quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Lucita Briza (Ada: mulher, pioneira, aviadora)


Mulher pilotando avião e saltando de paraquedas em plena década de 30? Pois foi isso que fez Ada Rogato naqueles tempos em que a aviação engatinhava, ainda mais no Brasil… Essa moça destemida, nascida em São Paulo, no dia 22 de dezembro de 1910, tornou-se 24 anos depois, a primeira mulher brasileira a obter brevê de piloto de planador e de paraquedista e a terceira a obter o brevê de aviador no país.

A mulher é a rainha, mas o homem, profissionalmente, é mais capaz. Era o que Lucita Briza ouvia seu pai dizer em jantares em casa, quando se discutia o papel da mulher na sociedade. "E minha mãe respondia: mas a Ada é melhor que a maioria dos pilotos."

Lucita se fez jornalista, construindo sua carreira em suplementos femininos e em política internacional, em veículos como Jornal da Tarde, O Estado de S.Paulo, Agência Estado e em produtos da Editora Abril. Mas não poderia imaginar que, tantos anos após ouvir a defesa de sua mãe - que também se chamava Ada - às mulheres, investigaria a fundo a vida da aviadora Ada Rogato, que morreu em 1986, aos 76 anos.

"Ada - Mulher, Pioneira, Aviadora" lançado no dia 30 de abril, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos, pela C&R Editorial. Ada não foi a primeira a obter um brevê, que conquistou em 1936, mas foi a primeira a pilotar um planador na América Latina. Na década de 50, foi o primeiro piloto (homem ou mulher) brasileiro a sobrevoar os Andes com um avião de baixa potência (65 cavalos), fez a primeira experiência de pulverização de lavoura de café usando um avião, foi a primeira paraquedista mulher e a pioneira ao voar, sozinha, mais de 51 mil km pelas três Américas, até o Alasca. Detalhe: sem rádio, com um avião de 90 cavalos, seu segundo aparelho, hoje doado à Aeronáutica. Em abril, a viagem pelas três Américas comemora seu cinquentenário.

Quando Lucita fortaleceu a ideia de escrever um livro, começou a pensar num tema e se lembrou de ambas as Adas, a mãe e a aviadora. Começou a pesquisar na web e se assustou ao perceber que as informações sobre essa extraordinária figura eram desencontradas. "Como que uma mulher, que morre assim, na ativa - na época ela era presidente da Fundação Santos Dumont, responsável por orientar e encaminhar aviação civil, não administrativamente, mas como entidade - e ninguém mais fala nada? Não havia informações consistentes sobre essa história."

O trabalho de reportagem começou em 2005, com grande esforço para encontrar pessoas ligadas à aviadora, que nunca se casou, não teve filhos e rompera os laços familiares quando jovem. Seu pai, Guglielmo Rogato, imigrante italiano que se fez homem importante em Alagoas e tem até duas ruas com seu nome, quis impedir a carreira da moça. Fora as fontes oficiais de informação, a jornalista só conseguiu se aproximar mais da vida da aviadora ao encontrar Neide Bibiano, em São Paulo. Amiga de Ada, amparando-a até a morte, foi ela que saiu em busca dos parentes da aviadora antes que ela morresse, de câncer no útero. "O contato com a Neide fez com que as coisas começassem a tomar vulto na minha cabeça. Essa mulher foi meu guia para conseguir mais informações."

Lucita também viajou para o Uruguai, Argentina e Chile para entrevistar pessoas que tiveram contato com a aviadora em suas viagens. "Depois da morte dela, esse esquecimento brutal. E eu não me conformava. Ela tinha muitas boas relações, com homens e mulheres, menos com a Anésia", lembra, citando Anésia Pinheiro Machado, a segunda mulher que conseguira um brevê. A primeira foi Thereza de Marzo, em 1922. "Eu sempre quis escrever um livro sobre uma mulher a frente do seu tempo." Lucita corrigiu essa lacuna, num livro de 300 páginas.

Fontes:
Roger Marzochi 18 de março de 2011. Disponível em http://noticias.limao.com.br/entretenimento/ent214849.shtm
CÁPUA, Cláudio de (editor). Revista Santos: arte e cultura. ano V, vol. 27 – maio de 2011.

Edna Gallo (O Recado)


O expediente terminara. Os funcionários já haviam ido embora e João estava sozinho na sua empresa. Dirigiu-se à escrivaninha, apanhou uma pasta e começou a examinar alguns papéis importantes, referentes à parte que teria de pagar à esposa de seu sócio Felipe, falecido recentemente.

Maquinava uma maneira de trapacear com o dinheiro da viúva. Ela era completamente alheia aos negócios do marido. Sempre vivera para o lar, atenta as tarefas de dona de casa. Mulher simples, confiava totalmente na honestidade desse homem que fora companheiro de trabalho de seu esposo e, posteriormente, sócio nesse bem sucedido empreendimento.

Com a morte de Felipe, João ficara só na administração da firma e, sentindo-se senhor da situação pensou logo em ficar com tudo, propondo então à viúva a compra da parte dela. Sem ter condições ou prática para gerir os negócios e ainda com filhos adolescentes para educar, ela concordou com a venda. Empregaria o dinheiro na compra de imóveis e viveria da renda dos mesmos.

Já era tarde e ele permanecia ainda no escritório. Formado em contabilidade, ele estudava uma forma de pagar um valor bem menor que o real. Tinha que fazer tudo direito, usar a cabeça, de modo que ela jamais desconfiasse que a importância a receber era maior que aquela que ele ia lhe pagar. A viúva confiava nele a ponto de dispensar a assessoria de um bom advogado.

Começou a subtrair dados, escondeu documentos, e quando estava adulterando algumas somas ouviu um barulho no trinco da porta, como se alguém a estivesse abrindo...

De repente, sentiu um cheiro de perfume ao seu redor. Arrepiou-se todo. Aquela era a fragância que Felipe usava.

Largou tudo o que estava fazendo e saiu correndo com o coração descompassado.

Esperou passar alguns dias e voltou a fazer a contabilidade. Desta vez, porém, não ficou só. Aproveitou o horário de expediente e, cercado de pessoas à sua volta, na certa aquele fato estranho, talvez até fruto de sua imaginação, não aconteceria outra vez.

Sentou-se e começou a rever a papelada. A idéia de trapaça não fora afastada. As intenções eram as mesmas. De repente o barulho na porta e o perfume exala no ar.

Não era possível! Chamou a secretária. Ela entrou e foi logo dizendo: “Nossa, que sala perfumada.”João ficou ainda mais nervoso com o comentário. Então, não era impressão sua. Ela também sentira o perfume. Resolveu, então, ficar algum tempo sem tocar naquela documentação.

Um dia, resolveu levar os tais papéis para casa.

Quem sabe longe do ambiente de trabalho aquilo não voltasse a se manifestar, porém, mais uma vez escutou ruídos na porta, e sentiu aquele aroma tão seu conhecido. Chamou a esposa e contou-lhe o que estava acontecendo. Decidiu rasgar todas as anotações que fizera e jogou-as no lixo. Fez a contabilidade novamente. Não omitiu um centavo. As contas foram feitas com a maior honestidade.

A viúva recebeu a parte dela. Tudo o que lhe pertencia estava ali, tostão por tostão. João compreendera o recado.
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Sobre a autora
Edna Gallo é poetisa, trovadora, cronista e contista. Nasceu em Santos/SP - pertence ao grupo Encontro de Poetas e a União Brasileira de Trovadores (U.B.T) Seção Santos. Alguns de seus poemas foram musicados pela musicista Glorinha Veloso regente do coral " Vozes da Esperança
"Livros publicados: “Alvoradas e Crepúsculos” e “Brisa de Outono”

Fonte:
CÁPUA, Cláudio de (editor). Revista Santos – Arte e Cultura. ano IV. vol.21 - maio de 2010.

Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Decio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes (A Personagem de Ficção) Parte I


Literatura e Personagem Conceito de Literatura

Geralmente, quando nos referimos à literatura, pensamos no que tradicionalmente se costuma chamar “belas letras” ou “beletrística”. Trata-se, evidentemente, só de uma parcela da literatura. Na acepção lata, literatura é tudo o que aparece fixado por meio de letras — obras científicas, reportagens, notícias, textos de ‘propaganda, livros didáticos, receitas de cozinha etc. Dentro deste vasto campo das letras, as belas letras representam um setor restrito. Seu traço distintivo parece ser menos a beleza das letras do que seu caráter fictício ou imaginário. A delimitação do campo da beletrística pelo caráter ficcional ou imaginário tem a vantagem de basear-se em momentos de “lógica literária” que, na maioria dos casos, podem ser verificados com certo rigor, sem que seja necessário recorrer a valorizações estéticas. Contudo o critério do caráter ficcional ou imaginário não satifaz inteiramenente o propósito de delimitar o campo da literatura no sentido restrito. A literatura de cordel tem caráter ficcional, mas não se pode dizer o mesmo dos Sermões do Padre Vieira, nem dos escritos de Pascal, nem provavelmente dos diários de Gide ou Kafka. Será ficção o poema didático De rerum natura, de Lucrécio? No entanto, nenhum historiador da literatura hesitará em eliminar das suas obras os romances triviais de baixo entretenimento e em nelas acolher os escritos mencionados. Parece portanto impossível renunciar por inteiro a critérios de valorização, principalmente estética, que como tais não atingem objetividade científica embora se possa ao menos postular certo consenso universal.

A Estrutura da Obra Literária

A estrutura de um texto qualquer, ficcional ou não, de valor estético ou não, compõe-se de uma série de planos, dos quais o único real, sensivelmente dado, é o dos sinais tipográficos impressos no papel. Mas este plano, embora essencial à fixação da obra literária, não tem função específica na sua constituição, a não ser que se trate de um texto concretista. No nexo deste trabalho, este plano deve ser posto de lado, assim como todas as considerações sobre tendências literárias recentíssimas, cuja conceituação ainda se encontra em plena elaboração.

Como camadas já irreais por não terem autonomia ôntica, necessitando da atividade concretizadora e atualizadora do apreciador adequado — encontramos as seguintes: a dos fonemas e das configurações sonoras (orações), “percebidas” apenas pelo ouvinte interior, quando se lê o texto, mas diretamente dadas quando o texto é recitado; a das unidades significativas de vários graus, constituídas pelas orações; graças a estas unidades, são (projetadas através de determinadas operações lógicas, “contextos objectuais” (Sachverhalte), isto é, certas relações atribuídas aos objetos e suas qualidades (“a rosa é vermelha”; “da flor emana um perfume”; “a roda gira”). Estes contextos objectuais determinam as “objectualidades”, por exemplo, as teses de uma obra científica ou o mundo imaginário de um poema ou romance.

Mercê dos contextos objectuais, constitui-se um plano intermediário de certos “aspectos esquematizados” que, quando especialmente preparados, determinam concretizações especificas do leitor. Quando vemos uma bola de bilhar deslizando sobre o pano verde, “vivenciamos” um fluxo continuo de aspectos variáveis de um disco eliptóide, de uma cor clara extremamente matizada; através desses aspectos variáveis é-nos dada e se mantém inalterada a “percepção” da esfera branca da bola. Em geral, os textos apresentam-nos tais aspectos mediante os quais se constitui o objeto. Contudo, a preparação especial de selecionados aspectos esquemáticos é de importância fundamental na obra ficcional — particularmente quando de certo nível estético — já que desta forma é solicitada a imaginação concretizadora do apreciador. Tais aspectos esquemáticos, ligados à seleção cuidadosa e precisa da palavra certa com suas conotações peculiares, podem referir-se à aparência física ou aos processos psíquicos de um objeto ou personagem (ou de ambientes ou pessoas históricas etc.), podem salientar momentos visuais, táteis, auditivos etc.

Em poemas ou romances tradicionais, a preparação especial dos aspectos é bem mais discursiva do que, por exemplo, em certos poemas elípticos de Ezra Pound ou do último Brecht, em que a justaposição ou montagem de palavras ou orações, sem nexo lógico, deve, como num ideograma, resultar na síntese intuitiva de uma imagem, graças à participação intensa do leitor no próprio processo da criação (a teoria da montagem fílmica de Eisenstein baseia-se nos mesmos princípios).
Num quadro figurativo há só um aspecto para mediar os objetos, mas este é de uma concreção sensível nunca alcançada numa obra literária. Esta, em compensação, apresenta grande número de aspectos, embora extremamente esquemáticos. O cinema e o teatro apresentam muitos aspectos concretos, mas não podem, como a obra literária, apresentar diretamente aspectos psíquicos, sem recurso à mediação física do corpo, da fisionomia ou da voz.

Às camadas mencionadas devem ser acrescentadas, numa obra ficcional de elevado valor, várias outras — as dos significados espirituais mais profundos que transparecem através dos planos anteriores, principalmente o das objectualidades imaginárias, constituídas, em última análise, pelas orações. Este mundo fictício ou mimético que freqüentemente reflete momentos selecionados e transfigurados da realidade empírica exterior à obra, torna-se, portanto, representativo para algo além dele, principalmente além da realidade empírica, mas imanente à obra.

A Obra Literária Ficcional
1) O problema ontológico: A verificação do caráter ficcional de um escrito independe de critérios de valor. Trata-se de problemas ontológicos, lógicos e epistemológicos.

Como foi exposto antes uma das funções essenciais da oração é a de projetar, como correlato, um contexto objectual que é transcendente ao mero conteúdo significativo, embora tenha nele seu fundamento ôntico. Assim, a oração “Mário estava de pijama” projeta um correlato objectual que constitui certo ser fora da oração. Mas o Mário assim projetado deve ser rigorosamente distinguido de certo Mário real, possivelmente visado pela oração. Como tal, o correlato da oração pode referir-se tanto a um rapaz que existe independentemente da oração, numa esfera ôntica autônoma (no caso, a da realidade), como permanecer sem referência a nenhum moço real. Todo texto, artístico ou não, ficcional ou não, projeta tais contextos objectuais “puramente intencionais” que podem referir-se ou não a objetos onticamente autônomos.

Imaginemos que eu esteja vendo diante de mim o Mário real; é evidente que na minha consciência há só uma imagem dele, aliás não notada por mim, já que me refiro diretamente ao Mário real. Posso chamar este objeto — o Mário real — de “também intencional”, visto o mesmo existir não por graça do meu ato, mas ter plena autonomia, mesmo quando visado por mim num ato intencional, como agora. Todavia, a imagem dele, a qual o representa na minha consciência (embora não a note), é “puramente intencional”, visto não possuir autonomia ôntica e existir por graça do meu ato. Posso reproduzi-la até certo ponto na minha mente, mesmo sem ver o rapaz autônomo; posso também transformá-la mercê de certas operações espontâneas. É óbvio que as orações só podem projetar tais correlatos puramente intencionais, já que não lhes é dado — tampouco como à minha consciência — encerrar os objetos “também intencionais”.

Ainda assim, as objectualidades puramente intencionais projetadas por intermédio de orações têm certa tendência a se constituírem como “realidade”. Se a oração “Mário estava de pijama” apresenta o moço pela primeira vez, este torna-se portador do traje a ele atribuído; portador graças à função específica de sujeito da oração; e portador de algo, em virtude da função significativa da cópula. O pretérito, apesar de em certos casos ter o cunho fictício do “era uma vez”, tem em geral mais fôrça “realizadora” e “individualizadora” do que a voz do presente (“O elefante pesa no mínimo uma tonelada” pode ser o enunciado de um zoólogo sobre os elefantes em geral; mas “o elefante pesava no mínimo uma tonelada” refere-se a um elefante individual, existente em determinado momento). De qualquer modo, a oração projeta o objeto — Mário — como um “ser independente”. Com efeito, ela sugere que Mário já existia e já estava de pijama antes de a oração assinalar este “fato”. Ao seguir a próxima oração: “Ele batia uma carta na máquina de escrever”, Mário já se emancipou de tal modo das orações,. que os contextos objectuais, embora estejam pouco a pouco constituindo e produzindo o moço, parecem ao contrário apenas revelar pormenores de um ser autônomo. E isso ao ponto de o mundo objectual assim constituído pelas orações (mas que se insinua como independente, apenas descrito pelas orações) se apresentar como um contínuo, apesar de as orações serem naturalmente descontínuas como os fotogramas de uma fita de cinema. À base das orações, o leitor atribui a Mário uma vida anterior à sua “criação” pelas orações; coloca a máquina sobre uma mesa (não mencionada) e o rapaz sobre uma cadeira; o conjunto num quarto, este numa casa, esta numa cidade — embora nada disso tenha sido mencionado.

Uma das diferenças entre o texto ficcional e outros textos reside no fato de, no primeiro, as orações projetarem contextos objectuais e, através destes, seres e mundos puramente intencionais, que não se referem, a não ser de modo indireto, a seres também intencionais (ônticamente autônonios), ou seja, a objetos determinados que independem do texto. Na obra de ficção, o raio da intenção detém-se nestes seres puramente intencionais, somente se referindo de um modo indireto — e isso nem em todos os casos — a qualquer tipo de realidade extraliterária. Já nas orações de outros escritos, por exemplo, de um historiador, químico, repórter etc., as objectualidades puramente intencionais não costumam ter por si só nenhum (ou pouco) “peso” ou “densidade”, uma vez que, na sua abstração ou esquematização maior ou menor, não tendem a conter em geral esquemas especialmente preparados de aspectos que solicitam o preenchimento concretizador. O raio de intenção passa através delas diretamente aos objetos também intencionais, à semelhança do que se verifica no caso de eu ver diante de mim o moço acima citado, quando nem sequer noto a presença de uma “imagem” interposta.

Há um processo semelhante no caso de um jornal cinematográfico ou de uma foto de identificação. Trata-se de “imagens puramente intencionais” que, no entanto, procuram omitir-se para franquear a visão da própria realidade. Já num retrato artístico a imagem puramente intencional adquire valor próprio, certa densidade que facilmente “ofusca” a pessoa retratada. Aliás, mesmo diante de um fotógrafo despretensioso a pessoa tende a compor-se, tomar uma pose, tornar-se “personagem”; de certa forma passa a ser cópia antecipada da sua própria cópia. Chega a fingir a alegria que deveras sente.
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continua… 2) O problema lógico
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Fonte:
Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Decio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes. A Personagem de Ficção. 2. ed. SP: Perspectiva.
Este livro é digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras.

Cincinato Palmas Azevedo (A Morte Anunciada do Livro)


No ano em que boa parte dos atuais brasileiros nascia um homem andava na Lua... se podemos chamar aqueles pulos de passos. Enquanto isso, centenas de quilômetros abaixo, em trechos da África, da Oceania ou Ásia, nas imensidões geladas da Rússia, Groenlândia ou Chile, outro homem produzia fogo esfregando pauzinhos ou batendo pedras.

Quase meio século depois -- em passos gigantescos para a Humanidade -- a ELETRÔNICA atinge (e predomina em) quase todos os setores e atividades das grandes metrópoles. Mas, mesmo assim, continuamos tendo (e mantendo) técnicas e comportamento do início das eras porque, afinal, computadores não plantam batatas e vitamina de abacate ainda precisa de liquidificador para existir.

Por enquanto não se pode andar com um monitor normal de 15 polegadas sob o braço, para ler seu conteúdo fora do local original. Embora existam notebooks, palmtops e handhelds com memória para duas dúzias de robustos livros -- aparelhos cada vez menores, mais cômodos para se transportar -- as obras após lidas teriam que ser DELETADAS para darem lugar a novos títulos.

Fortuitamente, poderíamos localizar a brochura de um autor desconhecido, poeta de aldeia, escritor-de-um-livro-só, num trabalho de "formiguinha" em qualquer biblioteca comunitária de nosso bairro.

Quem sobrevive de reciclagem há de encontrá-la no saco de lixo da casa da esquina pois o brasileiro não aprendeu a DOAR o livro que não quer mais. Simplesmente joga-o fora, entre restos de comida e pó. Contudo, na superlotada e inviável Internet --- a não ser que se conheça algo do Autor ou do contexto da obra -- jamais será esta detectada, ficando "sepultada" irônicamente entre bilhões de outros textos também com poucas chances de serem lidos. A biblioteca "do futuro" transformou-se numa armadilha para o Autor que, pretendendo atingir milhares (ou milhões) de leitores, acaba sem nenhum. Um pesadelo cibernético nunca sequer imaginado por seus inventores.

Ainda podemos ler, hoje, a Bíblia Sagrada que Gutemberg imprimiu há 500 anos atrás... com rasuras, rabiscos, páginas rasgadas ou deterioradas pelo Tempo, algoz e senhor da Eternidade. Um simples risco INUTILIZA um CD-ROM inteiro com milhares de informações e, descobriu-se agora, os disquettes "apagam-se" sozinhos antes de completarem dois míseros anos de "vida".

Computadores precisam de energia elétrica, baterias, noção prévia dos comandos (e de se manter os "hackers' à distância) para que possam existir. Um livro não-virtual qualquer criança "abre", embora de "cabeça" para baixo, às vezes. Estes os lemos deitados na rede, confortáveis em nossa cama ou -- para que o tempo passe mais rápido -- num ônibus ou trem.

A televisão veio com o intuito de substituir o Rádio, mídia "obsoleta"... já o computador ACABARIA com os livros. Por mais paradoxal que pareça, os PCs transformaram-se no maior aliado do escritor, ocupando o lugar que era da onipresente cópia xerox, "alma" do livro antigo, da "Edição do Autor" de tiragem minúscula.

Fazeres & serviços à cargo de tipografias e microeditoras são agora realizados pelo computador, em nossa sala. Programas sofisticados executam todas as etapas da edição.

Mas não se iluda o escriba que ainda rabisca seus textos e os "imprime" "catando milho" na sua vetusta Olivetti Lettera ou Remington... o Mundo será um dia tomado por essas máquinas de inteligência artificial e seremos todos meras "extensões" de seus domínios.

Todavia, entre iglus ou camelos, entre vulcões ou cangurus, haverá mais de um jovem registrando sonhos & fatos em pedaços de papel amarfanhado e que -- juntados, costurados e "colados" com maizena e arroz -- farão surgir de novo o LIVRO.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
LinkImagem = Klaxonsbc

Cincinato Palmas Azevedo (1952)


Nascido no Rio de Janeiro em outubro de 1952, letrista e compositor, faz poesias desde os 15 anos e contos & cronicas a partir de l988, tendo publicado mais de 50 textos nos jornais de Belém e Ananindeua, cidade vizinha. Membro da UBT-Belém [União Bras. de Trovadores] e da ALA-A [Assoc. de Letras e Artes de Ananindeua]

Foi vencedor em 9 concursos nacionais de poesia/contos, tendo 51 Menções Honrosas em eventos literários de vinte cidades em 11 Estados e 290 textos em jornais culturais e revistas de 52 cidades em 9 Estados.

Está em 14 coletâneas literárias de 4 Estados, principalmente em obras da IGARABA Prod. Culturais, da cidade de Roque Gonzales/RS.

Compositor de MPB, sambas e rocks sem maiores méritos, fazendo também versões de hits de grandes bandas roqueiras.

Lançou artesanalmente [Edição do Autor, em xerox] PALAVRAS AO VENTO, livreto de poemas & canções com mais de 80 cópias, em 4/1986;
Coordenou a coletânea com 16 poetas de Vigia/PA, 'Livrencontro', em fev./1987, com mais de 200 cópias.

Editou 'QUASE NADA...''miscelânea' com 60 exemplares, em 9/1988.

A partir de dez.1999 produziu o folheto 'Jardim de Trovas' n. 0 e 1 [este em nov./2000] e o n. 2, hoje com mais de 500 cópias já enviadas para todo o país, desde junho/2002.

Entre 1990/92 organizou shows anuais em teatros de Belém com artistas de Ananindeua, além de fundar [em 1988, com meu irmão gêmeo Renato] e presidir o CCCP - Centro Cultural de Capoeira do Pará, controverso marco extinto em 6/1992, no qual expediu mais de 300 ofícios diversos defendendo uma visão artítisca dessa luta.

Aguarda a futura [?!] publicação de 'QUASE NADA...', estreando como contista e registro de suas memórias em 'AQUELAS TARDES TRISTES...', com cenas da infância no Sul [PR/SC] e 'momentos' amazônicos.

Fonte:
Poetas del Mundo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 294)


Uma Trova Nacional


Uma Trova Potiguar

Quando revi, monte a monte,
os campos de minha terra,
parece que a alma da fonte
cantava no altar da serra.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Ribeirão Preto/SP
Tema: ÁRVORE - 2º Lugar.

Devastando as matas vai
a espécie humana e, nem sente
que, em cada árvore que cai,
morre uma amiga da gente!...
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Uma Trova de Ademar


Se ter ciúmes, é amar,
triste de quem ama assim;
forma cruel de gostar,
pois traz queixumes sem fim...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Seria ideal a vida,
maravilhosa e tão doce,
se você fosse, querida,
como eu queria que fosse!...
–ELTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia

Meia-Idade
–CARLOS LÚCIO GONTIJO/MG–

O tempo envelhece no meu rosto
Vai na eterna juventude do vento
Por gosto, passa e não me esquece
Mas bem lá no fundo de mim
O mundo das luzes se enriqueceram
Ainda trago manhãs que não amanheceram
Afago do destino no meu caminhar
Dando-me o direito divino de tropeçar.

Estrofe do Dia

Amizade é joia rara
confesso que me seduz.
Ela no final do túnel
aparece feito luz.
Sendo braços que se abraçam,
com carinhos se enlaçam,
e ao sentimento conduz.
–DALINHA CATUNDA/CE–

Soneto do Dia

Saudade
FRANCISCO MACEDO/RN

Tentei definir uma grande saudade...
Querendo encontrar fui ao meu coração,
de tanto tentar e buscar solução,
eu creio, encontrei uma quase verdade!

Maior sentimento na separação,
terei descoberto, na terceira idade,
Irei certamente para a eternidade
de lá sondarei os sinais da emoção.

Quem sabe terei por ser um aprendiz,
resposta à pergunta que a mim mesmo fiz,
de tanto pensar, acredito encontrei.

Defino sorrindo com grande leveza:
direi que a saudade é com toda certeza,
a soma do amor que ao partir deixarei...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XIX – De novo na Lua


Terminado o fiunnn que os levou de Saturno à Lua, viram-se bem em cima duma cratera.

— Onde será que mora São Jorge? — disse Pedrinho sondando os horizontes. -— Só vejo crateras e mais crateras. Casa nenhuma. Nenhum castelo...

— O meio de descobrir onde ele mora é um só — sugeriu a menina. — Como é hora do lanche, Tia Nastácia deve estar no fogão. Procure uma fumaça. Onde houver fumaça, lá mora São Jorge.

Pedrinho achou boa a idéia e pôs-se a procurar a fumacinha. Todos fizeram o mesmo. Quem primeiro a descobriu foi o Conselheiro.

— Ou muito me engano — disse ele — ou aquele fio de “fumo” que aparece a sudoeste indica a residência do Senhor São Jorge.

Todos correram naquela direção. De longe já avistaram o santo sentadinho num rochedo, com a lança ao colo.

— Viva! Viva! — gritou-lhe a boneca, que seguia adiante dos outros puxando o anjinho pela mão. — Aqui estamos, São Jorge, com o nosso Conselheiro encontrado na cauda dum cometa e este anjinho que descobri na Via-láctea — e foi contando atropeladamente as principais peripécias da grande aventura.

São Jorge não se espantou de coisa nenhuma, porque já não se espantava de nada, tantas e tantas coisas maravilhosas havia visto. Só estranhou o passeio pela Via-láctea. Sua idéia sobre as nebulosas era a mesma dos astrônomos — que aquilo era um imenso aglomerado de estrelas em certas direções do céu. Mas deixou passar. Estava com preguiça de discutir.

— E Tia Nastácia? — perguntou Narizinho. — Como vai ela?

— Mal, coitada! — respondeu o santo. — Não se acostuma aqui. Continua tão boba como no primeiro dia. E não consegue dominar o medo que tem do dragão. Já lhe expliquei que o meu dragão é o que há de inofensivo, mas de nada adiantou. Cada vez que ele urra ela fica de pernas moles no fundo daquele buraco.

Narizinho foi correndo à cratera que o santo indicava. Encontrou a pobre negra fritando bolinhos, mas com o ar mais desconsolado desta vida. De seu peito brotavam suspiros de cortar o coração.

Ao ver a menina, o rosto de Tia Nastácia iluminou-se como um sol de alegria.

— Meu Deus do céu! Será verdade o que estou vendo? Não será sonho?

— Não é sonho, não, boba! Sou eu mesma que voltei dos espaços infinitos com Pedrinho, Emília, o Conselheiro e o anjo — e agora vamos seguir para a Terra.

— Conselheiro? Anjo? — repetiu a negra, tonta. — Que história é essa, menina? Não estou entendendo nada...

— Conselheiro é o nome que Emília pôs no Burro Falante. E o anjo... ah, o anjo é uma coisa que só vendo. Um anjinho de verdade que Emília achou na Via-láctea. De asa quebrada, o coitadinho. A esquerda... o ente mais galante do mundo, Nastácia! Vovó vai abrir a boca. Nunca houve anjo de verdade na Terra, como você não ignora. O nosso vai ser o primeiro. E gulosinho, sabe? Chupou uma bala puxa-puxa que Emília lhe deu e gostou, apesar de nunca haver chupado bala em toda a sua vida.

— Credo! — exclamou a preta.

— E o dragão? Como se tem arrumado com ele?

— Nem fale, Narizinho! — exclamou a negra fazendo o pelo-sinal. — Não sei por que São Jorge não mata duma vez esse horrendo bicho. Dá cada urro que meu coração pula dentro do peito que nem cabritinho novo...

— Dragão que urra não morde, bobona! — disse a menina. — São Jorge afirma que é mais manso que um cordeiro.

— Essa não engulo! — rosnou a preta. — Cada vez que o estupor me vê lambe os beiços e põe de fora uma língua vermelha deste tamanho! Não come gente? É boa!... Pois não ia comendo o burro?

— Mas burro não é gente, Nastácia. Há uma diferença.

— Diferença? Qual é a diferença que há entre gente e aquele burro que fala e diz cada coisa tão certa que até eu me benzo com as duas mãos?

Conversaram sobre mil coisas, inclusive as comidinhas que ela havia feito para São Jorge.

— Coitado! — suspirou a negra. — Santo bom está ali. E é um bom garfo, sabe? Comeu uma panqueca que eu fiz e lambeu os beiços que nem o dragão. E para comer bolinhos não há outro. É dos tais como o Coronel Teodorico: não deixa nem um no prato para remédio.

— Que pena! — exclamou a menina. — Se ele houvesse deixado algum, seria para mim um regalo. Estou com uma fome danada...

Saindo dali a menina foi ter com os outros. Encontrou Emília contando com todo o espevitamento mil coisas a São Jorge, algumas já bastante aumentadas.

— E o meu presente? — perguntou o santo. —, Esqueceu-se?

Eles não haviam passado perto da Cabeleira de Berenice e, portanto Emília não pudera arrancar o fio de cabelo que havia prometido ao santo. Mas não se deu por achada. Respondeu com o maior cinismo:

— Não me esqueci, não. Vou buscá-lo.

E saindo dali sabem onde foi? Foi conferenciar com o Burro Falante. Ninguém ouviu o que disseram, mas o caso é que Emília voltou com um embrulhinho muito malfeito.

— Aqui está! — disse ela com todo o desplante, entregando a São Jorge o embrulhinho. — Em vez dum fio só, como prometi, eu trouxe três...

Se alguém fosse contar os cabelos da cauda do Burro Falante, era muito possível que encontrasse a falta de três fios...
____________
Continua … XX – A Aflição dos Astrônomos
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Cursos de Literatura na Fundação Ema Klabin (SP)



Professor | Antonio Brancaglion Jr.
Duração | 04 encontros
Dias | segundas-feiras das 18h00 às 20h00
Datas | 15, 22, 29 de agosto e 05 de setembro
Local | Fundação Ema Klabin - Rua Portugal 43, Jardim Europa
Valor | R$ 140 na inscrição + uma parcela de R$ 140,00

Se formos buscar a 1ª civilização que utilizou a escrita além do emprego funcional - científica ou técnica - isto é, não-utilitária, podemos afirmar que foi no Egito onde surgiu a literatura mais antiga conhecida. Embora a mais antiga, a literatura egípcia, é também uma das menos conhecidas. Somente no final do século XIX, com o completo domínio sobre a tradução dos hieróglifos, os egiptólogos voltaram-se para a tradução, estudo e publicação dos textos literários.

A vida literária dependia diretamente das escolas, que funcionavam como arquivos, bibliotecas e onde as cópias eram a base do aprendizado dos escribas. A literatura não era uma fonte de diversão, mas um exercício de leitura e caligrafia. Fonte de ensinamentos éticos, morais, históricos e religiosos.

Este curso pretende expor de maneira objetiva as principais formas literárias surgidas no segundo milênio antes de Cristo e que lançam uma nova luz e uma maneira diferenciada sobre a vida dos antigos egípcios.

1. Os Hieróglifos e os Escribas
2. Ensinamentos, Instruções e Máximas: A Literatura Didática
3. Romances e Contos: A Literatura Fantástica
4. A Poesia Lírica e Dramática

Antonio Brancaglion Jr. professor e egiptólogo - Museu Nacional do Rio de Janeiro – UFRJ

Professor | Rodrigo Petronio
Duração | 04 encontros
Dias | sábados das 14h00 às 17h00
Datas | 13, 20, 27 de agosto e 03 de setembro
Local | MuBE - Av. Europa , 218 - Sala de Aula
Valor | R$ 210,00 na inscrição + uma parcela de R$ 210,00

A Oficina de Escrita Criativa tem como objetivo fornecer técnicas para o desenvolvimento de textos nos gêneros ensaio, poesia, conto, crônica ou romance. Tal abertura é possível porque a Oficina não foi concebida tendo em vista um gênero isolado, mas sim a própria categoria Texto, em suas estruturas elementares.

Assim, os exercícios se alternam entre a proposta de temas, que induzem os alunos a refletir sobre certas matrizes da literatura e do imaginário, e a análise formal, que esmiúça as particularidades da linguagem, tendo em vista a eficácia ou a ineficácia dos recursos empregados.

Ao contrário do que se imagina, tais recursos podem ser aferidos objetivamente, e, por meio de cotejo com obras semelhantes, é possível também averiguar quais os pontos positivos ou negativos na linguagem utilizada. Alguns aspectos importantes serão desenvolvidos, tais como musicalidade, ritmo, imagem, enredo, estrutura, personagem, narrador e a parte conceitual subjacente.

Tais pontos podem parecer muito vastos para serem dominados em um curso. Entretanto, a proposta é trabalhá-los de modo intensivo e não extensivo. Ou seja: verticalizar cada um deles por meio de exercícios criados especialmente com esse objetivo. Assim, mesmo a escrita dissertativa, teórica ou ensaística vem contemplada nesse escopo. Pois o intuito não é tratar do conteúdo dos argumentos expostos, mas sim do modo pelos quais eles estão estruturados.

A Oficina consiste, portanto, em mostrar como funciona a carpintaria dos textos literários, quais os meios utilizados pelos autores para atingir determinados fins e causar efeitos específicos nos leitores, sejam eles no campo da ficção ou da não-ficção. Também pretende apontar os principais vícios, cacoetes, redundâncias, erros, deslizes e equívocos de linguagem.

Em termos práticos, a Oficina de Escrita Criativa também se apoia em obras e autores selecionados como referência. Porém, uma bibliografia mais minuciosa pode ser fornecida ao longo dos encontros, de acordo com os interesses do grupo. Todo conteúdo teórico da Oficina de Escrita Criativa visa à produção de textos próprios, que serão comentados e avaliados. Na medida do possível, haverá o desenvolvimento de um projeto individual ao longo dos encontros, como se fosse o esboço de um futuro livro.

A Oficina se destina não só àqueles que queiram desenvolver uma carreira de escritor profissionalmente, mas a todos os interessados em apurar as técnicas da escrita.

Rodrigo Petronio nasceu em 1975, em São Paulo. É editor, escritor e professor. Formado em Letras Clássicas e Vernáculas pela USP. É membro do Nemes (Núcleo de Estudos de Mística e Santidade) da PUC-SP. Foi professor de Literaturas Espanhola e Hispano-Americana na Universidade Santo André (2003-2006). Professor do Projeto Cultura na Fundação Ema Klabin, professor e cofundador do curso de Criação Literária da Academia Internacional de Cinema (AIC), professor-coordenador do grupo de Estudos Cavalo Azul, fundado pela poeta Dora Ferreira da Silva, e coordenador de grupos de leitura do Instituto Fernand Braudel. Trabalha no mercado editorial há quinze anos. Recebeu prêmios nacionais e internacionais nas categorias poesia, prosa de ficção e ensaio. Tem poemas, contos e ensaios publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Participou de encontros de escritores em instituições brasileiras, em Portugal e no México. Coorganizou com Rosa Alice Branco a primeira antologia do poeta António Ramos.

Fonte:
Projeto Cultura – Cursos e Viagens Culturais

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 293)


Uma Trova Nacional

Tempestade. Ruge o vento
que, zunindo como açoite,
parece um novo instrumento
na sinfonia da noite.
–LEILA MICCOLIS/RJ–

Uma Trova Potiguar


Como este mundo é perfeito!
Se a natureza é agredida,
Seu pranto, em chuva desfeito,
Enche os caminhos de vida!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Nova Friburgo/RJ
Tema: ESCOLHA - M/H

Persiga a escolha perfeita
usando a prudência, o tino,
que escolha, depois de feita,
responde pelo destino.
–WANDA HORILDA DE LIMA/MG–

Uma Trova de Ademar


A chuva é para o sertão
como se fosse um troféu.
Deus abre com um trovão
a caixa d’água do céu!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Perdoa quem, no caminho,
sem forças, tem que parar:
que culpa tem o moinho,
se o vento não quer soprar?
–ELTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia


D é c i m a s
(CORRIGIDAS)
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP

Dentre as delícias da vida,
de uma não abro mão;
é mergulhar o meu sonho
na fonte de inspiração
das rimas de um bom poeta
que acerte sempre na meta,
varando o meu coração.

Chego assim, ter a ilusão
de que um dia há de chegar
(ingenuidade sulina!)
que eu atinja o patamar
dos versos mais que divinos
dos incríveis nordestinos
JOSÉ LUCAS e ADEMAR!

Estrofe do Dia

Voltando a terra natal
eu senti grande emoção
ao avistar um mourão,
uma cancela e um curral;
um bode lambendo sal,
a novilha dando cria,
uma égua mansa e sadia
mais uma vaca leiteira;
chorei no pé da porteira
do curral da vacaria...
–JÚNIOR ADELINO/PB–

Soneto do Dia


Sal da Fantasia
–JOÃO JUSTINIANO DA FONSECA/BA–

Era um pouco de ti plantado em mim,
Muito de mim também em ti plantado...
Tu não pensavas e eu pensei assim
Até que se quebrou nosso encantado.

Foste-te embora e um final ruim
Plantou-se no meu peito amargurado.
Caí em pranto... O que será de mim
Velho e só. Sem amor. Triste o meu fado!

A lei da vida me ensinou que o mundo
Jamais se acaba. E o tempo é tão fecundo
Que morto um, o outro está em via.

Dei a volta por cima, e tudo bem!
Aprendi que ninguém é de ninguém,
E que o amor é o sal da fantasia!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Orkugifs

Agenir Leonardo Victor (A Trova na Atualidade)


A trova medieval, que, em forma de cantigas, partiu do sul da França e espalhou-se pela Europa, entrando na Espanha e em Portugal na voz dos jograis e menestréis;

A trova regionalista, sem forma fixa, até hoje cultivada intensamente no Brasil pelos cordelistas, cantadores e violeiros, especialmente no Nordeste e na região Sul;

A trova no formato fixo de quadra de setissílabos, que, por sua vez, tanto aparece anonimamente, integrando o folclore luso-brasileiro, quanto na condição de arte literária, produzida por poetas conhecidos. Vimos também que a trova na condição de arte literária vem sendo produzida em língua portuguesa desde Luís de Camões e que chegou ao século XX por obra de prestigiados poetas lusitanos e brasileiros, entre os quais Augusto Gil, Fernando Pessoa, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Olegário Mariano e tantos outros. O grande surto, entretanto, ocorreu a partir dos anos 1950, quando o trovismo assumiu características de autêntica escola literária, espalhando-se por todo o país. É o que veremos a seguir.

Era da síntese

Em 1956, Luiz Otávio lançou no Rio de Janeiro Meus irmãos, os trovadores, obra que marcou o início do trovismo como movimento literário de âmbito nacional, com repercussão imediata em Portugal. Os tempos modernos indicavam aos poetas, como caminho, o micropoema, já que o novo ritmo de vida não deixava sobrar tempo aos apreciadores da poesia para a leitura de longas seqüências de estrofes. Nos jornais e revistas da época, notava-se tal tendência também quanto ao texto em prosa, com a proliferação das colunas de notas curtas. Iniciava-se a era da síntese.

Difundiu-se no Brasil o haicai (micropoema de 17 sons, de origem japonesa), que tem um grande número de cultores em todo o país. Houve quem fizesse experiências com o rubai, originário da antiga Pérsia (uma quadra de versos decassílabos), com o limerick (uma estrofe de 5 versos, popular nos países de língua inglesa) e com outras modalidades de poemas curtos. Ficou, porém, evidente que, para chegar ao coração do povo, o micropoema por excelência seria mesmo a trova. E foi assim que o trovismo rapidamente se alastrou, transformando-se numa espécie de confraria literária.

Confraternização

A publicação de Meus irmãos, os trovadores (um best-seller de extraordinário sucesso) fez multiplicarem-se, em todo o país, associações de trovadores, que passaram a promover animados concursos e festas de confraternização.

Em 1958, Rodolfo Coelho Cavalcante fundou em Salvador (Bahia) o Grêmio Brasileiro de Trovadores (GBT), que em 1966 passaria a chamar-se União Brasileira de Trovadores (UBT), hoje a principal entidade nacional dedicada à trova.

Em 1959, foi realizado em Campos dos Goytacazes-RJ, por iniciativa da Academia Pedralva, o I Salão Campista de Trovas.

Em 1959 ainda, a TV Rio promoveu um concurso de trovas com o nome de Jogos Florais, tendo como organizador J. G. de Araújo Jorge, na época o poeta que mais vendia livros no Brasil. Simultaneamente, a então famosa revista carioca Vida Doméstica promovia também seus Jogos Florais, de âmbito nacional, organizados por Luiz Otávio.

Em 1960, Luiz Otávio e J. G. de Araújo coordenaram os I Jogos Florais de Nova Friburgo, cidade serrana do estado do Rio de Janeiro. Foi o primeiro grande concurso de trovas encerrado com uma programação festiva, consagrando Nova Friburgo como "berço dos modernos Jogos Florais no Brasil". O sucesso do concurso e da festa deveu-se em boa parte ao apoio do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, através da coluna "Porta de Livraria", do respeitado crítico literário Antônio Olinto. Em verdade, a cidade de Santos-SP já realizara concursos com o nome de Jogos Florais em 1914, 1915 e 1916, porém abrangendo várias modalidades literárias. Os Jogos Florais no formato atualmente em prática, centralizados única ou prioritariamente na trova, tiveram início realmente em Nova Friburgo.

Na introdução do seu livro Trevos de quatro versos (1964), J. G. de Araújo Jorge fez interessante registro contando como nasceram os Jogos Florais de Nova Friburgo:

A "trovite" está grassando. E tenho que "penitenciar-me" de ser um dos responsáveis por essa verdadeira, mas benéfica, epidemia literária

(...) Em 1959, aqui no Rio, a Casa da Bahia, por sugestão de seu secretário, o trovador baianíssimo Jaime de Faria Góis, instituiu um concurso de trovas cujo tema era "a boa terra" (...) E – um pouco para minha surpresa, pois tinha conhecimento de que havia mais de duas mil trovas concorrendo – posso dizer, como trovador, parafraseando o general romano: "Cheguei, vi... e venci!" Outro dos vencedores do concurso foi meu velho amigo, o trovador Luiz Otávio. Em viagem (do Rio para Salvador, de navio), Luiz Otávio sugeriu transplantar para o Brasil a realização dos Jogos Florais, à maneira dos velhos Jogos Florais da Idade Média (...) Entusiasmamo-nos com a idéia e, na volta, a pusemos em prática, lançando os I Jogos Florais na cidade fluminense de Nova Friburgo (...) Hoje os Jogos Florais alastram-se praticamente por todo o Brasil.

Expansão

De 1960 em diante, os concursos de trovas, os festivais de trovadores e os Jogos Florais passaram a figurar no calendário de eventos de dezenas de cidades brasileiras. Entre as cidades hoje consideradas "canteiros" da trova, destacam-se (por ordem alfabética):

CE – Caucaia, Fortaleza.
DF – Brasília.
ES – Vitória, Vila Velha.
GO – Goiânia.
MA – São Luís.
MG – Baependi, Belo Horizonte, Bueno Brandão, Divinópolis, Guaxupé, Juiz de Fora, Monte Carmelo, Manhumirim, Montes Claros, Passa Quatro, Pedro Leopoldo, Pirapetinga, Pitangui, Poços de Caldas, Pouso Alegre, Rio Novo, São Lourenço, Sete Lagoas.
MS – Campo Grande, Cuiabá, Corumbá.
PA – Ananindeua, Belém.
PR – Almirante Tamandaré, Bandeirantes, Castro, Cornélio Procópio, Curitiba, Ibiporã, Jacarezinho, Londrina, Maringá, Ponta Grossa.
RJ – Angra dos Reis, Barra do Piraí, Barra Mansa, Campos dos Goytacazes, Cantagalo, Magé, Niterói, Nova Friburgo, Petrópolis, Rio de Janeiro (capital), Resende, São Gonçalo, São João do Meriti, Teresópolis, Três Rios.
RN – Natal.
RS – Caxias do Sul, Cruz Alta, Garibaldi, Itaara, Pelotas, Porto Alegre, Taquara, Uruguaiana.
SC – Balneário Camboriú, Florianópolis, Joaçaba.
SP – Amparo, Atibaia, Barretos, Bauru, Bragança Paulista, Caçapava, Campinas, Jambeiro, Jundiaí, Peruíbe, Pindamonhangaba, Ribeirão Preto, Santo André, São Bernardo do Campo, São José dos Campos, São Paulo (capital), Santos, Sorocaba, Tambaú, Taubaté.

Maringá

Maringá entrou na história da trova ao promover, em 1966, o I Festival Brasileiro de Trovadores, que reuniu os mais prestigiados trovadores brasileiros da época, entre os quais Amaryllis Schloenbach, Aparício Fernandes, Barreto Coutinho, Carlos Guimarães, Carolina Ramos, Coubert Rangel Coelho, Durval Mendonça, Elton Carvalho, Eno Theodoro Wanke, Iraci do Nascimento e Silva, J. G. de Araújo Jorge, José Maria Machado de Araújo, Joubert de Araújo Silva, Leonardo Henke, Luiz Otávio, Maria Nascimento Santos Carvalho, Maria Thereza Cavalheiro, Octávio Babo Filho, Orlando Woczikoski, Rodolpho Abbud, Vera Vargas, Zálkind Piatigorsky.

Maringá sediou mais três grandes festivais de trovas (1970, 1972 e 1977). Sediou também dois Congressos Nacionais de Trovadores (1990 e 1992), coordenados pela autora deste trabalho. E já promoveu três Jogos Florais (2000, 2001 e 2002), além de um concurso nacional, em 2003, e outro atualmente em andamento, ambos liderados pela Academia de Letras de Maringá, em parceria com a seção local da União Brasileira de Trovadores.

Missa em trovas

Em 1970, em Maringá, como ato de abertura do II Festival Brasileiro de Trovadores, foi celebrada pela primeira vez no Brasil a Missa em trovas, com versos de autoria do poeta maringaense A. A. de Assis, tendo como celebrante o então pároco da Catedral-Basílica de Nossa Senhora da Glória, Monsenhor Sidney Luiz Zanetini. Os trovadores visitantes levaram cópias da Missa, e desde então ela passou a ser celebrada em numerosas festas de trovas, em todo o Brasil, de Porto Alegre a Belém do Pará, tendo recebido inclusive uma bênção especial do papa João Paulo II. Em anos mais recentes, a Missa em trovas tem sido presidida em Maringá pelo Monsenhor Júlio Antônio da Silva (Padre Julinho), atual pároco da Catedral. Para dar uma idéia, transcrevemos a seguir a oração de abertura da Missa em trovas:

Deus, no princípio, descerra
o palco da criação:
cria o céu e cria a terra
e enche de luz a amplidão.

Cria as águas e as reparte
em rios, lagos e mares,
e com ternura e com arte
cria os bosques e os pomares.

Coloca milhões de estrelas
na abóbada imensa e nua,
e acende no meio delas
o sol e em seguida a lua.

Faz que as águas se povoem
de peixes – grandes, pequenos,
e manda que as aves voem
com seus festivos acenos.

Num outro gesto ele faz
aparecer sobre a terra
toda espécie de animais:
os da planície e os da serra.

E o paraíso está feito,
e tudo está muito bem:
um mundo lindo, perfeito
em tudo o que ele contém.

E é nessa alegre paisagem
que Deus finalmente lança
alguém que é a sua imagem,
sua própria semelhança.

"Façamos – diz o Senhor –
o homem, e a companheira
com quem partilhe o esplendor
e a graça da terra inteira!"

Cria-os Deus na excelência
da justiça e da verdade,
e dá-lhes a inteligência
e a vontade e a liberdade.

Dá-lhes a luz, o calor;
dá-lhes o ar, o alimento;
dá-lhes o aroma da flor,
e a chuva e o luar e o vento.

E lhes confere o poder
de ter o mundo nas mãos,
e a missão de conceber
um grande povo de irmãos.

Organização

O trovismo é o primeiro grande movimento literário a organizar-se nacionalmente como uma espécie de confraria, a ponto de os trovadores se chamarem uns aos outros de irmãos. Além da UBT – União Brasileira de Trovadores, principal entidade trovista hoje existente no país, várias outras se dedicam à trova, entre as quais a Academia Brasileira de Trovas, a Academia Mineira de Trovas, a Academia de Trovas do Rio Grande do Norte e o Clube dos Trovadores Capixabas.

Durante as décadas de 1970 e 1980, chegou a haver certa rivalidade entre alguns desses grupos. Atualmente, porém, reina perfeita harmonia. Todos se entendem muito bem, compartilhando a sua bela arte.

A UBT funciona mais ou menos à moda dos clubes de serviços, tais como Lions e Rotary. Os núcleos da UBT são chamados seções, com sede nas cidades onde os trovadores sejam mais numerosos, ou delegacias, onde sejam poucos ainda os cultores da trova.

Há uma diretoria nacional, sediada na cidade onde resida o seu presidente. O atual presidente nacional é o trovador Eduardo A. O. Toledo, residente em Pouso Alegre, Minas Gerais.

Há uma diretoria estadual, igualmente sediada onde resida seu presidente. A atual presidente estadual para o Paraná é a trovadora Amália Max, residente em Ponta Grossa.

E há em cada seção uma diretoria municipal. Em Maringá, o atual presidente é o trovador Dari Pereira. Se uma cidade tiver pequeno número de trovadores, será nomeado um delegado, até que haja número suficiente para instalar-se a seção.

Normalmente, os trovadores contribuem com uma pequena taxa mensal ou anual para manter em funcionamento a seção, e cada seção envia à diretoria nacional uma pequena contribuição anual. As despesas são em geral modestas: selos de correio, confecção e distribuição de boletins, fotocópias etc. Nas reuniões festivas, é habitual oferecer-se um coquetel simples, cada um dos participantes levando alguns doces, salgados e refrigerantes. Para as festas maiores, tais como as de premiação aos vencedores de concursos, a seção promotora angaria ajuda na comunidade. Em muitas cidades, essas festas fazem parte do calendário oficial de eventos.

Presença na mídia

Não se sabe exatamente quantos trovadores existem hoje no Brasil. Calcula-se algo por volta de 5 mil. Com atuação permanente, regularmente inscritos nas respectivas seções, e íntimos uns dos outros, há cerca de 2 mil. Os de São Luís do Maranhão se relacionam fraternalmente com os de Porto Alegre, os de Natal com os de Curitiba, os de Nova Friburgo com os de Maringá, os de Belo Horizonte com os de Niterói, como se fossem todos da mesma família, e todos sabem tudo sobre todos. Isso se torna possível por três motivos principais: primeiro, porque é intensa a troca de correspondência entre eles; segundo, porque freqüentemente eles se encontram em suas festas nos mais diferentes lugares; terceiro, porque a trova, além de contar com mídia própria, sempre teve espaço em jornais e revistas, nas emissoras de rádio e televisão e em outros meios de divulgação.

Há dezenas de jornaizinhos (informativos) de circulação mensal, que as seções da UBT editam e distribuem aos seus filiados e às demais seções, gratuitamente ou mediante o pagamento de um valor simbólico pela assinatura. Alguns desses jornaizinhos circulam no país inteiro e ainda em Portugal, de modo que, por exemplo, o anúncio de um concurso, publicado num deles e reproduzido pelos demais, chega rapidamaente a todos os trovadores brasileiros e portugueses. O mesmo ocorre com os resultados dos concursos.

Dentre os periódicos que promovem ou apóiam a trova, ocorre-nos citar os seguintes: A Rosa (Santos-SP), Bali (Itaocara-RJ), Boletim Informativo da UBT-Rio (Rio de Janeiro-RJ), Calêndula (Porto Alegre-RS), Fanal (São Paulo-SP), Horizonte em Trovas (Belo Horizonte-MG), Informativo da UBT Nacional (hoje editado em São Paulo), Informativo da UBT-SP (São Paulo-SP), Jornal Maringaense (Maringá-PR), Koisalinda (Ribeirão Preto-SP), Literatura & Arte (Vitória-ES), Menestrel (Juiz de Fora-MG), Movimento Poético Paranaense (Curitiba-PR), nosso espaço (Rio de Janeiro-RJ), O Estro (Brasília-DF), O Trovador (Natal-RN), Os Trovadores (Curitiba-PR), Quatro Versos (Nova Friburgo-RJ), Trovalegre (Pouso Alegre-MG), Trovanatal (Natal-RN), Trovia (Maringá-PR).

Até a década de 1960, quase todos os jornais e revistas brasileiros mantinham colunas, páginas ou até cadernos inteiros dedicados à literatura em prosa e verso. Por ser um poema curto e de fácil compreensão, a trova sempre esteve presente nesses espaços, contando com um número muito grande de leitores.

Também a mídia eletrônica divulgava amplamente a trova e outras modalidades de poesia. Poetas como J. G. de Araújo Jorge e Aparício Fernandes, que mantinham programas desse gênero no rádio e na televisão do Rio de Janeiro, graças a isso ficaram famosos em todo o país, chegando a ser recordistas no recebimento de cartas.

Hoje ainda, Brasil afora, há um número considerável de colunas especializadas em trovas, com espaço em jornais e revistas, além de programas de rádio e televisão. Rodolpho Abbud comanda há muitos anos um desses programas na Rádio Sociedade de Nova Friburgo, com alto índice de audiência. Marisol em Teresópolis, Maria Thereza Cavalheiro em São Paulo, Alonso Rocha em Belém do Pará, Humberto Del Maestro em
Vitória, Flávio Roberto Stefani em Porto Alegre, são outros exemplos de poetas que publicam colunas de trovas em importantes jornais, e todos eles com estimulante retorno por parte dos leitores. Em Portugal, a poeta Maria José Fraqueza dirige prestigiado programa de trovas na Rádio Gilão, de Tavira. Ultimamente, a Internet tem sido também amplamente utilizada como veículo para divulgação de trovas.

Considerem-se ainda as muitas outras maneiras de levar a trova ao povo: em materiais de propaganda, em cartões de telefone, em peças de artesanato, em vários tipos de brindes, em cartazes colados nos ônibus urbanos, em painéis, muros, paredes etc. Na cidade mineira de Pouso Alegre, por exemplo, a Secretaria Municipal da Cultura mandou pintar trovas com mensagens educativas nas paredes de todos os prédios públicos.

Todos esses meios de divulgação, somados aos livros que cada trovador periodicamente publica, contribuem para que a redondilha circule por toda parte, espalhando alegres mensagens, algumas fazendo sonhar, outras fazendo rir, todas fazendo pensar.

Concursos

Os concursos têm como principal finalidade estimular a produção de trovas e estreitar o relacionamento entre os trovadores. Na maioria dos casos, estabelecem-se dois temas, um de âmbito estadual ou regional e outro de âmbito nacional-internacional, abrangendo trovas líricas e filosóficas. Em alguns concursos, há também um tema para trovas humorísticas.

Cada concorrente participa com um número limitado de trovas, variando de uma a cinco, dependendo do regulamento do torneio. Cada concurso costuma receber de mil a duas trovas. Ao final do prazo estabelecido para a remessa, uma ou mais comissões julgadoras iniciam o processo de avaliação. Dentre as trovas finalistas, são selecionadas as premiadas, na maioria dos casos 15, sendo 5 vencedoras, 5 menções honrosas e 5 menções especiais.

A UBT, por princípio, não promove nem apóia concursos com prêmios em dinheiro. Os vitoriosos recebem diplomas e troféus ou medalhas, e são convidados a ir à festa de premiação com despesas de transporte por conta própria. Os promotores oferecem apenas hospedagem e refeições. Se um dos vitoriosos, por algum motivo, não pode comparecer à festa, recebe os prêmios por meio de um representante ou pelo correio. As festas variam conforme os recursos disponíveis. Em média, duram de dois a três dias, constando de passeios turísticos na cidade-sede, recitais, reuniões de estudo, cerimônias religiosas tais como a Missa em trovas, solenidade de premiação etc. É também costume eleger-se a Musa da festa, uma jovem que tenha aparência lírica e que goste de poesia. Mas tudo isso tendo sempre como objetivo principal a confraternização e o fortalecimento da amizade. Aliás, há até uma frase-lema, criada pelo trovador Izo Goldman, de São Paulo: "A trova, acima de tudo, faz amigos".

Os trovadores têm seu dia: 18 de julho, data de nascimento de Luiz Otávio, que, pela qualidade das suas trovas e por sua incontestável liderança no movimento trovadoresco, mereceu o título de príncipe dos trovadores brasileiros. E também têm seu patrono, São Francisco de Assis, que foi um dos mais importantes trovadores do período medieval.

Não há uma estatística atualizada quanto às atividades profissionais dos trovadores. Observa-se, porém, que, em maioria, são pessoas de escolaridade média ou superior. Fernandes (1972, p. 80) fornece um quadro que pode pelo menos servir de base. Na época, as 20 profissões com maior número de representantes entre os trovadores eram, pela ordem: professores, jornalistas, servidores públicos, advogados, médicos, bancários, militares, dentistas, radialistas, contabilistas, magistrados, engenheiros, farmacêuticos, empresários, musicistas, promotores de justiça, sacerdotes, diplomatas, publicitários e atores.

Quanto ao sexo, há bastante equilíbrio, algo bem próximo do meio, embora ultimamente as mulheres comecem a constituir maioria: cerca de 60%. No que se refere à idade, há predominância de pessoas com mais de 50 anos. A trova é, por excelência, uma arte da terceira idade, embora existam muitos jovens entre os melhores trovadores. O grande número de idosos talvez se explique pelo fato de serem em geral aposentados, com mais tempo disponível para escrever e também para participar de concursos e encontros. Muitos chegam a falar em "trovaterapia", aludindo aos benefícios que tal prática lhes traz à mente e ao coração.

Exportação

A trova brasileira tem chamado a atenção de adeptos da poesia no mundo inteiro. Muitas delas têm sido vertidas e "exportadas" para outras línguas, sem perder a graça original. Fernandes (1972, 37) fala sobre isso, dando a seguir alguns exemplos: "Não é apenas no idioma português que a trova é fascinante. Seja na musicalidade da língua italiana, seja na rispidez da alemã, no francês gutural ou no inglês objetivo, as qualidades fundamentais da trova permanecem".

Trova de Aparício Fernandes, vertida por Héctor Strazzarino para o espanhol:

Se a gente, quando falasse,
meditasse antes um pouco,
talvez o mundo ficasse
mais feliz e menos louco!

Si la gente, cuando hablase,
meditara antes un poco,
tal vez el mundo quedase
más feliz y menos loco!

De Augusta Campos, vertida para o italiano por Carmen Sala:

Não deixes que te apoquente
o que passado já está.
Cuida bem do teu presente,
do porvir Deus cuidará.

Non lasciar che ti tormente
del passato quel che sta.
Ti cura bem del presente,
al doman Dio pensera.

De Luiz Otávio, vertida para o alemão por Ignez Teltscher:

Maria dos meus amores,
a minha noite, o meu dia!
Maria das minhas dores,
tu és um mundo, Maria!

Maria meiner Liebe,
Maria meiner Schmerzen!
Meines Tages und meiner Nacht,
Die Welt in meinem Herzen!

Também de Luiz Otávio, vertida para o inglês por C. Victor Stahl:

Olhando a melancolia
que tu levavas no olhar,
lembrei-me da lua fria
sobre uma campa a brilhar.

Such melancholy stare
seen lurking in your eye,
is like the moon’s chill flare
on grave-stones standing by.

Técnica

No curto espaço deste trabalho não cabe um estudo pormenorizado sobre técnicas de versificação. Vale, entretanto, lembrar que a trova, como as demais modalidades de poesia, tem normas a serem obedecidas, e ignorar tais normas seria empobrecer a arte pretendida. O trovador necessita, sobretudo, estar atento às questões do ritmo, da métrica e da rima.

O ritmo, na composição da trova, não chega a ser muito rigoroso. O verso setissílabo admite ampla variedade nesse aspecto, devendo-se observar apenas se o efeito sonoro resultante agrada ao ouvido. Há que haver certo "balanço", aquela melodia típica da cantiga. O setissílabo geralmente considerado ideal é o que bate forte nas ímpares, isto é, o que tem as tônicas na 1ª, 3ª, 5ª e 7ª sílabas, como este de Sérgio Bittencourt: Minha voz na voz do vento... Mas também soam bem versos como estes: Meu limão, meu limoeiro... / Peguei o Ita no Norte... / Valei-me, meu pai, valei-me... / Maria, minha Maria... / Amei, sonhei, fui feliz...

O que o poeta deve mesmo evitar são os versos de sonoridade frouxa, como estes: Tenho um coração sofrido.../ Era descendente dela... / Quer desesperadamente...

A métrica é um pouco mais complicada, exigindo maior experiência. Na composição de um verso, o cuidado inicial é lembrar que "sílaba" em poesia não significa exatamente a mesma coisa que em gramática. A sílaba poética corresponde a um som, ou seja, a uma nota musical. O setissílabo é um verso de sete sons (dó-ré-mi-fá-sol-lá-si), contados até a última sílaba tônica. É importante lembrar também que vogais vizinhas são em geral pronunciadas separadamente nos casos de hiato, e se juntam quando não ocorre hiato. Sirvam de exemplo estes conhecidos versos de Gonçalves Dias:

Mi | nha | te | rra | tem | pal | mei | ras,
on | de | can | ta o | sa | bi | á.
As | a | ves | que a | qui | gor | jei | am
não | gor | jei | am | como | lá.

A rima, segundo as normas atuais, como já vimos, deve ser dupla, isto é, devem ser rimados o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab). Em trova não há, porém, grande exigência quanto ao fato de a rima ser rica ou pobre, no sentido tradicional de que rica seria a rima entre palavras de diferentes categorias gramaticais: verbo com substantivo, adjetivo com advérbio etc. Isso não tem sido levado muito a sério atualmente. Mais importante, como sugere Nogueira (1996, p. 27), é o trovador estar atento para evitar certos cochilos que, estes sim, enfraquecem o verso. Por exemplo:

rimas em que a vogal tônica seja a mesma nos quatro versos: liso / dia / viso / havia; mar / amava / bar / sonhava; veia / cedo / areia / segredo.

rimas com palavras derivadas: ver / rever; agir / reagir; tempo / contratempo.

rimas imperfeitas, assim chamadas por haver diferença no timbre das vogais tônicas: idéia / areia; sacode / pôde; melhor / favor.

rimas regionais. Em São Paulo, viu rima com frio, que os paulistas pronunciam /friu/, num único som; no Rio de Janeiro não, porque os cariocas pronunciam /fri-io/, em dois sons, como se fosse hiato. Em algumas regiões céu rima com mel, pronunciado /méu/; em outras não, porque a pronúncia é /me’l/, quase /mele/.

Certamente, não são apenas os pormenores técnicos que fazem a beleza da trova. Muitas delas há em que normas tidas como importantes são desprezadas e no entanto o resultado é ótimo. De toda forma, sempre que lidamos com arte é recomendável buscar o máximo de aprimoramento. A trova, embora pequenina, é uma obra de arte, um poema, portanto merece do seu autor especial cuidado. O principal é sempre o achado, a idéia nova, contudo cada ingrediente complementar concorre para dar a esse achado um encanto maior. O ritmo harmonioso, a boa rima, a escolha do vocabulário adequado, a correção gramatical, a qualidade da mensagem, tudo isso se soma na produção de uma trova primorosa, dessas a que se costuma chamar antológicas.

Fonte:
Agenir Leonardo Victor. A TROVA - O Canto do Povo. Enviado por e-mail.

Ialmar Pio Schneider (Trovas Premiadas)



IV CONCURSO ESTADUAL DE TROVAS 2011
UBT Seção Caxias do Sul – RS
MENÇÃO ESPECIAL


TEMA: geada (humorística)

Quem disse que a geada esfria
uma relação qualquer?
Eu faço amor todo dia,
mas não co´a mesma mulher !

CONCURSO RELÂMPAGO
UBT Seção Caxias do Sul – RS

Em 7 de agosto de 2011

TROVA VENCEDORA

Tema: FANTASIA (S)

Quando jovem, meu intento
era conquistar gurias,
hoje, no envelhecimento,
tenho apenas fantasias...

***
Obs.: Fui agraciado com os prêmios acima descritos, em 7 de agosto de 2011, em Caxias do Sul – RS, pela UBT daquela cidade.

Fonte:
Trovas e fotos enviadas pelo autor

José Roberto Balestra ("Facebook" Não; Só Face!)


Vi num blog literário o anúncio de um novo concurso de contos. Faz bem competir; há sol pra todo mundo...

Estava em casa, ou melhor, estávamos: eu, o notebook e o mundo no écran, e Gary Moore vazando das caixas de som, num solo iluminado com sua guitarra PRS em The Prophet. Aliás, algumas pessoas mereciam terna colher de chá na lista de eternidade divina; Gary estaria nela. ................. Já me repensando: o Criador deve ter sempre boas Razões pra me contrariar. Um dia eu e Ele trataremos sobre. Que não seja breve, tá, Mestre?

Voltando à vaca-fria, claro que a notícia alegra quem é arrebatado por escrever sobre qualquer tema, o pleno da vida, na base do exercício faça-de-tudo-um-pouco-que-passa-e-se-evita-ficar-louco-com-o-pouco-da-cinzenta-massa.

Teclei o link indicado. Fui ao regulamento... (Coisa danada é a alegria, regozijo motivado que vai tomando conta da gente, evoluindo feito um alegro de música clássica; o pulsar do coração toma andamento animado. Delicioso!)

E beethovenamente meu alegro com brio foi crescendo, crescendo, me absolvendo, como diz o poeta Peninha em sua melodiosa Sonhos.

Eis que me senti fustigado por um vento frio, daqueles em massa crescida de pão. Era o cruento das condições: o conto teria de ser inédito, sem publicação alguma, nem em blog! E mais. Teria de me inscrever no tal facebook!, isto para, em caso de vitória, fomentar discussão sobre criação da capa do livro, valores de venda, marcar data para autógrafos, essas coisas assim próprias, dizia o regulamento.

Claro que minha massa de pão encalacrou na hora! Vi-me enrolado nesse calamistro quente e instransponível, ainda que a justificativa de se ter um facebook fosse para difundir cultura “...e não somente para publicação de lixo virtual.”.

Não tenho facebook. E agora, alertado de que nele há “lixo virtual”, então vejo que não estava errado nem sem motivos para ainda não tê-lo. Continuarei assim, sem!

Mas não era só isto. Havia mais. Ou melhor, havia menos; o regulamento não dizia sobre o que mais interessa a um ignoto escritor: o prêmio!, o quantum!... Só se ver publicado não vale... Acho nisso um incentivo manquitola demais. Em vero um desestímulo.

Ora, quem tem audácia de dar a cara pra bater num concurso literário, nacional ou não, é claro que quer a vitória, que quer ver seu livro lançado, circulando e, sobretudo o prêmio financeiro do certame (Não estou falando de “prêmio literário”, pra concorrer apenas autor com livro já editado.), que é o que sustentará o desconhecido escritor por algum tempo.

Que a editora seja de pequeno porte ou não, é uma empresa, e com fins lucrativos. Nos lucros viajam os glóbulos vermelhos e brancos que sustentam seu corpo editorial. Sem eles a anemia é fatal, falenciosa. Com o escritor iniciante se dá exatíssima mesma coisa!

Editor que queira promover algum concurso literário, garimpar um promissor autor de sucesso para sua casa, não deve deslembrar que carro de bois sem bois é apenas carro; não canta o carro nem avança o carreiro. Precisa gostar de livros e também de quem os escreve; o lucro vem da cantadeira do rodado dessas condições... para os dois.

Por essas e por outras é que o paulista batataense JOSÉ OLYMPIO faz tanta falta no mundo editorial brasileiro. Era um editor ousado!

Ele tinha cuidado com seus lucros, mas também carinho especial, de verdadeiro amigo pessoal, para quem lhos trazia; os escritores. Entre esses seus colaboradores estavam um João Guimarães Rosa, para ali vindo através do Prêmio Humberto de Campos da própria Livraria J. O. Editora, um Mário Palmério, uma Rachel de Queiroz, um Ciro dos Anjos, um Carlos Drummond de Andrade, um Ariano Suassuna, um Luís Jardim, um... Nenhum deles ali aportou renomado.

Fonte:
http://zerobertoballestra.blogspot.com/

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XVIII – No planeta maravilhoso


Depois de muita imaginação resolveram partir para Saturno; mas antes disso consultaram o Burro Falante.

A gravidade daquele burro já vinha de muito tempo impressionando a boneca, de modo que ao ouvi-lo responder tão “sentenciosamente” (falar sentenciosamente quer dizer falar como aquele animal falava), Emília bateu na testa e disse:

— Heureca! Achei um nome para o Burro Falante: Conselheiro! ... Tudo que ele diz parece um conselho de velho — e é sempre um conselho muito bom. Viva o Conselheiro!...

E a partir daquele momento o Burro Falante passou a chamar-se Conselheiro.

Resolvido aquele ponto, Pedrinho distribuiu as pitadas de pirlimpimpim e contou — um... dois... e três! O fiunnn foi tremendo — e os cinco viajantes (inclusive o anjinho) foram despertar bem em cima dos anéis de Saturno.

Que maravilha! Os tais anéis, ou discos, eram uma planície sem fim de luz, como o arco-íris — uma lisura luminosa que rodeava o imenso planeta. Pedrinho explicou que a força de atração de Saturno era em certo ponto neutralizada pela força de atração do disco, de modo que naquela zona os seres perdiam o peso — ficavam parados no ar, flutuando na maior das gostosuras. E eles estavam justamente nessa zona onde não havia peso! Começaram, pois, a flutuar, a flutuar...

— Parece um sonho! — dizia a menina. — Estou boiando como num mar de delícias. Oh, gosto dos gostos! Oh, fenômeno!...

E boiaram, boiaram, viraram-se em todas as posições, como se estivessem sobre um invisível colchão de paina solta. O Conselheiro, coitado, sentia-se atrapalhadíssimo, porque, como boiava como os demais, ora se via com as quatro patas para cima, ora para baixo, ora para os lados. Emília jogava o anjinho no ar e ele ficava boiando sem cair. Estiveram naquela zona um tempo enorme, brincando duma coisa que nenhuma criança da Terra nem sequer imagina — brincando de boiar num fluido luminoso e deliciosíssimo.

— É uma gostosura que até enjoa a gente — disse Pedrinho num momento em que estava de pernas para cima, segurando o Conselheiro pelo rabo. — Tudo sem peso! Só agora compreendo a estupidez que é o tal peso lá na Terra. A gente vai fazer qualquer coisa e cansa, por quê? Por causa do peso...

— Mas ter um pesinho é bom — disse a menina, já com saudades dos seus quarenta quilos. — Estou tão acostumada a ter peso que isto aqui me dá a idéia de que estou aleijada — de que está me faltando um pedaço. O peso é um verdadeiro pedaço da gente...

Pedrinho explicou que se conseguissem sair daquela zona chegariam a outra em que o peso volta.

— Então vamos para lá — propôs a menina.

E lá se foram, arrastando-se como puderam. Deu certo. Na segunda zona começaram a sentir um pouco de peso, e com isso a sensação tornou-se-lhes ainda mais agradável. Podiam andar como na Terra, mas com muito cuidado, porque o esforço exigido para cada passo era mínimo. Pareciam em câmara lenta. Tiveram de aprender a andar ali. No começo faziam força demais e com um passo iam parar longe. Por fim acertaram o jogo.

Súbito, Emília gritou:

— Estou vendo uma coisa que deve ser um saturnino — e apontou em certa direção.

Era verdade. Um ser esquisitíssimo vinha na direção deles, exatinho como Dona Benta dissera — todo gelatino e transparente; mas sem forma definida — ia mudando de forma segundo as necessidades. O mais assombroso, porém, foi que o estranho saturnino parou diante deles e falou do modo mais claro e natural possível. Falou, sabem como? Falou espichando lá de dentro da gelatina o “crocotó que falava” — um crocotó que parecia uma dessas águas-vivas que há no mar.

— Bem-vindos sejam aos nossos domínios — disse ele. — Temos acompanhado a viagem de vocês através dos espaços. Sabemos tudo. Ouvimos tudo que vocês, conversaram com São Jorge lá na Lua.

— Então daqui enxergam até a Lua, que é uma isca de satélite? — perguntou Pedrinho muito admirado.

— Sim, para nós não há distâncias. Temos sentidos que vocês não podem compreender. Acompanhamos a vida de todos os seres em todos os astros dos céus. Aqueles pobres telescópios dos astrônomos da Terra fazem-nos sorrir de piedade. São puras “cegueiras” em comparação dos nossos teleolhos.

— Eu bem disse! — gritou Emília. — Eu bem disse que eles tinham telecrocotós. São os tais teleolhos...

— Sim, são os nossos olhos de ver a qualquer distância por maior que seja. E o nosso principal divertimento é esse: ver, ver tudo quanto se passa no universo. Sabemos de toda a vidinha de vocês lá no sítio. Assistimos à morte do Visconde quando caiu no mar. Vimos o tiro com que o Barão de Munchausen cortou o cabresto do burro. Rimo-nos do susto de Dona Benta ao perceber que estivera sentada no dedo do Pássaro Roca, julgando que fosse raiz de árvore.

— Não viu também aquele murro que dei no olho do barão? — perguntou Pedrinho.

— Perfeitamente — e achamos muita graça na idéia.

O assombro dos meninos não tinha limites. A boneca pediu:

— Diga então o que Dona Benta está fazendo lá no sítio.

O saturnino virou o telecrocotó em certo rumo e respondeu:

— Está sentada na redinha da sala de jantar, chorando...

— Chorando? — repetiu a menina, admirada. — Por quê?

— Porque é uma avó muito boa e não sabe por onde andam os seus netos. Meu conselho é que voltem o quanto antes.

Pedrinho fez cara de choro.

— Voltar, justamente agora que encontramos o planeta dos nossos sonhos? Isso é doloroso...

— Concordo, mas vocês têm de admitir que é um crime deixarem uma tão boa criatura largada sozinha naquele planeta feio e triste. A Terra é um dos planetas mais atrasados e grosseiros do nosso sistema solar. Voltem. Tenham dó da velhinha. Um dia poderão dar novo pulo até aqui e trazê-la. Já sabem o jeito.

Os dois meninos concordaram, depois de um longo suspiro. Sim, tinham de voltar para aquele sem-gracismo da Terra, onde os homens não sabem fazer outra coisa senão matar-se uns aos outros.

— Não há dúvida — fungou Pedrinho. — Volto; depois venho cá de novo me naturalizar saturnino. Mas será possível semelhante coisa? Temos a nossa forma, temos só cinco sentidos e estes braços e estas pernas. Aqui em Saturno todas as coisas são diferentes...

— Isso não quer dizer nada. Nós enxertaremos em vocês todos os nossos crocotós, com licença ali da Senhorita Emília.

Aquela conversa com o saturnino foi o maior dos assombros. O que ele disse, o que contou do universo, o que falou a respeito de Sírio e outras estrelas famosas, tudo era da mais absoluta novidade — e um encanto! Os meninos não cessavam de fazer perguntas, que ele respondia com a maior clareza. Quando Pedrinho indagou do que comiam, a resposta foi:

— Nós nos alimentamos de fluidos aéreos. Lá na Terra vocês vivem indiretamente da luz do Sol. A luz do Sol cria as plantas e vocês não passam de praguinhas das plantas, de animais que vivem das folhas das plantas, das sementes das plantas, das raízes das plantas. E como a planta é uma criação da luz do Sol, vocês vivem da luz do Sol — mas indiretamente. Aqui é o contrário. Vivemos diretamente da luz do Sol. Nosso corpo embebe-se da luz solar e vive — e vive muito mais que vocês lá na Terra. Vivemos trinta vezes mais. Dona Benta, por exemplo, não viverá na Terra mais que oitenta ou noventa anos — anos lá de vocês. Aqui ela viveria trinta vezes isso — ou sejam 2.400 ou 2.700 anos...

— E não ficam doentes?

— Não há doenças em Saturno. Isso de doenças quer dizer “imperfeição adaptativa”. Vocês lá na Terra são seres ainda muito pouco evoluídos, seres bastante rudimentares. Não passam de “experiências biológicas”. Seres que ainda vivem de plantas são seres que ainda estão engatinhando na estrada larga da evolução.

Os meninos piscavam os olhos no esforço de entender o que o saturnino dizia.

— Bom, brinquem mais um pouco e voltem para a Terra. Dona Benta está dando suspiros cada vez maiores...

Disse e afastou-se gelatinosamente.

Assim que se viram sozinhos, os três tiveram uma idéia para a despedida: brincarem de patinar nos anéis de Saturno. Com o pouco peso que sentiam, a coisa seria facílima e deliciosa — e puseram-se a patinar, todos, até o anjinho. Todos, menos o Burro Falante. O pobre animal ficou de lado, vendo a linda brincadeira.

Numa das voltas que Emília estava dando aconteceu passar rentinho dele.

— Venha também! — gritou-lhe a boneca. — Aproveite!

O burro sentiu uma vontade imensa de aceitar o convite. Nunca havia brincado em toda a sua vida e a ocasião era ótima.

Não havia por perto “gente grande” para “reparar”. Mesmo assim se conteve. Ele era o Conselheiro, um personagem austero e grave. Precisava respeitar o título — e continuou imóvel onde estava, com as orelhas ainda mais murchas e o olhar ainda mais triste. Jamais brincara em criança — e também não brincaria naquele momento. Seu destino era passar a vida inteira sem regalar-se com as delícias do brincar. E o Conselheiro deu um suspiro arrancado do fundo do coração.

Os meninos por fim cansaram-se daquilo. Cansaram-se de patinar nos anéis de Saturno e pararam.

— Chega — disse Pedrinho. — Estou com remorso. A coitada da vovó chorando lá na rede. Isso é judiação.

E tratou de voltar à Terra. Antes, porém, tinham de portar na Lua para pegar Tia Nastácia.
____________
Continua … XIX – De novo na Lua
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Afonso Cruz (Os Livros que Devoraram meu Pai)


ESTE LIVRO SEU PAI TEM QUE CONHECER...

“Os livros que devoraram meu pai” uma viagem pelos grandes clássicos da literatura mundial
A Obra De Afonso Cruz, Vencedora Do Prêmio Literário Maria Rosa Colaço, Será Lançada No Brasil Pela Editora Leya

Elias Bonfim é um garoto que acaba de completar 12 anos e receber uma herança misteriosa, uma biblioteca abandonada. Mas este não é um presente comum, Elias também descobriu que seu pai, Vivaldo Bonfim, está preso em um dos livros de seu acervo e sua verdadeira herança é encontrar o pai.

“Os livros que devoraram meu pai”, de Afonso Cruz – lançado pela LeYa Brasil – é um quebra-cabeças do universo literário, em que um jovem vai desvendar os mistérios dos grandes clássicos e conhecer os perigos feitos de letras. O livro foi um dos vencedores do prêmio literário Maria Rosa Colaço, de 2009 em Portugal.

Vivaldo Bonfim era um escriturário entediado, que acabou mergulhando num exemplar de “A Ilha do Dr. Moreau”, de H. G. Wells, e nunca mais voltou ao mundo real, nem mesmo para o nascimento de seu filho Elias. O garoto imaginava que seu pai havia morrido de enfarte, mas completar 12 anos, sua avó lhe deu a chave para descobrir sua verdadeira história familiar.
Será que Elias encontrará seu pai? O que pode ter naquele livro de tão mágico? Como lidar com assassinos, paixões devastadoras, feras e outros perigos dessas páginas amareladas?

Quais serão as pistas que “A Odisséia”, “O Médio e o Mostro” e “A Divina Comédia” darão a ele nesta busca insólita?

Fonte:
Blog do Roberth Fabris