segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

João Guimarães Rosa (Sagarana)



Sagarana reúne nove contos nos quais estão presentes os temas básicos de João Guimarães Rosa: a aventura, a morte, os animais metaforizados em gente, as reflexões subjetivas e espiritualistas. Cinco deles - O burrinho pedrês, Duelo, São Marcos, A hora e a vez de Augusto Matraga e Corpo fechado - trazem para os sertões de Minas Gerais peripécias de antigas histórias épicas ou heróicas. O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha e Minha gente. O conto A Volta do Marido Pródigo, é o mais farto em citações de lugares e personagens da região de Itaguara. Neste conto ele descreve saborosamente a epopéia de Lalino ou Laio, que na história, empenha a sua mulher em garantia a um empréstimo feito a um espanhol. Este espanhol, que vivia nas redondezas, era de confiança do chefe político local, o Major Anacleto, enquanto que as reflexões sobre o poder e a fraqueza centralizam-se em Conversa de bois.

O narrador dos contos de Sagarana muitas vezes caracteriza como folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e dando-lhes um tom épico e/ou de histórias de fada. Por exemplo, temos o Era uma vez que inicia o conto O burrinho pedrês (Era um burrinho pedrês). Neste conto, assim como em Conversa de bois e em A volta do marido pródigo, os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber.

O livro “Sagarana”, na sua primeira versão, foi escolhido em 1937 para concorrer ao prêmio literário “Graça Aranha”, patrocinado pela Livraria José Olympio. Apesar de ser bastante comentado pela crítica, ficou em segundo lugar e não foi escolhido para ser publicado.

Mais tarde, Guimarães Rosa decidiu revisar a obra e excluir algumas partes, até que em 1946, o calhamaço original, com cerca de 200 páginas mais enxuto, foi finalmente publicado.

O próprio título da obra foi inovador e criativo: Guimarães para compor a palavra, tomou um radical de origem germânica (Saga > Lenda) e juntou com outro de origem ameríndia (Rana > Maneira de, Espécie de) e chegou em “Sagarana”, para significar “Maneiras de Lendas ou Espécies de Lenda”.

O livro que destaca-se por expor de forma nítida toda a inventividade do autor no trato com a linguagem literária. Percebe-se nele o aproveitamento do colorido de expressões típicas do povo como “Estou como ovo depois de dúzia”, “Suspiro de vaca não arranca estaca”, “não é nas pintas da vaca que se mede o leite e a espuma”, entre tantas outras.

De cunho regionalista, Saragana surpreendeu a crítica e levou o escritor ao renome, em virtude da originalidade de sua linguagem e de suas técnicas narrativas, que apontavam uma mudança substancial na velha tradição regionalista.

Sarapalha

Este conto está na lista dos que menos Guimarães Rosa havia gostado. O seu título faz menção ao nome da região em que se passa a história. Era um lugar destinado ao abandono, pois havia sido dominado pela maleita. Seus protagonistas, os primos Argemiro e Ribeiro, estavam, inclusive, acometidos dessa doença. Aos poucos tomamos conhecimento dos dois e de todo o seu histórico. Ribeiro está no estágio crítico da doença e já torce pela morte. Só tem o primo como companheiro, principalmente depois que a esposa daquele, Luísa, o abandonou por um vaqueiro que aparecera por lá. Em vista de tudo isso, tem uma enorme gratidão com Argemiro. No entanto, este tem um remorso gigantesco, pois só havia largado suas terras não por companheirismo, mas porque havia se apaixonado por Luísa. Mas com a fuga dela, sente que a amizade entre os dois havia fortalecido, portanto, sente-se na obrigação de confessar seus sentimentos. Fá-lo logo após uma crise de febre e de delírio de Ribeiro e antes que a sua própria chegasse (essas manifestações da doença eram sazonais, funcionando até como relógio). Confessa e pede perdão, mas não o obtém, pois o primo percebe que Argemiro só fora morar ali por causa de Luísa e ficara ali não para cuidar dele, mas para esperar o possível retorno dela. Expulsa aquele que considera traidor. Argemiro parte, já às portas do seu acesso de febre, que de fato chega em meio à sua caminhada, no meio do mato. Pára de andar e espera a crise, que se anuncia numa sensação acolhedora que o faz sentir a paisagem ao seu redor de forma acolhedora. É o delírio instalando-se.

Sarapalha é um dos nove contos que compõem a obra Saragana, de Guimarães Rosa. No conto, o autor não faz nenhum mistério sobre o lugar da conversa dos dois primos que padeciam de alta febre por terem sido atacados pela malária: “é ali, na beira do Pará”. O lugar é o povoado de Pará de Vilelas, na estrada que liga a Rodovia Fernão Dias a Cláudio, (MG 260) único povoado do município de Itaguara, que margeia o citado rio.

O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha.

Há uma narrativa principal, que é bem simples: a sazão (febre/malária) avança por um povoado às margens do Rio Pará. As pessoas abandonam o povoado deixando tudo para trás, as que não se vão morrem.

O Mato toma conta do povoado. Primo Argemiro e Primo Ribeiro observam a doença avançar em si mesmos. Ribeiro faz Argemiro prometer enterrá-lo no cemitério do povoado.

Ribeiro começa lembrar da esposa (que era sua prima Luísa) que fugiu com um boiadeiro. Argemiro amava a mulher do primo e desejava ter sido ele a fugir com ela. Confessa ao primo que amava sua mulher e foi morar com eles por causa dela. Ribeiro expulsa o primo enquanto o tremor da maleita lhe atinge.

A outra história que aparece no conto é a da partida da esposa de Ribeiro, que o abandonou por um vaqueiro. Ribeiro, entretanto, prefere ouvir uma história em que ela é raptada pelo diabo...

PERSONAGENS
Primo Argemiro - das bandas do rio
Primo Ribeiro - das bandas do mato
Prima Luísa - Mulher de Ribeiro
Ceição - Preta velha
Jiló - cachorro

O Burrinho Pedrês

A trama desse conto, como nas demais narrativas de Guimarães Rosa, é relativamente simples. O velho burrinho Sete-de-Ouros, por falta de outras montarias, é engajado para levar uma boiada vendida pelo dono da fazenda, o major Saulo. Durante a viagem, ficamos sabendo que o vaqueiro Silvino quer matar o vaqueiro Badu, por causa de uma moça. Francolim, que é uma espécie de ajudante-de-ordens do major, denuncia a briga ao patrão, mas nada é feito para evitá-la.

Silvino chega a provocar um acidente, com o intuito de fazer os bois atropelarem Badu. Quando vê que não consegue matá-lo desta forma, planeja fazê-lo pessoalmente, na viagem de volta, depois de atravessarem o ribeirão cheio pelas chuvas. Nesse retorno, Badu está bêbado. Por isso, os demais vaqueiros deixam-no com o burrinho Sete-de-Ouros. Ao atravessarem o ribeirão, morrem na enchente oito vaqueiros, inclusive Silvino. Badu é salvo heroicamente pelo Sete-de-Ouros, que consegue chegar à outra margem e ao descanso merecido. Traz, vitorioso, o bêbado apaixonado na sela e Francolim agarrado no rabo...

TRECHO ESCOLHIDO

Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.

Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo à distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encardida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fatigada e respeitável - uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para cá, para lá, tangendo as moscas.

Na mocidade, muitas coisas lhe haviam acontecido. Foram comprado, dado, trocado e revendido, vezes, por bons e maus preços. Em cima dele morrera um tropeiro do Indaiá, baleado pelas costas. Trouxera, um dia, do pasto - coisa muito rara para essa raça de cobras - uma jararacuçu, pendurada do focinho, como linda tromba negra com diagonais amarelas, da qual não morreu porque a lua era boa e o benzedor acudiu pronto. Vinha-lhe de padrinho jogador de truque a última intitulação, de baralho, de manilha; mas, vida afora, por amos e anos, outras tivera, sempre involuntariamente: Brinquinho, primeiro, ao ser brinquedo de meninos; Rolete, em seguida, pois fora gordo, na adolescência; mais tarde, Chico-Chato, porque o sétimo dono, que tinha essa alcunha, se esquecera, ao negociá-lo, de ensinar ao novo comprador o nome do animal, e, na região, em tais casos, assim sucedia; e, ainda, Capricho, visto que o novo proprietário pensava que Chico-Chato não fosse apelido decente.

A marca-de-ferro - um coração no quarto esquerdo dianteiro - estava meio apagada: lembrança dos ciganos, que o tinham raptado e disfarçado, ovantes, para a primeira baldroca de estrada. Mas o roubo só rendera cadeia e pancadas aos pândegos dos ciganos, enquanto Sete-de-Ouros voltara para a Fazenda da Tampa, onde tudo era enorme e despropositado: três mil alqueires de terra, toda em pastos; e o dono, o Major Saulo, de botas e esporas, corpulento, quase um obeso, de olhos verdes, misterioso, que só com o olhar mandava um boi bravo se ir de castigo, e que ria, sempre ria - riso grosso, quando irado; riso fino, quando alegre; e riso mudo, de normal.

Mas nada disso vale fala, porque a estória de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida. E a existência de Sete-de-Ouros cresceu toda em algumas horas - seis da manhã à meia-noite - nos meados de mês de janeiro de um ano de grandes chuvas, no vale do rio das Velhas, no centro de Minas Gerais.

O burrinho permanecia na coberta, teso, sonolento e perpendicular ao cocho, apesar de estar o cocho de todo vazio. Apenas, quando ele cabeceava, soprava no ar um resto de poeira de farelo. Então, dilatava ainda mais as crateras das ventas, e projetava o beiço de cima, como um focinho de anta, e depois o de baixo, muito flácido, com finas falripas, deixadas, na pele barbeada de fresco. E, como os dois cavos sobre as órbitas eram bem um par de óculos puxado para a testa, Sete-de-Ouros parecia ainda mais velho. Velho e sábio: não mostrava sequer sinais de bicheiras; que ele preferia evitar inúteis riscos e o dano de pastar na orilha dos capões, onde vegeta o cafezinho, com outras ervas venenosas, e onde fazem vôo, zumbidoras e mui comadres, a mosca do berne, a lucília verde, a varejeira rajada, e mais aquela que usa barriga azul.

De que fosse bem tratado, discordar não havia, pois lhe faltavam carrapichos ou carrapatos, na crina - reta, curta e levantada, como uma escova de dentes. Agora, para sempre aposentado, sim, que ele não estava, não. Tanto, que uma trinca de pisaduras lhe enfeitava o lombo, e que João Manico teve ordem expressa de montá-lo, naquela manhã. Mas, disto último, o burrinho não recebera ainda aviso nenhum.

Para ser um dia de chuva, só faltava mesmo que caísse água. Manhã noiteira, sem sol, com uma umidade de melar por dentro as roupas da gente. A serra neblinava, açucarada, e lá pelas cabeceiras o tempo ainda devia de estar pior.

Sete-de-Ouros, uma das patas meio flectida, riscava o chão com o rebordo do casco desferrado, que lhe rematava o pezinho de Borralheira. E abria os olhos, de vez em quando, para os currais, de todos os tamanhos, em frente ao casarão da fazenda. Dois ou três deles mexiam, de tanto boi.

Alta, sobre a cordilheira de cacundas sinuosas, oscilava a mastreação de chifres. E comprimiam-se os flancos dos mestiços de todas as meias-raças plebéias dos campos-gerais, do Urucuia, dos tombadores do rio Verde, das reservas baianas, das pradarias de Goiás, das estepes do Jequitinhonha, dos pastos soltos do sertão sem fim. Sós e seus de pelagem, com as cores mais achadas e impossíveis: pretos, fuscos, retintos, gateados, baios, vermelhos, rosilhos, barrosos, alaranjados; castanhos tirando a rubros, pitangas com longes pretos; betados, listados, versicolores; turinos, marchetados com polinésias bizarras; tartarugas variegados; araçás estranhos, com estrias concêntricas no pelame - curvas e zebruras pardo-sujas em fundo verdacento, como cortes de ágata acebolada, grandes nós de madeira lavrada, ou faces talhadas em granito impuro.

Como correntes de oceano, movem-se cordões constantes, rodando remoinhos: sempre um vaivém, os focinhos babosos apontando, e as caudas, que não cessam de espanejar com as vassourinhas. Somam-se. Buscam-se. O crioulo barbeludo, anguloso, rumina, estático, sobre os maus aprumos, e gosta de espiar o céu, além, com os olhos de teor morno, salientes. O espúrio gir balança a bossa, cresce a cabeçorra, vestindo os lados da cara com as orelhas, e berra rouco, chamando a vaca malabar, jogada para o outro extremo do cercado, ou o guzerate seu primo, que acode à mesma nostalgia hereditária de bois sagrados, trazidos dos pascigos hindus do Coromandel ou do Travancor. Mudo chamado leva o garrote moço a impelir toda uma fileira, até conseguir aproximar-se de outro, que ele antes nunca viu, mas junto do qual, e somente, poderá sentir-se bem. E quando o caracu-pelixado solta seus mugidos de nariz fechado, começando por um eme e prolongando-se em rangidos de porteira velha, respondem-lhe o lamento frouxo do pé-duro e o berro em buzina, bem sustido e claro, do curraleiro barbatão.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga

“A Hora e a Vez de Augusto Matraga” é o nono e último conto de Sagarana, livro que em 1946 marcou a estréia de Guimarães Rosa em nossa literatura (o autor já vinha publicando seus textos na revista O Cruzeiro desde 1929. Mas Sagarana foi sua primeira obra em livro). Tal conto confirma a afirmação da crítica de que estava sendo inaugurado um terceiro tipo de regionalismo (o primeiro regionalismo deu-se durante o Romantismo, representado principalmente por Bernardo Guimarães, Franklin Távora e Visconde de Taunay, além do próprio José de Alencar. O segundo regionalismo ocorreu durante a Segunda Geração Modernista (de 1930 a 1945), sendo representada principalmente por Graciliano Ramos e José Lins do Rego). No entanto, basta uma leitura atenta para se conseguir elementos que coloquem nos eixos uma declaração um tanto exagerada.

É correto notar semelhanças na fidelidade de descrição dos costumes sertanejos, como havia no Romantismo, principalmente em Inocência, de Visconde de Taunay. No entanto, as semelhanças param por aí.

Como elemento diferenciador, o primeiro que pode ser lembrado é a elaboração da linguagem, que em muitos momentos ganha ritmo e musicalidade que a aproximam da poesia. É uma delicada prosa poética (note a poeticidade resgatadora de elementos populares no trecho “Você tem perna de manuel-fonseca, uma fina e outra seca!”. O conto está recheado de outros exemplos do mesmo quilate).

Outro aspecto que afasta o conto da tradicional prosa sertaneja é sua temática. Não se trata mais da idealização do amor como era no Romantismo ou do espírito engajado e político como era no Segundo Tempo Modernista. O que ocorre aqui é a utilização de uma fábula (entende-se por fábula uma narrativa que encerra simbolicamente uma moral, uma mensagem, tal qual as parábolas do Novo Testamento. E esse aspecto é até mencionado pelo próprio narrador, quando, metalingüisticamente, avisa que sua narrativa não é real, mas ficcional. Devemos, pois, entendê-la como uma representação) com a intenção de trabalhar com temas universais de caráter metafísico (aqui está uma diferença crucial entre o caráter universal de Graciliano Ramos (Vidas Secas, São Bernardo) e o de Guimarães Rosa. O primeiro envereda-se por questões político-sociais. O segundo preocupa-se com questões espirituais, existenciais e místicas).

Esse caráter é nítido no presente conto já a partir da referência constante a elementos religiosos. Seu protagonista, Augusto (o nome da personagem à primeira vista se opõe ao seu caráter tosco. No entanto, até o final da narrativa será estabelecida uma perfeita coerência com a personalidade que irá adquirindo) Esteves, o Augusto Matraga, fora criado por uma avó, que o queria padre. No entanto, pai frouxo e tio criminoso, entortou para o mal, pois estava fora do prumo, tornara-se desregrado. Além disso, a narrativa inicia-se em meio a um festejo santo, em que, num leilão, o protagonista arrebata por 50.000 réis uma prostituta, desagradando um capiau (sertanejo bastante primitivo, atrasado, rude) que estava interessado nela. Nem chega a usá-la, alegando que era muito feia.

Matraga de fato era pessoa rude, não civilizada (talvez por isso haja a menção constante a poeira e pó na primeira parte do conto). Além de bandido e violento, trata com pouco caso sua esposa, Dionóra, e sua filha, Mimita. Só quer jogo, caçada e mulheres de vida fácil.

No entanto, a sorte muda. Sua esposa o larga, passando a viver, com a filha, em companhia de um homem chamado Ovídio (haverá aqui uma idéia de que este sabia amar? Deve-se lembrar que Ovídio era um autor da Antigüidade Clássica de um livro sobre a arte de amar). Matraga não pôde vingar a ofensa, pois recebe a notícia de que seus capangas, com exceção de Quim Recadeiro, o abandonaram, passando para o lado do Major Consilva.

Augusto vai tomar satisfações pela afronta, sem se tocar de que o destino virou-se contra ele: não tem apoio político, está cheio de dívidas, suas terras estão hipotecadas. Como o próprio narrador comenta, não havia se tocado de que era momento de parar umas rodadas, deixar de jogar, pois o azar havia chegado. É um comentário que leva a crédito coisas de destino, o que justifica por que o protagonista insistiu em suas ações.

Seus feitos mostraram-se infrutíferos. Ao chegar à fazenda do Major, é cercado pelos capangas do vilão, alguns ex-subordinados de Matraga. Numa narrativa emocionante e bem contada, vemos que é espancado (um dos que participam do linchamento é o mesmo capiau que havia perdido a prostituta para Augusto. Parece haver a velha idéia do “aqui se faz, aqui se paga”, arrastando a narrativa tanto para os elementos populares como para os místicos), marcado por ferro em brasa e, antes de sofrer o pior, atira-se de um altíssimo barranco. Para seus inimigos, estava morto.

Há nesse ponto simbologias interessantes. A primeira está ligada à idéia de mergulho no abismo. O estilo de vida de Augusto é metaforicamente um mergulho para o lado mais baixo do ser humano, ao qual no fundo o protagonista não estava destinado, conforme se pode ver pelo seu próprio nome.

Outra simbologia, que faz lembrar a Bíblia, está no fato de os inimigos convencerem-se de que Matraga havia morrido porque os urubus estavam rondando o local de sua queda, já que lá havia, na verdade, morrido um bezerro. Pode-se aproximar Augusto ao animal, na medida em que este faz lembrar a seita primitiva e desregrada condenada por Moisés, em nome de um novo Deus. Era o mesmo que o protagonista estava fazendo. Aliás, ter sido descoberto no fundo do abismo por um casal de pretos velhinhos indica a ressurreição, outro elemento bíblico. Augusto morria para nascer de novo.

Como já se disse, a personagem principal é resgatada e cuidada. Dias inconsciente. Voltando a si, e conhecendo sua situação, deseja a morte. Uma pergunta, nesse ponto, sai da narrativa e chega ao leitor: com tanta desgraça, por que Augusto Matraga não havia morrido?

Com o tempo, o protagonista reconquista a paixão pela vida.

Os meses que passa recuperando-se das feridas e fraturas (uma delas exposta) equivalem a um período de incubação para o nascimento de um novo homem, o que se torna nítido com o arrependimento de seus pecados, a absolvição e o fervor com que abraça ao cristianismo. No seu jeito tosco, fica até cômica a convicção em afirmar que vai para o Céu, nem que seja a porrete.

Começa sua fase de penitências. Vai com os velhinhos a uma propriedade sua perdida e distante. Mostra-se trabalhador, misto de louco e santo no olhar do povo. Seis anos e meio vive assim.

Um dia, sofre uma dura tentação. Um antigo conhecido passa por lá e surpreende-se ao descobrir Matraga, ainda mais, mudado. Traz notícias por demais inconvenientes. Dionóra estava para se casar com Ovídio, crente de que estava viúva. Major Consilva apoderou-se das terras do protagonista. Quim, frouxo e atrapalhado, havia sido o único a se levantar em defesa do patrão, mas fora morto no momento em que, tomado de fúria, entrara nas terras do Major com a intenção de vingança. Mimita, sua filha, havia-se tornado prostituta.

É um momento cruel para Augusto. Deus o havia abandonado? Merecia mesmo o Céu? Mas, como o bíblico Jó, resiste bravamente à tentação de buscar vingança. Não percebe: já estava salvo.

Prova disso é que vem o período de chuvas, que, não por coincidência, é o momento em que Matraga acaba por sentir-se mais leve, aliviado, como se tivesse se livrado de um grande fardo. As águas, opondo-se ao pó de outras épocas, simbolizam o batismo, a sublimação, a elevação.

Por esse momento surge o bando de Joãozinho Bem-Bem, homem da mesma estirpe do antigo Augusto Matraga. Suas intenções provavelmente eram malévolas naquela região, mas o amor e a dedicação com que o protagonista o recebe o desarma.

O bandido intui o poder bélico de Matraga, por isso o convida a fazer parte da horda. É uma forte tentação: o herói sente saudade do poder de desmando que possuía. Imagina até a possibilidade de vingar a morte de Quim. Mas resistiu a mais essa tentação. Estava evoluindo a passos largos.

Joãozinho Bem-Bem parte, deixando Matraga, mas levando uma afeição enorme pelo protagonista.

Dias depois, enquanto Augusto trabalhava, presencia uma belíssima explosão de pássaros voando (os pássaros são vistos como psicopompos, ou seja, entidades que têm contato com o outro mundo. Assim, podem ser vistos como uma ponte com o tão desejado Céu, ou pelo menos mensageiros divinos. Indicam, pois, que a salvação está próxima de se concretizar). Intui algo maravilhoso, que o faz ficar matutando o dia inteiro. Até que toma uma resolução: decide partir. O interessante é que faz sua viagem em um jumento, animal carregado de simbologia cristã, pois havia carregado Maria às vésperas do nascimento de Cristo. Carregara, pois, o salvador. A aproximação Messias/Augusto não parece forçada.

Matraga viaja muitos dias, até chegar ao arraial do Rala-Coco, que estava em polvorosa. O bando de Joãozinho Bem-Bem lá estava, prestes a realizar um crime hediondo.

Um dos capangas do facínora o havia abandonado, ação que fora considerada traição. Joãozinho resolve se vingar em cima da família deste, querendo assassiná-la. No momento em que Augusto havia chegado, o pai do fugitivo tinha aparecido e pedido clemência pela vida de inocentes. A fúria do criminoso parecia não ter limite, pois já estava prestes a se derramar sobre o idoso.

É nesse instante que Augusto Matraga intercede. Mesmo havendo um enorme apreço entre Joãozinho e o herói, os dois começam a se desentender. O bandido está tomado de um maligno espírito vingativo. O protagonista está defendendo a bondade divina, sempre pedindo para seu opositor evitar uma tragédia injusta, sempre clamando pelo nome de Deus.

O inevitável acontece. Há uma terrível luta, muito bem narrada. Tiros de todos os lados. Os dois saem feridos, mas Matraga, sempre invocando o nome do Senhor e pedindo para seu amigo se arrepender dos pecados, acaba vencendo, rasgando a barriga de Joãozinho, que morre segurando nas mãos suas entranhas.

Augusto Matraga estava morrendo, mas contente. Aclamado como santo e salvador entre o povo que tenta socorrê-lo, ainda tem tempo para fazer com que respeitassem o cadáver de Joãozinho Bem-Bem, mandando que o enterrassem dignamente. Ainda teve tempo, além disso, de “abençoar” sua filha perdida.

Morre, porque havia chegado a sua hora e a sua vez. Morre, porque finalmente havia realizado sua missão. Morre, porque havia cumprido os planos de um misterioso desígnio divino. Estava salvo. Ia para o Céu.

Conversa de Bois

O fantástico boi Rodapião, de “Conversa de Bois”, onde Guimarães se revela também profundo conhecedor da “psicologia” bovina. Em “Conversa de Bois”, Guimarães Rosa, procura desenvolver a “psicologia” dos animais o que já se vislumbra em “O Burrinho Pedrês”, também aqui, e com largo uso, explorando “a plumagem e canto das palavras”.

A técnica narrativa é a terceira pessoa, narrado por Manuel Timborna, que é entrevistado pelo autor, que pede para recriar a história:

- Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e pouco...

- Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que não seja” (283)

E então Manuel Timborna começa a “contar um caso acontecido que se deu”, pro¬curando demonstrar que “boi fala o tempo todo”.

Buscapé, Namorado, Capitão, Brabagato, Dansador, Brilhante, Realejo e Canindé são os protagonistas bovinos da história, que vão na sua marcha lenta, carregando “o peso pesado” do carro-de-bois, carregado de rapaduras e um defunto.

O guia é Tiãozinho, filho do defunto carregado. Vai triste e “babando água dos olhos” (313). Visto pelos bovinos é “o bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois”. (313)

O carreiro, orgulhosão e perverso, é o Agenor Soronho: “o homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta” que vem “trepado no chifre do carro...” (313).

Na sua marcha, os oito bovinos vão conversando. Criticam o modo de vida dos homens, o animal pensante: “É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor - tudo pensado, é pior...” (290)

Brilhante conta a história do boi Rodapião - “o boi que pensava de homem, o-que-come-de-olho-aberto...” (296, que saiu certa vez, com esse raciocínio silogístico:

... “Cada dia o boi Rodapião falava uma coisa difícil p’ra nós bois. Deste jeito:

- Todo boi é bicho. Nós todos somos bois. Então, nós todos somos bichos!... Estúrdio...” (300)

E porque pensava muito-pensava como o homem - o boi Rodapião tem fim trágico:

“Escutei o barulho dele: boi Rodapião vinha lá de cima, rolando poeira feia e chão solto... Bateu aqui em baixo e berrou triste, porque não pôde se levantar mais do lugar das suas costas...” (308)

Tiãozinho vai relembrando a morte do pai. Tem uma raiva danada do Agenor Soronho que “bate em todos os meninos do mundo: Seu Agenor Soronho é o diabo grande” (314)

O fim é trágico. Deus e o Demo: Agenor Soronho é castigado pelos bois e por Tiãozinho que “pensa quase como nós bois” (314): “A roda esquerda do carro lhe colhera o pescoço.” (317)

Tiãozinho fica como um possesso diante daquela tragédia.

- “Conversa de Bois” procura interpretar a psiquê bovina. É uma história trágica também, e pode ser aproximada de “O Burrinho Pedrês” pela relevância que dá ao animal. Dentro dessa perspectiva está implícita uma crítica ao comportamento do homem, o animal pensante.

Outra temática que me pareceu também bastante nítida no conto é a da oposição entre o Bem e o Mal, onde os maus têm sempre fim trágico, como foi o caso de Seo Agenor Soronho.

Fonte:
http://www.livrosparatodos.net/

Edna Barian Perrotti (Dicas para Escrever Bem)



Livre-se desta preocupação. Escreva de uma vez!

É bem possível que você já tenha adiado várias vezes o momento de escrever, repetindo para você mesmo e para as pessoas a seu lado: “Ai, eu preciso escrever meu texto”.

Passa um dia, dois... e lá está a frase martelando, aumentando a sensação de mal-estar: o trabalho tem de sair de qualquer jeito, mas a cada vez que você senta para escrever, as idéias não vêm e, quando vêm, escrever as primeiras frases vira um tormento. Escreve, apaga, muda, reformula... começa tudo de novo...

Será que você não deixa para escrever depois porque acredita que deve transmitir suas idéias de forma diferente daquela que utiliza nas conversações diárias? Ou não seria porque tem grandes expectativas com o julgamento de seus leitores? Afinal, expor as idéias é também uma forma de se expor.

Uma boa dica para não adiar mais, se você tem conhecimento do assunto, é começar a escrever seu texto para um amigo, alguém que possa se interessar pelo conteúdo da mensagem, não em criticar como você escreve.

Você verá que, se não pensar em um possível censor, as idéias fluem facilmente, as frases vêm com naturalidade, numa seqüência de sentido que expressa seu ponto de vista a respeito de um produto, de um fato, de um problema ou mesmo de uma pesquisa.

Lembre que a melhor maneira de se livrar das amarras que impedem você de escrever é... escrevendo. Então comece logo a desenvolver para seu amigo o texto que você precisa entregar esta semana. Depois é só fazer alguns ajustes – ou simplesmente colocar um título no lugar do nome do amigo – e envia-lo para a pessoa certa.

Observe como os outros escrevem

Se você pensa que escrever é bicho-de-sete-cabeças, não se preocupe. Você não está sozinho. Muita gente frequentou a escola vários anos e saiu dela tendo apenas uma vaga idéia de como fazer para escrever bem, para atingir a qualidade de texto exigida pelos professores. O máximo que muitos se lembram são as peripécias para fazer a redação “Minhas Férias”, tema que parecia não poder faltar em nenhum bom planejamento de ensino de português.

Quem nunca descreveu banhos de riacho na fazenda do vovô quando não saiu um dia sequer da cidade? Quem não narrou aventuras com uma turma de amigos na praia quando passou o mês inteiro em casa, na frente da televisão? E, cá entre nós: ainda bem que a exigência era só escrever sobre como tinham sido as férias. Para que pensar em outro tema se já se sabia que o texto ia ver cheio de anotações em vermelho, apontando incorreções, aniquilando o ponto de vista do autor, reafirmando sua incapacidade de se manifestar por escrito? Quem é que gosta de ser criticado toda vez que faz um trabalho, especialmente quando procura fazer o melhor?

Felizmente, muitas pessoas que, de alguma forma, tiveram seus textos valorizados, desenvolveram o prazer de escrever. Alguns fizeram desse prazer sua profissão. Estão aí os escritores, os publicitários, os jornalistas... dando seu testemunho. E eles constituem uma boa fonte para aprender a escrever bem.

Esta é uma boa dica se você deseja melhorar seus textos: observe como esses profissionais escrevem, como desenvolvem as idéias, como constroem as frases, como vão colocando no papel a sua mensagem.

Fonte:
PERROTTI, Edna Barian. Superdicas para escrever bem diferentes tipos de texto. SP: Saraiva, 2006.

Edgar Allan Poe (O Visionário)



Fica a esperar-me ali! não deixarei de te encontrar nesse profundo vale.
HENRY King, Bispo de Chichester: Elegia sobre a morte de sua mulher.

MALFADADO E MISTERIOSO HOMEM! Desnorteado no esplendor de sua própria fantasia e tombado nas chamas de tua própria juventude! De novo, na imaginação eu te contemplo! Mais uma vez teu vulto se ergueu diante de mim... Não, não como te encontras, no frio vale, na sombra!, mas como deverias estar, dissipando uma vida de sublimes meditação naquela cidade de sombrias visões, tua própria Veneza, que é um Eliseu do mar querido das estrelas, onde as amplas janelas dos palácios paladinos contemplam, com profunda e amarga reflexão, os segredos de suas águas silenciosas. Sim, repito-o como deverias estar! Há seguramente outros mundos que não este…outros pensamentos que não os pensamentos da multidão... outras especulações que não as especulações dos sofistas. Quem discutirá então tua conduta? Quem te censurará por tuas horas visionárias, ou denunciará aquelas ocupações como uma perda de vida, quando eram apenas a superabundância de tuas energias eternas?.

Foi em Veneza, por baixo da arcada coberta que chamam a Ponte di Sospiri que encontrei, pela terceira ou quarta vez, a pessoa de quem falo. É com uma confusa recordação que trago à mente as circunstâncias daquele encontro. Contudo, recordo.. . ah, como poderia esquecer!. .. a profunda treva da meia-noite, a Ponte dos Suspiros, a beleza de mulher e o Gênio Romântico que palmilhava abaixo e acima o estreito canal.

Era uma noite de insólita escuridão. O grande sino da Piazza havia soado a quinta hora da noite italiana. O Largo do Campanile jazia silente e deserto e as luzes, no velho Palácio Ducal, iam rapidamente morrendo. Voltava eu para casa da Piazzetta, através do Canal. Mas, quando minha gôndola chegou em frente à boca do canal San Marco, uma voz feminina irrompeu subitamente os seus recessos, dentro da noite, num grito selvagem, histérico e interminável. Abalado pelo grito, ergui-me, enquanto o gondoleiro, deixando deslizar seu único remo, perdeu-o naquela escuridão de breu sem nenhuma possibilidade de recuperá-lo. Em conseqüência, ficamos ao sabor da corrente, que ali existe vinda do grande para o pequeno canal. Como um imenso condor de penas de areia éramos vagarosamente levados para a Ponte dos Suspiros quando milhares de archotes acenderam-se nas janelas e nas escadarias do Palácio Ducal, transformando imediatamente toda aquela profunda treva num dia lívido e sobrenatural.

Uma criança, escorregando dos braços de sua própria mãe, tinha caído de uma das janelas de cima do elevado edifício dentro do fundo e sombrio canal. As águas tranquilas haviam-se fechado placidamente, sobre sua vitima; e, embora minha gôndola, fosse a única à vista, muitos nadadores ousados já se achavam água procurando em vão, na superfície, o tesouro que, infelizmente apenas deveria ser encontrado dentro do abismo. Sobre as negras lajes de mármore, à entrada do palácio, e a poucos passos acima da água, estava de pé um vulto que ninguém que o visse poderia daí por diante esquecer. Era a Marquesa Afrodite, adorada por Veneza inteira, a mais alegre das criaturas alegres, a mais bela onde todas eram belas, mas também a jovem esposa do velho e intrigante Mentoni e a mãe daquela linda criança, seu primeiro e único filho, que agora, mergulhado nas águas lôbregas, pensava cheio de amargura o coração, nas doces carícias de sua mãe e exauria sua pequenina vida lutando por chamá-la. Ela permanecia só. Seus pequeninos pés nus e prateados cintilavam no espelho negro do mármore sobre que pousavam. Seu cabelo, ainda mal desnastrado dos seus enfeites de baile para o sono da noite, enrolava-se, entre um chuveiro de diamantes, em torno de sua cabeça de linhas clássicas, em cachos como os de jacinto em botão. Uma túnica de gaze, branca como a neve, parecia ser a única coisa que lhe cobria as formas delicadas; mas o ar daquela meia-noite de verão era quente, soturno e silencioso, e nenhum movimento, naquela forma estatuária, agitava mesmo as dobras daquele vestuário vaporoso, que a envolvia como o pesado mármore envolve Níobe . Contudo - estranho é dizê-lo! Seus grandes e brilhantes olhos não estavam voltados para baixo, para aquela sepultura onde jazia mergulhada sua mais brilhante esperança, mas fixavam-se numa direção completamente diversa. A prisão da Velha República é, penso eu, o mais majestoso edifício de toda Veneza. Mas como poderia aquela mulher olhar tão fixamente para ele, quando abaixo dela estava-se extinguindo seu próprio filho?

Aquele sombrio e lúgubre nicho também escancarava justamente diante da janela de seu quarto. Que, pois, poderia haver nas suas sombras, na sua arquitetura, nas suas cornijas solene, cingidas de hera que a Marquesa de Mentoni não houvesse contemplado antes, milhares de vezes? Absurdo! Quem não se lembra que em ocasiões como esta, os olhos, como um espelho partido, multiplicam as imagens de seu pesar e vêem, em numerosos lugares distantes, a desgraça que está ali próxima?

Muitos passos acima da marquesa e sob o arco do portão que dava para a água, estava de pé, em trajes de gala, a própria figurasátiro de Mentoni. Ele se achava, na ocasião, ocupado em arranhar uma guitarra e parecia mortalmente aborrecido quando, a intervalos dava ordens para o salvamento de seu filho. Estupefato e horrorizado, eu mesmo não tinha forças para mover-me da posição ereta que tomara ao ouvir o primeiro grito e devo ter apresentado à vista do grupo agitado, um aspecto espectral e sinistro quando lívido e de membros rígidos, flutuava entre eles naquela funerária gôndola.

Todos os esforços resultaram vãos. Muitos dos mais enérgicos na busca tinham relaxado suas diligências e entregavam-se a um sombrio pesar. Parecia haver pouca esperança de salvar a criança (e quão muito menos para a mãe!). Mas então, do interior daquele escuro nicho já mencionado, como fazendo parte da prisão da Velha República - e fronteiro ao postigo da marquesa, um vulto, envolto numa capa adiantou-se para dentro do círculo de luz e detendo-se por um instante à beira da descida vertiginosa, mergulhou de cabeça para baixo no canal. Quando, um instante depois, ele se ergueu com a criança ainda viva e a respirar entre seus braços sobre as lajes de mármore ao lado da marquesa, sua capa, pesada da água que a embebia , desabotoou-se e, caindo em pregas, em volta de seus pés, descobriu aos olhos dos espectadores, tomados de surpresa, a figura graciosa de um homem muito jovem, cujo nome repercutia na maior parte da Europa. O salvador, nenhuma palavra pronunciou. Mas a marquesa... Receberá agora seu filho! Apertá-lo-á de encontro ao coração, abraçar-se-á estreitamente ao seu pequeno corpo e o cobrirá de carícias! Mas ai! os braços de outrem tomaram-no das mãos do estrangeiro; os braços de outrem tinham-no levado, tinham-no conduzido para longe, despercebidamente, para dentro do palácio! E a marquesa?.

Seus lábios, seus lindos lábios tremem; o pranto inunda-lhe os olhos, naqueles olhos que, como o acanto de Plínio, eram "macios e quase líquidos. " Sim, o pranto inunda aqueles olhos e - vede! - aquela mulher treme até a alma. . . a estátua recuperou a vida! O palor do rosto marmóreo, a marmórea turgescência dos seios e a alvura imaculada dos pés marmóreos vemo-los, de súbito, enrubescidos por uma onda de incoercível vermelhidão. E um leve tremor lhe agita as delicadas formas como a brisa em Nápoles agita os lírios prateados que brotam dentre a relva. Porque enrubesceu aquela mulher? Para esta pergunta não há, resposta, exceto que, tendo deixado, com a pressa ávida e com o terror de um coração de mãe a intimidade da sua alcova, tinha-se esquecido de prender os delicados pés nas sandálias e completamente deixado de lançar sobre seus ombros venezianos aquela túnica que eles mereciam. . . Qual outra possível razão haveria para que ela enrubescesse? para o lampejo selvagem daqueles olhos fascinantes? para o insólito tumulto daquele seio arfante? para a convulsa pressão daquela mão trêmula, aquela mão que caiu, acidente, quando Mentoni voltou para dentro do palácio, sobre a mão do estrangeiro? Que razão poderia haver para o som baixo, singularmente baixo, daquelas ininteligíveis palavras que a mulher apressadamente murmurou, ao dizer-lhe adeus?

- Venceste - disse ela, ou os murmúrios da água me enganaram. - Venceste... Uma hora depois do sol nascer... encontraremos... está combinado!

O tumulto se extinguira. As luzes se apagaram dentro do palácio e o estrangeiro, a quem eu agora reconhecia, ficara só sobre s lajes. Tremia inconcebivelmente agitado e seus olhos busca ao redor uma gôndola. Não pude deixar de oferecer-lhe os serviços da minha e ele aceitou o obséquio. Tendo arranjado um remo perto do portão, seguimos juntos até sua residência, enquanto ele rapidamente, recuperava o domínio de si mesmo e se referia ao nosso antigo e leve conhecimento, em termos aparentemente de grande cordialidade.

Há alguns pontos a respeito dos quais tenho prazer em ser minucioso. A pessoa do estrangeiro - deixe-me assim chamar quem para todo mundo era ainda um estrangeiro -, a pessoa do estrangeiro é um desses pontos. Seu porte era mais abaixo do que acima da altura média, embora em momentos de intensa paixão seu corpo como que se expandia e desmentia o acerto. A fraca e quase delgada conformação de seu vulto era mais adequada à pronta atividade que demonstrara na Ponte dos Suspiros do que à força hercúlea que, se sabe, ele revelara sem esforços, em ocasiões de mais perigosa emergência. Com a boca e o queixo de um deus, olhos estranhos, selvagens, amplos, líquidos, cujas sombras variam do puro castanho ao intenso e brilhante azeviche; bastos cabelos negros e cacheados, dentre os quais brilhava uma fronte, a intervalos, toda luminosa e ebúrnea, uma fronte de insólita amplitude; eram feições estas, cuja regularidade clássica eu jamais vira, a não ser talvez as feições marmóreas do Imperador Cômodo. Contudo sua fisionomia não era dessas que os homens fixam para sempre. Não tinha expressão característica, nem predominante, para se gravar na memória; uma fisionomia vista e instantaneamente esquecida, mas esquecida com um vago e incessante desejo de reevocá-la à recordação. Não porque o espírito de qualquer rápida paixão deixasse, a qualquer hora, de mostrar sua imagem distinta no espelho daquela face; mas porque o espelho, sendo espelho, não retinha vestígios da paixão quando a paixão se dissipava.

Ao deixá-lo, na noite de nossa aventura, solicitou-me ele, duma maneira que reputei urgente, que o visitasse bem cedo na manhã seguinte. Logo depois do amanhecer, achei-me, por conseguinte, em seu palazzo, um daqueles imensos edifícios de sombria porém, fantástica majestade que se erguem por cima das águas do Grande Canal, nas vizinhanças do Rialto. Subindo por uma larga escadaria circular de mosaicos, entrei num aposento cujo esplendor inigualável flamejava pela porta aberta, numa verdadeira cintilação que me tornava cego e entontecido, pela sua faustosidade.Verifiquei que meu conhecido era rico. O que eu ouvira a respeito de suas posses me parecera uma exageração ridícula. Mas, ao olhar em torno de mim, não podia ser levado a acreditar que a riqueza de qualquer súdito europeu pudesse suprir a principesca magnificência que flamejava e resplandecia ali. Embora, como disse, o sol já se tivesse erguido, o quarto ainda se achava brilhantemente iluminado. Julgo, por esta circunstância bem como pelo ar de cansaço de meu amigo, que ele não se deitara durante toda a noite precedente.

Na arquitetura e embelezamentos do quarto, o objetivo evidente fora o de deslumbrar e espantar. Pouca atenção se dera à decoração do que é tecnicamente chamado de "harmonia", ou ás características de nacionalidade. O olhar vagava do um objeto a outro e não se fixava em nenhum, nem nos grotescos dos pintores gregos, nem nas esculturas das melhores épocas italianas, nem nas imensas inscrições do primitivo Egito. Ricas tapeçarias, por toda parte do quarto, tremiam à vibração de uma música suave e melancólica cuja origem não podia ser descoberta. O olfato era sufocado pela mistura de perfumes heterogêneos que se exalavam de estranhos incensários retorcidos, juntamente com numerosas e agitadas línguas flamejantes dum fogo de esmeralda e violeta. Os raios do sol, que acabava de nascer, banhavam todo o quarto através das janelas formadas, cada uma, de simples peça de vidro cor-de-rosa. Cintilando para lá e para cá, em mil reflexos, das cortinas que pendiam de suas cornijas como cataratas de prata derretida, os raios da luz natural misturavam-se por fim, caprichosamente, com a luz artificial e rolavam, em massas avassaladoras, sobre um tapete de um rico tecido, que parecia o ouro líquido do Chile.

- Ah, ah, ah! Ah, ah, ah! - riu o proprietário, apontando-me uma cadeira, quando eu entrei no quarto, e lançando-se de costas, a fio comprido, sobre uma otomana. - Vejo - disse ele, notando que eu não podia imediatamente adaptar-me a esquisitice de tão singular acolhida -, vejo que está atônito à vista de meu aposento, de minhas estátuas, de meus quadros, de minha originalidade, de concepção em arquitetura e tapeçamento. . . Absolutamente embriagado, hein, com a minha magnificência? Mas, perdoe-me, meu caro senhor (e aqui o tom de sua voz encheu-se do verdadeiro espírito de cordialidade), perdoe-me a minha descaridosa gargalhada. O senhor se mostrou tão extremamente atônito! Além disso, algumas coisas há tão completamente ridículas que um homem deve rir ou morrer. Morrer rindo deve ser a mais gloriosa de todas as mortes gloriosas! Sir Thomas More - e que homem inteligente era Sir Thomas More! - morreu rindo, como o senhor se recorda. Também nos Absurdos de Ravisius Textor há uma longa lista de personagens que tiveram o mesmo magnífico fim. O senhor sabe, porém - continuou ele, reflexivamente -, que em Esparta (que é agora Palaeochori), em Esparta, como disse, a oeste da cidadela, entre um amontoado de ruínas dificilmente visíveis, há uma espécie de soco, sobre o qual se lêem ainda as letras "LASM". Fazem parte sem dúvida, da palavra "GELASMA". Ora, em Esparta havia milhares de templos e santuários dedicados a milhares de divindades diferentes. Como é excessivamente estranho que o altar do Riso tenha todos os outros! Mas, na presente circunstância - prosseguiu ele, com singular alteração da voz e das maneiras -, não tenho o direito de alegrar-me à sua custa. O senhor tinha bem razão de ficar admirado. A Europa não pode produzir qualquer coisa tão bela como esta, este meu régio gabinete. Meus outros aposentos não são, de modo algum, da mesma espécie; são meros de "ultras" de insipidez elegante. Isto é melhor do que a moda, não é? Contudo, basta o que se está vendo para provocar o despeito daqueles que só poderiam adquiri-lo à custa de seu inteiro patrimônio. Tenho evitado porém, semelhante profanação. Com uma exceção apenas: e é o senhor a única criatura humana, além de mim mesmo e de meu criado, a ser admitido dentro dos mistérios deste recinto imperial, desde que ele foi adornado da maneira que o senhor vê...

Curvei-me, reconhecido, pois a dominante sensação de esplendor, o perfume e a música, juntamente com a inesperada excentricidade da fala e das maneiras dele impediam-me de exprimir, com palavras, aquilo que eu compusera na mente como um cumprimento.

- Aqui - continuou ele, levantando-se e apoiando-se no meu braço, enquanto vagava pelo aposento -, aqui estão pinturas, desde os gregos até Cimabue, e de Cimabue até a época atual. Muitas foram escolhidas, como vê, com pouco respeito às opiniões da crítica da arte. Todas, porém, são tapeçarias adequadas a um quarto como este. Aqui, também, há algumas obras-primas dos grandes desconhecidos... e ali, desenhos inacabados de homens célebres na sua época e cujos verdadeiros nomes a perspicácia das academias abandonou ao silêncio e a mim. Que pensa o senhor - disse ele, voltando-se bruscamente, enquanto falava -, que pensa o senhor desta Madonna della Pietã?
- É do próprio Guido! - disse eu, com todo o entusiasmo de minha natureza, pois tinha estado de olhos atentamente fixos sobre beleza transcendente. - É do próprio Guido! Como pôde obtê-la? É, indubitavelmente, em pintura, o que Vênus é em escultura!…

- Ah! - disse ele pensativamente. -Vênus.. . a bela Vênus... A Vênus dos Médicis? A de cabeça pequena e de cabelo dourado? Parte do braço esquerdo (aí sua voz se abaixou, a ponto de ser ouvida com dificuldade) e todo o braço direito são restaurações; e no amaneirado daquele braço direito se encontra, penso eu, a quinta-essência de toda a afetação. Para mim, a Vênus de Canova! O próprio Apolo, também, é uma cópia... não pode haver dúvida... Oh, louco, estúpido cego que eu sou, que não posso apreender a ostentosa inspiração do Apolo! Não posso deixar - pobre de mim -, não posso deixar de preferir o Antinous. Não foi Sócrates quem disse que o escultor descobre sua estátua no bloco de mármore? Por isso Miguel Ângelo não foi, de modo algum, original nos seus versos:

Non ha l'ottimo artista alcun Concettoche un marmo solo in se non circunscriva.
(Não tem o ótimo artista algum conceito / que um mármore só em si não circunscreva. (N. T.)).

Tem sido ou deveria ter sido notado que na maneira dos verdadeiros homens de gosto nós sempre estamos cônscios de uma diferença do procedimento do homem vulgar, sem sermos imediata e precisamente capazes de determinar em que consiste tal diferença. Admitindo que a observação se aplicasse em todo o seu vigor à conduta estranha de meu conhecido, sentia, naquela manhã cheia de acontecimentos, que ela era mais plenamente aplicável ainda ao seu temperamento moral e ao seu caráter. Nem posso eu melhor definir aquela peculiaridade de espírito que parecia colocá-lo tão essencialmente a parte de todos os outros seres humanos do que chamando-a um hábito de intenso e continuo pensamento, tomando conta até mesmo de suas mais triviais ações, intrometendo-se seus momentos de ócio e interferindo nas suas explosões de alegria como serpentes que irrompem dos olhos das máscaras careteantes nas cornijas que cercam os templos de Persépolis.

Não podia deixar, porém, de repetidas vezes observar, através do tom de misturada leviandade e solenidade com que ele rapidamente comentava assuntos de pouca importância, certo ar de trepidação, um grau de fervor nervoso no agir e no falar, certa inquieta excitabilidade de maneiras que a mim me parecia, a todo tempo inexplicável e, em algumas ocasiões mesmo, me alarmava.

Frequentemente, também, parando em meio de uma frase cujo começo tinha sido, na aparência, esquecido, parecia estar escutando em meio da mais profunda atenção, como se esperasse, de momento, um visitante ou ouvisse sons que só deviam ter existência na sua imaginação. Foi durante um desses devaneios ou pausas de aparente abstração que, passando uma folha da bela tragédia do poeta e erudito Policiano, Orfeu (a primeira tragédia original italiana), que estava ao meu lado sobre uma otomana, descobri um trecho sublinhado a lápis. Era uma passagem, já no fim do terceiro ato, uma passagem da mais excitante comoção, uma passagem que, embora tinta de impureza, nenhum homem lerá sem um arrepio de nova emoção; e nenhuma mulher sem um suspiro. A página inteira estava manchada de lágrimas recentes e, na página oposta, viam-se os seguintes versos em ingleses, escritos numa caligrafia tão diferente da letra característica de meu conhecido que tive alguma dificuldade em reconhecer como de seu próprio punho:

Tudo quanto anelei foste, amor,
tudo quanto minha alma queria:
ilha verde nos mares, amor,
templo, fonte que límpida fluía
num jardim de encantado primor
onde a mim cada flor pertencia.
Ah, o sonho fulgiu demais, para
persistir! Foi anseio estrelado
que morreu, mal surgira e brilhara!
Diz-me "Avante" o Futuro em voz clara;
não o escuto! Somente o Passado
(triste abismo) é que o espírito encara,
mudo, lívido, petrificado.
Sim, a luz me fugiu desta vida!
Foi-se a chama! Ficaram-me os ais.
Nunca mais, nunca mais, nunca mais
(ah! com essas palavras fatais
fala às praias a vaga abatida),
fronde ao raio tombada, jamais
te hás de erguer, nem tu, águia ferida!
E meus dias em êxtases passo,
e meu sonho procura no espaço
teu olhar, onde quer que o escondas,
e o fulgor de teus rastros, o traço
de teus pés, em celestes, mil rondas,
junto a eternas, incógnitas ondas.

Causou-me pouca surpresa que aqueles versos estivessem escritos em inglês, língua que eu não acreditava fosse do conhecimento de seu autor. Mas também estava certo da extensão de seus conhecimentos e do singular prazer que ele experimentava em ocultá-lo à observação, para que me espantasse diante de semelhante descoberta. O lugar da data, porém, devo confessar, causou-me não pequeno espanto. Fora originariamente de Londres e depois cuidadosamente riscado, não porém de modo eficiente para ocultar a palavra a um olhar escrutinador. Afirmo que isto me causou não pequeno espanto, pois bem me recordo de que, em anterior conversa com meu amigo, inquiri particularmente dele se havia se encontrado em Londres, alguma vez, com a Marquesa de Mentoni (que durante alguns anos, antes de seu casamento, havia residido naquela cidade) quando sua resposta, se não me engano, deu-me a entender que ele nunca visitara a metrópole da Grã-Bretanha. Eu poderia, entretanto aqui mencionar que mais de uma vez ouvi (sem indubitavelmente dar crédito a um boato, que implicava tantas improbabilidades ) que a pessoa de quem falo era, não só de nascimento, mas de educação, inglês.

- Há um quadro - disse ele, sem saber que eu conhecia a tragédia- , há ainda um quadro que o senhor não viu.E afastando para um lado uma cortina, descobriu um retrato inteiro da Marquesa Afrodite.

A arte humana nada mais podia ter feito no delinear-lhe a sobre-humana beleza. O mesmo vulto etéreo que se erguera diante de mim na noite precedente sobre os degraus do Palácio Ducal ali permanecia à minha frente, mais uma vez. Mas, na expressão da fisionomia, toda a cintilar de sorrisos, ali ainda se ocultava (anomalia incompreensível!) aquela caprichosa sombra de melancolia que sempre se encontra como inseparável da perfeição do belo. Seu braço direito dobrava-se sobre seu seio. Com o braço esquerdo apontava para um vaso de formato estranho. Um pequeno e lindo pé, mal visível, tocava de leve a terra; e, dificilmente discernível, na brilhante atmosfera que parecia cercar e aureolar sua beleza, flutuava um par das mais delicadamente imaginadas asas.

Meu olhar desceu do quadro para o rosto de meu amigo e as vigorosas palavras do Bussy d'Amboise, de Chapman, palpitaram-me, instintivamente, nos lábios:

Está de pé ali
Como uma romana estátua. E assim ficará
Até que a morte em mármore o transforme!

- Venha! - disse ele afinal, voltando-se para uma mesa de prata maciça, ricamente esmaltada, sobre a qual se viam-se várias taças fantasticamente pintadas, ao lado de dois grandes vasos etruscos talhados no mesmo extraordinário modelo do primeiro plano do quadro, e cheios do que supunha eu ser Johannesburger. - Venha! - disse ele, bruscamente -, bebamos! É cedo ainda, mas bebamos! É realmente cedo - continuou ele, reflexivamente, quando um querubim, com um pesado martelo de ouro, fez o aposento retinir com a primeira hora depois do nascer do sol. - É realmente cedo... Mas, que importa? Bebamos! Façamos uma libação àquele solene sol que essas brilhantes lâmpadas e incensários estão tão ávidos de dominar!E, tendo-me feito brindá-lo com um enorme copo, engoliu, em rápida sucessão, várias taças de vinho.

- Sonhar - continuou ele, no tom de sua inconstante conversa ao erguer, diante da viva flama dum incensário, um dos magníficos vasos -, sonhar tem sido a ocupação de minha vida. Armei, pois, para mim, como vê, um camarim de sonhos. Poderia construir um melhor no coração de Veneza? O senhor observa em torno de si, é verdade, uma mistura de adornos arquitetônicos. A castidade da lônia é ofendida pelas inscrições antediluvianas e as esfinges do Egito se estendem sobre tapetes dourados. Contudo, o efeito só é incongruente para o tímido. Conveniências de lugares, e especialmente de tempo, são os fantasmas que afastam a humanidade aterrorizada da contemplação do magnificente. Fui outrora decorador, mas esta sublimação do disparate embotou a minha alma. Tudo isto é agora o mais apropriado para meu propósito. Como aqueles arabescados incensários, meu espírito se estorce em labaredas e o delírio desta cena está-me amoldando para as mais Insensatas visões daquela região de verdadeiros sonhos para onde estou agora rapidamente partindo.

Aqui parou subitamente, inclinou a cabeça sobre o peito e pareceu escutar um som que eu não podia ouvir. Por fim, erguendo o busto, olhou para cima e proferiu os versos do Bispo de Chichester:

Fica a esperar-me ali! Não deixarei
De te encontrar nesse profundo vale.

No momento seguinte, reconhecendo o poder do vinho, lançou-se, a fio comprido, sobre uma otomana.

Ouviu-se então um leve rumor de passos na escadaria, a que logo se seguiu pesada pancada à porta. Apressava-me em evitar segunda interrupção, quando um pajem da casa de Mentoni irrompeu pelo quarto e gaguejou, numa voz embargada de emoção, incoerentes palavras:

- A minha senhora … a minha senhora.. . envenenada... formosa... oh formosa Afrodite!

Atordoado, corri para a otomana e tentei despertar o adormecido para que soubesse a apavorante informação. Mas seus membros estavam rígidos, seus lábios estavam lívidos, seus olhos, ainda pouco cintilantes, estavam revirados pela morte. Recuei, cambaleante para a mesa. Minha mão caiu sobre uma taça partida e enegrecida e a consciência da completa e terrível verdade brilhou subitamente na minha alma.

Fonte:
POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. SP: Nova Cultural, 1993.

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Trilogia das Chaves

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Deve procurar a beleza, a verdade e a coragem. Uma sozinha não se aguentará. Duas sem a terceira ficarão incompletas. Procure no interior e descubra que ainda há mais a saber. Procure o que o escuro encobre mais frequentemente. Procure no exterior, onde a luz vence as sombras, como o amor vence a mágoa. Vertem-se lágrimas prateadas pela canção que ela aí cria, pois a canção vem das almas. Olhe adiante e no meio, veja onde a beleza floresce e a deusa canta. Poderá haver medo, poderá haver dor, mas o coração verdadeiro a ambos vence. Quando encontrar o que procura, o amor quebrará o feitiço, e o coração irá forjar a chave, trazendo-a à luz.» Três mulheres. Três chaves. Cada uma das três mulheres tem vinte e oito dias para encontrar o seu caminho através de uma perigosa busca que poderá completar-lhe o destino... ou destruir para sempre a sua vida.

A Chave do Saber

Pitte tirou da arca a caixa de vidro, dentro da qual dançavam as luzes azuis. Pousou a Caixa das Almas em cima de uma mesa, com grande cuidado, depois posicionou-se de um dos lados, imponente como um guerreiro, enquanto Rowena parava do outro. Ao ver aquelas luzes, Dana sentiu o coração apertado. Restavam duas fechaduras. Enfiou a chave na primeira e sentiu o ouro aquecer contra a sua pele, viu a luz percorrer o metal e os seus dedos, enquanto a rodava.» Três mulheres. Três chaves. Cada uma das três mulheres tem vinte e oito dias para encontrar o seu caminho através de uma perigosa busca que poderá completar-lhe o destino... ou destruir para sempre a sua vida.

A Chave da Coragem

A beleza e a verdade não são nada sem a coragem para as manter. Mas um par de mãos pode apertar com demasiada força, e o que é precioso corre por entre os dedos. Perda e sofrimento, mágoa e vontade, marcam o árduo caminho pela floresta. Ao longo da viagem há sangue, a morte da inocência e dos fantasmas do que podia ter sido. Sempre que o caminho se bifurca, é a fé que escolhe o caminho ou a dúvida que o bloqueia. Será desespero, ou alegria? Poderá haver realização sem o risco de perder? Tratar-se-á de um final, ou de um princípio? O caminho seguirá até à luz, ou regressará às trevas?» Três mulheres. Três chaves. Cada uma das três mulheres tem vinte e oito dias para encontrar o seu caminho através de uma perigosa busca que poderá completar-lhe o destino... ou destruir para sempre a sua vida.

Fontes:
http://www.saidadeemergencia.com/
http://www.livrosparatodos.net/

Nora Roberts (1950)



Nora Roberts (nascida Eleanor Marie Robertson a 10 de Outubro de 1950)

Uma das escritoras mais lidas, Nora Roberts nasceu em Silver Spring, Maryland, a mais nova de cinco filhos. Depois de um percurso escolar que incluiu algum tempo num colégio católico sob a disciplina das freiras, casou-se cedo e foi viver para Keedysville, Maryland.

Trabalhou por algum tempo como secretária. "Eu sabia dactilografar depressa mas não sabia escrever bem, fui a pior secretária de sempre", diz Nora agora. Depois de ter tido filhos, ficou em casa e experimentou todas as artes que lhe apareceram.

Uma tempestade de neve e vento, em Fevereiro de 1979, obrigou a sua mão a experimentar outras saídas criativas. Estava sobrecarregada com uma criança de três anos e outra de seis, sem o alívio temporário de um infantário em vista, e com um provisão de chocolate que ia diminuindo.

Nascida numa família de leitores, Nora não conheceu tempo algum em que não estivesse a ler e a inventar histórias. Durante a famosa tempestade de neve e vento, pegou num lápis e num caderno de notas e começou a escrever uma dessas histórias. Estava escrito que uma carreira tinha nascido.

Depois de muitos manuscritos e rejeições, o seu primeiro livro, Irish Thoroughbred, foi publicado pela Silhouette em 1981. Nora conheceu o seu segundo marido, Bruce Wilder, quando o contratou para que lhe fizesse umas prateleiras para livros. Casaram-se em 1985. Desde aí eles expandiram o seu lar, viajaram pelo mundo e abriram uma loja de livros juntos.

Ao longo dos anos, Nora esteve sempre rodeada de homens. Não era apenas a mais nova da família como também era a única rapariga. Criou dois filhos. O facto de ter passado a vida rodeada de homens deu-lhe uma visão razoavelmente boa do funcionamento da mente masculina, o que é um constante deleite para os seus leitores. Foi, tal como ela é citada por dizer, uma escolha entre decifrar os homens ou fugir dali a gritar.

Autora de maior destaque da lista de best sellers no New York Times e a primeira a ser escolhida para a Galeria da Fama dos Escritores Românticos dos Estados Unidos, Nora Roberts é considerada uma pintora de palavras que a cada pincelada, dá vida a personagens cheios de energia e vigor.

Escritora metódica e insaciável, Nora já publicou mais de 160 romances, a maior parte no gênero suspense romântico, traduzidos para 25 idiomas e editados em todo o mundo. Sua alta popularidade como romancista advém do grande talento que possui para sensibilizar o leitor ao escrever narrativas de suspense que também falam sobre turbilhão de emoções que acontecem quando entramos em contato com nossos sentimentos mais profundos, principalmente amor e paixão.

Suas histórias prendem o leitor com temas explícitos e intensos, descritos de forma clara e objetiva, passando uma mensagem curta e rica em detalhes. Os capítulos de seus livros são longos, e poucos, em média apenas 12. As paisagens descritas nos levam a viajar do México aos subúrbios de Washington, com certa suavidade e exatidão que sonhamos acordados, ou temos pesadelos!

Obras de Nora Roberts

- A Chave da Luz (Trilogia das Chaves 1)
- A Chave do Saber (Trilogia das Chaves 2)
- A Chave da Coragem (Trilogia das Chaves 3)
- A Dança da Sedução
- A Dália Azul (Trilogia do Jardim 1)
- A Rosa Negra (Trilogia do Jardim 2)
- O Lírio Vermelho (Trilogia do Jardim 3)
- A Villa
- Almas em Chamas
- Dançando no Ar (Trilogia da Magia 1)
- Entre o Céu e a Terra (Trilogia da Magia 2)
- Enfrentando o Fogo (Trilogia da Magia 3)
- Doce Vingança
- Cativado (Família Donovan 1)
- Fascinado (Família Donovan 2)
- Encantado (Família Donovan 3)
- Enfeitiçado (Família Donovan 4)
- Estrela Oculta (As Estrelas de Mithra 1)
- Estrela Cativa (As Estrelas de Mithra 2)
- Gritos Noturnos
- MacGregors 01 - Jogo de Seducao
- MacGregors 02 - Destino Tentador
- MacGregors 03 - Todas as Possibilidades
- MacGregors 04 - O Encanto da Luz
- MacGregors 05 - Hoje e Sempre
- MacGregors 06 - Instinto do Amor
- MacGregors 07 - Beijos Que Conquistam
- MacGregors 08 - Amor Nunca é Demais
- MacGregors 09 - Um Vizinho Perfeito
- MacGregors 10 - Um Mundo Novo
- MacGregors 11 - Rebelde
- Arrebatado Pelo Mar (Trilogia da Gratidão 1)
- Movido Pela Maré (Trilogia da Gratidão 2)
- Protegido Pelo Porto (Trilogia da Gratidão 3)
- O Amuleto
- O Retorno de Rafe Mackade (Irmãos Mackade 1)
- Atrever-se a Amar (Irmãos Mackade 2)
- Paixão Obscura
- Santuário
- Segredos
- Série Mortal 1 - Nudez Mortal
- Série Mortal 2 - Glória Mortal
- Série Mortal 3 - Êxtase Mortal
- Jóias do Sol (Trilogia do Coração 1)
- Lágrimas da Lua (Trilogia do Coração 2)
- Coração do Mar (Trilogia do Coração 3)
- Um Sonho da Amor (Trilogia do Sonho 1)
- Um Sonho de Vida (Trilogia do Sonho 2)
- Um Sonho de Esperença (Trilogia do Sonho 3)
- Uma Última Noite

Fontes:
http://www.saidadeemergencia.com/
http://pt.wikipedia.org
http://www.livrosparatodos.net/

sábado, 31 de janeiro de 2009

Armando Sousa (Poesias Avulsas)


Ai poetas

Ai poetas como sofre vossa mentalidade e ser
Passais uma vida descrevendo cantos de amor
Sentis, mas o maior sentimento e de escrever
Escondendo sempre o grande padecer da dor
Vosso pensamento perde-se no espaço estelar
Contando e polindo, pondo diamante a brilhar
Juntando as estrelas do céu as estrelas do mar
Nunca falais da dor, tão grande é vosso penar
O jeito do poete fica embrulhado só em sonho
São secretas suas amarguras;... os desenganos
Aos golpes feitos pelo amor mostram ar risonho
Escrevem nódoas caídas, noutro branco pano
Arrastam na vida, amores e tantas amarguras
Descrevem vida brilhante toda em lidas cores
Na verdade passam tragédias das mais duras
Carregam com sorrisos os espinhos das dores
Mas o poeta finge para dar ao mundo coragem
Este quer que a vida seja para todos perfeição
Quer que aja verdadeira alegria na carruagem
As cantigas que escreve alegrem todo o coração
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Teus olhos verdes

Ai, teus olhos; mulher, esses teus olhos verdes
Me deixam paralisado perante encanto de serpente
Duas azeitonas verdes, meus olhos azuis as pede
Mágicos teus olhos verdes faz perder minha mente

Ai teus olhos verdes, navegaria como no mar
São a atração do amor, fazem meus azuis chorar
Vi-os um dia na net, esse verde de enfeitiçar
Os lábios eram rosados, pérolas para se beijar

Cabelo compunha a deusa em formas de violino
Traz-me preso ao mundo, e o verde de seu olhar
Minha cabeça roda; rosa te daria tanto mimo
Não te escondas; te adora meu pensar

Olhos verdes... sou poeta, pouco sei escrever
Escrevo para ti essas historias de ninar
Tuas primeiras palavras; teria muito a aprender
Só olhava teus olhos teus lábios queria beijar

Sei que não pode ser; só ver-te fico contente
Olha-me, com teus olhos verdes brilhantes
Olhos verdes, olha-me com encanto da serpente
Corpos separados, deixa os olho ser amantes

Tão longe, tremido, louco, encantado com teu olhar
Lábios frescos rosados, cobrem a mente de desejos
Teus olhos verdes me estão a encantar
Teus lábios rosados pedem aos meu para lhe dar beijos
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Montes da Minha Terra

Montes da minha terra
Monte; tantas vezes me viste a pinheiros trepar
Canas e rama cortadas para no lume arder
Tantas vezes me viste cansado e de fome chorar
Hoje penso... sinto saudades; mas tenho prazer
Montes vos me ouviste cantar também de alegria
Pregava como a declamar a cima do penedo da fraga
Já andava a minha volta o que hoje escrevo como poesia
Eram os contos da cobrinha a minha mente chegava
Hoje na minha mente ainda vos estou a ver
Do alto dos pinheiros vi tantas vezes o espelho do mar
Tão perto e tão longe, mas eu queria aprender
Ver beleza, fartura, ninguém por minha causa chorar
Teria, longe do monte e do rio, e noutra terra viver
Famalicâo minha Vila; Ruivães minha freguesia,
Os montes produziam lenha para me aquecer
Mato pinheiros e eucaliptos, testemunhas de minha poesia
Tudo destrocado, não vos vou voltar a ver
Foi nos monte que com colegas vimos folclore dançar
Nos montes lançamos um desafio ao livre divertimento
E nesse tempo de juventude que estou a pensar
Com medo da PIDE era um sofrimento
Rio Ave, viste minha nudez, de criança e juventude
Das tuas águas Ave, com fome comi peixe intoxicado
Caçados nas águas da açude, turbina de Delães
Veneno das tintas sódicas das fabricas a águas lançado
Que saudades dos montes e do campo de jogos do Freião
Da água pura das fontes, dos bois e do arado
Não vos volto a ver, levo-vos no coração
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Certos Lugares

Certos lugares países mares e continentes
Podem falar de mi, meu amor, minha alegria
Belezas falam como meus olhos indulgentes
Minha pena e Web fala da minha poesia

Meus olhos contam historias de jardins e de lagos
Minha mente atravessa montanhas mares e céus
Professores foram na terra meus magos
Agnósticos, procuravam no universo por seus deuses

Destino e mãe me tirou de suas entranhas
Para a maldade dos homens e egoísmo conhecer
Brutamontes, orgulhosos de suas façanhas
Com escárnio, vêem tantos inocentes morrer
Certos lugares já me viram fazer amor

Com doçura tratava minha eterna companheira
Correu mundos comigo sempre a minha flor
Quero a ver eternamente à minha beira
Não brigo com chuva ou a neve a cair

Fui penedo fui areia, fui pó fui nada
Me fez o amor, não sei quando partir
Fui som fui paixão entre o verbo entrelaçada
Lindos lugares passaram antes de eu ser por mi

Senti goste de viver nesta imensidão
Medos foi coisa que nunca os vi
Mas tenho medo de amar tanta paixão
Certos lugares são meus desejos meus prazeres

Terei de perder do viver esta ilusão
Esses lugares aumentaram em mi os meus deveres
Tantas vezes acalmaram meu amoroso coração
Ho... certos lugares.......
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Fontes:
E-mail enviado pelo autor.
http://www.notivaga.com.br/

Aventuras de Pedro Malasartes


De como Malasartes entrou no céu

Quando Malasartes morreu e chegou ao céu, disse a S. Pedro que queria entrar.

O santo porteiro respondeu:

- Estas louco! Pois ainda tens coragem de querer entrar no céu depois que tantas fizeste, lá pelo mundo?!

- Quero, S. Pedro pois o céu é dos arrependidos e tudo quanto acontece é por vontade de Deus.

- Mas o teu nome não está no livro dos justos e portanto, não entras.

- Mas então eu desejava falar com o Padre Eterno.

S. Pedro zangou-se só com aquela proposta. E disse:

- Não, para falares a Nosso Senhor, precisavas entrar no céu e quem entra no céu Dele não pode mais sair.

Malasartes se pôs a lamentar e pediu que o santo ao menos o deixasse espiar o céu só pela frestinha da porta para que tivesse uma idéia do que fosse o céu, e lamentasse o que havia perdido por causa das más artes.

S. Pedro já amolado, abriu uma fresta da porta e Pedro meteu por ela a cabeça. Mas de repente, gritou:

- Olha, S. Pedro Nosso Senhor que vem falar comigo. Eu não te dizia!!

S. Pedro voltou-se com todo o respeito para dentro do céu, a fim de render as suas homenagens ao Padre Eterno que supunha ali vir.

E Pedro Malasartes então pulou para dentro do céu.

O santo viu que tinha sido enganado. Quis pôr o Malasartes para fora, mas ele contrariou:

- Agora é tarde! S. Pedro lembre-se que me disse que do céu uma vez entrando, ninguém pode mais sair. É a eternidade!

E S. Pedro não teve outro remédio senão deixar o Malasartes lá ficar.
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Malasartes no céu - II

Cansado de vagar pelo mundo, Malasartes resolveu dar um passeio ao céu, onde chegou com três dias de viagem. Bateu no portão do paraíso e esperou. Pouco depois ouviu a voz de São Pedro:

- Quem é?

- Sou eu.

– Eu quem?

- Pedro Malasartes.

– Que vem você fazer aqui no céu?

- Vim dar um passeiozinho. Quero ver essas belezas aí de dentro.

– Não pode ser, moço. No céu não entra ninguém vivo.

- Tenha piedade, São Pedro, só quero dar uma espiadinha…

- Nada, não é possível!

- Ora, abra, São Pedro, abra por favor… é só um instante… Deixe-me ao menos botar a cabeça aí dentro…

E tanto pediu e rogou, que São Pedro, já abalado, ou caceteado, entreabriu-lhe a porta para que espiasse.

Malasartes deitou-se, mais que depressa, de barriga para baixo, com os pés voltados para a porta, e foi-se deslizando para dentro do céu.

São Pedro protestou, mas o Malasartes retrucou-lhe que o santo se havia comprometido a deixá-lo meter a cabeça no céu, e era o que estava fazendo.. O chaveiro celeste não teve remédio senão conformar-se, porque palavra de santo é como a de rei, não volta atrás; e o caso é que quando a cabeça de Malasartes penetrou no céu já estava o corpo dele inteirinho…

Malasartes no céu – III

Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola. Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor fez-lhe presente de um gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto.

Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem batia no portão de São Pedro.

O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu; perguntou o que desejava, e respondeu. O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele sempre consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. Mal vê a fresta, Malasartes atira o gorro pra dentro e começa a gritar:

- Quero o meu gorro, quero o meu gorro!

São Pedro prontifica-se a ir buscá-lo, mas o burlão protesta:

- Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor.

São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia. Não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro.

Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. Mas não se demorou lá muito tempo...

Malasartes no céu - IV

Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar. Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu.

Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia e foi correndo avisar o seu rei.

Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. E disse-lhe:

- Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente.

– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico.

– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita?

- Feito!

- Se você perder, irá diretinho para o caldeirão.

– Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo.

Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro. Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras. Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno.

Malasartes andou vagando como alma penada, muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar.. Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho. São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou:

- Quem bate a estas horas?

- Sou eu, meu santo…

- Eu, quem? Diga o que quer, e toca!

- Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes.

– Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui?

- Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória…

- Então vamos ver, o que quer?

Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. Tanto pediu e tanto fez que São Pedro o atendeu. Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta.

São Pedro bufou e descompôs o patife, e tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos e de justos ali junto da porta.

Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse. E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso.

Mas o atrevimento não ficou sem castigo. Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. E Malasartes teve de contar de novo… E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.

Fonte:
http://victorian.fortunecity.com/postmodern/135/pedromala.htm
Imagem = http://climashopping.jacotei.com.br

Franklin Ras Lopes (Esboço: A força dos medos e desejos)

“Sou contraditório por que sou vasto”
Walt Whitman

A fria e afiada lamina da razão corta o meu coração contraditório. O meu coração tem ímpetos naturais e contraditórios como ondas feitas de medo e desejo. A proximidade gera atritos, questionamentos sobre a minha liberdade e o afastamento natural vêm através de desavenças. Este afastamento gera o desejo de proximidade, de estreitar os laços e o ciclo continua.

O grande poeta e filósofo alemão Nietzsche dizia “cuidado ao tirar o pior de você, para que junto com ele você não tire também o seu melhor”. Sim meus caros leitores as rosas e o espinhos estão ligados. E a poesia nos diz “ O medo de espinho o desejo de flor, a tensão da roseira é a beleza em vigor, em meios a estas pedras a beleza chegou.” (Franklin Ras Lopes)..Se negarmos a tensão natural entre os opostos, perdemos a beleza, perdemos o melhor de nossas vidas.

As crianças quando brigam resolvem isto facilmente, não é necessário interferência Eles darão o dedinho e tudo continuará, os laços serão mais fortes,. os irmãos serão mais amigos quando a maturidade chegar.O amor não pode ser imposto, ele surge da tensão entre os opostos, ele é um processo natural e por isto surge através da liberdade de aprendermos com os altos e baixos de nossas vidas. Negar, cortar o um é negar, cortar o outro, e a mornidão gerada desta forma de agir, de nem uma forma é a ponderação ou o caminho do meio dos sábios.

Li um relato há muito tempo de místico Hassid que me esqueci o nome e não consegui encontrar referencias em minha pesquisa. Mas vale a pena comentar a explicação que ele deu a respeito da luminosidade surgida de alguém que a todos consideravam um grande devasso, um pecador, ele disse - “Quanto maior o pecador maior o santo” E particularmente acredito que não existem mais santos sobre a terra por que as pessoas constroem casas em cima da areia, constroem na verdade uma personalidade, aquilo que não são.. Tentam e acreditam serem maiores do que são e não trabalham onde realmente estão. A rocha firme para fazer nossos alicerces, estão nos processos associados aos nossos medos e desejos, no medo de não sermos amado que gera ciúmes, invejas, rancores, raivas, geram julgamentos capitais que servem apenas amparar o nosso ego, em meio a esta vastidão.

Somente um rebelde, somente um homem que foi ao deserto e enfrentou seus medos e desejos mais profundos podem proclamar e instigar a liberdade como fez Jesus na parábola do filho pródigo. Ele incentiva as pessoas a se aventurarem, a serem errantes, a experimentarem com seus próprios olhos, a vida. Não existe outra forma de poder andar sem ser caindo e se levantando, ficando forte para andar sem andador ou muletas.. E quando um errante voltar a casa do pai, a sua origem, ele voltará completamente transformado, pois estará fazendo os laços por que quer, estará se prendendo por gosto. Ao meu ver uma grande liberdade que surge em quem ama.

Obviamente existirão ciúmes por parte de quem ficou, daquele que seguiu os preceitos e nunca abandonou as regras da sociedade, pois a verdade da presença luminosa daquele que voltou trará uma festa, uma alegria que ele creditará ser o seu direito.Ele se sentirá injustiçados apenas por que se esqueceu que nos estamos aqui para aprender os caminhos da confiança, e o norte deste caminho é o amor.

Particularmente eu demorei muito a reconhecer o vasto pântano de homens que não sabem nem sair e nem entrar, demorei muito a olhar pra cima e ver a tabuleta que dizia - pântano do ser e do não ser. Nós não somos, nós estamos num fluxo continuo feito de polaridades como o dia e a noite..A crença no pântano impede a aventura do vir a ser, impede o fluxo natural de aceitação da polaridade de nossas vidas, o reconhecimento que temos que estar atentos, sermos testemunha de nós mesmos e assim mudarmos com a delicadeza e a tendência que quer a amorosidade.

A liberdade para encontramos a nossa essência, não é a mesma coisa que libertinagem. O processo tem de ser consciente, tem de ser intenso, um verdadeiro ato corajoso ou como diria o poeta Fernando Pessoa “sabendo viver bem saberemos navegar com todos os ventos”. Com estas considerações acredito que quando Walt Whitman disse “sou contraditório por que sou vasto” de forma nem uma estava se eximindo ou fugindo, eu pude sentir nestas palavras a afirmação da sua própria vida, do seu próprio processo de sanidade e não da paranóia que corta e dilacera o nosso natural coração contraditório.

Assim em verdade em verdade eu vós digo meus caros, o meu amor quebra taças, gera silencio e é muito carinhoso, o meu amor é delicado e esta delicadeza é fonte de asperezas, o meu amor é atento e dedicado e isto é a fonte do meu desejo de liberdade, o meu amor não é meu e me deixa inseguro, o meu amor existe com dois espinhos para exigir a atenção do outro, o meu amor quer o vôo e quer a liberdade de estar junto por que queremos, o meu amor nem eu entendo, mas uma coisa eu sei ele é frágil e precioso, pois sem medo e nem desejo não existe possibilidades de ir além.

Assim me ergo em oração: Deus afastai-vos de mim os homens de moral, afastai-vos de mim estes seres que pouco sabem da vida, mas querem encher meu coração de culpa, afastai-vos de mim estes seres que massageiam os pés mas logo chegam a agarrar o pescoço, Deus afastai-vos de mim estes imaturos papagaios, afastai-vos de mim estes seres que por ventura irão vir morder o meu dedo, ao invés de ver a lua clara na noite escura, para somente assim poder dizer com o meu próprio peito, eu sou um bem aventurado, eu sou um filho de Deus. Paz e prosperidade a todos
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Franklin Rodolfo Aguiar Silveira (Ras) Lopes é Oceanógrafo, Mestre em Aqüicultura, Doutor em ciências e atualmente trabalha como consultor ambiental.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.