelas já no fogão.

- Vejo que o senhor também se apossou de minha cozinha.
- Sua não, padre. De Deus. E estou cozinhando para o Mialzão. Às vezes ele permite que eu também coma com ele. Talvez hoje ele abra esta exceção para nós dois... vamos esperar para ver o seu humor.
- Sei. A propósito, quem vem cuidando tão bem das coisas por aqui ? Tudo tão limpo, tão organizado. E também tenho curiosidade em saber sobre a despensa, de onde vêm os mantimentos.
- Quem cuida das coisas de Deus por aqui sou eu, padre. E os gêneros alimentícios para as refeições de Mialzão vêm da prefeitura e da nossa pequena horta. Por falar nisso, amanhã preciso visitar o prefeito de novo. O azeite e toucinho de que o Mialzão tanto gosta estão pelo final.
- É, agora ele vai ter um convidado a mais diariamente, não é verdade ?
- Não sei, padre. Como disse, vai depender dele. Com essa conversa da tarde sobre isto ser de Deus, aquilo dos fiéis, aquilo outro do padre... Não sei não. Acho que ele deve ter ficado meio ofendido.
- Por falar nisso, não estou vendo o felpudo folgado por aqui. Será que ele levou minha recomendação a sério e já se mudou ?
- Fique tranqüilo, padre. Ele só aparece quando a mesa já está servida. É impaciente. Não gosta de esperar no pé do fogão como os outros gatos.
- Tá, tá. Já vi que minha alergia vai ter uma séria recaída para o futuro. Mas, apenas por curiosidade, qual é o cardápio do... como é mesmo o nome dele?
- Mialzão.
- É, qual o cardápio do Mialzão para hoje ?
- Rosbife, acompanhado de uma salada com legumes frescos e algumas gotinhas de vinho.
- Bom gourmet esse Mialzão. Vinho também via contrabando da prefeitura ?
- Não, padre. Vinho de Deus. Daquele bom mesmo. Ainda do estoque do falecido padre Bento. Mas, como o Mialzão anda bebendo um pouquinho a mais ultimamente, acho que nosso estoque vai durar pouco... Ainda mais agora, com um convidado a mais diariamente.

Quando o último talher foi posto na mesa, Mialzão materializou-se janela adentro. Rosnou para Profeta, miou com indiferença para o padre e foi direto para sua tigela de suculento rosbife, ao lado do fogão. Padre Zico não se conteve e começou a rir sozinho daqueles dois personagens. Verdade seja dita, o cozinheiro do gato conhecia bem de culinária.
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VI.
Enquanto jantavam, Mialzão, já saciado com duas pequenas tigelas cheias de rosbife, fazia a digestão dormindo embaixo da mesa. Padre Zico começou a observar então que Profeta tinha uma inquestionável sofisticação. Sabia lidar com destreza com os talheres, apanhava o guardanapo pela ponta correta, e – quando não estava satirizando – era eloqüente e com uma erudição que procurava ocultar. Mas não falou nada de sua vida pregressa. Apenas morava ali, era também o sacristão e responsável pelo convites para as missas. “Convite para as missas ?”. “É, padre, aqui é assim. As pessoas só vêm à igreja quando são convidadas. Têm outra fé, entende ?” “Não, e nunca tinha visto isso ! Quer dizer que amanhã cedo eles não virão à missa dominical ?”. “Só se forem convidados”. E foi o que aconteceu. Ou melhor, não aconteceu. A primeira missa de padre Zico ali foi celebrada apenas com a presença de Profeta, que atuou como sacristão. Mialzão postou-se em seu banco predileto e ali dormiu para não incomodar ninguém... nem ser incomodado. Mas outro fato intrigou o padre. A forma como Profeta atuava como sacristão. Era como se fosse alguém escondendo um grande treinamento com a prática litúrgica geral. Sabia cada movimento da ritualística. Vez ou outra parecia captar até as mínimas falhas cometidas pela inexperiência do celebrante. O problema da freqüência à missa logo se resolveu. Profeta encarregou-se de ser o embaixador junto a Mãe Lena, dizendo que aquele convite era permanente. Missas três vezes por semana e domingo cedo e à noite. Uma visita ao Terreiro foi cobrada de padre Zico, que ele sempre negou ter feito, mas que Profeta com sua sabedoria fez chegar ao conhecimento do mundo profano como tendo ocorrido. E os anos foram passando...
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VII.
Mialzão não abria mão de seus direitos. Não houve vassoura forte o suficiente para expulsá-lo dos pés da cama. Padre Zico, quando viu que não tinha jeito, cedeu. Não era como demonstração de amizade felina não. Apenas uma questão de direito adquirido. Sempre dormira ali, desde os tempos do padre Bento e não era agora que iria sair. Simples assim. E acabou sendo bom, pois com isso padre Zico descobriu que nunca tivera alergia a pêlos coisa nenhuma. Aliás, apegou-se tanto a Mialzão que, contava Profeta, chegava a sair pelas proximidades da igreja, à sua procura, nas noites em que ele não aparecia para o jantar. Profeta, embora muito a contragosto, acabou cedendo aos apelos do padre e passou a dormir num pequeno retirado, construído ao lado da cozinha. Mas nunca falava a seu respeito. Sempre respondia a essas perguntas com evasivas. Até que um dia foi surpreendido lendo um livro em latim enquanto cozinhava. Dizem que então, em confissão, afirmou se tratar de um bispo que encabeçara um cisma na igreja católica da França e, proscrito de sua pátria e do clero, exilara-se naquele local isolado de nosso país, onde fora recebido fraternalmente pelo bondoso padre Bento. Depois dessa revelação, Profeta viveu pouco tempo. Tempos depois, quando foi transferido de Bororó, padre Zico entrou no trem levando sua única mala e um gato muito velho embaixo do braço. Mialzão, apesar de desconfortável na coleira de pano improvisada por Mãe Lena, parecia feliz por não ser abandonado pelo amigo que cativara. E naquele dia os atabaques voltaram a tocar...

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/

Hulda Ramos Gabriel (Casa da Saudade)

Em época não muito distante, uma casa foi construída na esquina de um quarteirão do bairro nobre de uma próspera cidade paranaense. Retratava todo o brilho e imponência do poder aquisitivo da família. A casa era palco do conto da vida real, comum de cada morador, onde crianças brincavam alegres desde o dia da mudança para casa nova, no apossar de cada um do seu aposento.

Carlos o irmão mais velho, de estilingue sempre pendurado no pescoço, representando toda a molecagem existente no bairro. Juntamente com outros moleques, procuravam armar as brincadeiras para depois que chegassem da escola. Como não podia deixar de ser, o Marcos, o irmão mais traquina dos três, engendrava as brincadeiras mais complicadas para se debandar o resto dia.

Logo pela manhã, no aposento de Carlos e Marcos que ficava com a janela virada para o lado do Sol nascente, pela fresta, um raio da luz atravessa o ambiente chegando até a porta. O intenso brilho reflete do piso de madeira ao alto do forro, trazendo beleza e encantamento ao lugar. No vai e vem dos meninos da sala de jantar ao aposento, na pressa de se arrumar para ir à escola, as roupas são espalhadas pelo chão atravessadas entre a luz e a sombra. Ouve-se ao longe a voz da mãe Júlia, recomendando para evitar a bagunça. Enquanto lá fora a passarada fazia a maior festa nos galhos da laranjeira. Da mesma forma que impera o amor na casa nova.

Gisela a bonequinha mais nova dos três irmãos, atrasada como sempre em se arrumar para ir à escola, brinca alheia em seu quarto menor com suas bonecas, não dando a mínima atenção para os chamados aflitos da mãe para se apressar. Em sua mente viaja para um mundo que só ela tem acesso juntamente com seus brinquedos.

Por conseqüência natural da vida, um bando de morcegos vieram morar no sótão da nova casa, entraram por um buraco tão pequeno que mal cabia o corpo macabro daqueles bichos que ao mesmo tempo, parecem pássaros. Pronto! Foi o suficiente para alvoroçar a molecada do bairro. O convite partiu do Marcos, que ao anoitecer viessem atirar pedras, sem parar, fazendo guerra aos morcegos. Sob o olhar de João, para que não quebrassem as vidraças, a perseguição foi tanta que os morcegos desistiram do novo esconderijo, batendo em retirada. Também os pardais eram vigiados para não se apossarem de algum pequeno buraco que pudessem achar na casa, e lá, construíssem seus ninhos.

Tudo era novidade para aqueles meninos cheios de saúde, que chegavam esfomeados das redondezas da Fazenda do Riacho, onde gostavam de ir para caçar tico-tico, causando terror à passarada. Gisela, muitas vezes integrava-se ao grupo de meninos com as demais irmãs dos amigos, realizando peripécias por dentro da rede de esgoto que estava sendo construída, chegando a se perder no túnel escuro. Enfim, achava saída.

A noite a resmungação era generalizada: todos queriam que a mãe ajudasse na tarefa escolar. Enquanto, o pai seu João ficava sentado numa cadeira próximo a porta de entrada, fumava um cigarro, depois de um dia cansativo de trabalho, em silencio observava o burburinho em volta da mesa, sem ajudar no ensino, mas não dava palpites. Todas as noites eram a mesma coisa, a meninada brincavam a tarde e deixava a tarefa para fazer a noite. Porém, durante o dia Júlia não podia ajudá-los pelo trabalho na casa grande.

Por ironia do destino, o tempo passou... os filhos da dona Júlia e do Seu João, cresceram. Já não havia mais ninguém para ensinar a tarefa. Seu João continuava sentado perto da porta todos os dias ao anoitecer. Mas a mesa estava vazia e, o silêncio reinava. E os filhos, onde estão? Partiram. Até a Gisela casou-se e foi embora, só deixou saudades. O Carlos e o Marcos também foram para longe com suas famílias. Vem ver os pais uma vez por ano, quando conseguem férias para viajar com a família. Dona Julia sente muita saudade dos filhos e dos netos. Mas o que fazer, o destino os levou. Ela pediu para Deus abençoar a vida de cada um.

Um dia Seu João também partiu. Ficou a saudade. Dona Júlia olha para o casarão silencioso, parece ouvir o barulho dos filhos, reclamando alguma coisa. Discutindo entre eles... Não. Não há mais ninguém. São apenas lembranças. Dona Júlia se recolheu em sua tristeza... na solidão. Passa os dias em companhia do pequeno Tigre, um cachorro vira-lata que por lá apareceu. É a companhia inseparável, que deita sobre seus pés quando está sentada na cadeira na varanda, vendo o tempo passar, com o pensamento vago no infinito, esperando sua hora chegar.
O casarão imponente do bairro nobre perdeu seu brilho, está envelhecido e abandonado. O silêncio reina absoluto. O tempo passou.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/

Aninha Calijuri (O Grande Amor de Anitinha e Lazzini)

O calendário assinalava o ano de 1953.

Anitinha com apenas onze anos de idade e o Lazzini vinte anos mais velho que ela. Na cidadezinha onde residiam, o céu testemunhava aquele amor tão grande e parecido ao de Julieta e Romeu.

O Lazzini, que havia tido inúmeras namoradas, cantor, boêmio, de repente encontrara-se demasiadamente apaixonado pela menina, que a todos encantava pela sua sensibilidade. Ele confessava aos seus amigos mais íntimos que deixara de lado a boêmia, seu ritmo antigo de vida, para ser feliz com sua namoradinha tão criancinha, sua paixãozinha!

Certa vez, numa noite linda, um baile abrilhantava a Festa de Formatura dos alunos daquele tradicional Colégio. O Lazzini era cantor da famosa Orquestra de uma cidade paulista, que percorria várias cidades do Brasil. Pelo fato de ser ele cantor, ser bem mais velho que ela e haver tido muitas namoradas, o pai dela era desesperadamente contra aquele namoro, ainda mais por ela contar somente com onze anos.

Naquele único Clube da cidadezinha, o baile avançava pela noite adentro. Anitinha sabia que lá ele estaria cantando com sua Orquestra. A tia dela, então, levara-a ao Clube. Ele, no palco cantando, não tirava os olhos daquela mesa, onde ela estava ao lado de sua tia Maria.
Aquela noite foi uma triste despedida, porque no dia seguinte, logo de manhã, o Lazzini e sua família estariam seguindo de mudança, para o interior do Rio de Janeiro. Ele prometera-lhe que voltaria sempre para revê-la... Assim passaram-se oito anos!...
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Na nova cidade, onde ela passara a residir, juntamente com sua família, no primeiro semestre do ano de1961, ela já estava com dezenove anos, quando pela vez primeira, ele pisara aquele chão e, também a última!...

- Anitinha, jamais irei esquecê-la, porque você é a minha pequenina namorada, uma Julieta tão criancinha. Sei que nunca mais conhecerei alguém tão doce igual a você! (Ela realmente era doce e meiga e o tempo encarregara-se de mudar bastante aquele belo aspecto).
- Lazzini, com o coração partido, deixo-o, porque meu pai não simpatiza com você e assim, com essa barreira enorme, jamais conseguiremos ser felizes.

Havia lágrimas nos olhos dele e nos olhos dela. Os olhos dele de cantor romântico, sensível, pleno de esperanças, que durante aqueles oito anos ofertara-lhe flores, cartões coloridos e cartas apaixonadas, perdera naquele momento todo o brilho. Ele, que nascera numa cidade do Estado de Minas Gerais e, menino ainda chegara com sua família ao Norte do Paraná, encontrara-se naquele momento, com seu semblante tomado de imensa tristeza.

O rosto de Lazzini (parecido com o rosto do cantor Plácido Domingo), o rosto de Lazzini, tão amado por ela, a paixão dele por ela, o Tempo encarregara-se de guardar, no mais profundo e refrigerado verde recanto da alma dela!... Nunca, jamais alguém a amaria daquela maneira. Como ele adorava aquela menininha!...

A primeira mão de um homem em sua mãozinha, fora a do Lazzini. O primeiro abraço de um homem, em seus delicados braços, fora o do Lazzini. E o primeiro beijo de um homem, nos lábios dela tão doces, fora o do Lazzini.

- Anitinha, minha menina meiga, doce flor, nosso amor é igual ao de Julieta e Romeu. É terrível estarmos separando-nos hoje. É uma dor lancinante. Ouça bem, nunca acabarei por unir-me a outra mulher, porque creio firmemente que, se um dia, você decidir-se chamar-me de volta, quero estar totalmente livre para você!

A partir do ano de 1961, quarenta e cinco anos passaram-se. No silêncio da alma dela, seus pedidos de perdões como em preces para ele. - Perdoa-me, Lazzini, meu querido cantor tão amado, meu primeiro namorado, meu único e verdadeiro grande amor, perdoa-me, por deixá-lo um dia! Ainda estou a ouvi-lo no longe do Tempo, cantando as famosas canções: “Caminhemos”, “Mis noches sin ti”, “El dia que me quieras”!... Saiba querido Lazzini, as minhas doçuras, meiguices guardadas, estão no mais profundo de meu âmago. Perdoa-me, meu querido cantor, porque é bem verdade que nunca mais alguém me amará como você me amou! Por essa razão, minha doçura e minha meiguice, estão bem escondidinhas, no cantinho especial, precioso de meu coração!...

*******

Vésperas de maio de 2006. O Tempo passara demais. Onde estaria o Lazzini, na hora presente? Será que ele já terá partido para o Outro Lado da Vida, deixando terrivelmente órfã a alma dela?... Ou será que ainda vive?... Estará só ou com alguém?...

Dizia para si mesma que aquele sonho lindo de unir-se a ele nunca se realizaria!... E ela sabia que morrera imensamente, por dentro de sua alma, naquele dia tão triste, quando se separaram para sempre!...
- Oh, Lazzini, meu primeiro namorado, meu único e verdadeiro amor!...

Sim, são lembranças que a Vida não desfaz e ao redor dela, apenas subsiste o vazio, da grande ausência dele. Só restara para ela, lágrimas, muitas para chorar!... Chorar demais e desconsoladamente!... E apesar de tudo saber que Amanhã será um outro dia e ela tem que forçosamente continuar vivendo. Assim é a Vida!... Mas também, por outro lado, mesmo dentro de todas as machucaduras em seu coração, a plena certeza do amor dele, naquela época, já bem distante. Como ele a amara!... Aquela verdade tão rica acompanha-a, porque não houve somente perdas. Ele amara-a muito! E isso é tudo para Anitinha!...

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/

Agenir Leonardo Victor (Amor de um poeta)

O amor de um poeta é como as estrelas,
que possuem sua própria luz, a iluminar
o espaço do mundo.
Sonha em abraçar o luar
numa noite de inverno.
Lágrimas rolam em meu rosto...
O palhaço, que chora no picadeiro do destino,
faz transparecer em seu semblante
as angústias e preocupações, e tenta
fugir mesmo quando elas o perseguem.
Ama o belo e exalta com carinho
a flor da inocência.
Planta paz nos corações machucados
e faz nascer na humanidade um canto de saudade.
Procura resplandecer na
primavera da vida raios de luz
a brilhar no coração a flor da esperança.
É na inocência de criança que brota
em seu ser o perfume que enobrece
e ajuda a viver.
Paira muitas vezes com o destino incerto,
e leva consigo as marcas do tempo que
não volta mais.
Seus sentimentos são como vento
a balançar as folhas das árvores e acariciar
os cabelos embaraçados que esvoaçam pelo ar.
Entre poesias e sonhos, luta contra
os preconceitos e as injustiças.
Fala do amanhã num gesto de preocupação.
Sonha com o futuro e recorda o passado,
num soluço de dor.
Na certeza de um novo amanhã
sempre tendo como sua maior arma, o amor,
somente o amor.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá
http://www.afacci.com.br/

Lygia Fagundes Telles (A chave na porta)

A chuva fina. E os carros na furiosa descida pela ladeira, nenhum táxi? A noite tão escura. E aquela árvore solitária lá no fim da rua, podia me abrigar debaixo da folhagem mas onde a folhagem? Assim na distância era visível apenas o tronco com os fios das pequeninas luzes acesas, subindo em espiral na decoração natalina. Uma decoração meio sinistra, pensei. E descobri, essa visão lembrava uma chapa radiográfica revelando apenas o esqueleto da árvore, ah! tivesse ela braços e mãos e seria bem capaz de arrancar e atirar longe aqueles fios que deviam dar choques assim molhados.

— Quer condução, menina?

Recuei depressa quando o carro arrefeceu a marcha e parou na minha frente, ele disse menina? O tom me pareceu familiar. Inclinei-me para ver o motorista, um homem grisalho, de terno e gravata, o cachimbo aceso no canto da boca. Mas espera, esse não era o Sininho? Ah! é claro, o próprio Sininho, um antigo colega da Faculdade, o simpático Sininho! Tinha o apelido de Sino porque estava sempre anunciando alguma novidade. Era burguês mas dizia-se anarquista.

— Sininho, é você!

Ele abriu a porta e o sorriso branquíssimo, de dentinhos separados.

— Um milagre, eu disse enquanto afundava no banco com a bolsa e os pequenos pacotes. Como conseguiu me reconhecer nesta treva?

— Estes faróis são poderosos. E olha que já lá vão quarenta anos, menina. Quarenta anos de formatura! Aspirei com prazer a fumaça do cachimbo e que se misturava ao seu próprio perfume, alfazema? E não parecia ter envelhecido muito, os cabelos estavam grisalhos e a face pálida estava vincada mas o sorriso muito claro não era o mesmo? E me chamava de menina, no mesmo tom daqueles tempos. Acendi um cigarro e estendi confortavelmente as pernas, mas espera, esse carrão antiquado não era o famoso Jaguar que gostava de exibir de vez em quando?

— O próprio.

Fiquei olhando o belo painel com o pequeno relógio verde embutido na madeira clara.

— Você era rico e nós éramos pobres. E ainda por cima a gente lia Dostoievski.

— Humilhados e ofendidos!

Rimos gostosamente, não era mesmo uma coisa extraordinária? Esse encontro inesperado depois de tanto tempo. E em plena noite de Natal. Contei que voltava de uma reunião de amigos, quis sair furtivamente e para não perturbar inventei que tinha condução. Quando começou a chuva.

—Acho essas festas tão deprimentes, eu disse.

Ele então voltou-se para me ver melhor. Dei-lhe o meu endereço. No farol da esquina ele voltou a me olhar. Passou de leve a mão na minha cabeça mas não disse nada. Guiava como sempre, com cuidado e sem a menor pressa. Contou que voltava também de uma reunião, um pequeno jantar com colegas mas acrescentou logo, eram de outra turma. Tentei vê-lo através do pequeno espelho entortado, mas não era incrível? Eu me sentir assim com a mesma idade daquela estudante da Academia. Outra vez inteira? Inteira. E também ele com o seu eterno carro, meu Deus! na noite escura tudo parecia ainda igual ou quase. Ou quase, pensei ao ouvir sua voz um tanto enfraquecida, rateando como se viesse de alguma pilha gasta. Mas resistindo.

— Quarenta anos como se fossem quarenta dias, ele disse. Você usava uma boina.

— Sininho, você vai achar isso estranho mas tive há pouco a impressão de ter recuperado a juventude. Sem ansiedade, ô! que difícil e que fácil ficar jovem outra vez.

Ele reacendeu o cachimbo, riu baixinho e comentou, ainda bem que não havia testemunhas dessa conversa. A voz ficou mais forte quando recomeçou a falar em meio das pausas, tinha asma? Contou que depois da formatura foi estudar na Inglaterra. Onde acabou se casando com uma colega da universidade e continuaria casado se ela não tivesse inventado de se casar com outro. Então ele matriculou o filho num colégio, tiveram um filho. E em plena depressão ainda passou por aquela estação no inferno, quando teve uma ligação com uma mulher casada. Um amor tão atormentado, tão louco, ele acrescentou. Vivemos juntos algum tempo, ela também me amava mas acabou voltando para o marido que não era marido, descobri mais tarde, era o próprio pai.

— O pai?!

— Um atroz amor de perdição. Fiquei destrambelhado, desandei a beber e sem outra saída aceitei o que me apareceu, fui lecionar numa pequena cidade afastada de Londres. Um lugar tão modesto mas deslumbrante. Deslumbrante, ele repetiu depois de um breve acesso de tosse. Nos fins de semana viajava para visitar o filho mas logo voltava tão ansioso. Fiquei muito amigo de um abade velhíssimo, Dom Matheus. Foi ele que me deu a mão. Conversávamos tanto nas nossas andanças pelo vasto campo nas redondezas do mosteiro. Recomecei minhas leituras quando fui morar no mosteiro e lecionar numa escola fundada pelos religiosos, meus alunos eram camponeses.

— Você não era ateu?

— Ateu? Era apenas um ser completamente confuso, enredado em teias que me tapavam os olhos, os ouvidos... Fiquei por demais infeliz com o fim do meu casamento e não me dei conta disso. E logo em seguida aquele amor que foi só atormentação. Sofrimento. Aos poucos, na nova vida tão simples em meio da natureza eu fui encontrando algumas respostas, eram tantas as minhas dúvidas. Mas o que eu estou fazendo aqui?! me perguntava. Que sentido tem tudo isto? Ficava muito em contato com os bichos, bois. Carneiros. Fui então aprendendo um jogo que não conhecia, o da paciência. E nesse aprendizado acabei por descobrir... (fez uma pausa) por descobrir...

Saímos de uma rua calma para entrar numa travessa agitada, quase não entendia o que ele estava dizendo, foi o equilíbrio interior que descobriu ou teria falado em Deus?

— Depois do enterro de Dom Matheus, despedi-me dos meus amigos, fui buscar meu filho que já estava esquecendo a língua e voltei para o Brasil, a gente sempre volta. Voltei e fui morar sabe onde? Naquela antiga casa da rua São Salvador, você esteve lá numa festa, lembra?

— Mas como podia esquecer? Uma casa de tijolinhos vermelhos, a noite estava fria e vocês acenderam a lareira, fiquei tão fascinada olhando as labaredas. Me lembro que quando atravessei o jardim passei por um pé de magnólia todo florido, prendi uma flor no cabelo e foi um sucesso! Ah, Sininho, voltou para a mesma casa e este mesmo carro...

Ele inclinou-se para ler a tabuleta da rua. Empertigou-se satisfeito (estava no caminho certo) e disse que os do signo de Virgem eram desse jeito mesmo, conservadores nos hábitos assim no feitio dos gatos que simulam um caráter errante mas são comodistas, voltam sempre aos mesmos lugares. Até os anarquistas, acrescentou zombeteiro em meio de uma baforada.

Tinha parado de chover. Apontei-lhe o edifício e nos despedimos rapidamente porque a fila dos carros já engrossava atrás. Quis dizer-lhe como esse encontro me deixou desanuviada mas ele devia estar sabendo, eu não precisava mais falar. Entregou-me os pacotes. Beijei sua face em meio da fumaça azul. Ou azul era a névoa?

Quando subia a escada do edifício, dei por falta da bolsa e lembrei que ela tinha caído no chão do carro numa curva mais fechada. Voltei-me. Espera! cheguei a dizer. E o Jaguar já seguia adiante. Deixei os pacotes no degrau e fiquei ali de braços pendidos: dentro da bolsa estava a chave da porta, eu não podia entrar. Através do vidro da sua concha, o porteiro me observava. E me lembrei de repente, rua São Salvador! Apontei para o porteiro os meus pacotes no chão e corri para o táxi que acabava de estacionar.

— É aqui! Quase gritei assim que vi o bangalô dos tijolinhos. Antes de apertar a campainha, fiquei olhando a casa ainda iluminada. Não consegui ver a garagem lá no fundo, mergulhada na sombra mas vislumbrei o pé de magnólia, sem as flores mas firme no meio do gramado. Uma velhota de uniforme veio vindo pela alameda e antes mesmo que ela fizesse perguntas, já fui me desculpando, lamentava incomodar assim tarde da noite mas o problema é que tinha esquecido a bolsa no carro do patrão, um carro prateado, devia ter entrado há pouco. Ele me deu carona e nessa bolsa estava a minha chave. Será que ela podia?...

A mulher me examinou com o olhar severo. Mas que história era essa se o patrão nem tinha saído e já estava até se recolhendo com a mulher e os gêmeos? Carro prateado? Como esqueci a bolsa num carro prateado se na garagem estavam apenas os carros de sempre, o bege e o preto?

— Decerto a senhora errou a casa, dona, ela disse e escondeu a boca irônica na gola do uniforme. Em noite de tanta festa a gente faz mesmo confusão...

Tentei aplacar com as mãos os cabelos que o vento desgrenhou.

— Espera, como é o nome do seu patrão?

— Doutor Glicério, ora. Doutor Glicério Júnior.

— Então é o pai dele que estou procurando, estudamos juntos. Mora nesta rua, um senhor grisalho, guiava um Jaguar prateado...

A mulher recuou fazendo o sinal-da-cruz:

— Mas esse daí morreu faz tempo, meu Deus! É o pai do meu patrão mas ele já morreu, fui até no enterro... Ele já morreu!

Fechei o casaco e fiquei ouvindo minha voz meio desafinada a se enrolar nas desculpas, tinha razão, as casas desse bairro eram muito parecidas, Devo ter me enganado, é evidente, fui repetindo enquanto ia recuando até o táxi que me esperava.

O motorista tinha o rádio ligado numa música sacra. Pedi-lhe que voltasse para o ponto.

Já estava na escada do edifício quando o porteiro veio ao meu encontro para avisar que um senhor tinha vindo devolver a minha bolsa:

— Não é esta?

Fiz que sim com a cabeça. Quando consegui falar foi para dizer, Ah! que bom. Abri a bolsa e nela afundei a mão mas alguma coisa me picou o dedo. Fiz nova tentativa e dessa vez trouxe um pequeno botão de rosa, um botão vermelho enredado na correntinha do chaveiro. Na extremidade do cabo curto, o espinho. Pedi ao porteiro que depois levasse os pacotes e subi no elevador.

Quando abri a porta do apartamento tive o vago sentimento de que estava abrindo uma outra porta, qual? Uma porta que eu não sabia onde ia dar mas isso agora não tinha importância. Nenhuma importância, pensei e fiquei olhando o perfil da chave na palma da minha mão. Deixei-a na fechadura e fui mergulhar o botão no copo d'água. Agora desabrocha! pedi e toquei de leve na corola vermelha.

Debrucei-me na janela. Lá embaixo na rua, a pequena árvore (parecida com a outra) tinha a mesma decoração das luzes em espiral pelo tronco enegrecido. Mas não era mais a visão sinistra da radiografia revelando na névoa o esqueleto da árvore, ao contrário, o espiralado fio das pequeninas luzes me fez pensar no sorriso dele, luminoso de tão branco.

Fonte:
Invenção e Memória. RJ: Editora Rocco, 2000, pág. 89. Disponível em http://www.releituras.com/

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Lima Barreto (Um Músico Extraordinário)

Quando andávamos juntos no colégio, Ezequiel era um franzino menino de quatorze ou quinze anos, triste, retraído, a quem os folguedos colegiais não atraíam. Não era visto nunca jogando "barra, carniça, quadrado, peteca", ou qualquer outro jogo dentre aqueles velhos brinquedos de internato que hoje não se usam mais. O seu grande prazer era a leitura e, dos livros, os que mais gostava eram os de Jules Verne. Quando todos nós líamos José de Alencar, Macedo, Aluísio e, sobretudo, o infame Alfredo Gallis, ele lia a Ilha Misteriosa, o Heitor Servadac, as Cinco Semanas em um Balão e, com mais afinco, as Vinte Mil Léguas Submarinas.

Dir-se-ia que a sua alma ansiava por estar só com ela mesma, mergulhada, como o Capitão Nemo do romance vernesco, no seio do mais misterioso dos elementos da nossa misteriosa Terra.

Nenhum colega o entendia, mas todos o estimavam, porque era bom, tímido e generoso. E porque ninguém o entendesse nem as suas leituras, ele vivia consigo mesmo; e, quando não estudava as lições de que dava boas contas, lia seu autor predileto.

Quem poderia pôr na cabeça daquelas crianças fúteis pela idade e cheias de anseios de carne para a puberdade exigente o sonho que o célebre autor francês instila nos cérebros dos meninos que se apaixonam por ele, e o bálsamo que os seus livros dão aos delicados que prematuramente adivinham a injustiça e a brutalidade da vida?

O que faz o encanto da meninice não é que essa idade seja melhor ou pior que as outras. O que a faz encantadora e boa é que, durante esse período da existência, nossa capacidade de sonho é maior e mais força temos em identificar os nossos sonhos com a nossa vida. Penso, hoje, que o meu colega Ezequiel tinha sempre no bolso um canivete, no pressuposto de, se viesse a cair em uma ilha deserta, possuir à mão aquele instrumento indispensável para o imediato arranjo de sua vida; e aquele meu outro colega Sanches andava sempre com uma nota de dez tostões, para, no caso de arranjar a "sua" namorada, ter logo em seu alcance o dinheiro com que lhe comprasse um ramilhete.
Era, porém, falar ao Ezequiel em Heitor Servadac, e logo ele se punha entusiasmado e contava toda a novela do mestre de Nantes. Quando acabava, tentava então outra; mas os colegas fugiam um a um, deixavam-no só com o seu Jules Verne, para irem fumar um cigarro às escondidas.

Então, ele procurava o mais afastado dos bancos do recreio, e deixava-se ficar lá, só, imaginando, talvez, futuras viagens que havia de fazer, para repassar as aventuras de Roberto Grant, de Hatteras, de Passepartout, de Keraban, de Miguel Strogoff, de Cesar Cascavel, de Philéas Fogg e mesmo daquele curioso doutor Lindenbrock, que entra pela cratera extinta de Sueffels, na desolada Islândia, e vem à superfície da Terra, num ascensor de lavas, que o Estrômboli vomita nas terras risonhas que o Mediterrâneo afaga...

Saímos do internato quase ao mesmo tempo e, durante algum, ainda nos vimos; mas, bem depressa, perdemo-nos de vista.

Passaram-se anos e eu já o havia de todo esquecido, quando, no ano passado, vim a encontrá-lo em circunstâncias bem singulares.

Foi em um domingo. Tomei um bonde da Jardim, aí, na avenida, para visitar um amigo e, com ele, jantar em família. Ia ler-me um poema; ele era engenheiro hidráulico.

Como todo o sujeito que é rico ou se supõe ou quer passar como tal, o meu amigo morava para as bandas de Botafogo.

Ia satisfeito, pois de há muito não me perdia por aquelas bandas da cidade e me aborrecia com a monotonia dos meus dias, vendo as mesmas paisagens e olhando sempre as mesmas fisionomias. Fugiria, assim, por algumas horas, à fadiga visual de contemplar as montanhas desnudadas que marginam à Central, da estação inicial até Cascadura. Morava eu nos subúrbios. Fui visitar, portanto, o meu amigo, naquele Botafogo catita, Meca das ambições dos nortistas, dos sulistas e dos... cariocas.

Sentei-me nos primeiros bancos; e já havia passado o Lírico e entrávamos na Rua Treze de Maio quando, no banco atrás do meu, se levantou uma altercação com o condutor, uma dessas vulgares altercações comuns nos nossos bondes.
— Ora, veja lá com quem fala! dizia um.
— Faça o favor de pagar a sua passagem, retorquia o recebedor.
— Tome cuidado, acudiu o outro. Olhe que não trata com nenhum cafajeste! Veja lá!
— Pague a passagem, senão o carro não segue.

E como eu me virasse por esse tempo a ver melhor tão patusco caso, dei com a fisionomia do disputador que me pareceu vagamente minha conhecida. Não tive de fazer esforços de memória. Como uma ducha, ele me interpelou desta forma:

— Vejas tu só, Mascarenhas, como são as cousas! Eu, um artista, uma celebridade, cujos serviços a este país são inestimáveis, vejo-me agora maltratado por esse brutamonte que exige de mim, desaforadamente, a paga de uma quantia ínfima, como se eu fosse da laia dos que pagam.

Àquela voz, de súbito, pois ainda não sabia bem quem me falava, reconheci o homem: era o Ezequiel Beiriz. Paguei-lhe a passagem, pois, não sendo celebridade, nem artista, podia perfeitamente e sem desdouro pagar quantias ínfimas; o veículo seguiu pacatamente o seu caminho, levando o meu espanto e a minha admiração pela transformação que se havia dado no temperamento do meu antigo colega de colégio. Pois era aquele parlapatão, o tímido Ezequiel?

Pois aquele presunçoso que não era da laia dos que pagam era o cismático Ezequiel do colégio, sempre a sonhar viagens maravilhosas, à Jules Verne? Que teria havido nele? Ele me pareceu inteiramente são, no momento e para sempre.

Travamos conversa e mesmo a procurei, para decifrar tão interessante enigma.
— Que diabo, Beiriz! Onde tens andado? Creio que há bem quinze anos que não nos vemos - não é? Onde andaste?
— Ora! Por esse mundo de Cristo. A última vez que nos encontramos... Quando foi mesmo?
— Quando eu ia embarcar para o interior do Estado do Rio, visitar a família.
— E verdade! Tens boa memória... Despedimo-nos no Largo do Paço... Ias para Muruí - não é isso?
— Exatamente.
— Eu, logo em seguida, parti para o Recife a estudar direito.
— Estiveste lá este tempo todo?
— Não. Voltei para aqui, logo de dois anos passados lá.
— Por quê?
— Aborrecia-me aquela "chorumela" de direito... Aquela vida solta de estudantes de província não me agradava... São vaidosos... A sociedade lhes dá muita importância, daí...
— Mas, que tinhas com isso? Fazias vida à parte...
— Qual! Não era bem isso o que eu sentia... Estava era aborrecidíssimo com a natureza daqueles estudos... Queria outros.. .
— E tentaste?
— Tentar! Eu não tento; eu os faço... Voltei para o Rio a fim de estudar pintura.
— Como não tentas, naturalmente...
— Não acabei. Enfadou-me logo tudo aquilo da Escola de Belas-Artes.
— Por quê?
— Ora! Deram-me uns bonecos de gesso para copiar...

Já viste que tolice? Copiar bonecos e pedaços de bonecos... Eu queria a cousa viva, a vida palpitante...

— E preciso ir às fontes, começar pelo começo, disse eu sentenciosamente.
— Qual! Isto é para toda gente... Eu vou de um salto; se erro, sou como o tigre diante do caçador - estou morto!
— De forma que...
— Foi o que me aconteceu com a pintura. Por causa dos tais bonecos, errei o salto e a abandonei. Fiz-me repórter, jornalista, dramaturgo, o diabo! Mas, em nenhuma dessas profissões dei-me bem... Todas elas me desgostavam... Nunca estava contente com o que fazia... Pensei, de mim para mim, que nenhuma delas era a da minha vocação e a do meu amor; e, como sou honesto intelectualmente, não tive nenhuma dor de coração em largá-las e ficar à-toa, vivendo ao deus-dará.
— Isto durante muito tempo?
— Algum. Conto-te o resto. Já me dispunha a experimentar o funcionalismo, quando, certo dia, descendo as escadas de uma secretaria, onde fui levar um pistolão, encontrei um parente afastado que as subia. Deu-me ele a notícia da morte do meu tio rico que me pagava colégio e, durante alguns anos, me dera pensão; mas, ultimamente, a tinha suspendido, devido, dizia ele, a eu não esquentar lugar, isto é, andar de escola em escola, de profissão em profissão.
— Era solteiro esse seu tio?
— Era, e, como já não tivesse mais pai (ele era irmão de meu pai), ficava sendo o seu único herdeiro, pois morreu sem testamento. Devido a isso e mais ulteriores ajustes com a Justiça, fiquei possuidor de cerca de duas centenas e meia de contos.
— Um nababo! Hein?
— De algum modo. Mas escuta. filho! Possuidor dessa fortuna, larguei-me para a Europa a viajar. Antes - é preciso que saibas - fundei aqui uma revista literária e artística - Vilhara - em que apresentei as minhas idéias budistas sobre a arte, apesar do que nela publiquei as cousas mais escatotógicas possíveis, poemetos ao suicídio, poemas em prosa à Venus Genitrix, junto com sonetos, cantos, glosas de cousas de livros de missa de meninas do colégio de Sion.
—Tudo isto de tua pena?
— Não. A minha teoria era uma e a da revista outra, mas publicava as cousas mais antagônicas a ela, porque eram dos amigos.
— Durou muito a tua revista?
— Seis números e custaram-me muito, pois até tricromias publiquei e hás de adivinhar que foram de quadros contrários ao meu ideal búdico. Imagina tu que até estampei uma reprodução dos "Horácios", do idiota do David!
— Foi para encher, certamente?
— Qual! A minha orientação nunca dominou a publicação... Bem! Vamos adiante. Embarquei quase como fugido deste país em que a estética transcendente da renúncia, do aniquilamento do desejo era tão singularmente traduzida em versos fesceninos e escatológicos e em quadros apologéticos da força da guerra. Fui-me embora!
— Para onde?
— Pretendia ficar em Lisboa, mas, em caminho, sobreveio uma tempestade;. e deu-me vontade, durante ela, de ir ao piano. Esperava que saísse o "bitu"; mas, qual não foi o meu espanto, quando de sob os meus dedos surgiu e ecoou todo o tremendo fenômeno meteorológico, toda a sua música terrível... Ah! Como me senti satisfeito! Tinha encontrado a minha vocação... Eu era músico! Poderia transportar, registrar no papel e reproduzi-los artisticamente, com os instrumentos adequados, todos os sons, até ali intraduzíveis pela arte, da Natureza. O bramido das grandes cachoeiras, o marulho soluçante das vagas, o ganido dos grandes ventos, o roncar divino do trovão, estalido do raio - todos esses ruídos, todos esses sons não seriam perdidos para a Arte; e, através do meu cérebro, seriam postos em música, idealizados transcendentalmente, a fim de mais fortemente, mais intimamente prender o homem à Natureza, sempre boa e sempre fecunda, vária e ondeante; mas...
—Tu sabias música?
— Não. Mas, continuei a viagem até Hamburgo, em cujo conservatória me matriculei. Não me dei bem nele, passei para o de Dresde, onde também não me dei bem. Procurei o de Munique, que não me agradou. Freqüentei o de Paris, o de Milão...
— De modo que deves estar muito profundo em música?

Calou-se meu amigo um pouco e logo respondeu:

— Não. Nada sei, porque não encontrei um conservatório que prestasse. Logo que o encontre, fica certo que serei um músico extraordinário. Adeus, vou saltar. Adeus! Estimei ver-te.
Saltou e tomou por uma rua transversal que não me pareceu ser a da sua residência

Fonte:
http://www.biblio.com.br

Asterix (de Albert Uderzo e René Goscinny)

Asterix (em francês: Astérix) é um personagem de histórias em quadrinhos criada em 1959 na França por Albert Uderzo e René Goscinny. Após o falecimento de Goscinny, Uderzo deu continuidade ao trabalho, com a colaboração de Sylvie, filha de Uderzo.

As histórias de Asterix foram traduzidas para mais de 100 idiomas, sendo populares ao redor da Europa, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, América do Sul, África e Ásia. Porém não são muito conhecidas nos Estados Unidos e Japão.

Até aos dias de hoje foram lançados 33 álbuns com o personagem, um dos quais é uma compilação de histórias curtas. Asterix também inspirou 11 adaptações para o cinema (8 animações e 3 com atores), jogos, brinquedos e um parque temático.

História
Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos nos campos fortificados de Babaorum, Aquarium, Laudanum e Petibonum...

Este é o prólogo de todas as edições dos livros de Asterix, o gaulês.

O personagem reside, com seus amigos, em uma pequena aldeia na Armórica ao norte da antiga Gália, resistindo ao domínio romano. Para enfrentar as legiões, contam com a ajuda de uma poção mágica, que lhes dá força sobre-humana, preparada pelo druida Panoramix. A exceção é Obelix, que caiu dentro de um caldeirão com a poção quando ainda era bebê, e por isso adquiriu permanentemente a superforça.

Personagens
• Asterix, o herói Gaulês e melhor amigo de Obelix. O seu nome provém da palavra asterisque (asterisco).
• Obelix, o distribuidor de menires e amigo de Asterix, possui força sobre-humana permanente porque caiu dentro do caldeirão de poção quando era bebê. Adora seu cachorrinho Ideiafix. Só pensa em duas coisas: comer javali e bater nos romanos. Seu nome provém do francês Obelisque obelisco e está relacionado a seu trabalho com menires.
• Panoramix, o velho druida que aconselha Asterix, Obelix e o chefe Abracourcix, é o único a saber preparar a poção mágica. O seu nome provém da palavra panoramique (panorâmico).
• Matasetix ou Abracourcix (no original, Abraracourcix), o chefe da aldeia. O seu nome provém do original francês à bras raccourcis (braço partido), em português evoca "abra um curso".
• Cacofonix ou Chatotorix, (no original, Assurancetourix), o bardo. Péssimo cantor, mas bom companheiro. O seu nome provém do francês assurance tous risques (seguro contra todos os riscos).
• Ideiafix (no original, Idéfix), o cão de Obelix. O seu nome provém do francês ideé fixe (idéia fixa).
• Decanonix ou Veteranix ((no original, Agecanonix), o ancião da aldeia, também conhecido como Geriatrix em algumas versões. O seu nome provém do francês age canonique (idade canônica).
• Éautomatix ou Automatix (no original, Cétautomatix), o ferreiro que sempre critica a qualidade dos peixes vendidos por Ordenalfabetix. O seu nome provém do francês c'est automatique (é automático).
• Ordemalfabetix ou Ordenalfabetix (no original, Ordralfabetix), o peixeiro que sempre está brigando com Automatix por causa de suas críticas. O seu nome provém do francês ordre alfabetix (ordem alfabética).
• Júlio César, o majestoso e inteligente imperador romano, inimigo dos gauleses.
• Boapinta ou Naftalina, (no original, Bonemine) é a mulher de Abracurcix, sempre arrependida de ter casado com este. Seu nome, no original (Bonemine), vem do francês bonne mine, significando "estar em forma", "estar bem", "disposta”.

Humor
O humor de Asterix é tipicamente francês, com trocadilhos, caricaturas e estereótipos.

Estereótipos e alusões
Asterix e Obelix encontram muitas alusões ao século XX em suas jornadas. Os godos são militaristas, lembrando os alemães dos séculos XIX e XX; os bretões são fleumáticos, educados, falam ao contrário (numa tradução direta do inglês, como "Eu peço seu o perdão?"), tomam cerveja quente e água quente com leite (até Asterix trazer o chá) e conduzem do lado esquerdo da estrada; a Hispânia é um local cheio de pessoas de sangue quente e turistas; e os lusitanos são baixinhos e educados (Uderzo disse que todo os portugueses que ele conhecera eram assim). Há também humor com franceses: os normandos comem tudo com creme, e os corsos são preguiçosos e têm queijos nauseabundos.

Existem muitas caricaturas, como o burocrata de Obelix e Companhia baseado em Jacques Chirac. Alguns personagens que servem de alusão ao local visitado: a Cleópatra é inspirada em Elizabeth Taylor, ao visitar a Bretanha encontram-se quatro bardos famosos lembrando os Beatles, encontram na Bélgica Dupond e Dupont de Tintin, e na Hispânia Dom Quixote e Sancho Pança. Nos livros mais recentes aumentam as paródias, com o espião Zerozerosix, baseado em Sean Connery, o escravo Spartakis, baseado em Kirk Douglas, e um alienígena inspirado em Mickey Mouse.

Linguagem
Uma das bases do humor são os trocadilhos, a começar pelos protagonistas, batizados com os símbolos para notas de rodapé: asterisco (*) e obelisco (†). Para aumentar os trocadilhos, todos os povos têm terminações comuns de nomes: os gauleses terminam em -ix (em possível citação a Vercingetorix) e as gaulesas em -a (Naftalina, Iellousubmarina), os romanos em -us (Acendealus, Apagalus, General Motus), normandos em -af (Batiscaf, Telegraf), bretões em -ax e -os (Relax, Godseivezekingos), egípcios em -is (Pedibis, Quadradetenis), gregos em -os e -as(Okeibos, Plexiglas), vikings em -sen (Kerosen, Franksen), godos em -ic (Clodoric, Eletric), e hispânicos nomes compostos (Conchampiñon & Champignon, Lindonjonsón & Nixón).

Línguas estrangeiras tem representação diferente:
Iberos: Igual ao espanhol, inversão e exclamações ('¡') e interrogações ('¿')
Godo: escrita gótica (gauleses não entendem)
Viking: Ø e Å no lugar de O e A (gauleses não entendem)
Índios americanos: Pictogramas (gauleses não entendem)
Egípcios: hieróglifos com notas de rodapé (gauleses não entendem)
Grego: letras retas, esculpidas

Piadas recorrentes
• O bordão de Obelix é "Esses [nome do povo] são uns loucos", sendo "romanos" o povo mais freqüente.
• O péssimo canto de Chatotorix (que em livros tardios enerva os deuses e leva à chuva), geralmente impedido por Automatix.
• Automatix reclamar dos peixes de Ordenalfabetix, iniciando uma briga entre toda a aldeia.
• Obelix requisitar poção mágica apesar desta ter efeito permanente nele (em A Galera de Obelix, ele acaba por tomá-la com graves consequências).
• Legionários reclamarem após serem espancados ou fazendo trabalhos tediosos ("alistem-se, diziam eles").
• A gula de Obelix.
• Um grupo de piratas (paródia de Barbe Rouge, uma história contemporânea) que ao se encontrar com Asterix e Obelix, geralmente têm seu navio afundado (às vezes, eles até sacrificam o seu próprio barco para evitar a surra dos gauleses).
• Chatotorix ser amarrado na hora do banquete para que não possa canta

Revisionismo

Algumas piadas provém de fatos históricos:
após atravessar o canal da Mancha Obelix sugere um túnel sob esse mesmo canal, e um bretão responde que já planejam construir;
Obelix derruba o nariz da Esfinge;
Asterix diz à Cleópatra para apelar aos gauleses para, por exemplo, eles construírem um canal entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho;
Os gregos impedem substâncias que dão força extra nas Olimpíadas;
Asterix introduz o chá na Inglaterra;
Os menires de Obelix viram as rochas de Carnac;
Muitas vezes a aparição de Brutus alude á sua participação na morte de César

Cinema
Algumas histórias de Asterix foram transformadas em filmes de animação e filmes com actores.

Animação
Asterix, o Gaulês - 1967
Asterix e Cleópatra - 1968
Os 12 Trabalhos de Asterix - 1976
Asterix e a Surpresa de César - 1985
Asterix Entre os Bretões - 1986
A Grande Luta - 1989
Asterix Conquista a América - 1995
Asterix e Obelix e Os vikings - 2006

Filmes
Asterix e Obelix contra César (1999) - De Claude Zidi. Com Gérard Depardieu (Obelix) e Christian Clavier (Asterix)
Asterix e Obelix: Missão Cleópatra (2002) - De Alain Chabat. Com Gérard Depardieu (Obelix), e Christian Clavier (Asterix).
Asterix nos Jogos Olímpicos (2008), com Gérard Depardieu (Obelix) e Clovis Cornillac (Asterix)

Livros
- Asterix o Gaulês (1961)
O centurião romano Caius Bonus, após descobrir sobre a poção mágica sequestra Panoramix para descobrir como fazê-la.
- A Foice de Ouro (1962)
Panoramix quebra sua foice, e Asterix e Obelix vão comprar outra em Lutécia.
- Asterix e os Godos (1963)
Panoramix é sequestrado pelos godos, e Asterix e Obelix vão à Germânia resgatá-lo.
- Asterix Gladiador (1964)
Chatotorix é sequestrado pelos romanos como presente para César, e Asterix e Obelix vão a Roma. Para conseguir resgatá-lo, entram para a escola de gladiadores.
- A Volta à Gália (1965)
Após um romano começar a isolar a aldeia com uma paliçada, Asterix propõe a ele desistir após um banquete com comidas pegas ao redor da Gália (num trajeto parecido com o Tour de France).
- Asterix e Cleópatra (1965)
O arquiteto egípcio Numerobis é incumbido pela rainha Cleópatra de construir um palácio para Júlio César em três meses, para que Cleópatra ganhe uma aposta feita com o imperador romano. Por sorte, seu pai conheceu Panoramix e vai pedir ajuda ao druída e a Asterix e Obelix.
- O Combate dos Chefes (1966)
Um chefe de aldeia simpático aos romanos propõe um duelo a Abracurcix, valendo a aldeia. No meio-tempo, Panoramix é atingido por um menir e enlouquece.
- Asterix e os Bretões (1966)
Após conquistar quase toda a Gália, César decide invadir a Bretanha (atual Reino Unido). Apenas uma aldeia resiste, e Cinemapax, um contraparente de Asterix, resolve ir à Gália para pedir a ajuda de seu primo e da poção de Panoramix.
- Asterix e os Normandos (1967)
Abracurcix recebe seu sobrinho covarde, Calhambix, com a missão de torná-lo um homem. No meio-tempo, normandos vêm á Gália em busca do "campeão do medo".
- Asterix Legionário (1967)
Obelix se apaixona por Falbalá - e ao descobrir que o noivo desta, Tragicomix fora alistado à força e mandado para a África, Asterix e Obelix entram na legião romana para resgatá-lo.
- O Escudo Arverno (1968)
Abracurcix é enviado para uma estância hidroterápica por estar doente, Asterix e Obelix vão para Gergóvia, e César busca o escudo de Vercingetorix.
- Asterix nos Jogos Olímpicos (1968)
Asterix descobre que os romanos e os gregos participam, de quatro em quatro anos, de uma competição chamada jogos olímpicos. Como a Gália está ocupada pelo Império Romano, Asterix pode participar dos jogos, como representante da Gália. Mas há um problema: ele não pode usar a poção de Panoramix...
- Asterix e o Caldeirão (1969)
Um gaulês deixa um caldeirão cheio de serstécios na aldeia por segurança - e após o dinheiro sumir, Asterix e Obelix buscam recuperá-los.
- Asterix na Hispânia (1969)
O filho do chefe da última aldeia resistente à ocupação na Hispânia é sequestrado e levado para a Gália - e Asterix e Obelix resolvem levá-lo de volta.
- A Cizânia (1970)
César decide conquistar a aldeia acabando com a união dos gauleses - para isso, usa um romano especializado em discórdia, Tulius Detritus.
- Asterix entre os Helvécios (1970)
Um questor romano é envenenado pelo governador da Gália, e apela á Panoramix - porém a poção antídoto exige uma flor montanhosa, que Asterix e Obelix vão buscar na Helvécia.
- O Domínio dos Deuses (1971)
Para conquistar a aldeia César começa a construir um grande hotel, o Domínio dos Deuses, na floresta que a circunda.
- Os Louros de César (1972)
Um bêbado Abracurcix promete ao cunhado um guisado temperado com a coroa de louros de César, e Asterix e Obelix acabam em Roma tentando conquistá-la.
- O Adivinho (1972)
Enquanto Panoramix está ausente, um adivinho começa a se aproveitar da credulidade dos gauleses.
- Asterix na Córsega (1973)
Após descobrirem um líder corso seqüestrado, Asterix e Obelix resolvem acompanhá-lo de volta para casa.
- O presente de César (1974)
César dá a um legionário por seaposentar, as terras da aldeia, e este legionário repassa-as a um taverneiro, que vai reclamar seu terreno.
- A Grande Travessia (1975)
Asterix e Obelix vão pescar - e acabam por chegar à América do Norte.
- Obelix e Companhia (1976)
Para desunir a aldeia, um assessor de César começa a comprar os menires de Obelix, estimulando a concorrência na aldeia.
- Asterix entre os Belgas (1979)
Abracourcix não se conforma com o fato de César achar os belgas o povo mais bravo da Gália e vai à Bélgica tirar satisfações.
- O Grande Fosso (1980) - (O primeiro álbum realizado sem a contribuição de Goscinny)
Asterix e Obelix se envolvem com uma aldeia separada por um fosso, as rivalidades de seus dois chefes e as artimanhas de um gaulês traidor que quer se casar com a filha de um dos chefes.
- A Odisséia de Asterix (1981)
Asterix e Obelix viajam até a Galiléia conseguir petróleo para o druida acompanhados por um druida espião Zerozerosix (feito à imagem de Sean Connery, ator de 007).
- O Filho de Asterix (1983)
Um bebê é deixado na porta da casa de Asterix, que se vê obrigado a encontrar seus verdadeiros pais - ninguém menos que César e Cleópatra.
- As 1001 Horas de Asterix (1987)
Asterix e Obelix vão à Índia com Chatotorix para que o bardo use sua voz para fazer chover e livrar a princesa Jade de ser executada.
- A Rosa e o Gládio (1991)
Os guerreiros se envolvem com a galanteria gaulesa, a liberação feminina e uma nova e diferente legião de legionário(a)s.
- A galera de Obelix (1994)
Escravos roubam a galera de César e a escondem na aldeia gaulesa; Obelix se transforma em granito ao beber a poção mágica e Asterix e o druida vão com os escravos atrás de uma possível cura.
- Asterix e Latraviata (2001)
Os romanos usam uma atriz idêntica à bela Falbala para que ela recupere o gládio e o elmo de Pompeu, dados de presente a Asterix e Obelix por seus pais.
- Asterix: O dia em que o céu caiu (2005-França)
Os gauleses recebem a visita de estranhos seres espaciais que querem confiscar a poção mágica (referências a Walt Disney, aos mangás e ao Schwarzenegger).
- Asterix e a volta às aulas / Asterix e o Regresso dos Gauleses - (2007-Brasil) - (2003-França / Portugal)
Coleção de histórias curtas publicadas na revista Pilote.

Além disso há álbuns dos filmes:
- Asterix e os índios
Semelhante ao álbum "A grande travessia"
- A Surpresa de César
Semelhante aos álbuns "Asterix Legionário" e "Asterix Gladiador"
- Os 12 Trabalhos de Asterix
- Asterix: O golpe do menir
- Asterix e os Vikings

E "Como Obelix caiu no caldeirão do druida quando ele era pequeno".

Parque Asterix
O parque temático foi inaugurado em 1989 em Paris. Conta com diversas atrações, como brinquedos e shows, além de pessoas fantasiadas como os personagens das histórias. Apesar do apelo de herói nacional, sofre com a concorrência da vizinha Eurodisney.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Figueiredo Pimentel (Histórias da Avozinha – Parte I)

O AVÔ E O NETINHO

Bastante velho já, fatigado por uma longa existência de trabalhos e canseiras, exausto de forças e doente de velhice – porque a velhice é, também, uma doenç a – estava tio Benedito, o bom e estimado velhote tio Benedito: oitenta anos pesavam-lhe às costas, como um grande fardo que ele a custo carregasse.

Na sua mocidade, e mesmo durante parte da velhice, ninguém trabalhara mais que ele, honesto sempre, mourejando, dia e noite, para sustento de sua família.

Não podendo fazer serviço algum, alquebrado pela idade, veio morar em casa de Augusto, seu filho mais moço, já com um filhinho de três para quatro anos, o pequenino e interessante Luís, vivo e esperto como poucos.

Velho e enfermo, qual estava, tio Benedito como que volvera à primeira infância; e, por isso, eram precisos inúmeros cuidados com ele, que mal se sustinha sozinho, trêmulo, muito trêmulo, quase sem poder andar.

Quando se sentava à mesa, para o almoço e para o jantar, derramava sopa na toalha, quebrava pratos e copos, com as mãos fracas, como uma criança arteira e estouvada.

Augusto, e sua mulher, Henriqueta, aturavam-no com dificuldade, zangados, contrariados, aborrecidos principalmente com o prejuízo diário que o pai lhes dava.

Afinal, não podendo mais suportar o velho, resolveram comprar uma cuia; e às horas das refeições sentavam-no no chão, perto da mesa dando-lhes a comida naquela tosca vasilha.

Quando Luisinho, o pequenino, viu que o avô não se sentava mais à mesa, ficou triste, mas não disse palavra. Estranhou aquilo porque a sua almazinha desabrochava formosamente para o bem; e se não manifestou a sua impressão, foi por supor que assim se fazia sempre com os velhinhos, que não se sentavam à mesa, nem comiam em pratos, como os outros.

O pequeno Luís era o único que verdadeiramente estimava o ancião, próximos entre si aquela primavera e aquele inverno, aquela criança e aquele velho, ambos na infância, ambos no crepúsculo da vida.

Dias depois, Augusto e Henriqueta viram o filho entretido a brincar com alguns pedaços de tábuas, um martelo e pregos, como não tinha por costume fazer.

A mãe, estranhando aquilo, perguntou: – Que estás fazendo aí, Luisinho? – Estou fazendo um prato, para dar de comer a papai e mamãe, quando eu for grande, e eles já estiverem velhinhos como vovô, respondeu ingenuamente a criança.

Henriqueta e Augusto entreolharam-se confusos, vexados e arrependidos da sua ingratidão, e de novo trouxeram o pai para se sentar à mesa, em sua companhia.

Desde então, trataram-no com todo o respeito, o desvelo e a consideração que os filhos devem aos pais.

O SOLDADO E O DIABO

Contam que, em outros tempos, há milhares e milhares de anos, quando nada existia do que hoje existe, viveu em certa cidade um rico fidalgo, o barão de Macário, tão poderoso e opulento, quão orgulhoso e mau.

Uma tarde, achava- se ele no seu escritório, contemplando avaramente a grande fortuna que acumulara, roubando aos pobres, às viúvas e aos órfãos, emprestando dinheiro a juros elevados, quando, de súbito, se sentiu tocado por um raio de bondade, até então jamais experimentado pelo seu coração empedernido.

Lembrou- se que já estava velho; e que, com aquela idade, nunca fizera o menor benefício a pessoa alguma, sem ter dado jamais uma única esmola sequer. Arrependeu- se, então, do seu passado.

Nessa mesma tarde, Augusto, um infeliz sapateiro, seu vizinho, que vivia na maior pobreza, carregado de filhos, veio bater à porta, suplicando que lhe emprestasse cem mil-réis, para se ver livre de uma penhora, e poder comprar o material que precisava para os trabalhos de sua profissão.

– Em vez de cem- mil réis, dar- te-ei um conto de réis, Augusto; disse o barão, com a condição, porém, que, se eu morrer primeiro, você irá vigiar meu túmulo, nas três primeiras noites depois do meu enterro.

O sapateiro prometeu, acossado como estava pela necessidade, e o fidalgo deu- lhe o conto de réis.

*** Dois meses depois, o barão de Macário morreu; e Augusto, lembrando-se de sua promessa, como era homem de promessa, foi cumpri-la.

Duas noites passou ele em claro, no cemitério da cidade, cheio de medo, mas sem que ocorresse novidade alguma.

Na terceira e última, dirigia -se para ir velar junto no túmulo, quand o avistou um soldado encostado a um mausoléu.

– Eh! camarada! bradou. Que fazes aí? Não tens medo de estar no cemitério? – Eu não tenho medo de coisa alguma, respondeu o militar. Vim para aqui, porque não tenho onde pousar esta noite.

Puseram- se ambos a conversar, enquanto o sapateiro contava ao soldado por que motivo ali se achava.

Passou- se o tempo, sem que eles o sentissem, quando o relógio da torre da igreja bateu compassadamente as doze badaladas fúnebres da hora terrível da meia-noite!...

Então, nesse momento, próximo deles surgiu de súbito, sem que soubessem de onde vinha, um homem vestido de vermelho, com os olhos chispando fogo, e cheirando fortemente a enxofre.

Era o diabo, que lhes ordenou: – Retirem-se daqui, rapazes! a alma deste homem, que foi um grande usurário na terra, pertence-me, e eu vim buscá-la.

– Senhor vestido de vermelho, disse o soldado, o senhor não é meu superior, nem mesmo um oficial. Não posso, pois, obedecer- lhe; e, assim, digo -lhe que se retire daqui, pois aqui chegamos primeiro.

O diabo, vendo aquele militar destemido, não quis puxar barulho, e lembrou-se de comprá-lo, perguntando-lhe quanto queria para se ir embora.

– Aceito o negócio que me propõe, sr. Satanás. Basta que me dê o dinheiro em ouro, que uma das minhas botas puder conter.

O diabo saiu, e foi pedir emprestado a um judeu seu amigo, que morava naquela mesma cidade.

Enquanto não vinha, o soldado puxando o rifle, cortou a sola do pé direito, e colocou-a por cima de um túmulo aberto.

Quando Satanás chegou, vergado ao peso de um saco de ouro, esvaziou- a, peça por peça, dentro da bota. O dinheiro caía todo na sepultura.

– Olé! disse o capataz do Inferno, esta bota parece-me mágica! – Vá buscar mais ... mandou o soldado.

Mais de dez sacos foram assim trazidos pelo diabo. As moedas escorregavam pelo cano da bota, e iam cair no túmulo, de modo que a bota jamais se enchia. Satanás, desesperado, ia trazendo saco por saco. Na ocasião em que carregava o décimo saco, cheio de moedas de ouro, eis que amanheceu de repente. O galo cantou; o sol rompeu; e o sino da igreja bateu alegremente, chamando para a missa.

Satanás deu um berro e desapareceu...

Estava salva a alma do barão de Macário...

O soldado e o sapateiro Augusto repartiram entre si a grande fortuna que o diabo deixara na cova; e foram viver ricos e felizes, empregando uma boa parte do dinheiro em dar esmolas aos pobres.

Fonte:
PIMENTEL, Figueiredo. Histórias da Avozinha. Rio de Janeiro, 1896.
http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/literatura-infantil-classicos-infantis/historias-da-avozinha.php

Vania Dohme (A História como Veículo de Comunicação)

Contar histórias é uma forma de comunicação. Mesmo sem se dar conta as pessoas usam este artifício no dia a dia. É comum, querendo dar mais ênfase ou veracidade a uma afirmação, o interlocutor usar de uma história acontecida com ele, com amigos ou até, uma que “ouviu falar”. Isto dá uma impressão que a outra pessoa irá entender melhor aquilo que se esta querendo transmitir.

Partindo deste ponto as histórias podem ser usadas com as mais diversas intenções, e uma delas é como uma forma de comunicação entre pais e filhos. Principalmente porque os pais tem sempre muitas coisas que gostariam de falar para seus filhos e, as vezes, não sabem como faze-lo. Isto porque pode haver uma certa insegurança em saber se a criança poderá entender ou não aquilo que se deseja falar e também, porque há uma presunção, na maioria das vezes acertada, de que ela não terá muita paciência para ouvir. Pudera há tantas outras coisas interessantes para fazer!

As crianças poderão não entender o conteúdo daquilo que se deseja transmitir: As histórias irão colocar os elementos desejados dentro de um contexto simples e adequado ao entendimento da criança. Os elementos chaves que se deseja comunicar não estarão soltos, exigindo um pensamento abstrato para dar-lhes sentido, eles já estarão encadeados dentro da história. Compreender a história irá significar compreender situações, razões e resultados, que em última análise são os elementos que se deseja transmitir.

A impaciência ou incapacidade de se concentrar por um período mais longo: A história tem a propriedade de interessar a criança e com isso mantê-la atenta.

Qualidade da mensagem

Partindo do ponto de que as histórias são bons veículos de informação, resta a pergunta: mas que tipo de informação?

Pode-se transmitir bem, mas isto não será necessariamente bom ou construtivo para a criança. Isto leva à reflexão: o que se deseja transmitir?

Assim, quando os pais se depararem com uma história com potencial para ser contada para seus filhos, deverão discernir no seu conteúdo a que tipo de conclusões ela levará, quais sentimentos despertará, se ela poderá incentivar ou inibir determinada conduta.

Se não houver esta preocupação inicial corre-se o risco de estar comunicando, até comunicando bem, algo indesejado, que não está de acordo com as crenças e valores de quem a está narrando.

Deve-se tomar cuidado de analisar a história não só pelo seu roteiro principal, mas também pelos acontecimentos periféricos, secundários. Uma história poderá estar valorizando a coragem de determinado príncipe, que luta pela salvação de seu povo. Mas se na intimidade este príncipe for arrogante e mandão com seu fiel escudeiro, a história estará valorizando a coragem, mas também comprometendo a cortesia que um cavaleiro deve ter. Estes detalhes poderão passar despercebidos, mas o trato com empregados está mais próximos das crianças do que a luta pela liberdade de um povo.

As histórias de fadas

Dentre as diversas categorias que as histórias podem se dividir, as histórias de fadas aparecem como as preferidas para as crianças, porém, curiosamente muitas delas apresentam uma dose de violência que gera uma certa perplexidade: porque histórias tão violentas são milenarmente utilizadas com crianças?

Em Rapunzel o príncipe vaga cego por muitos anos, Bela Adormecida é condenada a morte simplesmente porque seus pais deixaram de convidar uma das fadas e, em Branca de Neve, sua madrasta, por não tolerar a sua beleza, manda mata-la. A sina de Branca de Neve só é atenuada porque o caçador que deveria mata-la penalizado, mata um cervo em seu lugar e coloca o coração ensangüentado do animal em um baú para entrega-lo à rainha como prova de ter cumprido a sua missão. Como se matar um animal fosse coisa boa, principalmente em uma época em que lutamos para despertar a consciência ecológica em nossas crianças e o amor aos animais. Será que isso é coisa de criança?

O conceituado psicanalista inglês Bruno Betellhein em seu livro: “A Psicanálise dos Contos de Fadas” traz contribuições importantes para se entender o efeito que os contos de fadas causam nas crianças. Como é sabido, as crianças tem uma forma diferente dos adultos de entender e refletir. As crianças pequenas não conseguem desenvolver um raciocínio de causa e efeito. Seu entendimento é baseado muito mais na emoção do que na razão. Assim, querer persuadir uma criança baseando-se em argumentos racionais, comum aos adultos, terá grandes possibilidades de fracassar.

Os medos que os adultos sentem, da violência, instabilidade financeiro, de perder a saúde são percebidos pela criança e, embora ela não consiga entender, também tem medo, e o pior é absolutamente incapaz de fazer algo para vence-lo ou de encontrar argumentos para diminuí-lo.

As histórias, entre outros efeitos, irão aparecer como um bálsamo para esta situação. Na história de chapeuzinho vermelho, por exemplo, o lobo funciona como um símbolo do perigo, de alguém com quem se precisa ter cuidado. E o que acontece: ele engole chapeuzinho, e em algumas versões a vovó também, o que significa que os temores se concretizaram. Porém, quando aparece o caçador, ele abre a barriga do lobo e de lá sai chapeuzinho vermelho intacta e feliz. Isto irá mostrar para a criança que mesmo que os terríveis males aconteçam, as coisas podem acabar bem, isto lhe dá esperança e, conseqüentemente, segurança.

As fábulas

Atribui-se à Ésopo e, posteriormente, à Fedro, a idéia de usar as fábulas para transmitir situações de relacionamento dos seres humanos, encerrando lições e ditames de comportamento de uma forma velada, protegida pelo fato dos protagonistas serem animais. Isso fica mais claro quando sabemos que ambos eram escravos alforriados, nesta situação é fácil imaginar que eles usariam esta liberdade para transmitir mensagens aos demais escravos usando os animais como proteção. Foi graças a La Fontaine que as fábulas chegaram até nós, e este não usou as fábulas com outro objetivo, plebeu freqüentador da corte e vivendo em uma época de grande injustiça social na França, as fábulas apareciam como um meio de falar verdades de forma alertadora e segura.

As fábulas encerram padrões de comportamento, evidenciam valores e geralmente apontam para soluções justas. E, da mesma forma que foram usadas a séculos atrás, elas podem ser usadas modernamente pelos pais para falar sobre estes padrões de comportamentos com seus filhos. Usando-as os pais poderão falar sobre verdade, lealdade, altruísmo, despojamento, bondade e tantos outros valores, no momento exato que seus filhos precisam ouvir, quando perceberem que fatos ou os próprios sentimentos de seus filhos estão necessitando de um modelo de comportamento.

Então ter um repertório de histórias, de seus diversos tipos: de fadas, fábulas, lendas, mitos, para serem “retiradas do baú” na hora necessária, se torna uma importante ferramenta para ser usada na educação. E o que é importante, as histórias não propiciam uma educação condicionante, ao contrário, elas são um convite para o pensar, para a investigação e para se chegar às suas próprias conclusões.

As histórias de fadas são mais adequadas às crianças pequenas, já as fabulas, as lendas e mitos, são mais adequadas às crianças com mais de sete ou oito anos. Mas isso não quer dizer que as crianças não irão gostar mais de histórias de fadas quando ficarem mais velhas ou, ao contrário, as pequenas não apreciam as fabulas. Esta adequação está relacionada ao entendimento e ao aproveitamento que ela terá ao ouvir a história. Ou seja, liberta de medos e com resposta a algumas de suas indagações sobre a vida, a menina e o rapazinho irão ouvir as histórias de fadas de outra maneira, se encantando com a magia, vibrando com a aventura. Já a pequenina, poderá não entender as razões que levaram a raposa da fábula “A raposa e as uvas” a agir dessa forma, mas gostará de ver o fantoche, dará risadas quando a sua mãe fizer a voz mais grossa para imitá-la.

O desenvolvimento que todas as histórias propiciam

Cada história tem uma mensagem específica, típica ao seu roteiro e que motivou a sua escolha de acordo com a mensagem educacional desejada pelo seu narrador.

De forma genérica as histórias contribuem com diversos aspectos da formação de crianças e jovens. Estes aspectos podem variar de intensidade de uma história para outra, porém, pode-se dizer que de maneira geral todas as histórias propiciam o desenvolvimento:

Atenção e raciocínio: Todos sabem que as histórias têm o poder mágico de prender a atenção das crianças (e a experiência mostra que a dos adultos também). Isso por si só já é um exercício, mas as histórias provocam muito mais do que isso. A crianças acompanham os fatos e fazem conjecturas, como será que o herói se saíra dessa situação? Será que o ratinho, por gostar somente de queijo, rejeitará o chocolate? A princesa encontrará o príncipe e será feliz novamente? Ao tomarem conhecimento do desfecho do enredo irão compará-lo com as suposições que fizeram, isto fará com que elas exercitem a relação de causa e efeito, que faz parte do seu amadurecimento.

A narrativa exercitará também a memória, pois as maldades feitas pela rainha má serão relembradas, no final da história, quando esta for castigada. Alguns personagens que aparecem apenas no início da história, podem ter um papel decisivo no seu final. A criança por estar interessada no enredo gravará elementos e detalhes que sabe que lhe trará satisfação em outra parte da história. Isto também pode acontecer quando a mesma história é contada diversas vezes, a cada nova narrativa a criança saboreará melhor estes elementos. E as crianças tem uma predileção por ouvir a mesma história muitas vezes, isto porque ela quer ter certeza de que o mal foi derrotado e que tudo acaba bem no final. Senso crítico: Sem dúvida pensando na formação do cidadão de amanhã, umas das maiores preocupações dos pais é formar um homem e uma mulher crítico, que tenha capacidade de analisar o que está a sua volta, avaliar o que está de acordo com os seus princípios e o que não está, e tomar decisões de acordo com as suas próprias convicções.

Isso nem sempre é fácil perante uma sociedade massificante onde as informações se cruzam em velocidade vertiginosa e nem sempre com objetivos explícitos.

As ingênuas histórias podem ser um motivo para os pais discutirem com seus filhos comportamentos, posicionamentos. Não de forma impositiva, mas sim convidativa ao pensar. Os pais poderão perceber, encantados, que a forma de seus filhos verem os fatos vão amadurecendo a medida que eles crescem.

As crianças pequenas ficaram encantadas quando Cinderela apaixona-se imediatamente pelo príncipe. Mas as mais velhas poderão ser questionadas se somente o fato de ser bonito, rico e poderoso é suficiente para alguém se apaixonar.

E será que o Patinho Feio não seria mais feliz continuando feio, mas filho de sua mãe pata e irmão dos patinhos, do que se transformar em um cisne belo, porém, sozinho?

O que importa é que as histórias vão trazer o contexto, onde os pais com habilidade poderão fundamentar uma discussão que busque produzir a reflexão e o exercício do senso crítico.

Imaginação: As histórias conduzem o ouvinte às mais diversas paragens e, não há limite. Uma boa narrativa pode levar ao fundo domar, acima das nuvens, a países distantes, ao futuro e ao passado.

A descrição detalhada, fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores, visualize a grama verdinha e se encante com o cavalo alado que dorme sossegadamente. Porém, a este detalhamento não deve ser exagerado, a fim de permitir que o ouvinte coloque a sua “própria” cor do céu, enfeite o campo com árvores. A narrativa é um convite para que a imaginação se desencadeie e complemente o cenário.

Criatividade: Nos dias de hoje sabe-se que a criatividade é diretamente proporcional à quantidade de referência que uma pessoa possui. As histórias são capazes de dar estas referências às crianças. E o que é importante é que estas referências não são apenas aquelas apresentadas a elas, prontas, de forma conceitual ou visual. Mas são também resultantes de seu próprio raciocínio e de sua imaginação.

Nesta linha de raciocínio podemos afirmar que por proporcionar referências as histórias incentiva a criatividade.

Mas, podemos ir além disso. As histórias fornecem um contexto com o qual podemos trabalhar de diversas maneiras fazendo com que as crianças sejam convidadas a criarem. Após ouvir uma história podemos pedir que ela faça um desenho da cena que mais gostou, ou a modele em argila. Um grupo de crianças poderá representa-la ou, mesmo, ser convidado a fazer a sua continuação. Será necessário criar o roteiro, fazer o cenário, o figurino. Situações que ficariam difíceis de serem pedidas aleatoriamente, mas que ganham sentido dentro de uma história que acabou de ser contada.

Afetividade: As crianças adoram ouvir histórias e querem que seus pais contem sempre mais, que contem a mesma história outras vezes. Isto se dá pelo prazer que ela tem de ouvir histórias, mas também pela situação de aconchego que ela representa.

Neste momento seu pai, ou sua mãe, é só dela e lhe dedica a mais completa atenção. Ela poderá estar no seu colo ou os dois estão largados em uma montanha de almofadas, e para ela esta situação poderá se perdurar infinitamente...

Estes momentos de cumplicidade, aumentam o companheirismo e favorece a afetividade. Isto faz com que as relações melhorem, melhorando as relações o diálogo é favorecido. Mais diálogo mais compreensão, mais confiança, mais conhecimento das peculiaridades das crianças e, em contrapartida, mais abertura para um ouvir o outro.
Transmissão de valores: As histórias são excelentes veículos para a transmissão de valores, porque dão contexto a fatos abstratos, difíceis de serem transmitidos isoladamente.
Como falar com crianças, perante a constante valorização da esperteza, que mentir não é a melhor solução? E que não é porque o mentiroso é talentoso e está seguro que está garantido que o ouvinte está sendo convencido? Como transmitir um conceito que a mentira deixa mais vulnerável o mentiroso do que aquele que pretensamente se deseja enganar?

É difícil, mas a história de Pinochio magistralmente cumpre este papel de forma simples: O boneco de madeira mentia e o seu nariz crescia, ficando assim formidavelmente vulnerável!

As histórias, conforme já foi colocado, são um verdadeiro celeiro de fatos que enaltecem os valores éticos, o que precisa é que aquele que irá contá-las esteja aberto para este fator. É preciso que ele acredite realmente na veracidade das afirmações que a história encerra dentro de sua fantasia.

Para que isto aconteça cada um deve escolher as histórias que realmente lhes são verdadeiras, que batem com os seus valores pessoas, que estejam de acordo com aquilo que ele deseja transmitir. Somente dessa forma ele poderá transmitir o que deseja de forma convincente.

É importante, também, entender os artifícios que a história usa para transmitir a sua mensagem, pois eles deverão ser narrados de forma fiel, a fim de proporcionar a compreensão desejada.

Quando se narra a história dos Saltimbancos, que valoriza a união, a formação de equipe. Se o narrador não deixar muito claro que o burrico não tinha forças para puxar a carroça, o cachorro não assustava mais ninguém, a galinha não dava mais ovos e a gatinha não servia mais para caçar gatos. Como justificar a súbita coragem que a união de todos fez nascer, fazendo com que o grupo conseguisse espantar perigosos ladrões. Assim a história deve ser escolhida tendo em vista a faixa etária da criança, o seu nível de compreensão, o momento adequado de aborda-la e, principalmente, estar de acordo com os valores que os pais acreditam como algo significativo para a formação de seus filhos.

Porém a escolha adequada não finaliza a questão, há que passa-la de forma clara, com graça, humor, causando suspense, emoção. Deve-se usar a voz adequada, fazer gestos, usar a expressão facial e a corporal.
Pode-se usar de recurso auxiliares que irão encantar as crianças:
fantoches, sombras, marionetes. E pode-se fazer uma série de atividades que irão potencializar os objetivos educacionais pretendidos e sobretudo propiciar saudáveis e felizes momentos de convivência entre os pais e seus filhos. Mas isto já é outra história...
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Sobre a Autora
Vania D'angelo Dohme é professora universitária, ludoeducadora, mestre em educação, pesquisadora do lúdico na educação, doutoranda em comunicação e semiótica, e membro fundadora do Centro Cultural de Voluntariado de São Paulo. Com uma experiëncia de mais de 30 anos, realizando trabalhos voluntários com crianças em movimentos educacionais (movimento escoteiro), fundou a Editora Informal, na qual desenvolve capacitação de adultos e professores, através de oficinas, palestras e produção de material escrito.

É autora dos seguintes livros: 32 idéias que auxiliam o aprendizado ; Técnicas de Contar Histórias ; Ensinando a criança a amar a natureza ; Jogando - O valor educacional dos jogos ; Jogando - Coordenação de jogos ; Técnicas de contar histórias - Para os pais contarem para seus filhos ; Atividades lúdicas na educação (Editora Vozes) ; Voluntariado- Equipes produtivas (Editora Mackenzie)
E os títulos infantis: A queda da fadinha no lixão ; A queda da fadinha no lixão- Atividades ; Jaca, o jacaré que virou bolsa
O Telefone de contato de Vania Dohme e da Editora Informal é: (11) 6977-6305 ou 6950-7481. Ou pelo site: www.editorainformal.com.br

Fonte:
http://www.qdivertido.com.br