domingo, 5 de julho de 2009

Isabel Cristina Cordeiro (A Importância do Ato de Ler)


Resumo

O ato de ler é um processo de compreender o mundo, por isso requer mais atenção por parte dos professores de língua portuguesa que, de certa forma, ainda privilegiam a gramática e a interpretação textual puramente literal e descontextualizada. Este trabalho tem por objetivo mostrar como ocorre o processo de leitura, apresentando algumas estratégias que podem ser utilizadas pelo leitor no ato de ler e discutir alguns fatores de relevância para que a leitura seja eficiente e, consequentemente, o leitor seja maduro.

1 – O ato de ler

O ato de ler é um processo de compreender o mundo. A leitura deve ser geradora de novas experiências para o indivíduo, já que facilita o surgimento da reflexão e da tomada de posição, como sugere SILVA ( 1991).

A leitura pressupõe recriação do significado e, através desta reflexão, o indivíduo toma sua posição perante o texto.

A leitura não se configura como um processo passivo (...) Por exigir descoberta e re-criação, a leitura coloca-se como produção e sempre supõe trabalho do sujeito-leitor (...), então o leitor, além de partilhar e re-criar referenciais de mundo, transforma-se num produtor de acontecimentos, em função do aguçamento da compreensão e de sua consciência crítica”. (SILVA, 1991: 25)

A leitura deve, então, ser funcional, pois o leitor constrói um sentido para o texto.

Como sugere SMITH (1989 – apud Fulgêncio & Liberato, 1992:13), “a leitura não é uma atividade meramente visual (...) é o resultado da interação entre o que o leitor já sabe e o que ele retira do texto”.

O leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento prévio ou informação não-visual, adquirido ao longo de sua vida. A leitura é, portanto, o resultado da informação visual ( IV) e informação não-visual ( InV).

LER = IV + InV

É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento ( lingüístico, textual e de mundo), que o leitor alcança um sentido para o texto. E porque o leitor utiliza diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo.

O ato de ler pode ser considerado, então, um jogo que se processa entre autor/texto/leitor; através destes elementos é que se atribui um significado ao texto.

O texto, neste sentido, faz a mediação para a comunicação entre dois contextos: o do autor e o do leitor. Sendo o texto o ponto de partida para o processo da construção do significado, cabe a ele o papel de atuar sobre os esquemas cognitivos do leitor, ativando uma série de ações na mente deste.

Como afirma KLEIMAN (1989:28): “a leitura é uma atividade cognitiva, tem caráter multifacetado, multidimensionado sendo um processo que envolve percepção, processamento, memória, dedução, inferência”.

Num texto há muito mais de implícito, de modo que ao leitor cabe o papel de captar as intenções do autor. É exatamente neste ponto que as inferências suprem as lacunas de um texto tornando-o mais significativo e compreensível.

Por inferência compreende-se, então, “uma operação cognitiva que permite ao leitor construir novas proposições a partir de outras já dadas”. ( MARCUSCHI, 1984)

Veja um exemplo de exercício de inferência:

a) Leia o texto abaixo e descubra onde Karen está passando o Natal.

Querida mamãe:
Aqui é muito bonito. O clima está agradável e temos passeado muito.
Ontem visitei o Coliseu. Feliz Natal! Logo estarei com vocês.
Karen

Após a leitura sugere-se que os alunos (leitores) discutam entre si sobre as inferências de cada um. Em seguida chega-se à resposta adequada.

Onde Karen está? Uma única palavra é a pista deixada pelo autor: Coliseu.

Supõe-se que ela esteja na Itália, mais especificamente em Roma. Esta inferência será feita a partir do momento em que o leitor partilhar este conhecimento de mundo com o autor.

2 – Processamento de texto

Muitas teorias tentam explicar de que forma um leitor apreende informações de um texto escrito embora, basicamente, todas elas possam ser classificadas em três grupos: o modelo de processamento ascendente ( bottom-up ), o modelo descendente ( top-down ) e o modelo interacionista de leitura. ( CORTE, 1991:5)

No modelo ascendente, a ênfase se dá sobre o estímulo visual. O leitor, durante a leitura, aborda o texto com visão “bottom-up”, exclusivamente, em que somente o texto leva conhecimento e informação a ele, e este, por sua vez, não utiliza seu conhecimento prévio.

Tal leitor é incapaz de ler nas entrelinhas visto que é vagaroso, pouco fluente e tem dificuldade em sintetizar as principais idéias do texto.

Por outro lado, o modelo descendente “ top-down”, é aquele em que o leitor leva para o texto todo o conhecimento prévio de que dispõe. O modelo descendente enfatiza o papel do processo cognitivo que gera hipóteses de significado, baseado, primeiramente, na informação contextual.

Dessa forma, o leitor, quando está em processo de leitura, busca diretamente o significado através de estratégias de predição e inferência. É um leitor fluente e veloz, capaz de ler nas entrelinhas do texto e alcançar o significado deste.

Por fim, o modelo interacionista descreve a leitura como um processo em que o leitor utiliza ambos processamentos (top-down e bottom-up) no ato da leitura.

(...) o leitor usa e integra tanto informações gráficas como contextuais para extrair o significado do texto escrito”. ( CORTE, 1991: 6 ).

Sendo a leitura um processo interativo em que o leitor e autor interagem entre si, ambos com suas cargas de conhecimentos, parece que este último modelo é o mais utilizado pelos leitores maduros e eficientes, tendo em vista que tais leitores sabem monitorar sua leitura e são capazes de escolher o tipo de processamento adequado à solução de seus problemas.

3 – Sugestões para viabilizar a compreensão da leitura

a) Os professores devem ensinar leitura aos seus alunos, ou seja, ensiná-los estratégias de leitura que viabilizem a compreensão textual;

b) Os alunos devem buscar um aprimoramento de seus conhecimentos prévios, lendo e questionando;

c) Deve-se elaborar materiais de leitura que facilitem a aquisição de estratégias de leitura por parte dos alunos;

d) O leitor deve utilizar-se das pistas fornecidas pelo texto de forma adequada e satisfatória;

e) O leitor deve conhecer seu objetivo de leitura ( antes de fazê-la ) e saber aplicar adequadamente as técnicas de leitura para obter um resultado satisfatório.

São inúmeras as sugestões que cabem aqui para que não haja a tão famosa frase: “ os alunos não sabem ler”. Os alunos estão caminhando lentamente rumo à criticidade; estão deixando de ser passivos e neutros. Os professores lentamente estão alterando suas metodologias e práticas de ensino. Não há “culpado” neste processo, visto que ambas as partes têm suas deficiências e dificuldades. O importante é começar a construir um conceito novo diante do processo de leitura.
Ler não é decodificar e exige que haja interação entre leitor/texto/emissor, para que ocorra a compreensão por parte de quem lê. Uma vez que o conceito começa a ser questionado e, principalmente, transformado, não resta dúvida de que possa existir, um dia, 100% de alunos-leitores preparados, críticos e aptos a discutir, dialogar, debater, criticar e transformar a sociedade em que vivem.

Fonte:
BONNICI, Thomas (org.). Anais do XIII Seminário do CELLIP (Centro de Estudos Linguísticos e Literários dos Paraná). Campo Mourão: 21 a 23 outubro de 1999. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2000. CD-Rom.

Dicionário do Folclore (Letra Q)


QUADRA. Espaço que as escolas-de-samba cariocas destinam para a realização dos ensaios de suas alas quando é cobrada uma pequena importância para fazer face às despesas com sua manutenção.

QUADRADO. Diz-se de quem não acompanha os costumes da época em que estamos vivendo.

QUADRÃO. Oitava de poesia popular, cantada, na qual os três primeiros versos rimam entre si, o quarto com o oitavo e o quinto, o sexto e o sétimo também entre si, usado pelos cantadores do Nordeste.

QUADRILHA. Dança palaciana francesa do século XIX e que se popularizou no Brasil depois que os mestres da orquestra Millet e Cavalier trouxeram-na para o Rio de Janeiro onde causaram muito sucesso. A quadrilha era executada em cinco partes, gritadas pelo marcador, bisadas, aprendidas até nos sertões brasileiros. Hoje é uma dança que desapareceu, menos nos festejos juninos quando, ao som de sanfonas, instrumentos de corda, de sopro e de percussão, ainda permanece no gosto popular. Da quadrilha apareceram, no Brasil, várias modalidades: 1. A quadrilha caipira, no interior paulista; 2. O baile sifilítico, na Bahia e Goiás; 3. A saruê (derivação de soirée), no Brasil Central; 4. A mana-chica e suas variantes, em Campos, RJ.

QUANDO-O-DIABO-NÃO-VEM-MANDA-O-SECRETÁRIO. Diz-se quando as pessoas aparecem nos momentos inoportunos, causando transtornos, confusão.

QUANTOS CAJUS? Pergunta que se faz a alguém quando se quer saber sua idade. É um costume herdado dos índios que, de cada safra de caju, guardava uma castanha para saber a idade dos filhos.

QUATRAGEM. É uma dança popular do interior de Minas Gerais. Formada por um grupo de quatro pessoas (daí o nome) é a dança preferida pelos tropeiros depois de um dia de trabalho. Os grupos sapateiam, batem palmas, ao som de adufes e tambores.

QUEBRA-BUNDA. É uma dança muito antiga, de Goiás, também conhecida por dança dos velhos, na qual apenas os homens participavam, usando barbas tingidas, vestidos de fraque e cartola, ao som de sanfona. Em dado momento, cantando versos, os homens, de costas uns para outros, batiam com as nádegas.

QUEBRA-PANELA. Brincadeira que é feita nos aniversários de crianças e que consiste em vendar os olhos do menino com um pano preto, a quem se dá um bastão para que ele acerte em uma panela, cheia de bombons e chocolates, que está pendurado por um fio. Antes do menino começar a dar golpes para atingir e quebrar a panela, fazem-no dar várias voltas para ele não saber mais ou onde a panela está dependurada.

QUEBRA-QUEIXO. Doce de coco bem ligado; todo doce que fica ligado demais; doce japonês. Todo doce que exige, para sua mastigação, bons dentes e um bom par de queixos para acioná-los.

QUEBRANTO. Veja MAU OLHADO

QUEBRAR-A-CABEÇA. Ter dificuldades para resolver qualquer problema, qualquer situação difícil.

QUEBRAR-CATOLÉ. Diz-se quando a arma (de fogo) nega fogo, isto é, depois de acionado o gatilho ela não dispara. Diz-se também, da moça que quando passa por um rapaz, fica olhando para trás.

QUEBRAR-SE-O-PAU-NAS-COSTAS. Diz-se de quem paga sozinho pelo ato que foi cometido por várias pessoas, conjuntamente.

QUEDA-DE-BRAÇO. É uma luta usada para medir a força de duas pessoas, homens ou meninos, que, sentados a uma mesa, se davam as mãos direitas e depois do sinal, cada qual fazia o possível para encostar a mão do parceiro sobre a mesa. Quando um dos participantes é mais forte do que o outro, o mais forte permite que o mais fraco use a mão esquerda (mão e cambão) para reforçar sua força. As pessoas que estão assistindo, às vezes, fazem apostas a dinheiro.

QUEIJO. 1. É a base de madeira ou de material plástico, de forma redonda e que serve de palco ao destaque de uma escola-de-samba; 2. É a virgindade conservada muito tempo.

QUEIJO-DO-CÉU. Diz o povo que, no céu, existe um bolo bem grande e gostoso que só pode ser comido pelos maridos que, depois do casamento, foram fiéis às suas esposas. É uma tradição portuguesa. Na Beira, é um presunto ou um queijo; no Minho, é uma broa. Nas procissões de Cinzas do Recife, de Olinda e de Salvador, no andar dos santos São Lúcio e Santa Bona – os bem casados, figurava o queijo-do-céu

QUEIMA. Há uma diferença entre as lapinhas e os pastoris. É que as lapinhas eram representadas diante dos presépios. Os pastoris podiam dispensar a lapinha. A queima acontece no final das representações dos pastoris, quando as pastoras faziam uma pequena fogueira de gravetos. A queima das lapinhas está quase desaparecendo. Consistia num grupo de moças conduzindo palhas de coqueiro usadas no presépio e que saíam em procissão pelas ruas da cidade acompanhadas de orquestra composta de instrumento de sopro. Feita a fogueira, as pastorinhas cantavam: -"A nossa lapinha/Já se queimou.../E o nosso brinquedo/Já se acabou".

QUENTÃO. O quentão é uma bebida do interior de São Paulo e Minas Gerais. É cachaça, fervida com açúcar e gengibre.

QUERERÊ. É uma comida feita com as vértebras dorsais e o grosso intestino do peixe pirarucu, preferida pelos caboclos da Amazônia.

QUERMESSE. Bazar, feira beneficente, leilão de prendas muito comum nas cidades do interior. O padre arrecada as prendas (bolos, galinhas, carneiros, perus, cabritos, frutas, etc.) que são arrematadas na quermesse por quem oferecer melhor preço. O produto das quermesses geralmente é destinado às obras ou conservação das igrejas.

QUERO-MANA. É uma dança popular do Rio Grande do Sul, Paraná, e São Paulo. É sapateada, valsada e acompanhada por violas e palmas.

QUERO-QUERO. No Estado do Rio de Janeiro, o quero-quero é uma ave agourenta. Seu canto parece dizer "quero-quero", parecendo, segundo acredita o povo, querer levar a alma da pessoa.

QUIBANO. É, no estado do Rio de Janeiro, uma peneira feita com taquara, num traçado bem fechado, que serve para peneirar o arroz, separando os grãos maduros e pesados, dos grãos chochos.

QUIBEBE. Papa ou purê de jerimum (abóbora) ou de banana com paçoca; na Bahia, de carne ou outra comida; ou com farinha de mandioca. Na cidade de Campos, RJ., é usado o quibebe de banana, água e sal, para comer com ensopado.

QUICÉ. Resto de faca de mesa quando quebrada ou gasta por ser muitas vezes amolada, ficando pequena.

QUILOMBO (A DANÇA DOS). A dança dos quilombos é uma sobrevivência dos Quilombos dos Palmares que, a partir do século XVII, se estabeleceram na Serra da Barriga, no local onde hoje está situada a cidade de União dos Palmares. Os componentes, índios ou caboclos, usam tangas, cocares, braceletes, perneiras de penas ou capim, sobre calções e camisetas tinturados de vermelho, pintam-se de ocre e carregam arcos e flechas. Os negros trajam calças curtas de mescla azul, camiseta branca sem manga, chapéu de palha de ouricuri, pintam-se de fuligem e carregam foices de madeira como armas. Os reis – um dos negros e outro dos índios ou caboclos - usam calções, manto, blusas de cetim vermelho ou azul, meias compridas, guarda-peito enfeitado de espelhos, coroa de ouropel, aljôfan e areia brilhante. Como armas, os reis empunham antigas espadas. A Rainha é uma menina de 5 a 10 anos, e usa vestido branco comprido, com guarda- peito de espelhos, capa de cetim, enfeitada de espiguilha e diadema de papelão pintado. A dança conta, ainda, com outros personagens: a Catirina (homem vestido de escrava negra, carregando um boneco nos braços), o Papai Velho, de barbas brancas e um cajado nas mãos, o Espia dos Caboclos num traje mais rico e vistoso de índio e o Vigia dos Negros, com chapéu enfeitado de espelhinhos e uma espingarda a tiracolo. A dança tem três etapas: Roubo da Liberdade, o Roubo e o Batuque e A Luta e a Prisão dos Negros. É uma dança que se prolonga durante horas.

QUIBANDA. É o sacerdote nos candomblés de procedência banta. O mesmo que Umbanda ou Embanda.

QUIMANGA. É a refeição que os pescadores levam quando vão pescar em alto mar. Uns dizem que quimanga é o cabaço em que são guardados os alimentos; outros dizem que quimanga é a refeição conduzida, como acontece com o bode. Veja BODE.

QUIMBEMBÉ. É uma bebida feita com milho fermentado. O mesmo que aluá.

QUIMBEMBEQUES. Figas e medalhas presas a um fio, colocadas no pescoço da crianças.

QUIMBETE. É uma dança de origem africana, em Minas Gerais.

QUINAS (CAFÉ DE QUATRO). É o café adoçado com rapadura, como se toma na zona dos engenhos do Nordeste.

QUINDIM. 1. Quindim é uma dança da cidade de Campos, RJ., do baile mana-chica; 2. No plural, quindins é um doce; 3. Também são os requebros de uma menina ou moça.

QUINTA. É a corda mais fina da viola.

QUIPATA. É em Pernambuco, uma porção de peixes que os pescadores dão aos seus companheiros que nada pescaram ou não puderam ir pescar.

QUISIBIU. É um prato da culinária baiana, que consiste em milho verde debulhado, misturado com quiabos verdes, temperados com torresmo e cozinhados até se tornarem uma papa. O quisibiu deve ser comido com carne-de-sol assada na brasa.

QUITÃ. O mesmo que MUIRAQUITÃ, a pedra da felicidade.

QUIZILA. É a antipatia, aborrecimento, rixa, que se tem por determinada pessoa.

QUIZUMBÊ. Canto e dança popular da região do São Francisco.

QUIZUQUI. É, na Bahia, o cuscuz feito com milho mais pra seco do que pra verde. Não leva nenhum tempero. Come-se com manteiga ou com feijoada.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de de outras linguas (Letra M)



made in
Inglês: Feito em. fabricado em Locução aposta ao nome do lugar onde se fabricou ou industrializou um produto comercial.

magister dixit
Latim: O mestre falou. Com esta expressão os escolásticos referiam-se a Aristóteles cuja opinião encerrava qualquer discussão. Ainda hoje se aplica para citar alguém tido como mestre em determinada matéria.

magnae spes altera Romae
Latim: A segunda esperança da grande Roma. Virgílio falava do filho de Enéias. Aplica-se à segunda autoridade de uma nação ou região.

magni nominis umbra
Latim: A sombra de um grande nome. Verso de Lucano que se aplica à pessoa que teve sua hora de glória, caindo depois na obscuridade.

major e longinquo reverentia
Latim: Maior reverência ao que está distante. Refere-se Tácito à reverência que temos por aqueles que se acham afastados de nós no tempo e no espaço.

majores pennas nido
Latim: Asas maiores do que o ninho. Horácio visava àqueles que, nascidos de condição humilde, tentam melhorar a posição social.

malgré ceci
Francês: Apesar disto.

malgré cela
Francês: Apesar daquilo.

malgré lui
Francês: A seu pesar; contra a sua opinião.

malgré tout
Francês: Apesar de tudo.

malo mori quam foedari
Latim: Antes morrer do que desonrar-se. Divisa da Sicília.

mane, thecel, phares
Latim: Contado, pesado, dividido. Palavras que, segundo o livro de Daniel, apareceram na parede da sala onde o Rei Baltasar promovia uma festa sacrílega.

manibus date lilia plenis
Latim: Dai lírios às mãos cheias. Passagem de Virgílio (Eneida, VI, 883), em que Anquises pede flores para o túmulo de Marcelo.

man spricht Deutsch
Alemão: Fala-se alemão. Palavras colocadas nas vitrinas para indicar que no estabelecimento alguém fala alemão.

manu militari
Latim Direito: Pela mão militar. Diz-se da execução de ordem da autoridade, com o emprego da força armada.

marche aux flambeaux
Francês: Marcha das tochas. Concentração popular por motivo de regozijo ou homenagem, em que cada pessoa desfila com uma tocha acesa.

margaritas ante porcos
Latim: Pérolas diante dos porcos. Passagem evangélica em que Cristo aconselha que não se atirem pérolas aos porcos (Mt. VII, 6). Não tratar de coisas santas com ímpios e blasfemos.

materiam superabat opus
Latim: O trabalho excedia a matéria. Aplica-se nos casos em que a forma literária seja superior ao tema.

mea culpa
Latim: Por minha culpa. Locução encontrada no ato de confissão e se aplica nos casos em que a pessoa reconhece os próprios erros.

medice, cura te ipsum
Latim: Médico, cura a ti próprio. Provérbio citado por Cristo e diz respeito àqueles que, esquecidos dos próprios defeitos, desejam corrigir os alheios.

medio tutissimus ibis
Latim: Irás seguríssimo pelo meio. Deves evitar os extremos.

memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris
Latim: Lembra-te, homem, que és pó e em pó te tornarás. Palavras pronunciadas pelo sacerdote enquanto impõe cinza na cabeça de cada fiel, na quarta-feira de cinzas.

memento mori
Latim: Lembra-te que hás de morrer. Pensamento cristão, usado como saudação entre os trapistas; também empregado em inscrições tumulares.

mendaci ne verum quidem dicenti creditur
Latim: Não se dá crédito ao mentiroso nem quando ele diz a verdade.

mens agitat molem
Latim: O espírito move a matéria. Frase virgiliana aproveitada pelos panteístas e estóicos, hoje empregada no sentido de que a inteligência domina a matéria.

mens legis
Latim Direito: O espírito da lei.

mens legislatoris
Latim: O pensamento, a vontade, a intenção do legislador.

mens sana in corpore sano
Latim: Espírito sadio em corpo são. Frase de Juvenal, utilizada para demonstrar a necessidade de corpo sadio para serviços de ideais elevados.

meta optata
Latim Direito: Fim colimado. O fim alcançado pelo agente do delito.

mettere la coda dove non va il capo
Italiano: Meter a cauda onde não cabe a cabeça. Mudar de tática, segundo as circunstâncias.

metteur-en-scène
Francês: Encenador. Nos teatros, pessoa encarregada de movimentar atores e cenários.

minima de malis
Latim: Os menores dentre os males. Provérbio de uma das fábulas de Fedro.

minus habens
Latim: Que tem menos. Serve para indicar pessoa pouco inteligente ou menos dotada.

mirabile dictu
Latim: Admirável de se dizer. Empregada como locução interjetiva.

mirabile visu
Latim: Admirável de se ver. Diz-se de qualquer espetáculo belo ou raro.

mise en scène
Francês: Encenação.

miserere mei, Deus
Latim: Deus, tende compaixão de mim. Palavras iniciais do Salmo 51, um dos salmos penitenciais.

missi dominici
Latim: Os enviados do senhor, isto é, os inspetores reais instituídos por Carlos Magno, os quais julgavam do procedimento dos duques e condes.

modus faciendi
Latim: Modo de agir.

modus vivendi
Latim Direito: Modo de viver. Convênio provisório entre nações, feito quase sempre através de permuta de notas diplomáticas.

more majorum
Latim: Conforme o costume dos antepassados: Na segunda defenestração de Praga, os protestantes da Boêmia declararam que agiram more majorum.

mors ultima ratio
Latim: Morte, razão final. A morte é o derradeiro argumento, o mais poderoso.

motu continuo
Latim: Com movimento perpétuo: A cabeça do doido andava num motu continuo.

motu proprio
Latim: Pela própria deliberação: espontaneamente. Diz-se de documentos pontifícios emanados diretamente do papa, e que tornaram obrigatórias para os católicos as disposições e doutrinas neles tratadas.

multa paucis
Latim: Muitas coisas em poucas palavras. Locução que pode servir de modelo aos escritores: dizer muitas coisas em poucas palavras.

multi sunt vocati, pauci vero electi
Latim: Muitos são chamados, porém, poucos escolhidos. Expressão usada por Cristo, referindo-se em parábola à salvação eterna, para a qual todos os homens são convidados, mas nem todos a conseguem (Mt. XX, 16 e XXII, 14).

mutatis mutandis
Latim: Mudando-se o que se deve mudar. Feitas algumas alterações.
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As outras letras:
LETRA A http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_21.html
LETRA D http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
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LETRA F http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
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LETRA I http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA J-L
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do_21.html
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Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br/

sábado, 4 de julho de 2009

Trova XXXVI

Edson Jorge Badra (Poesias)


CONFISSÕES DE UMA ALMA DO INFERNO

Quando surgiu em mim, certa manhã de agosto,
Da regeneração a chama que tanto arde,
Embalou-me uma voz a me dizer com gosto:
- “Regenera-te, sim, mas deixa pra mais tarde!”

Deixei-me seduzir, mas estava disposto,
Quando o dia chegasse, a não bancar covarde.
Nova oportunidade. E, com grande desgosto.
Ouvi a mesma voz a me dizer: “Mais tarde!”

Um dia, abandonei o corpo em que habitava.
Enquanto lá no céu eu a entrada implorava,
Ouvi atrás de mim a voz de Satanás,
Dizendo, a gargalhar, bem cínico e medonho:
- “Não hás de alimentar agora nenhum sonho,
Porque, alma imbecil, já é tarde demais!”

Uma outra, carregada de humor em sua mensagem:
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CINISMO

- "Se não me amas, então por que mentiste?
Tão certa estavas do teu grande amor,
que mesmo quando um dia tu partiste
não foi assim tão grande a minha dor.

Imbecil e cretino! o que sentiste,
momentãnea paixão, falso calor,
deixou-me o coração magoado e triste,
que me acompanhará por onde eu for.

- "Que possa eu explicar-te neste instante?
Não desejava provocar-te o pranto,
tu que a mim te entregavas tão confiante!

Então menti. Pior: sofreste mais!
Tua desdita foi amar-me tanto
e o meu defeito foi ser bom demais.

Fonte:
Academia de Letras de Rondônia

Edson Jorge Badra (1934)



Nasceu em Guajará-Mirim, no dia 12 de junho de 1934, onde viveu toda sua infância.

Seus estudos foram feitos no Colégio Mackenzie, em São Paulo e Gamon, em Lavras-MG.
Concluiu o curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais e Letras na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Retornou a Guajará-Mirim onde advogou até 1972 e exerceu o cargo de Defensor Público, Promotor Substituto, Promotor Público e Procurador da Justiça. Foi professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira durante 20 anos.

Emitiu opinião em diversos livros e prefaciou outros.

É membro fundador da União Brasileira dos Escritores de Rondônia, e da Academia Rondoniense de Educação. Foi nomeado por decreto governamental membro do Conselho Estadual de Cultura, chegando ao cargo de Presidente.

Atuou como Vice-Presidente da Academia de Letras de Rondônia, fazendo parte da primeira Diretoria, no biênio 1986/1987.

Possui duas obras publicadas:

"Literatura de Rondônia" - 1987 (ensaio), onde o poeta analisa, opina e traça paralelo sobre as publicações e produtores literários do Estado;e

"Sonhos Prosaicos e Poéticos", onde reúne prosa, poemas e hinos.

Sua obra poética vai do pitoresco ao lírico formal. A forma é original e inteligente; reflete a arte, o conhecimento e o amadurecimento poético do autor.

Fonte:
Academia de Letras de Rondônia

Cruz e Souza (A Borboleta Azul)


No alegre sol de então
De uma manhã de amor,
A borboleta solta no fulgor
Da luz, lembrava um leve coração.
Ia e vinha e a voar
Gentil e trêfega, azul,
Sonoramente a percorrer pelo ar,
Como um silfo tenuíssimo e taful.

Sobre os frescos rosais
Pousava débil, sutil,
Doirando tudo de um risonho abril
Feito de beijos e de madrigais.

Que doce embriaguez
O vôo assim seguir
Da borboleta azul, correndo, a vir
Do espaço pela Etérea candidez!

Fazendo, tal e qual,
O mesmo giro assim,
O mesmo vôo límpido, sem fim,
Nos mundos virgens de qualquer ideal.

Ir como ela também
Em busca das loucas
E tropicais e fulgidas manhãs
Cheias de colibris e sol, além...

Ir com ela na luz
De mundos através,
Sem abrolhos nas mãos, cardos nos pés,
Ó alma, minha, que alegria a flux!...

No alegre sol de então
De uma manhã de amor
A borboleta solta no fulgor
Da luz, lembrava um leve coração.

Fonte:
Domínio Público

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Trova XXXV

Monteiro Lobato (Os dois Ladrões)


Dois ladrões de animais furtaram certa vez um burro, e como não pudessem reparti-lo em dois pedaços surgiu a briga.

- O burro é meu! – alegava um – o burro é meu porque eu o vi primeiro…

- Sim – argumentava o outro – você o viu primeiro; mas quem primeiro o segurou fui eu. Logo, é meu…

Não havendo acordo possível, engalfinharam-se, rolaram na poeira aos socos e dentadas.

Enquanto isso um terceiro ladrão surge, monta no burro e foge a galope.

Finda a luta, quando os ladrões se ergueram, moídos da sova, rasgados, esfolados…

- Que é do burro? Nem sombra! Riam-se – risadinha amarela – e um deles, que sabia latim, disse:

- Inter duos litigantes tertius gaudet.

Que quer dizer: quando dois brigam, lucra um terceiro mais esperto.

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Fábulas. SP: Brasiliense, 1994.

Isaac Asimov (Versos na Luz)



A última pessoa deste mundo que alguém julgaria um criminoso era a sra. Avis Lardner. Viúva do grande mártir da Astronáutica, era filantropa, colecionadora de arte, uma extraordinária anfitriã e, todos concordavam, um gênio artístico. Acima de tudo, era o mais gentil e bondoso ser humano que se podia imaginar.

O marido, William J. Lardner, morreu, como todos sabemos, devido aos efeitos da radiaçío da luz solar, após ter deliberadamente permanecido no espaço, a fim de que uma espaçonave de passageiros pudesse levar seu veículo espacial em segurança à Estação Espacial n°5.

Por isso a sra. Lardner havia recebido uma generosa pensão, a qual investira bem e com muita sabedoria. Ao fim da meia-idade, estava rica.

Sua casa era uma espécie de exposição permanente, um verdadeiro museu, contendo uma coleção de lindas jóias, pequena, porém de extremo bom-gosto. De uma dúzia de diferentes culturas havia conseguido relíquias de quase toda peça de artesanato concebível que pudessem ser engastadas de jóias para servir à aristocracia daquela mesma cultura. Possuía um dos primeiros relógios de pulso, adornado de pedras preciosas, fabricado na América, uma adaga incrustada de pedras preciosas, procedente do Camboja, um par de óculos, decorado com jóias, vindo da Itália, e assim por diante, interminavelmente.

Tudo estava aberto ao público. As peças de artesanato não estavam no seguro, e não havia nenhuma providência comum no sentido de garanti-las. Não havia a necessidade de nada convencional, porquanto a sra. Lardner mantinha um corpo de auxiliares, constituído de robôs-servos, a cada um dos quais podia se confiar a guarda de cada um dos objetos, tendo eles imperturbável concentração, irrepreensível honestidade e irrevogável eficiência.

Todos sabiam da existência dos robôs e não há registro de ter algum dia ocorrido alguma tentativa de furto.

E havia também, é claro, sua escultura-luz.

Como a sra. Lardner descobriu seu próprio gênio para a arte, nenhum convidado de suas pródigas reuniões conseguia adivinhar. Contudo, em cada ocasião, quando a sra. Lardner abria a casa para os convidados, uma nova sinfonia de luz percorria os aposentos de um lado ao outro; curvas e sólidos tridimensionais, numa mescla de cores, algumas puras, outras difusas, em surpreendentes efeitos cristalinos que mergulhavam no assombro cada convidado, e que se ajustavam por si mesmos, de forma a embelezar os cabelos macios e azulados e o rosto de contornos pouco definidos da sra. Lardner.

Era por causa da escultura-luz, mais do que por qualquer outra coisa, que os convidados apareciam. Nunca era a mesma duas vezes, e nunca deixava de explorar novos enfoques da arte.

Muitas pessoas que podiam comprar consolo-luz preparavam esculturas-luz por diversão, mas ninguém chegava nem de longe a igualar a perícia da sra. Lardner. Nem mesmo aqueles que se consideravam artistas profissionais.

Ela mesma era encantadoramente modesta a respeito disso – Não, não – dizia ela, quando alguém ressudava lirismo. – Eu não a denominaria “poesia na luz”. Isto é ser bondosa demais. No máximo, eu diria que se trata de meros “versos na luz” – e todos sorriam da sutil tirada de espírito.

Embora fosse solicitada freqüentemente a fazê-lo, jamais criava “escultura-luz” em outras ocasiões, salvo em suas próprias festas.

- Seria comercialização – costumava dizer.

Contudo, não objetava à preparação de elaborados hologramas de suas esculturas, de forma que se tornassem permanentes e fossem reproduzidos em todos os museus do mundo. Tampouco nunca cobrou nada pelo uso que pudesse ser feito de suas “esculturas-luz”.

- Eu não teria coragem de cobrar um centavo – dizia ela, abrindo bem os braços. – É de graça para todos. Afinal de contas, eu mesma a uso durante pouco tempo.

Era verdade, ela nunca utilizava duas vezes a mesma “escultura-luz”.

Ela própria cooperava quando eram feitos os hologramas. Observando benignamente cada etapa, estava sempre pronta a mandar que os robôs ajudassem.

- Por favor, Courtney – quer ter a bondade de ajustar a escadinha?

Era o seu estilo. Sempre se dirigia aos robôs com a mais formal das cortesias.

Certa ocasião, há muitos anos, quase fora repreendida por um funcionário federal do “Bureau of Robots and Mechanical Men”:

- Não pode fazer isto – disse ele severamente. – Interfere na eficiência deles. São construídos para cumprir ordens e quanto mais claramente lhes der ordens, mais eficientes as cumprirão. Quando pede com elaborada polidez, compreendem com dificuldade que está sendo dada uma ordem. Reagem mais lentamente.

A sra. Lardner ergueu a aristocrática cabeça:

- Não exijo rapidez e eficiência – disse ela. – Peço boa vontade. Meus robôs me amam.

O funcionário poderia ter explicado que robôs não podem amar, mas murchou sob o olhar ofendido, ainda que meigo, dela.

Era fato conhecido de todos que a sra. Lardner jamais remeteu um robô à fábrica para ajustamentos. Seus cérebros positrônicos eram de enorme complexidade, e quando saem da fábrica, um em dez não está perfeitamente regulado. Às vezes o desajuste não se revela durante um período de tempo, mas sempre que um engano se manifesta, a “U. S. Robots and Mechanical Men Corporation” efetua a correção gratuitamente.

A sra. Lardner sacudiu a cabeça:

- A partir do momento em que o robô está em minha casa – disse – e cumpre com seus deveres, as excentricidades secundárias devem ser toleradas. Não permitirei que seja maltratado.

Era a pior coisa possível tentar explicar que um robô era apenas uma máquina. Ela dizia inflexivamente:

- Nada que seja tão inteligente como um robô pode ser apenas uma máquina. Trato-os como gente.

E pronto!

Ela conservava até mesmo Max, embora fosse quase inútil. Mal se podia compreender o que se esperava dele. Contudo, a sra. Lardner insistia:

- Absolutamente – dizia firmemente – ele é capaz de pegar e guardar chapéus e casacos perfeitamente. Segura objetos para mim. Sabe fazer muitas coisas.

- Mas por que não manda regulá-lo? – perguntou um amigo, certa ocasião.

- Oh, eu não teria coragem. Ele é ele mesmo. É muito amável, sabe? Afinal de contas, um cérebro positrônico é tão complexo que ninguém consegue saber onde está enguiçado. Se fosse ajustado para a perfeita normalidade, não haveria meios de recuperá-lo para a amabilidade que possui agora. E eu não quero desfazer-me dele.

- Mas, se ele está mal regulado – disse o amigo, olhando nervosamente para a sra. Lardner – não poderá ser perigoso?

- Nunca – a sra. Lardner deu uma risada. – Tenho-o há anos. É completamente inofensivo e é um amor.

Na verdade, ele tinha a mesma aparência de todos os outros robôs: liso, metálico, vagamente humano, mas inexpressivo.

Contudo, para a bondosa sra. Lardner, todos eram gente, pessoas, todos meigos, todos adoráveis. Ela era assim.

Como poderia cometer um crime?

A última pessoa que alguém esperaria que fosse assassinado seria John Semper Travis. Introvertido e de modos suaves, estava no mundo, mas não pertencia a ele. Possuía aquele peculiar talento para a Matemática que lhe tornava possível resolver mentalmente o complexo entrelaçamento de uma miríade de circuitos positrônicos cerebrais da mente de um robô.

Era o engenheiro-chefe da “U. S. Robots and Mechanical Men Corporation”.

Mas era também um entusiasmado amador em “escultura-luz”. Havia escrito um livro sobre a matéria, no qual tentava mostrar que o tipo de Matemática que utilizava para resolver problemas de circuitos de cérebros positrônicos poderia ser modificado para servir de guia na produção da estética da “escultura-luz”.

No entanto, sua tentativa de colocar a teoria em prática foi um fracasso desanimador. As esculturas que produziu, segundo seus princípios matemáticos, eram pesadas, mecânicas e sem interesse.

Era a única razão de infelicidade em sua vida tranqüila, introvertida e segura, no entanto era razão suficiente para sentir-se profundamente infeliz. Ele sabia que suas teorias eram corretas, se bem que não conseguisse pô-las em ação. Se não conseguisse produzir uma boa peça de “escultura-luz”…

Naturalmente, estava a par da “escultura-luz” da sra. Lardner. Ela era universalmente aplaudida como um gênio, muito embora Travis soubesse que era incapaz de compreender mesmo o mais simples aspecto da matemática dos robôs. Havia trocado correspondência com ela, mas ela recusava-se obstinadamente a explicar seus métodos, levando-o a perguntar-se se ela possuía mesmo algum. Não seria mera intuição? – mas mesmo a intuição pode ser reduzida à matemática. Finalmente, ele conseguiu receber um convite para uma das festas. Precisava avistar-se com ela a todo custo.

O sr. Travis chegou bem tarde. Havia feito uma última tentativa com uma peça de “escultura-luz”, que resultará num fracasso desa-lentador.

Cumprimentou a sra. Lardner com uma espécie de enigmático respeito e disse:

- Estranho aquele robô que pegou meu chapéu e casaco.

- Aquele é Max – disse a sra. Lardner.

- Está muito desregulado e é um modelo bem antigo. Por que razão não o manda para a fábrica?

- Oh, não – disse a sra. Lardner. – Seria demasiado trabalho.

- De modo nenhum, sra. Lardner – disse Travis. – A sra. ficaria surpresa com a simplicidade do trabalho. De vez que sou da U.S. Robots, tomei a liberdade de ajustá-lo pessoalmente. Não levou tempo e a sra. verá que ele está agora em perfeitas condições de funcionamento.

Uma estranha mudança ocorreu no rosto da sra. Lardner. A fúria estampou-se nele pela primeira vez em sua existência sossegada. Era como se os traços fisionômicos não soubessem qual posição tomar.

- Ajustou-o? – perguntou com voz aguda. – Mas foi ele que criou as minhas “esculturas-luz”. Foi o ajustamento defeituoso, o desajuste, que você jamais conseguirá restaurar… aquele…

Foi uma grande desgraça que ela estivesse mostrando sua coleção naquele momento e que a adaga com cabo cravejado com pedras preciosas, procedente do Camboja, estivesse sobre o tampo de mármore na mesa em frente dela.

A fisionomia de Travis também se distorceu:

- A sra. quer dizer que, se eu tivesse estudado o estranho cérebro positrônico dele, eu poderia ter aprendido…

Ela avançou com a arma com demasiada rapidez para alguém detê-la. Ele não tentou se esquivar ao golpe. Há quem diga que foi ao encontro dele – como se quisesse morrer.
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Conto do livro Nós, Robôs (The Complete Robot). É uma coletânea de 31 contos sobre os robôs publicados entre 1939 a 1977, inclusive as histórias reunidas na primeira coletânea, I, Robot(1950) (Eu, Robô).

Contém todas as histórias com a participação de Susan Calvin, e histórias, como por exemplo, 'O Homem Bicentenário', 'Pobre Robô Perdido' e 'Robbie'. 'Robbie' é a primeira história de robôs escrita por Asimov.
Os contos são:

Robôs não humanos
O melhor amigo de um garoto - Um garoto tem um robô cachorro
Sally - Um carro robô
Um dia - Um computador contador de Histórias

Robôs Imóveis

Contos com computadores

Ponto de vista
Pense!
Amor verdadeiro

Robôs Metálicos
Robô AL-76 extraviado
Vitória involuntária
Estranho no paraíso
Versos na luz
Segregacionista
Robbie

Robôs humanóides
Vamos nos Unir
Imagem Especular (Uma história com Elias Baley e Daniel)
O incidente do tricentenário

Powell e Donovan
Primeira Lei
Corre-corre
Razão
Pegue aquele coelho

Susan Calvin
Mentiroso
Satisfação garantida
Lenny
Escravo
O robozinho perdido
Risco
Fuga
Evidência
O conflito evitável
Intuição feminina

Dois clímax
...Para que vos ocupeis dele
O homem bicentenário

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Fontes:
ASIMOV, Isaac. Nós, Robôs. SP: Hemus Editora, 1982.
- Sobre o livro = Wikipedia

Franz Kafka (Poseidon)

Escultura de Poseidon, em Copenhague
Poseidon estava sentado à sua mesa de trabalho e fazia contas. A administração de todas contas. A administração de todas as águas dava-lhe um trabalho infinito. Poderia dispor de quantas forças auxiliares quisera, e com efeito, tinhas muitas, mas como tomava seu emprego muito a sério, verificava novamente todas as contas, e assim as forças auxiliares lhe serviam de pouco. Não se pode dizer que o trabalho lhe era agradável e na verdade o realizava unicamente porque lhe tinha sido impôsto; tinha-se ocupado, sim, com frequência, em trabalhos mais alegres, como ele dizia, mas cada vez que se lhe faziam diferentes propostas, revelava-se sempre que, contudo, nada lhes agradava tanto como seu atual emprego. Além do mais era muito difícil encontrar uma outra tarefa para ele. Era impossível designar-lhe um determinado mar; prescindindo de que aqui o trabalho de cálculo não era menor em quantidade, porém em qualidade, o Grande Poseidon não podia ser designado para outro cargo que não comportasse poder. E se se lhe oferecia um emprego fora da água, esta única idéia lhe provocava mal-estar, alterava-se seu divino alento e seu férreo torso oscilava. Além do mais, suas queixas não eram tomadas a sério; quando um poderoso tortura, é preciso ajustar-se a ele aparentemente, mesmo na situação mais desprovida de perspectivas. Ninguém pensava verdadeiramente em separar a Poseidon de seu cargo, já que desde as origens tinha sido destinado a ser deus dos mares e aquilo não podia ser modificado.

O que mais o irritava – e isto era o que mais o indispunha com o cargo – era inteirar-se de que como representavam com o tridente, guiando como um cocheiro, através dos mares. Entretanto, estava sentado aqui, nas profundidades do mar do mundo e fazia contas ininterruptamente; de vez em quando uma viagem da qual além do mais, quase sempre regressava furioso. Daí que mal havia visto os mares, isso acontecia apenas em suas fugitivas ascenções ao Olimpo, e não os teria percorrido jamais verdadeiramente. Gostava de dizer que com isso esperava o fim do mundo, que então teria certamente ainda um momento de calma, durante o qual, justo antes do fim, depois de rever a última conta, poderia fazer ainda um rápido giro.

Fonte:
Covil do Orc

Franz Kafka (O Abutre)


Era um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado sapatos e meias e penetrava- me a carne. De vez em quando, inquieto, esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois como eu podia suportar o abutre.

- É que estou sem defesa – respondi. – Ele veio e atacou-me. Claro que tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um bicho destes! Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como vê, estão quase despedaçados.

- Mas deixar-se torturar dessa maneira! – disse o senhor. – Basta um tiro e pronto!

- Acha que sim? – disse eu. – Quer o senhor disparar o tiro?

- Certamente – disse o senhor. – É só ir a casa buscar a espingarda. Consegue agüentar meia hora?

- Não sei lhe dizer. – respondi.

Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei:

- De qualquer modo, vá, peço-lhe.

- Bem – disse o senhor. – Vou o mais depressa possível.

O abutre escutara tranqüilamente a conversa, fitando-nos alternadamente. Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de asas e depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo, enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos infinitos do meu sangue.

Fonte:
Covil do Orc
Imagem = D. Afonso Henriques

Franz Kafka (3 Julho 1883 – 3 Junho 1924)


Franz Kafka (língua tcheca: František Kafka)(Praga, 3 de julho de 1883 - Klosterneuburg, 3 de junho de 1924) foi um dos maiores escritores de ficção da Língua alemã do século XX. Kafka nasceu numa família de classe média judia em Praga, Áustria-Hungria (agora República Tcheca). O corpo de obras suas escritas— a maioria incompleta e publicadas postumamente — destacam-se entre as mais influentes da Literatura ocidental.

Seu estilo literário presente em obras como a novela A Metamorfose (1915), e romances incluindo O Processo (1925) e O Castelo (1926) retratam indivíduos preocupados em um pesadelo de um mundo impessoal e burocrático.
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Filho mais velho de Herrmann Kafka, um abastado comerciante judeu, e de sua esposa Julie, nascida Löwy. Nascem depois dele dois meninos, que irão morrer pouco tempo após o nascimento, fato que segundo alguns psicólogos especialistas na obra de Kafka, será um factor determinante para o sentimento de culpa presente nos seus livros; e três meninas, sendo Ottilie a sua irmã favorita, com quem ele chega a morar algumas vezes.

Kafka cresce sob as influências de três culturas: a judaica, a checa e a alemã.

No ano de 1902 conhece Max Brod, seu grande amigo, e no ano de 1922 pedirá a ele para que destrua todas as suas obras após sua morte.

Em 1903, Kafka tem sua primeira relação sexual, o que lhe trará insegurança por toda sua vida. Neste ano também, ele fará sua primeira visita a um sanatório. Teve vários casos amorosos mal resolvidos, uns por intervenção dos pais das moças, outros por desinteresse próprio.

Entre 1914 e 1924, Kafka esteve três vezes perto do casamento. Desistiu sempre. Tentou primeiro por duas ocasiões com Felice Bauer, uma alemã com quem se correspondeu até 1917. A última vez foi com Milena Jesenská, mais nova do que ele.

Kafka falece dia 3 de junho de 1924 no sanatório Kierling perto de Klosterneuburg na Áustria. A causa oficial da sua morte foi insuficiência cardíaca, apesar de sofrer de tuberculose desde 1917.

Educação

Kafka aprendeu alemão como sua primeira língua, contudo era quase fluente em tcheco. Kafka se considerava incapaz nos estudos, tanto que em uma carta a Felice Bauer ele declara que não acreditava que conseguiria concluir o ensino médio. No momento de decidir que carreira seguir, Franz Kafka opta por cursar Filosofia, no entanto é impedido pelo seu pai, com quem não tinha uma relação afetividade. Tendo de decidir entre Química e Direito, Franz opta pela faculdade de Química junto com seu grande amigo Max Brod. Permanece 15 dias no curso e desiste, entrando de vez para a faculdade de Direito, que será tema de boa parte de suas obras. Formado em Direito, em 1906, trabalhou como advogado a princípio na companhia particular Assicurazioni Generali e depois no semi-estatal Instituto de Seguros contra Acidentes do Trabalho. Solitário, com a vida afetiva marcada por irresoluções e frustrações, Kafka nunca atingiu fama ou fortuna com seus livros, na maioria editados postumamente. Mesmo assim era respeitado nos círculos de literatura que frequentava.

Obra

O seu livro A Metamorfose (1915) narra o caso de um homem que acorda transformado num gigantesco insecto; O Processo (1925) conta a história de um certo Josef K., julgado e condenado por um crime que ele mesmo ignora; O Castelo (1926), o agrimensor K. não consegue ter acesso aos senhores que o contrataram. O livro Na Colônia Penal (1914) fala sobre uma maquína que tem o poder de executar sentenças. Trata-se de uma história absurda sobre uma Colônia que usa esta máquina para torturar e matar pessoas, sem que estas sequer saibam o porquê de sua morte. O livro é uma crítica aos sistemas despóticos de poder. Essas quatro obras-primas definem não apenas boa parte do que se conhece até hoje como "literatura moderna", mas o próprio caráter do século: kafkaniano.

Autor de várias coletâneas de contos, Kafka escreveu também a avassaladora Carta ao Pai (1919) e centenas de páginas de diários. Deixou inacabado o romance Amerika.

Morreu num sanatório perto de Viena, onde se internou com tuberculose. Desde então, seu legado - resgatado pelo amigo Max Brod - exerce enorme influência na literatura mundial.


Bibliografia

A escrita de Kafka é marcada pelo seu tom despegado, imparcial, atenciosa ao menor detalhe, e que abrange os temas da alienação e perseguição. Os seus trabalhos mais conhecidos abrangem temas como as pequenas histórias A Metamorfose, Um artista da fome e os romances O Processo, América e O Castelo. Os seus contos são julgados como verdadeiros e realistas, em contato com o homem do século XXI, pois os personagens kafkanianos sofrem de conflitos existenciais, como o homem de hoje. No mundo kafkaniano, os personagens não sabem que rumo podem tomar, não sabem dos objetivos da sua vida, questionam seriamente a existência e acabam sós, diante de uma situação que não planejaram, pois todos os acontecimentos se viraram contra eles, não lhes oferecendo a oportunidade de se aproveitar da situação e, muitas vezes, nem mesmo de sair desta. Por isso, a temática da solidão como fuga, a paranóia e os delírios de influência estão muito ligados à obra kafkaniana, sendo comum a existência de personagens secundários que espiam, e conspiram contra o protagonista das histórias de Kafka (geralmente homens, à exceção de alguns contos onde aparecem animais e raros onde a personagem principal é uma mulher). No fundo, estes protagonistas não são mais que projeções do próprio Kafka, onde ele expõe os seus medos, a sua angústia perante o mundo, a sua solidão interior.

A obra sobre Kafka é já de maior dimensão do que o trabalho próprio do autor, e vai desde estudos literários sérios até análises psicológicas do autor, a quem já foram atribuídos todos os tipos de complexos e traumas concebíveis. A própria sexualidade de Kafka chegou a ser discutida, apesar de que para muitos de seus leitores o desejo por mulheres estar evidente na maioria de suas principais obras, e o próprio Kafka não ter dado em vida nenhuma razão para que alguém afirmasse que ele era homossexual. No entanto, a obra de Kafka tem despertado enorme interesse entre os leitores gays pois, de acordo com Ruth Tiefenbrun, a maior parte dos seus personagens são homens homossexuais, que simultaneamente exibem a necessidade de se esconder e de se exibir. Já Gregory Woods refere que, mesmo que a sexualidade de Kafka seja controversa, tal não deve impedir a apreciação dos seus textos no âmbito da literatura gay, e que as histórias de homens isolados, forçados a não ter certezas na vida, que estão em constante perigo de ser descobertos, tocam fortemente na sensibilidade de todos os gays.

Livros e Contos

Cenas de um Casamento no Campo (1907)
Considerações (1908)
Aeroplano em Brescia (1909)
Amerika (1910,1927)
O Veredicto (1912)
A Metamorfose (1912, 1915)
A Sentença (1912, 1916)
Meditação (1913)
Contemplação: O Foguista (1913)
Diante da Lei (1914, 1915)
A Colônia Penal (1914, 1919)
O Processo (1914,1925)
Um Relatório para a Academia (1917)
A Preocupação de um Pai de Família (1917)
A Muralha da China (1917, 1931)
Carta ao Pai (1919)
Um Médico Rural (1919)
Poseidon (1920)
Noites (1920)
Sobre a Questão das Leis (1920)
Primeiro Sofrimento (1921)
Cartas a Milena (1920, 1923)
Investigações de um Cão (1922)
Um Artista da Fome (1922, 1924)
O Castelo (1922, 1926)
Uma Pequena Mulher (1923)
A Construção (1923)
Josefina, a Cantora ou O Povo dos Ratos (1924)
Sonhos

Fonte
Wikipedia

Falecimento de Rodrigo de Souza Leão

Rodrigo de Souza Leão (Poesias Escolhidas)


CORAÇÃO DE ISOPOR

sendo você o ápice de mim
o que sou enfim
quando luz meu labirinto
abismo de muitas funduras
sei que narra sensações
que vem e vão
como quimeras quentes
são apenas cavalos saídos
das mãos dos pés do peito
nu dorso nô
crepom capim que isopor
de tudo na cidade amor

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DELÍRIO OLFATIVO

As lembranças
São lambanças que fiz

Dando aulas pra morte
Eu aprendi
A manusear o giz

Do desespero

Nem sei como sobrevivi
Ao forte fedor das flores

E ao meu próprio cheiro
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CANÇÃO DA TORRE MAIS BAIXA

quero a antilógica
do exagero
o antivôo
dos antílopes
ou o quase pipocar
das corças
neste desequilíbrio
equilibrado que sou
em você reticências
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Fonte:
Lowcura

Rodrigo de Souza Leão (4 Novembro 1965 – 2 Julho 2009)



Rodrigo Antonio de Souza Leão nasceu em 4 de novembro 1965. Formado em jornalismo, tem poemas publicados no "O Correio das Artes", revista Babel e fez parte da I Mostra de Poesia Carioca. É autor de vários livros em formato pdf (e-book/Virtualbooks). Finalista do Prêmio Uapê/2001. Consta da antologia Na virada do século – Poesia de invenção no Brasil. Tem resenhas e reportagens publicadas em O Globo e Rascunho (Paraná).

Graduado em jornalismo no ano de 1988, Rodrigo só pôde exercer plenamente a função de repórter dez anos depois de formado. Um acidente de carro tirou-lhe momentaneamente do trilho jornalístico. Durante o período de recuperação solidificou a sua formação na área de humanas. Foi colocando os vagões em ordem e escrevendo seu romance Carbono Pautado, revisado pelo escritor Luiz Antonio Aguiar.

Mas antes do acidente, nos anos oitenta é que começa a surgir espaço para a arte na vida do jovem. É na efervescência cultural daquela época, em meio a aurora do rock Brasil, que começa escrevendo letras para o grupo punk Eutanásia. Não demora muito e forma com João Athaide, o grupo PátriArmada - próximo ao estilo new wave e ao pós-punk. Participa da cena carioca. Faz apresentações nas danceterias Metrópoles, Circo Voador, Let it Be, Made in Brazil.

Participa como vocalista e letrista de outras bandas como Morganas, Ensaio a 4.Assina seu primeiro direito autoral em 1988. A música se chama Esquina do Pecado e tinha a co-autoria de André Trigueiro e Billy Brandão, na ocasião, bateristas e guitarristas da banda homônima ao título da canção.

.Estuda canto lírico no conservatório Villa Lobos, com o tenor Paulo Barcelos, a quem deve a sua formação musical. Estuda e aprende a gostar da música erudita também.Começa a trabalhar na SASSE A Seguradora da Caixa. Trabalha na Assessoria de Imprensa e no setor de Marketing.Concilia estudo/trabalho/música. É convidado a participar da equipe do programa Informe Imobiliário,na TV Corcovado, canal 9, Rio de Janeiro.
Assume as funções de editor e repórter.

Em 1989 sofre o acidente de carro, assunto que ainda retine no interior do jornalista e vibra de forma estranha dentro do poeta. Tanto que detesta falar sobre o passado.

A recuperação é lenta. Há pouca melhora até 1994 quando volta a escrever. Ressurge das cinzas. Fênix? Nasce do zero. Ele ainda é o "garoto" que começou a escrever em O Preto no Branco, jornaleco do colégio Brasil América, que fazia oposição ao presidente do grêmio e não menos amigo Marcelo Paixão.Conclui (em 1995) Carbono Pautado. No mesmo ano compra um computador e ingressa na internet, ocasião em que estava surgindo o Poesia Diária, de Cláudio Alex. Trabalham juntos.

Cria o CAOX, sítio cibernético e o Boletim do Caox, um e-zine dedicado a veiculação de poesia na web.Em 1996 nasce o Balacobaco, entrevista.Soares Feitosa disponibiliza no Jornal de Poesia as entrevistas de Rodrigo de Souza Leão. No mesmo ano tem poemas publicados no O Correio das Artes - o suplemento cultural mais antigo do Brasil.

Em 1997 participa e ganha um concurso no programa Esporte Real.Seu soneto é lido por Armando Nogueira na TV. Ainda no ano em questão, Affonso Romano de Sant'Anna faz uma crônica, publicada no jornal O Globo, sobre o poema Palmas, onde Rodrigo mostra a indignação diante da realidade brasileira.
Em 1998 é classificado e participa da I Mostra de Poesia Carioca. Publica o livro de poemas Retalhos.

Tem seu trabalho reconhecido em colunas como a do Gravatá e na Revista da Internet.Cria o LERo e o Professor Poesia. Ambos destinados à divulgação de poetas da internet.É o repórter do Conversa aos Domingos. Desdobramento do seu trabalho no PD, agora junto com Asta Vozondas.Rompendo o século, Rodrigo participa da criação da Revista Agulha.
Edita quatro números junto com Cláudio Willer e Floriano Martins.

Em pleno ano 2000, suas atividades atuais são ligadas ao seu sítio Caox, onde podemos encontrar poemas em mp3, ensaios e entrevistas com grandes nomes da literatura brasileira. Continua como compositor.Trabalha no Jornal Rascunho, do Paraná, até abril,como entrevistador.É convidado por Nara Gil para trabalhar no site do Gilberto Gil.

Recebe a menção honrosa classificando-se entre centenas de poetas no prêmio UAPÊ, divulgado pela REVISTA CULT. È publicado na Revista da Uapê.Tem 12 e-books de poesia na VIRTUALBOOKS.

É convidado para antologia poética do site poetry.com.Publica em papel Há Flores na Pele, Editora TREMA.

Suas entrevistas estão pelos diversos sites de poetas que entrevistou, cantores e artistas em geral.

Trabalhou no Balacobaco onde recebe auxílio luxuoso da webdsigner Andréa Augusto.
Conta da antologia Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil, organizada por Frederico Barbosa e Claudio Daniel.

Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 02 de julho de 2009, de ataque cardíaco, aos 43 anos de idade.

Sobre o seu trabalho poético, Frederico Barbosa se manifesta: “(...) Em tempos de poesia rala, descritiva e intelectualóide, a poesia de Rodrigo de Souza Leão é um antídoto perfeito. Linguagem densa e enxuta a serviço da emoção mais crua. Impossível ler sem sentir um soco no estômago. Impossível não se impressionar. E Rodrigo convoca Rimbaud, Baudelaire, Drummond, todos relidos à luz de nossos dias, todos fazendo sentido. Não estão lá apenas para ostentar conhecimento: significam! O livro se fecha com o seu "resumo" : pulei / de uma janela / deitada // andei / na nata iceberg / do leite // caí / de pára-queda / no nada // subi / cavando / com enxada". Em resumo, é preciso que se conheça a poesia de Rodrigo de Souza Leão. Poesia rara que se faz sentir e que sobe, "cavando / com enxada" dentro do leitor”.

Já Antonio Carlos Secchin assim se expressou diante da poesia de Rodrigo Souza Leão: “é necessário distinguir a necessidade intrínseca de expressão (que pode demandar variadas formas) do virtuosismo verbal; no seu caso, a meu ver, convivem ambas as vertentes. Metáforas originais, arraigadamente pessoais (o melhor de sua poesia), ao lado de certas facilidades retóricas, como por exemplo o fluxo próximo ao surrealismo e a insistência escatológica,”

Produção Literária :

Em papel:

Retalhos (Ed. PD) e Há Flores na Pele (Ed. Trema e Ed.Manufatura).

Formato e-book:

XXV Tábuas
No Litoral do Tempo
Síndrome
Impressões sob Pressão Alta
Na visícula do Rock
Miragens Póstumas
Meu primeiro Livro que é o Segundo
Uma temporada nas Têmportas
O Bem e o Mal Divinos
Suorpicios Mind
Omar

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A paz amanhahoje
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Romances finalizados:

Memórias de um Auxiliar de Escritório (Carbono Pautado) TEXAS

Fontes:
Luiz Alberto Machado
Virtual Books

Rodrigo de Souza Leão (O Escritor em Xeque)



Com um texto atraente e incômodo, Rodrigo de Souza Leão afirma sua condição: poeta. Sua prosa está contaminada de poesia.

No livro Todos os cachorros são azuis, o autor narra, através de uma experiência autobiográfica, a trajetória de um homem internado no hospício. E destaca três momentos da vida do personagem – infância, adolescência e fase adulta – para costurar uma narrativa marcada pela fragmentação do ser humano, característica que dialoga com a produção de alguns autores contemporâneos.

Não leia o livro à espera de linearidade, pois é justamente a ausência dela que prende o leitor. A escrita de Rodrigo torna-se mais valorosa quando lembramos que trata-se de uma autor esquizofrênico – como ele gosta de deixar claro. O escritor tem a generosidade de mergulhar no seu rico inconsciente e nos apresentar personagens que não conseguimos enxergar em nosso cotidiano.

Personagens delirantes apresentam momentos de lucidez. Rodrigo durante a entrevista concedida em sua casa, na Lagoa, apresentou o avesso de sua criação: lúcido com emocionantes instantes de delírio.

Ler esta entrevista e os livros do autor é abrir uma janela a inúmeros estados de consciência, mergulhar no desconhecido, enxergar através de uma lente azul – como propõe o narrador. Desejo que Rodrigo Souza Leão tenha sempre facilidade para publicar seus escritos; os leitores agradecem.

Por que o título do seu livro é Todos os cachorros são azuis?

Rodrigo Souza Leão – Na minha primeira infância eu tive um cachorro de pelúcia azul. Depois esse cachorro sumiu e nunca mais eu vi. É forte lembrança desse tempo. Como o livro fala de três fases da minha vida, resolvi fazer o link com minha infância. Mas nenhum cachorro é azul, é bom deixar claro. Só os cachorros de pelúcia são azuis.

Você tem alguma cor predileta?

Rodrigo – Eu gosto de azul e preto.

Você escreve prosa e poesia. Como surgiu seu interesse pela Literatura?

Rodrigo – É uma história longa. Você tem tempo?

Sim, pode falar.

Rodrigo – Eu comecei escrevendo poesia. A Suzana Vargas foi minha professora na Estação das Letras. No meu primeiro dia de aula, ela pediu que os alunos escrevessem um texto para ser comentado. Mas meu texto não foi escolhido para ser lido. Fiquei muito triste. O texto era assim:

a bomba é a solução / pra essa situação / pra crise geral / pro imposto territorial

Fala dos problemas políticos do país. Depois virou um hino punk através do grupo Eutanásia, onde meu irmão tocava bateria. Meu irmão me roubou essa parte da letra e colocou na música dele. Eu nunca quis ser escritor, meu plano era ser vocalista. Na década de 80, tive uma banda chamada Pátria Armada. Fizemos show no Circo Voador, na Metrópolis, no Made in Brazil – casas de shows da época. Minha meta de vida era ser músico.

Você toca algum instrumento?

Rodrigo – Eu toco um pouco de violão, mas só para compor. Minha voz fica boa impostada, perdi muito poder vocal por causa dos remédios que eu tomo.

Porque você toma os remédios?

Rodrigo – Para controlar o meu distúrbio delirante, minha esquizofrenia. Aos 23 anos tive um sério problema, identificaram a esquizofrenia. Hoje em dia usam muitos eufemismos para essa doença.

A Dra. Nise da Silveira batizou a esquizofrenia de ‘inúmeros estados do ser’...

Rodrigo – Nise da Silveira é maravilhosa, uma mãe. Mas voltando aos 23 anos: Tive um problema sério quando trabalhava na assessoria de imprensa da seguradora da Caixa Econômica. Foi uma crise de estresse muito elevado. Eu já era esquizofrênico, mas nunca havia manifestado a doença. Aos 15 anos, eu achei que tinha engolido um grilo – esse episódio está no meu livro. Aos 23 anos, no dia 03 de setembro de 1989, eu fui internado pela primeira vez, se não me falha a memória. Fui internado numa clínica, que não vou dizer o nome para não ser processado. Me colocaram camisa de força, me jogaram num cubículo e me deram um ‘sossega leão’. Mas o hospício em si não é a pior coisa do mundo. Porque, geralmente, não se sabe lidar com a loucura. Para família é muito complicado, ela se ver impelida a internar. O louco quebra a casa toda, faz um monte de merda, como aconteceu comigo na segunda internação. E pra onde você vai mandar esse cara? Eu sou a favor da luta antimanicomial. Acho que manicômio não resolve o problema de ninguém, só piora. Aqui está meu irmão, que é bipolar de humor, para comprovar. Na minha casa há histórico familiar de problemas mentais. Ele teve duas internações, na segunda vez ele ficou totalmente fora de si.

Se pudesse caracterizar o estado mental em que se encontra, o que diria?

Rodrigo – Eu falaria que eu sou esquizofrênico. Isso quer dizer que sou uma pessoa que necessita de certos cuidados: preciso tomar remédios específicos, viver uma vida diferente das outras pessoas e conseguir viver dentro das minhas ‘nóias’. Tenho que saber que a minha paranóia é paranóia e aprender a conviver com ela. A palavra-chave é convivência. É a convivência com a diferença. O meu ser é diferente dos outros. O esquizofrênico tem que ter uma sensibilidade para entender que é diferente. E sobre os eufemismos, isso é besteira. Falam “clínica” ao invés de “hospício”.

Não é difícil falar e escrever sobre doença?

Rodrigo – Hoje em dia é tranqüilo. Mas teve um tempo em que eu nem tocava no assunto. Até começar a minha relação com a internet eu não falava da doença. Escrevo mais poesia do que prosa. O meu primeiro livro chama-se Há Flores na Pele, só há um poema que fala de loucura. Eu falo da doença porque nunca gostei de psicólogos. Psicologia não resolve nada. Você fica batendo papo, conversando e nada. Fiz análise dos 12 aos 18 anos e não resolveu nada. Eu já tomei eletrochoque, mas com sedação. E esse eletrochoque é muito bom porque melhora muito o doente. Sério! Não é aquele eletrochoque tenebroso que era aplicado no tempo da Dra. Nise. Aquilo era um absurdo. Quem tirou o meu irmão da fase ‘abobalhado’, durante a crise psicótica, foi esse eletrochoque.

A arte tem um papel importante na sua vida. Certo?

Rodrigo – Justamente. Eu comecei a pintar há pouco. Mas escrever é uma coisa que vem. Eu só comecei a falar após a minha segunda internação. Fui internado duas vezes em 1989 e 2001, acho. Sou péssimo com datas e números, não sei nem meu telefone decorado. Essa segunda internação foi difícil, traumática, mas foi muito boa pra mim. Eu conheci lá dentro um cara chamado Gilberto Sabá, que foi guitarrista do Serguei, e gente tocava o terror. Ele que fez aquela música: ‘Toca um, toca dois, toca três. Toca, toca, toca rock and roll...’ A gente arrumava um violão e tocava para maluco dançar. (RISOS) Eu e ele éramos as pessoas mais lúcidas. Essa clínica onde fiquei era muito bonita, cheia de flores e árvores. Costumo dizer que hospícios são lugares tão bonitos que lembram cemitério. Eu ficava muito tempo fora do quarto vendo a paisagem, vendo a copa das árvores e escrevendo algumas coisas.

Sua prosa me lembra a poesia da Stella do Patrocínio. Conhece?

Rodrigo – Sim. Uma louca, lançaram um livro pela editora Azougue. Isso acontece porque a loucura é igual para todos. O bipolar de humor tem momentos de euforia e depressão, com momentos tristes e maravilhosos. Se o bipolar tomar remedinhos, como Lithium e Haldol, ele consegue se curar em longo prazo. A cura não é imediata porque precisa da conscientização da doença. A pessoa que tem distúrbio delirante acha que está sendo perseguida por agentes e policiais. Você acha mesmo que está sendo perseguido! Eu nunca tive visões. Ou melhor, tive visões quando fiquei uns cinco meses sem comer em casa porque achava que estava sendo envenenado pela minha família. Eu só comprava comida fora, fiquei muito tempo sem dormir.

(BRUNO, IRMÃO DE RODRIGO, SE APROXIMA E COMEÇA A PARTICIPAR DA ENTREVISTA)

Você tem uma lucidez muito forte em relação a isso.

Rodrigo – Não sei se é lucidez ou excesso de sofrimento. Eu sofri muito com minha doença, só eu sei o quanto eu sofri. Meu irmão também sabe.

Bruno – Sou assessor dele.

Rodrigo – Ele é meu assessor para assuntos estratégicos. (PAUSA) O sofrimento fez com que eu tivesse um insight. Mas minha vida tem muitas limitações, por exemplo, não saio de casa, sou recluso. Tenho medo de ser perseguido por agentes. É uma coisa absurda. Você está vendo um cara lúcido dizer que tem medo de ser perseguido por agentes. Mas essa é a minha doença. O que eu posso fazer?

Bruno – Quando arranja uma namorada ele sai. Pra ir ao motel...

Rodrigo – Só saio um pouco quando arranjo uma namorada.

Você namora muito?

Rodrigo – Namorei muito até os 23 anos. Eu era muito bonito, mas não sou mais por causa dos remédios. E não vejo no relacionamento a solução para os meus problemas. Se eu quiser ficar com uma garota, ela vai ter de se adequar muito a mim. Porque o problemático da relação sou eu. É difícil conciliar uma relação com alguém que não pode sair. Gosto de ficar na minha casa vendo filme e jogos de futebol. Sou 'flamenguista doente'. Hoje em dia as pessoas só querem ir para festas e barzinhos. Eu não posso beber porque tomo remédio tarja-preta, tomo Haldol.

Bruno – Mas faz sexo...

Rodrigo – Mas isso não tem contra-indicação. Eu já tomei muitos remédios. Mas me dei bem com esse remédio, embora dê tremor, mão fria e salivação.

Você é formado em Jornalismo.

Rodrigo – Sim. Me formei em Jornalismo pela Faculdade da Cidade (atual UniverCidade). Eu não consegui me formar por uma faculdade federal, mas tive bons professores: Fernando Muniz, Lúcia Padilha, Ítalo Moriconi... Tive uma formação muito interessante. Meu lance nunca foi jornalismo, eu queria ser locutor de rádio. Ouvi muito a Rádio Cidade e a Rádio Fluminense com Maurício Valladares. Mas o que restou na minha vida foi escrever. O que sobrou? Escrever. Eu já fazia letra de música, depois passei a escrever poemas. Acredito que algumas letras de música são poemas.

Há letristas que são poetas.

Rodrigo – Sim. Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Gilberto Gil e Chico Buarque são maravilhosos.

Você sempre gostou de ler?

Rodrigo – Não. A leitura foi um hábito que adquiri após minha primeira internação. Eu fiquei muito tempo em casa e devorei Proust e James Joyce. Li muito o Rubem Fonseca, gosto muito dele.

Você tem um livro de poesia chamado Carbono Pautado – memórias de uma auxiliar de escritório.

Rodrigo – Sim. Mas esse livro só foi importante para que eu pudesse ver como foi a minha vida.

Sua escrita é muito fragmentada, uma característica muito presente no texto dos autores contemporâneos...

Rodrigo – Nós vivemos em tempos esquizofrênicos. Muita gente tem depressão ou síndrome do pânico. É uma sociedade que está doente porque dá valor ao que não se deve: o dinheiro. O ser humano viveria muito mais se parasse com essa babaquice de querer dominar o outro.

No seu livro, Rimbaud e Baudelaire são influências?

Rodrigo – Mais Rimbaud do que o Baudelaire. Li a obra completa do Rimbaud, que é bem curta. Gosto muito da "Canção da Torre Mais Alta":

Juventude preza / A tudo oprimida / Por delicadeza /Perdi minha vida.

Acho essa poesia sensacional! O Rimbaud é muito presente na minha vida. Eu tive muitos livros. Mas teve uma época em que eu achei que ia morrer, então fiz uma grande liquidação de livros. Peguei todos os meus livros, separei, dei os que eu queria dar e vendi todo o resto. Dei um disco incrível do Roberto Carlos, Nas Curvas da Estrada de Santos, para um cara que estava num sebo.

Bruno – Meus discos do Iron Maiden foram juntos...

Rodrigo – É, os discos do meu irmão, que gosta de heavy metal. Eu só fiz essa grande liquidação porque eu achava que fosse morrer. Mas eu sobrevivi. A minha condição de vida é a seguinte: vivo o presente. Como estou vivo, faço um melhor dia pra mim. Eu não faço projeto a longo prazo. No edital da Petrobras eu deixei claro que o meu livro estava quase todo pronto e eles aceitaram assim mesmo. Mas o meu livro foi rejeitado pela Casa do Psicólogo. Eu pensei: Nem os psicólogos estão do meu lado? Logo na Casa do Psicólogo? Num lugar em que eu deveria ser tratado a pão de ló.

Mas você conseguiu aprovação na Petrobras.

Rodrigo – Esse projeto foi muito importante. Eu não tinha dinheiro para bancar meu livro. Apesar de viver nesse apartamento na Lagoa e parecer rico, não tenho muita grana. O dinheiro vai para serviços, remédios e outras despesas. Fui aposentado por invalidez aos 23 anos, não recebo muito. Eu consegui publicar graças à Petrobras e à 7 Letras. Mas no início a Petrobras não acreditou muito, mandaram duas psicólogas para me avaliarem. Elas diziam: ‘Ele tem problemas cognitivos, problemas X, problemas Y’. Foi ótimo porque depois dessa avaliação “não preciso” ter mais problemas.

Você é otimista em relação a sua carreira de escritor?

Rodrigo – Não. Mas acho que fiz um livro bom, intenso e mágico. Estou escrevendo outro livro: Tripolar, um livro de mais confronto com a linguagem. São três novelas que não se comunicam. Tenho uma postura positiva, mas não sou ufanista em relação a vida. Não acho que vou viver de literatura. Mas acredito no que eu faço. Vou ganhar prêmio? Isso é imponderável.

Bruno – Vai ganhar o Jabuti.

Rodrigo – Não vou ganhar.

O que é mais importante na sua vida?

Rodrigo – O mais importante, no momento, é eu não saber o que é a coisa mais importante na minha vida. É saber colocar importâncias variadas. É importante que eu continue estável e consiga viver o máximo de tempo possível.

Você quer viver muito?

Rodrigo – Não. Eu espero viver pouco. Se eu conseguir viver até 50 anos ficarei contente. Porque viver muito é para quem não tem problemas. Quando a pessoa tem muito problema é até melhor morrer cedo porque se livra um pouco dos traumas e angústias. Sou uma pessoa muito traumatizada. Mas feliz! Eu sou feliz. Posso dizer que sou muito feliz, mais feliz que a grande maioria das pessoas. Eu sou feliz. Eu não estou realizado porque ainda estou no meu primeiro livro. Estou na batalha para publicar um livro há muito tempo, desde os 27 anos.

Você acredita em Deus?

Rodrigo – Por muito tempo eu li Nietzsche: Assim falou Zaratustra. Li todos os livros de Nietzsche quando eu tinha vinte e poucos anos, eu adorava filosofia. Então a minha relação com a religião é mais calma. Eu rezo três orações antes de dormir, minha avó que ensinou: Oração a São Miguel de Arcanjo, Pai Nosso e Oração a Nossa Senhora da Cabeça.

Salve Imaculada, Rainha da Glória, Virgem Santíssima da Cabeça, em cujo admirável título fundam-se nossas esperanças, por sedes...

Agora está me faltando, não estou conseguindo lembrar.

Sem problemas.

Bruno – E ele vê a Igreja Universal do Reino de Deus, todos os dias comigo no quarto.

Rodrigo – Só vejo porque ele vê. Isso não tem nada a ver. Não vejo Igreja Universal.

O que é a morte?

Rodrigo – Eu torço para que exista algo além. Gostaria de ver o que as pessoas acham de mim quando eu estivesse morto. Sabe? A reação das pessoas. Para saber se meu melhor amigo iria chorar, se alguma namorada ia lembrar de mim, se meu livro ia vender depois de morto... Por que depois que morre todo escritor vende.

O que é loucura?

Rodrigo – Isso é engraçado. Porque quando se é um louco folclórico, cheio de indumentária e adereços – tipo Bispo do Rosário, Plínio Marcos, Gentileza –, aí ele é bem-vindo. Eu quero acabar com esse folclore porque eu me visto como uma pessoa normal. Não tem como definir loucura. Loucura é uma coisa perigosa de ser definida, por isso as pessoas falam tão pouco. As pessoas têm uma idéia mitificada da loucura, o Michel Foucault falava disso. Definir loucura é não saber como se está no mundo. Não posso crer que só existam loucos como eu, que têm noção do que é a doença. Têm loucos como o Bruno, que são menos capacitados a isso. E também têm os agressivos. Acho que os hospícios não deveriam misturar os loucos. Assim as clínicas se tornam um depósito de gente. Os oligofrênicos deveriam estar separados dos outros loucos. Eu não vou ser mais internado, eu acho. Vou ser internado só no cemitério do Caju. (RISOS).

O que é a vida?

Rodrigo – A vida é excepcional. É o lugar onde tentamos construir sonhos. Vida é algo que foi dado e só você pode tirar, se você se suicidar. Ou Deus, que também pode tirar. Mas nem sei se Deus existe. Eu sou meio revoltado com Deus. Por que eu fui nascer esquizofrênico? Por que eu não nasci mais alto como o fotógrafo (Tomás Rangel). Eu nasci com 1,70. Eu queria 1.85. (RISOS) Ramon também faz parte da família dos ‘gnomídios’. Você deve se achar um anão. (RISOS).

Por que escrever?

Rodrigo – Escrever foi o que me sobrou. De tudo que tive, foi o que me restou a fazer.

A escrita trouxe vida?

Rodrigo – A leitura me trouxe vida. Eu lia o Proust, anotava umas palavras num papelzinho e no final do dia fazia um poema. Saía uma coisa sem pé nem cabeça. Na prosa eu trabalho o psicológico dos personagens.
O que você diria para um jovem que deseja ser escritor?

Rodrigo – Primeiro: Viva ao máximo! O que importa são os momentos. Se o livro for rejeitado, não desista! Se você gosta de escrever, então escreva para você mesmo. Eu só fui publicado quando escrevi para mim mesmo.

Fonte:
Entrevista concedida a Ramon Mello no Portal Literal

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Trova XXXIV

Trova sobre Caricatura de Maurízio de Reda

X Concurso Depoesia (Finalíssima nesse Domingo)


Estimular e divulgar a produção poética de Sorocaba e das cidades da Região, esse é o objetivo do X Depoesia promovido pelo Instituto Darcy Ribeiro. O concurso é dirigido a pessoas acima de 15 anos.

O Concurso Depoesia é promovido pelo Instituto desde o ano 2000 e já reuniu, nesse período, mais de 350 poesias. Nesses 10 anos de existência, o Instituto publicou vários livros e CDs do Concurso Depoesia.

Serão conhecidas nesse domingo as três poesias vencedoras do 10º Concurso Depoesia, promovido pelo Instituto Darcy Ribeiro. O Concurso recebeu inscrições de 55 poetas de Sorocaba, Pilar do Sul, São Roque, Iperó, Votorantim, Itu e Itararé, classificando 31 poemas para a etapa final através de duas eliminatórias.

O consagrado ator sorocabano Ademir Feliziani, conhecido do grande público por inesquecíveis atuações em peças como “Até o Próximo Adeus”, “A Gaivota”, “Macbeth”, “Ponto de Partida”, “À Flor da Pele”, entre outras, vem interpretando com maestria os poemas inscritos.

Para escolher as melhores poesias do concurso foram convidados o jornalista e dramaturgo Gai Sang, responsável por textos como “Os Maus se Perfumam com Gasolina”, “Anjos e Cowboys”, O Castelo do Bispo”, entre outros; Cida Muniz jornalista e atriz de peças como “O Baile”, “Ritos do Amor e do Esquecimento”, “A Fúria”, entre outas; e Maurício Toco, professor e músico, integrante do grupo Mad Dog Blues.

Após a premiação será realizada a cerimônia de entrega do troféu Darcy Ribeiro ao ator Ademir Feliziani por sua contribuição ao teatro sorocabano. O prêmio foi instituído pelo presidente do Instituto, professor Armando Oliveira Lima e visa homenagear pessoas ligadas a cultura.

A final do Concurso Depoesia ocorre nesse domingo, dia 05 de julho, às 19 horas, no Arara Aurora Bar (rua Pandiá Calógeras, 443 - próximo a Rodoviária).

Fontes:
Douglas Lara
Portal Sorocabano

Roberto Gomes (1882 – 1922)


O que mais impressiona na literatura dramática brasileira é quando nos deparamos com aqueles autores singulares, praticamente desconhecidos e que ficam com parte significativa da obra teatral inédita, e que, por vezes, por mais que os estudiosos ou 'testemunhas dramatúrgicas' lhes propaguem as qualidades literárias e teatrais, os textos não saem das gavetas e prateleiras, ou seja lá onde se amontoem a literatura dramática do Brasil.

Assim também se dá com Roberto Gomes, nome tão simples mas de dramaturgia tão complexa e que não pode ser dividida. Autor que se deixou viver muito pouco, se suicidou aos 40 anos, e de obra não tão grande, porém não menos expressiva, queda-se no esquecimento, considerando ainda que à época de vida do autor o teatro brasileiro passava uma daquelas suas fases de crise, ou seja, tudo se fazia no palco menos teatro. Estamos entre 1897 a 1922, período ativo de dramaturgia para Roberto Gomes.

Autor de um refinamento de cultura e expressão muito agudos, adquirido nos estudos ora no Brasil ora na França, podemos dizer que é o autor certo para a hora errada. A consistência dos diálogos e de temas fez de Roberto Gomes um exemplar único da sua época e de sua geração, talvez único na dramaturgia brasileira.

A semana de arte moderna ficou manca de teatro e talvez isso tenha afetado o autor profundamente, pois que já esquecido em vida e com sérios problema de depressão, pôs fim a sua vida às 22:30 do dia 31 de dezembro de 1922. Não seria o único injustiçado das artes brasileiras e, especificamente, injustiçado pela semana de arte moderna. Considerando os temas de suas peças em comparativo com o teatro brasileiro de então e a busca pela qualidade dramatúrgica, há que se ter um desconto pelo seu excesso romântico e poético nos textos, mas que com elencos de primeira linha seriam não só obstáculos vencidos como seriam um laurel para as montagens.

O estilo de Roberto Gomes não é de vanguarda, dando um valor superior à palavra, mas sem esquecer a 'vida' do palco. Trata o autor de colocar pequenos discursos com idéias e ideais nas personagens, mas é de se ressaltar que estes pequenos discursos não afetam o andamento das peças, nem seus ritmos. Ainda que o ritmo da dramaturgia de Roberto Gomes seja mais lento do que a vida, digamos assim. O autor coloca uma série de convenções próprias, que vão se revelando minuciosamente e com uma inteligência de palco incrível ao longo do próprio enredo de suas peças.

O tema fundamental do autor é o tempo e a impossibilidade, do amor, da felicidade... ou seja, seus temas estão muito ligados a dramaturgia francesa de sua época, da qual era um confesso admirador, como de Henri Bataille, por exemplo, e nas letras em geral como Marcel Proust.

Há que ser entendido que Roberto Gomes era filho de um banqueiro com uma dama da sociedade parisiense, foi educado nas primeiras letras escolares em Paris, e lá uma vez mais foi onde começou a se impregnar de teatro, seja atuando ou tentando começar a escrever suas peças, ou ainda tocando sua música. Roberto era um exímio pianista, havendo estudado em Paris, onde se bebia os compositores simbolistas, modernos e de toda a sorte de pianos deprimidos, o que certamente teve profunda influência em sua dramaturgia. O autor, embora nascido no Rio de Janeiro em 12 de janeiro de 1882, começa a escrever suas peças em francês, e depois as traduz quando retorna definitivamente ao Brasil em 1897. Porém, é de registrar que isto não prejudica a dramaturgia de Roberto Gomes, nem mesmo os temas abordados pelo autor. Temos que fazer duas considerações nesse assunto, para que não seja mal interpretado nosso autor em tela. Roberto Gomes escreveu em francês quando residia na França, peças estas que tinham um elevamento de tema, sem colocações sociais precisas (até porque ainda não existia propriamente o teatro social, este se conforma como uma existência em si a partir de 1920 com Erwin Piscator, na Alemanha), restringindo as dores dos personagens ao ambiente burguês, que predominava em Paris, e no Rio de Janeiro também, e em qualquer lugar de cultura ocidental onde houvesse burguesia europeizada. Assim as peças poderiam até estar em servo-croata e não perderiam sua validade intrínseca. A outra consideração, é que o Rio de Janeiro da época do autor era de tal forma parisiense que em nada se perdem os textos. O Rio era uma cidade então capital do país, mas que propriamente não fazia parte deste país. Havia um banqueiro que mandava suas camisas serem lavadas na França por causa das águas do Rio Sena, para se ver a que ponto chegava a burguesia carioca de então, na tentativa de reproduzir a vida de Paris!

Os textos de Roberto Gomes que seguem a sua moradia no Brasil, já com ambientações em salões de Petrópolis e outros elitismos, fixam exatamente este exagero de tentativa da reprodução de Paris nos trópicos, sem entretanto serem críticos em relação a isso. Eles ambientam os salões da burguesia carioca e fluminense com busca de identificação, inclusive, do próprio autor que freqüentava estes salões.

Roberto Gomes escreve em prosa, mas com ritmo de poesia. Seus textos contam sempre com acabamentos literários perfeitos, e ainda teatralmente bem compostos. Única no gênero da literatura teatral brasileira, a obra de Roberto Gomes ainda está por ser verdadeiramente descoberta pelos homens de palco do Brasil.

Vale conferir a publicação de suas obras completas pela FUNARTE/IBAC, ou seja lá que nome tiver atualmente o órgão cultural do governo; atentos, sobretudo, às peças A Casa Fechada e Ao cair da tarde.
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Abaixo veja a peça teatral A Casa Fechada, na íntegra
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Fonte:
Marcos André Tavares , no artigo Roberto Gomes, um raro simbolista para O Cisco Tonitruante