sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XIV – A Via-Láctea


Lá no sítio, quando Dona Benta falou da Via-láctea que os meninos enxergavam no céu, Emília veio com a asneirinha do costume. Estavam na varanda por uma noite muito límpida, a espiar as estrelas.

— E aquela espécie de nuvem branca que estou vendo lá? — tinha perguntado Narizinho; e depois de Dona Benta contar que era a Via-láctea e que láctea queria dizer “de leite”, Emília saíra-se com esta:

— Com que leite teriam feito aquilo? Para mim foi com leite da Grande Ursa...

Dona Benta explicou que naquele caso a palavra “láctea” não queria dizer “feito de leite”, como são os queijos e requeijões, e sim que tinha a aparência duma coisa leitosa.

— E “leitosa” não quer dizer “feita de leite”?

— Não. Leitosa quer dizer que dá idéia da cor do leite ou da consistência do leite. Aquilo lá no céu é o que os astrônomos chamam “nebulosa”. A Via-láctea é uma das muitas nebulosas que com o telescópio eles enxergam no espaço. Deram-lhe o nome de Via-láctea por causa da cor branquicenta com que a vemos daqui.

— E que é nebulosa? — perguntara Pedrinho.

Dona Benta cocou a cabeça. Não é fácil explicar às crianças o que é uma nebulosa. Por fim disse:

— Há várias hipóteses, meu filho. A hipótese mais aceita hoje é que são verdadeiros universos dentro do universo — arquipélagos de estrelas em tais quantidades que à distância parecem uma nebulosa, uma nuvem. São milhões de estrelas afastadíssimas.

— Todas como o Sol?

— Sim, meu filho. O Sol é uma estrela da infinidade de estrelas que há no espaço infinito. Está apenas a 150 milhões de quilômetros daqui, tão pertinho que sua luz leva só 8 minutos e 18 segundos para chegar até cá, caminhando com a velocidade que vocês sabem...

— Trezentos mil quilômetros por segundo — lembrou Pedrinho.

— Isso mesmo. Veja como é perto o Sol! Em 8 minutos e 18 segundos a sua luz chega até nós. Depois do Sol a estrela mais próxima da Terra está a 40 trilhões de quilômetros ou 4 anos-luz. Quer dizer que a luz dessa estrela leva quatro anos para chegar até nós.

— Irra!...

— E sabe que essa estrela está também muito perto de nós?

— Será possível? — exclamou Pedrinho assombrado. — Haverá ainda coisas mais distantes?

— Sim, meu filho. Os modernos telescópios revelam nebulosas a 500 milhões de anos-luz da Terra...

— Quinhentos milhões, vovó? — repetiu Pedrinho no maior dos assombros. — Isso também é demais; chega a ser desaforo...

— Quando inventarem telescópios ainda mais poderosos que os de hoje, é possível que essas nebulosas sejam consideradas próximas. Descobrir-se-ão outras a bilhões de anos-luz... Pois as nebulosas são isso — verdadeiros universos dentro do universo, a tremendas distâncias do nosso sistema planetário. E quando nos pomos a pensar no número de estrelas, então é que ficamos tontos de uma vez. A nossa galáxia, isto é, o universo onde está o nosso Sol e mais as estrelinhas que vemos no céu, compõe-se de mais de 40 bilhões de estrelas...

— Quarenta bilhões, vovó? Estou ficando totalmente tonto...

— Pois tonteie duma vez, sabendo que os telescópios revelam a existência de mais de 100 milhões de nebulosas, isto é, de universos dentro do universo, cada uma delas com bilhões e bilhões de estrelas...

Pedrinho fingiu que caía para trás...

Isso no sítio, nas conversas astronômicas de Dona Benta. Mas agora que estavam no céu e o fiunnn os levara justamente à Via-láctea, não quiseram saber daquela Via-láctea dos astrônomos.

Quiseram a Via-láctea da Emília, muito mais interessante. E foi na Via-láctea da Emília que eles brincaram, lá nos espaços infinitos.

Emília estava que nem doída. Viu por ali inúmeras estrelinhas em formação e começou a brincar com elas como se fossem amigas de infância e a contar-lhes histórias lá do sítio, proezas de Rabicó, façanhas do extinto Visconde de Sabugosa e do novo Doutor Livingstone. As estrelinhas divertiam-se com as novidades, mas confessavam não terem a menor noção da Terra.

— Parece incrível a ignorância destas bobinhas! — exclamou Emília quando suas amigas estrelas começaram a piscar para dormir. — Não sabem nada de nada. Falei do nosso grande planeta Terra, falei da Lua, falei de Marte — e todas arregalaram os olhos e abriram a boca. Era a primeira vez que estavam ouvindo tais palavras...

— Ah, Emília! — suspirou Pedrinho. — Isso prova como o universo é infinitamente grande e como a nossa Terra é pulga. Menos que pulga: é espirro de espirro de espirro de pulga. Cada uma dessas estrelinhas quando cresce vira um sol

— E sabe, Emília, quantas vezes a massa do nosso Sol é maior que a da Terra?

Emília não sabia.

— Um milhão e trezentas mil vezes! — declarou o menino. — O Sol é dum tal tamanho que até dá dor de cabeça nos astrônomos — e há estrelas muitíssimo maiores que ele. Mas quando o Sol nasceu devia ser um coitadinho como estas suas amigas daqui.

— Então é a isto que Dona Benta chama de “massa cômica”? — perguntou Emília.

Pedrinho riu-se.

— Massa cósmica, bobinha. Cômico quer dizer outra coisa. Cômico é o que é engraçado. Cósmico quer dizer relativo ao mundo, ou aos mundos, ou ao universo, que é o conjunto dos mundos.

— Mas que tem a palavra cósmico com mundo? Devia ser “massa múndica” e não massa cósmica.

— Vovó já explicou esse ponto. É porque em grego mundo é kosmos.

Enquanto falava, Emília ia fazendo um montinho de estrelas das menores, para enfeite de seu museu lá no sítio. E Narizinho, longe dali, pulava de cima das estrelas mais graúdas, sobre outras, tal qual lá no sítio pulava dum capim para trepar em outro.

Mais adiante havia um ponto onde a massa cósmica estava ainda pura, sem nenhuma estrelinha formada. Emília correu para lá e pôs-se a enrolar entre as palmas das mãos aquela massa luminosa, como Tia Nastácia enrolava massa de trigo para fazer bolinhos.

— Olhem que linda fiz agora! — disse ela mostrando uma enrolada em forma de rosquinha de polvilho. — Estrelas de rosca não existem no céu. Vou fazer uma porção e soltá-las no espaço para irem crescendo. Imaginem a cara dos astrônomos em seus telescópios, quando derem com as “estrelas emilianas”, todas em forma de rosca...

Pedrinho só queria saber de cometas. Juntou uma dúzia dos mais engraçadinhos para os levar — e ria-se de gosto, imaginando a cara de Dona Benta ao vê-lo ir tirando do bolso filhotes e mais filhotes de cometa.— Parecem sapinhos de cauda, só que estes não perdem o rabo quando crescem. Ficam de caudas cada vez maiores. Aquele cometa de Halley que vovó viu em 1.910 tinha uma cauda de 45 milhões de quilômetros...

E Pedrinho começou a contar o que sabia dos cometas.

— São uns astros muito curiosos — disse ele. — Também giram em redor do Sol como os planetas, mas têm as órbitas diferentes.

— Que é órbita? — perguntou Emília.

— Órbita é o caminho percorrido por um astro. A órbita dos planetas é quase um círculo, mas a dos cometas tem a forma do que os sábios chamam “elipse”.

— E que é elipse? — tornou a perguntar Emília.

— É a forma dos balões dirigíveis ou daqueles bolinhos compridos que Tia Nastácia faz. Os cometas passam muito perto do Sol e depois se afastam a distâncias tremendas. E levam assim toda a vida: a se aproximarem e depois a se afastarem do Sol. Segundo diz vovó, esse cometa de Halley, depois de passar perto do Sol, afasta-se até para lá da órbita de Plutão, que é o fim dos nossos mundos (estes mundos que giram em redor do Sol). Afasta-se sabe quanto? Afasta-se 1 bilhão e 300 milhões de léguas. Quando chega ao extremo da elipse, sente-se tão enregelado que volta para aquecer-se novamente ao calor do Sol. E assim toda a vida. Dá uma volta completa em setenta e seis anos.

— Que bobo! — exclamou a boneca. — Muito melhor se girasse sempre à distância em que a Terra gira, porque então teria um calorzinho sempre igual.

— Eles que usam o sistema da elipse é porque gostam — disse a menina. — Devem ter suas razões. E que mais você sabe dos cometas, Pedrinho?

— Sei a história do cometa Biela, que é muito interessante. Esse Biela costumava dar o seu giro completo em seis anos e meio, mas da vez em que passou à vista da Terra em 1.846 aconteceu-lhe uma coisa extraordinária: partiu-se em dois! Dividiu-se em dois cometas de órbitas paralelas, cada qual com o seu “núcleo”, ou cabeça, e a respectiva cauda.

— Que engraçado! E apostaram corrida no céu?

— Sim. Um começou imediatamente a afastar-se do outro. Um mês depois já estava a 60.000 léguas na frente. Seis anos e meio mais tarde a parelha de cometas foi novamente vista nos céus da Terra, mas separados por uma distância de 500.000 léguas.

— E depois?

— Depois decorreram diversos períodos de seis anos e meio sem que os dois Bielas voltassem, até que no dia 27 de novembro de 1.872 reapareceram desfeitos em milhares de fragmentos luminosos, sempre a correrem pela mesma órbita.

— Que história é essa?

— É que os dois Bielas se haviam espatifado completamente e agora estavam girando transfeitos em farelo de cometa. Os astrônomos calcularam em 160.000 o número dos pedaços dos Bielas que riscaram o céu naquela noite...

— Que assombro dos assombros não devia ser! — exclamou a menina entusiasmada. — Que beleza!...

— Também acho — concordou Pedrinho — e creio que nunca em tempo algum houve pelos céus da Terra um espetáculo mais portentoso. Cento e sessenta mil pedaços de cometa, imaginem!...

— Que regalo para os astrônomos, não?

— Sim, e deu-se um caso muito cômico. O Flammarion, que era um dos maiores astrônomos da época, estava naquele mês em Roma, convalescendo de um ataque de malária. E por causa da doença tinha de recolher-se muito cedo todos os dias. Pois na famosa noite de 27 de novembro aconteceu-lhe a coisa mais terrível de todas.

— Já sei! — gritou Emilia. — Caiu-lhe na cabeça um dos 160.000 pedaços do Biela...

— Não! Coisa muito pior. Flammarion foi para a cama às seis horas da tarde e a maravilhosa chuva de estrelas começou uma hora depois, exatamente às sete, e durou seis horas. Durou das sete até uma hora da madrugada — e ele roncando lá na cama, com as janelas fechadas!... No outro dia, quando se levantou e soube do acontecido, quase morreu de sentimento.

— Mas não houve por lá uma alma caridosa que o acordasse a tempo?

— Não houve nada. Todo mundo estava de nariz para o céu e ninguém se lembrou dele.

— Eu me matava — disse Emília. — Se eu fosse astrônoma e perdesse um espetáculo desses, juro que...

— ...que pregava um tiro de canhão na orelha, já sei — concluiu Pedrinho.

Muitas outras coisas ainda disse o menino sobre os cometas. Só parou quando viu Emília bocejar — então foi encher os bolsos de cometinhas novos. Enrolava-lhes a cauda em redor do núcleo e guardava-os. Narizinho, que também estava a lidar com aquilo, teve de repente uma idéia cômica.

— Sabem o que vou fazer? Amarrá-los uns nos outros pelas caudinhas e soltá-los no éter. Imaginem como vão ficar engraçados quando crescerem! E a dor de cabeça dos astrônomos do futuro para decifrar o mistério...

— Eles não se apertam — disse Pedrinho. — Armam logo uma hipótese e pronto.

— Que é hipótese, Pedrinho? — perguntou Emília. — Dona Benta usa muito essa palavra, que acho ótima para nome do bezerro da Vaca Mocha.

— Hipótese — explicou Pedrinho — é quando a gente não sabe uma coisa e inventa uma explicação jeitosa.

Emilia gostou tanto daquela palavra que se pôs a repeti-la de todos os modos, como era seu costume com as palavras importantes. Hipótese — tesehipo, setepohi, pohitese...

— Pare, Emília! — ralhou a menina. — Pelo menos aqui neste canteiro de mundos não mexa na torneirinha...

Mas a boneca nem ouvia. Estava às voltas com uma estrela dupla, coisa rara como trevo de quatro pétalas num jardim.

— Achei uma das duplas! — gritou ela. — Vou levá-la de presente ao meu cavalinho sem rabo.

Depois, voltando aos cometas, teve uma idéia excelente.

— Que tal, Pedrinho, se eu plantar um rabo de cometa no meu cavalinho sem rabo? — e sem esperar resposta arrancou o rabo dum dos cometinhas, enrolou-o e guardou-o no bolso do avental, enquanto ia murmurando lá consigo: “Como ele vai ficar contente!”

— Você falou em cavalo, Emília — disse Pedrinho e me fez lembrar do Burro Falante. Com certeza está enganchado na cauda dum desses grandes cometas que andam como malucos girando pelos espaços; e o meio de o acharmos é um só: sairmos em procura deles montados em outro cometa. Foi o que eu disse a São Jorge. É possível que aqui encontremos um cometa já crescidote que nos agüente no lombo. Vamos ver se descobrimos um que sirva.

E puseram-se a procurar um cometa já taludote. Súbito, Emília, que se afastara dos meninos, gritou lá longe:

— Estou vendo um que serve. Corram depressa!... Pedrinho e Narizinho correram para lá e realmente viram um cometa de linda cauda e do tamanho exato que queriam. Um verdadeiro potrinho.

Mas não foi fácil agarrá-lo. Era um cometa arisco e manhoso, sabido como ele só; nunca tinha visto gente, de modo que corcoveava e fugia assim que eles se aproximavam. Mas, cerca daqui, cerca dali, conseguiram afinal pegá-lo, e Pedrinho, que era bom cavaleiro, montou-o dum pulo. Depois, dando a mão à menina e à boneca, fez que as duas também montassem.

— E rédea? Como arranjar rédea para guiar este potro pelos espaços?

— Faça uma rédea de caudas de outros cometinhas — gritou Emília. — Rabo de cão se cura com mordedura do próprio cão, como diz Tia Nastácia.

Pedrinho gostou da idéia, e mesmo montado conseguiu alcançar e arrancar vários rabos de cometinhas menores, que num instante teceu em forma de rédea e passou pelo “núcleo” do potro. Os pobres cometinhas derrabados olhavam para trás desapontadíssimos e muito sem jeito. Quem se acostuma com rabo não sabe viver sem ele.

— Não se aflijam! — gritou-lhes a boneca. — Lá em casa há um ilustre marquês que também não tem rabo e vive muito bem. E chama-se Rabicó justamente por isso. Rabicó quer dizer sem rabo. Vocês ficam sendo os rabicós celestes...

Depois de bem domado aquele Potro dos Céus, Pedrinho perguntou:

— Pronto? Podemos partir?

— Não ainda! — gritou Emília. — Esqueci de pôr no bolso o meu montinho de estrelas. Espere que já volto — e apeando-se foi encher de estrelinhas o bolso do avental. Depois montou de novo e berrou para Pedrinho:

— Pronto! Podemos fincar as esporas nesta “hipótese”.

Pedrinho não fez isso; fez coisa mais importante: esfregou no nariz do cometa uma boa pitada do pó de pirlimpimpim.

O potrinho celeste espirrou e saiu ventando.
____________
Continua … XV – A Cavalgada Louca
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 284)


Uma Trova Nacional

Uma Trova Potiguar

As trovas que faço a esmo,
em sentidos tão diversos,
são pedaços de mim mesmo
transfigurados em versos.
–JOSUÉ TABIRA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Niterói/RJ
Tema: PENUMBRA - M/E

Tanto a paixão nos deslumbra
e o seu ardor nos seduz,
que, em nosso quarto, a penumbra
é pontilhada de luz...!
–PEDRO MELLO/SP–

Uma Trova de Ademar

Sob a sombra de um carvalho,
dormi sentindo os odores
e acordei-me vendo o orvalho
molhando o rosto das flores!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Não sabe, quem não aceita
as cruzes que carregamos,
que a nossa vida é colheita
daquilo que nós plantamos.
–ALICE ALVES NUNES/DF–

Simplesmente Poesia

Espelho
–MÁRIO QUINTANA/RS–

Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste...”

ESTROFE DO DIA

Na aurora da minha mocidade,
Por alguém me deixar na solidão
Comecei a sentir inspiração
Escrevendo poemas de saudade.
Quando tinha dezoito de idade
Fiz a minha primeira cantoria,
O segredo da arte eu nem sabia
Por que era ainda um rapazola;
Com a graça de Deus e a viola
Consegui arranjar o que eu queria.
–CHICO MOTA/RN–

Soneto do Dia

–FRANCISCO PÉRSIO FALABELLA/MG–
Saudade

Há uma palavra triste, comovente,
que todo mundo vive com certeza,
ei-la vibrando maviosamente:
a mais bela da língua portuguesa.

A saudade da amada que se sente,
da família reunida junto à mesa,
nossa infância feliz, meiga, inocente,
dias idos, tão cheios de beleza.

Saudade! Grande mágoa que me invade.
Pela estada da vida não me iludo
de achar o estado da felicidade...

E eu percebo o meu ser vagando a esmo,
é que eu sinto afinal, ao fim de tudo,
uma grande saudade de mim mesmo!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Montagem da Trova Nacional sobre imagem obtida em http://aicarolina.blogspot.com

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Aviso a Todos Trovadores



Vocês possuem mais um espaço para divulgar as suas trovas no site da UBT São Paulo.

Aproveitem este espaço para mostrar os seus textos para as velhas e novas gerações. O espaço é seu, associado da UBT SP ou assinante do informativo, aproveite!

Não deixe que as trovas caiam no esquecimento, mantenhamos acesa a sua chama.

Envie suas trovas para J. B. Xavier, em http://www.ubtrova.com.br/contato.php

Participe! Divulgue! Deixe gravado o seu nome nas páginas de nossa história!

Obs: Site restrito aos associados da UBT São Paulo ou assinantes do informativo da UBT SP.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 283)

Uma Trova Nacional


Uma Trova Potiguar


Quero paz, mão estendida,
carinho, amigos e enfim,
a escolha de amar a vida
e ser amado, por fim ...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada


2007 - Porto Alegre/RS
Tema: NAU - Venc.


No mar revolto da vida,
mesmo sem ter o roteiro,
sei que não sou nau perdida
porque Deus é o timoneiro.
–THEREZINHA DIEGUES BRISOLLA/SP–

Uma Trova de Ademar


Eu que já nasci Poeta,
digo-lhe nesta obra prima:
meu coração só se aquieta
depois que eu faço uma rima!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Se a seca nos traz a mágoa,
seca total não existe:
- sempre cai um pingo d`água
dos olhos de um povo triste.
–APRYGIO NOGUEIRA/MG–

Simplesmente Poesia

Metade de Mim
–GISLAINE CANALES/SC–


Endosso as palavras do Poeta,
que disse como ninguém:
“Porque metade de mim é amor,
e a outra metade... Também“.
Minhas duas metades
se completam,
formando um todo de amor!
Metade de mim ama o Sol,
a outra metade ama a Lua...
Metade de mim ama a noite,
a outra metade ama o dia...
Metade de mim, ama a prosa,
a outra metade, a poesia!

Estrofe do Dia

Por capricho a doença me invade
me roubando a coragem, a força, a Fé,
tudo quanto eu sinto sei que é
consequência do peso da idade.
O meu corpo não tem agilidade,
para mim não existe mais saída,
só Jesus e Maria concebida
poderão este quadro reverter;
só se eu fosse maluco pra não ter
a certeza que estou no fim da vida.
–CHICO MOTA/RN–

Soneto do Dia

Amor-Próprio Ferido
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–


Anos e anos eu sinto as invejosas
Pontadas de ciúmes no meu peito
Ao recitar poesias primorosas
Com versos que eu queria tê-los feito.

Ah! Deus! Eu trago em mim as rancorosas
Mágoas, e uma coroa de despeito
Das alheias estrofes luminosas
Que leio na penumbra do meu leito.

Mas, ainda tenho uma frase que alimenta
A vingança da dor que me restou...
Caio em delírio e a minha febre aumenta.

E o espectro de loquaz, que acho que sou,
Murmura um verso que a demência inventa
Para um amor que nunca me escutou.
---


Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Montagem da Trova Nacional com fotos por J. B. Xavier e José Feldman

Apollo Taborda França (Encantos de Guaratuba)


Senhora do Bom Sucesso,
Nobre São Luiz da Marinha...
Continuem protegendo
Encantos de Guaratuba!
O seu céu e as estrelas,
As lindezas do seu mar,
A carícia das areias,
Até a Barra do Sai!

A doçura de suas praias,
Suas ilhas, manguezais,
As gaivotas, mergulhões,
Garças brancas, quero-queros.
Deliciosas pescarias,
O pôr do sol na baia,
Claro luar das Caieiras,
O Cristo do Brejatuba!

Os altivos pescadores,
os deslumbrados turistas,
O amor por toda parte.
As garotas tão vistosas,
Circulando pela urbe,
São colírios para os olhos
Que não param de olhar!

Ricas, chics residências,
Suas largas avenidas,
As paineiras, flamboyantes,
Outras árvores que tais.
Seduzindo a não poder
Bem lembrando as serenatas,
No correr das madrugadas!

Sol se estira no horizonte,
Tarde fica rosicler...
Na balada de uma fonte
Há uma aroma de mulher!
No prazer e na alegria,
Em vivência primordial...
Que se passa a cada dia:
- Guaratuba é sem igual!...

Concursos da UBT São Paulo 2011 (Resultados Finais) 2a. Parte











CONCURSO ASSOCIADOS DA SEÇÃO SÃO PAULO – SP

VENCEDORES
Tema: Fornalha


Tua carícia não falha
e ao fogo de amor me induz,
pois tua mão é fornalha
que me esquenta à meia luz.
ANALICE FEITOZA DE LIMA

Deserto, paisagens tortas,
fornalha de inferno e frágua,
as dunas são ondas mortas,
neste mar que não tem água
CAMPOS SALES

Obs: A palavra frágua significa fogueira. Naturalmente, que num sentido figurado se utiliza para exprimir tudo o que está relacionado com este conceito; fogo, calor intenso, etc

O sol parece fornalha
queimando tudo o que existe.
O chão, seco, a fome espalha…
mas, nordestino, resiste!
HÉRON PATRÍCIO

Eu vi queimar os encantos
dos sonhos deste menino
e transformá-los em prantos
na fornalha do destino
JOSÉ GILBERTO GASPAR

O teu adeus é um castigo,
mas, me acalma esta verdade:
a esperança é o meu abrigo
na fornalha da saudade!...
MARILUCIA REZENDE

O sol que vai se deitando,
neste ocaso que me alcança,
é uma fornalha queimando
os meus sonhos de esperança.
MARINA BRUNA

Tu foste embora e, ao partir,
me deixaste só, sem dono,
com minha alma a se extinguir
na fornalha do abandono...
MARINA BRUNA

Uma fornalha é meu leito
e, ao amar-te sem pudor,
embora ele seja estreito,
estreita mais nosso amor!...
MARISA RODRIGUES FONTALVA

Quando a paixão é marcada
por possessão, se resume
numa rosa incinerada
na fornalha do ciúme...
RENATA PACCOLA

Na fornalha deste amor,
fiz um cristal se quebrar,
ao derramar meu calor
no gelo do teu olhar...
RENATA PACCOLA

A vida é um “fogo de palha”
e o tempo se mostra algoz,
mais parece uma fornalha
onde a palha... “somos nós”!...
ROBERTO TCHEPELENTYKY

Na fornalha, em que me abraso,
- você finge que não vê -
seu desprezo não faz caso
do meu amor... por você!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

NOVOS TROVADORES
Tema: Fornalha

Se for teste, meu Senhor,
o viver nesta fornalha,
tu verás que a fé e o amor
de um nordetino não falha!
J. B. XAVIER

Eu lembro a roça, a fornalha,
coisa comum no sertão:
água bebida na talha
e a fornalha assando o pão.
WALDIR GERSON GRANZOTTI

Joguei rosas na fornalha
e o vento, por brincadeira,
vendo as cinzas, as espalha
perfumando a praça inteira!
WALDIR GERSON GRANZOTTI

Tendo fé, não sou ruim,
na caridade eu me esforço,
pois quem é mau tem por fim
a fornalha do remorso!
YEDDA RAMOS MAIA PATRÍCIO

CONCURSO HUMORÍSTICO ASSOCIADOS DA SEÇÃO SÃO PAULO – SP

Tema: Forró

VETERANOS E NOVOS TROVADORES


A Raimunda, minha prima,
lá no forró faz sucesso;
é que o povo adora a rima
que a prima tem em excesso.
CAMPOS SALES

“Fazê forró? Dexo não.
– Dotô, meu povo é pacato.
– E se tivé confusão?
– Si tivé, dexa que eu mato.”
CAMPOS SALES

No forró, cachaça à mão,
a morena dando trela
e o sanfoneiro, “doidão”,
atrás do molejo dela…
DARLY O. BARROS

O forró, diz meu amigo,
me esbraseia e deixa quente:
o esfrega-esfrega de umbigo
é um perfeito “antecedente”.
HÉRON PATRÍCIO

O forró ia animado:
de briga, nenhum perigo…
– Gostoso, que só pecado:
era umbigo contra umbigo! …
HÉRON PATRÍCIO

– Quando saiu… a maninha
foi com “mãinha” ou foi só?
– Sei não! Mas voltou “mãinha”,
quando chegou do forró!
JAIME PINA DA SILVEIRA

Severino tem oitenta!
Raimundinha, vinte e dois!
Mas, quando o velhinho esquenta,
fica o forró prá depois!…
JAIME PINA DA SILVEIRA

No forró do bate-fundo,
Manezinho cai na dançavam
e, naquele fim de mundo,
enche o mundo de criança…!
MARIA DE LOURDES PAIVA REIS

Com sensual rebolado,
a morena, vejam só,
faz o forró assanhado
virar um forrobodó!!!
MARILUCIA REZENDE

No forró, tanto dançava
a decotada senhora
que o que dentro antes pulava
pulou pro lado de fora.
MARINA BRUNA

No forró dança sozinho
aquele gordo, e se queixa
que não dança agarradinho
porque a barriga não deixa!
MARTA MARIA PAES DE BARROS

Falhou, marcando o compasso
do forró… mas, se esforçou
e quando acertou seu passo,
seu marca-passo… falhou!!!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

São dois, no espaço de um só
de agarradinhos que estão…
e a moça, após o forró,
teve direito à pensão!
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Fontes:
Revista "Concursos UBT São Paulo - 2011"
Fotos: José Feldman

UBT Seção São Paulo (Homenagem aos Pais)


Meu pai nada me falava
quando me via nervoso.
Aprovava ou reprovava
num olhar doce e bondoso.
(J.B.Xavier)

Foi meu pai, com seu carinho
e o calor de seus abraços,
a luz firme em meu caminho
e a meta para os meus passos.
(Henrique Aragão)

Do meu pai me lembro bem,
nos seus olhos quanto brilho
sempre que dizia a alguém:
"Tenho orgulho do meu filho!"
(Wilson Montemor)

Meu pai! É tal o carinho
com que minha alma te exalta,
que Deus me deu um netinho
Compensando a tua falta.
(Alcy R.Souto Maior)

Palavra alguma conforta
a um pai que vê com tristeza,
a fome rondando a porta
querendo sentar-se à mesa...
(Campos Sales)

Meu pai, humilde e bondoso,
viveu pobre e, mesmo assim,
foi tão nobre e caprichoso
que fez um homem de mim!
(José Maria Machado de Araújo)

Toda criança constrói
um mundo feliz, sem medo.
Foste, pai, o meu herói
do meu mundo de brinquedo.
(Nilci Guimarães)

Papai, eu queria tanto
que hoje estivesses comigo
para secar o meu pranto
sentindo o teu peito amigo.
(Marisól)

Deus Pai, criador do mundo,
sou grato porque o fizestes.
Mas, um favor mais profundo,
Vos devo: o pai que me destes!
(Carlinda Lamego)

Se esta Trova for manchada,
a explicação aqui vai:
Foi a lágrima chorada
de saudade de meu pai.
(Almerinda Liporage)

A lembrança de meu pai
É a chama que me alumia;
é a vida que dá mais vida
a quem tanto ele queria.
(Octávio Babo Filho)

Honesto e trabalhador...
Exemplo que não se esvai...
Eis o perfil mais sem cor
em que revelo meu Pai!
(João Freire Filho)

Dosando amor e energia
ele cumpriu seu destino;
Oh meu pai! como eu queria
ser novamente um menino!
(Ercy Maria Marques Faria)

Quando a voz de um pai ressoa
e a de um filho abaixa o tom,
conselho é semente boa
plantada em terreno bom.
(Aloisio Alves da Costa)

Meu pai deixou esta vida.
Para o céu, Deus o levou.
Foi a ausência mais sentida
que o destino me legou.
(Ivo dos Santos Castro)

Pai, não existe, em verdade,
um dia teu de honrarias:
não há dia sem saudade,
pois são teus todos os dias!...
(Elmo Gomes)

Senhor Deus - o Pai dos Pais,
-porque motivo consentes,
entre teus filhos iguais,
destinos tão diferentes?
(João Rangel Coelho)

Contra este mundo selvagem,
para um filho defender,
um pai descobre a coragem
que nunca soubera ter!
(Marina Bruna)

Fonte:
http://www.ubtrova.com.br/visualizar.php?idt=3136563

Millôr Fernandes (Poesia Matemática)


Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base...
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela.
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A alma irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais
Um Todo.
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.

Fonte:
Texto enviado por Efigênia Coutinho.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 282)


Uma Trova Potiguar

Vendo os dotes de Jussara
no seu biquíni miúdo...
–Morro de inveja do cara
que é dono daquilo tudo!!!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2005 - Nova Friburgo/RJ
Tema: COMILÃO - M.H

Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
–SELMA PATTY SPNILELLI/SP–

Uma Trova de Ademar

A pimenta é ardilosa...
Toma cuidado, rapaz!
Pois deixa mais dolorosa,
aquela parte de trás.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Na paquera é mesmo craque.
Com muita bossa, a Tereza
joga fechada no ataque
deixando aberta a defesa...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

O beijo.
–BASTOS TIGRE/PE–

A namorada do Mário,
Lia - um anjo de inocência,
Para um caso de consciência
Vai consultar o vigário.

E, a face rubra de pejo,
Lhe pergunta se é pecado
Dar um beijo ao namorado,
Ou dele levar um beijo.

Diz o padre: - Um beijo apenas
É pecado, dos veniais,
Mas sendo dois, três ou mais
Merecem do inferno as penas.

Lia está de causar dó!
Pavor do inferno, bem vejo,
Ela bem sabe que o beijo
Não se dá nem leva um só...

Estrofe do Dia

Vi um tatu sanfoneiro
e um tejo cantando hino,
calango no violino
tocando certo e ligeiro,
lagartixa no pandeiro
tocando um samba infernal,
um peba lendo um jornal
sentado em cima dum toco;
vi cobra comendo coco
no centro da capital.
–BEM-TE-VI NETO/CE–

Soneto do Dia

...Na Gandaia.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Eu puxei a meu pai, pois sua praia,
pelo que minha mãe sempre dizia,
foi sempre fazer verso e poesia,
como também, curtir “rabo-de-saia”.

Por isto quando caio na gandaia,
não tem mês, não tem hora, não tem dia,
só mulher cura esta minha arritmia,
só não quero negócio com Lacraia.

Pego toda mulher, desde que nova,
pois mulher para mim é como trova
sendo bonita eu vou na quantidade.

Se a mulher descobrir, eu tô lascado,
eu nego e faço um verso apaixonado,
desminto minha hereditariedade.

Recomendo:
http://www.ubtrova.com.br
http://singrandohorizontes.blogspot.com
http://www.pedromello-ubt.blogspot.com
http://www.ubtnacional.com.br
http://cobracordelista.blogspot.com

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Montagem de trova sobre imagem obtida em http://zumptv.blogspot.com/

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XIII – Proezas da Emília em Marte


Os meninos quedaram-se calados e imóveis atrás da pedra enquanto Emília se afastava. Meia hora depois já estavam inquietos.

— Fomos muito egoístas, Pedrinho, deixando que Emília saísse com o seu lampeirismo por este mundo desconhecido. Se ela nunca mais voltar, vai ser uma tristeza lá no sítio.

— Não tenha medo — animou Pedrinho. — Emília é uma danada.

E tinha razão de pensar assim, porque logo depois a boneca reapareceu, com cara alegre.

— Estamos salvos! — foi dizendo muito lambeta. — Os marcianos não nos podem ver. Fiz todas as experiências. Passei rentinha duma porção deles. Cheguei até a puxar o chicotinho de um. O coitado levou um susto, mas não me percebeu. Podemos passear por aqui sem medo de nada.

E assim foi. Saíram dali sem medo nenhum e, sempre guiados pela Emília, andaram por toda parte como se estivessem na casa da sogra. Como os dois nada pudessem ver, tinham de contentar-se com as informações da Emília.

— Estamos num maravilhoso palácio — disse ela em dado momento. — Deve ser o palácio do governo dos marcianos. Lá está o rei no seu trono, todo batatal, como se fosse o dono dos mundos...

— Como é esse rei? — perguntou a menina, ardendo de curiosidade.

— Oh, um rei e tanto e diferente dos outros marcianos. Tem o chicote da cara mais comprido. Esperem... Estou vendo que o tal chicote não serve só para falar... O rei está danado com alguém. O chicote vibra no ar e dá chicotadas num marciano... Surra e fala ao mesmo tempo... Esperem, esperem ... Estou compreendendo a linguagem do chicote...

Os dois meninos começaram a ficar com medo da boneca. Parecia transformada. Não mais lembrava a Emília bobinha e asneirenta lá do sítio. Falava e raciocinava na maior perfeição como se alguma misteriosa fada lhe houvesse enxertado um novo dom.

— Já aprendi a língua dos marcianos — disse ela por fim. — Compreendo perfeitamente o que falam. E sabem o que o rei está dizendo? Está dizendo a um cara de crocotó (com certeza um ministro) que o planeta foi invadido por entes estranhos.

— Mas como pode saber disso se não nos enxerga? — observou Pedrinho.

— Não enxergam, mas sentem. O rei está falando... Está dizendo: “Há qualquer coisa de estranho por aqui. Quero que os aparelhos detectores sejam postos em ação imediatamente”.

— Que aparelhos detectores serão esses? — indagou Pedrinho. — Com certeza inventaram olhos mecânicos, já que não podem enxergar como nós. Se os tais aparelhos detectores nos descobrem, estamos fritos...

— Fritos, nada! — exclamou Emília. — Havemos de tapear estes marcianos com todos os seus crocotós.

— Que tantos crocotós são esses, Emília? — volveu Narizinho.

— São as coisas esquisitas que eles têm pelo corpo e não posso adivinhar o que sejam. Crocotó é tudo que é empelotado ou espichadinho como os tais chicotes. Os marcianos são crocotosíssimos. Esses crocotós devem ser órgãos próprios deles aqui.

— E como vamos nos arranjar com gente assim?

— Eu dou jeito — declarou Emília. — Vou descobrir os tais ‘‘aparelhos detectores” — e misturo tudo, arraso com eles.

Disse e fez. Meteu-se pelo palácio na pista do ministro, o qual, depois de receber a ordem do rei, se encaminhara para o aparelho detector ali do palácio.

Era um maquinismo esquisito e incompreensível, mas Emília sabia que todas as máquinas têm um ponto comum: só funcionam quando estão com todas as peças perfeitinhas e no lugar. Uma que seja quebrada ou retirada, e já o funcionamento da máquina inteira não é o mesmo.

Pensando assim, Emília agarrou uma espécie de martelo e começou a martelar as peças mais delicadas, quebrando ou amassando as que pôde.

O pobre ministro, muito apavorado, via o amassamento das peças sem conseguir ver o autor do estrago, e tal foi a sua impressão que de súbito caiu por terra desmaiado. Emília aproximou-se para examiná-lo de bem perto.

Que ente esquisito! Não era de carne e sim duma substância branca e mole como a borracha. Emília examinou-o demoradamente sem que conseguisse entender coisa nenhuma. Via uma porção de crocotós ou órgãos muito diferentes dos nossos. Qual seria a boca? Quais seriam os olhos ou os ouvidos? Só quanto ao chicote é que ficou certa, pois era na verdade o órgãozinho com que os marcianos se entendiam entre si.

Depois de muitas pancadas no Aparelho Detector, a boneca percebeu que daquele mato não sairia coelho, isto é, que já não havia perigo de serem detectados por aquele aparelho. Para maior segurança pregou uma terrível martelada num dos crocotós do ministro desmaiado — e foi correndo para onde estavam os meninos. A despeito da martelada no crocotó, o ministro voltou a si e foi dar parte ao rei dos esquisitos acontecimentos.

— Algum estranho invadiu os nossos domínios e acaba de arruinar o detector do palácio — disse ele. — Vi os estragos irem aparecendo como por si mesmos, mas não pude ver o autor daquilo. É invisível. E também sentia a ação do intruso em meu crocotó número 5. Deu-me tamanha martelada que quase fui para o beleléu...

— Nesse caso — ordenou o rei furioso — expeça ordem para que os quinhentos detectores do reino sejam postos em atividade — quero ver se o tal intruso tem forças para arruinar todos os nossos detectores. E logo que ele seja detectado e aprisionado, quero que o ponham num garrafão de álcool e o guardem no museu.

— Hum!... — fez Pedrinho ao ouvir essa história. — Já tive um saci na garrafa1 e não quero que me aconteça o mesmo. O melhor é safar-nos deste misterioso e perigoso planeta antes que nos detectem e engarrafem...

— Isso é o verdadeiro — concordou Narizinho. — Passe para cá a minha pitada de pirlimpimpím e azulemos daqui.

Pedrinho distribuiu as pitadas e deu o sinal:

— Um... dois... e três!

Mas na pressa com que fizeram aquilo esqueceram-se de determinar o rumo a seguir, de modo que em vez de irem para um novo planeta foram despertar na Via-láctea.
____________
Continua … XIV – A Via-Láctea
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 281)

Pintura a óleo por Carlos Dugos (Saudade)

Uma Trova Nacional

Meu quadro, na realidade,
se mostra pintado assim:
eu fugindo da saudade...
E saudade atrás de mim!...
–MARISA RODRIGUES FONTALVA/SP

Uma Trova Potiguar

Muito mal desperta o dia
e eu aqui já estou desperto:
Noite de amor e poesia...
Não fui ao céu, mas, fui perto!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Porto Alegre/RS
Tema: CAIS - Venc.

De esperas fiz meu passado...
E compondo a vida assim,
tornei-me um barco ancorado
no cais do porto de mim...
–MARISA VIEIRA OLIVAES/RS–

Uma Trova de Ademar

Nem no Câncer... Senti dor,
e a “Gregrena” foi banida...
Ninguém foi mais vencedor
do que eu já fui nesta Vida!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Angústia é isto: este anseio,
pássaro aflito, doente.
Nem se sabe de onde veio
pra sofrer dentro da gente!
–VERA VARGAS/PR–

Simplesmente Poesia

Metapoema
–J. LUZ/RN–

A poesia anda sufocada
num livro compacto
em banca de jornal.
A poesia anda envelhecida,
exposta no silêncio entre poeiras
da biblioteca pública.
A poesia anda adoentada,
diuturnamente dissecada como corpo
em biopsia acadêmica.
O poema perdeu o verso,
o verso perdeu o metro
e o metro perdeu a rima;
o poema aboliu o ritmo.
O poeta expurgou a emoção.
O poema virou notícia
e perdeu a poesia.
O homem ficou menor
e o universo, maior.
O cotidiano esmaecido,
sem cor e olor.
Falta ética.
Falta estética.
Falta poesia.
Falta o homem ético e poético.
Falta o poeta...

Estrofe do Dia


Plantei um pé de uva
dentro de uma panela,
coloquei numa janela
da casa de uma viúva;
de noite veio uma chuva
com relâmpagos e trovão
e um forte furacão
arrebentou a janela,
torou no meio a panela
e a terra caiu no chão.
–BELARMINO DE FRANÇA/PB–

Soneto do Dia

Carência
–THEREZA COSTA VAL/MG–

Vagando pelas ruas, o menino,
sem esperança, sem palavra amiga,
não sabe o que esperar de seu destino
nem sabe se algum dia a paz consiga.

Conhece o sofrimento, o pequenino:
a dor, o desabrigo, o mal, a intriga,
e a fome sempre o traz em desatino...
E por viver com fome, ele mendiga.

Pobre criança entregue à própria sorte
que a vida leva em luta contra a morte,
seguindo o que, da rua, a lei ordena!

Como ser bom se a sorte não ajuda!...
Ele só quer, na sina que não muda,
ganhar de alguém carinho...Em vez de pena!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Fonte da Imagem = http://eaobranasce.blogspot.com/

Selma Patti Spinelli fala de Octávio Babo Filho


Quando a Livraria Freitas Bastos lançou a Coleção Trovas e Trovadores, o nosso Trovador em Foco de hoje já aparecia no vol. 7 com seu Cantiga das horas vagas; e depois publicaria o seu Ao correr das horas. Estou falando de Octávio Babo Filho, ilustre carioca de uma família ilustre.

Ele pertenceu à velha guarda da Trova, com todo o nosso respeito: nasceu em 20 de julho de 1915 e nos oitenta e sete anos bem vividos, foi, não só, o ilustre advogado do Fórum do Rio de Janeiro, mas querido cancioneiro popular, tendo suas músicas entoadas não só no Rio, mas no Brasil.

Quem já não cantou essa valsa natalina:

Botei meu sapatinho
Na janela do quintal.
Papai noel deixou
Meu presente de natal.

Como é que papai noel
Não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre
O velhinho sempre vem!

Pois é! Mesmo gozando de grande prestígio, seja como advogado ou como artista, Octávio Babo Filho era, no dizer dos que o conheciam bem, verdadeiramente um simples. E essa simplicidade o impedia muitas vezes de fazer Trova, tarefa que ele considerava das mais difíceis!

Até... que em 1960 desencabulou: foi classificado entre os dez primeiros colocados do I Jogos Florais de Nova Friburgo; e isso lhe abriu o caminho definitivo do sucesso na Trova. Eis a premiada:

Se toda gente soubesse
Como custa querer bem,
Quanta gente gostaria
De não gostar de ninguém.

Ao lermos suas Trovas, podemos constatar que o conteúdo de suas mensagens revela muito de sua vida profissional de cidadão preocupado com a Justiça.

Eu perdi muita amizade,
defendendo injustiçados.
- É que o vento da maldade
sopra de todos os lados.

Por que será que você,
tendo os defeitos que tem,
os seus defeitos não vê,
vendo os dos outros tão bem?

A facilidade imensa
com que os homens são julgados
simboliza bem a crença
de sermos todos culpados.

Nascemos sentenciados:
Os que vierem se vão.
E nem somos informados
do dia da execução...

Mas quando o conteúdo, não há dúvidas que seu tema mais presente é Mulher, a qual reverencia com carinho e algum temor, e também com uma certeira ironia:

Toda mulher tem seu quê,
tem um encanto qualquer.
Não tendo, é o que a gente vê
naquela que a gente quer.

Gosto de moça formosa,
sabendo embora o perigo
- Eu não desprezo uma rosa,
temendo o espinho inimigo...

A mulher sempre as mulheres
na pobre história de um homem:
A primeira me deu vida,
mas as outras me consomem...

Protegido pelo manto da modéstia, como se pode ver nestas Trovas:

Poeta mau não conheço,
mau poeta ah, isto sim!
Conheço e digo onde mora:
bem aqui... dentro de mim.

Nunca porfia de dois,
eu chego sempre em segundo.
Mas não reclamo depois:
há sempre um lugar no mundo.

... o nosso Trovador usa o refúgio do sonho, outro tema bastante presente, e que nos traz essas visões:

Não nos feneçam os sonhos,
deles precisamos tanto!
Mudam pensares tristonhos
e secam fontes de pranto.

Teus encantos, criatura,
mexeram tanto comigo
que eu vivo da desventura
de sonhar sempre contigo...

Dormindo eu me disponho
alcançar o que desejo,
pois sem dormir eu não sonho
e sem sonhar não te beijo.

Penetrei fundo demais
no poço das ambições.
Vejo, agora, o mal que faz
um sonho sem proporções.

Homem religioso, sua Fé se manifesta em Trovas como esta:

Esta Fé que hoje me invade,
traz tanto alento à minha alma
que, dentro da tempestade
sinto a natureza calma!

... mas interessante notar que é justamente no tema Fé que encontramos o mais sentimental lírico e apaixonado:

Ao Criador rendo graças,
pela graça, que me deu,
de me sentir, quando passas,
dono do que não é meu.

Os santos de antigamente
só foram santos, porque,
conhecendo tanta gente,
não conheceram você...

Não lhe adivinhando o nome,
batizei-a de Maria.
E o remorso me consome:
nunca vi tanta heresia!

Não encontrei Trovas propriamente humorística na obra de Octávio Babo Filho; encontrei sim, um fina ironia ao brincar com temas profundos:

Se a morte nos avisasse
a respeito do seu dia,
não creio que nos matasse:
a gente é que morreria...

Se querer fazer mistério
de coisas tão triviais:
- É na paz do cemitério
que vivem todos em paz...

Enquanto os povos discutem
a teoria da paz,
os mais fracos se desnutrem
e os mais fortes comem mais...

... ironia sábia, a que transparece de um poeta que, acima de tudo, é um homem de bem com a vida:

Quanta alegria semeia
quem vive sempre contente:
- A felicidade alheia
também faz feliz a gente.

As desventuras da vida,
eu não as conto a ninguém,
pois mágoa, que é transmitida,
se multiplica por cem.

Escolhi Octávio Babo Filho para resgatar uma característica que muito preza nas Trovas.... a simplicidade, da forma e o dizer o que pensa. Sem dúvida, tarefa difícil, mas não quando se é verdadeiro.

Não é só honetidade,
mas simples sabedoria:
convém fazer da Verdade
o esteio de todo dia.
–––––––––––––––
Selma Patti Spinelli é presidente da União Brasileira dos Trovadores/ Seção São Paulo

Fonte:
UBT SP
Link

Nilto Maciel (Literatura de Violência e Literatura de Baixo Nível)


Inicio este comentário com uma citação longa, de Alcir Pécora, em “Impasses da literatura contemporânea”: “Quem critica parece um vilão, um estraga-prazer, um intrometido. Quem critica as obras, ainda mais se faz isso com argumentos insistentes, tem qualquer coisa de indecente, de impróprio. Mas, por vezes, a insistência chata é fundamental para pensar um pouco melhor. Não se vai muito longe com um discurso que não admite contraditório, com um discurso de animação de parceiros. Mesmo em casos de parceria, sem alguma disposição para encarar a desafinação, não se vai longe: nessas condições, não há orquestra capaz de desconfiar de si mesma e exigir mais de seus membros. Espanta, pois, ver a intolerância para a crítica, como se fosse alguma traição pessoal. De onde vem essa ideia de parentesco traído? Pessoalmente, não vejo por que o crítico tem de ser animador, parceiro, divulgador ou chancela do escritor. Ele tem de apontar problemas no objeto, pois são problemas do objeto o interesse principal da arte, como da literatura”.

Não sou crítico literário, não tenho formação acadêmica em literatura, não sou estudioso de teorias literárias. Entretanto, tenho dado opiniões como leitor e escritor. E isto tem me rendido algumas malquerenças.

Quem não conhece a expressão “baixar o nível”? Como se sabe, nível é um instrumento de medição. Podemos também lembrar o vocábulo apelação, no sentido popular e usado em expressões como “apelar para a ignorância”, “apelar para a violência”. Em avaliação de qualidade literária de uma obra, também se usam estes termos e expressões: o escritor fulano baixou o nível; sicrano apela para a violência em seus romances.

Na resenha “Da crueldade humana” (relativa à coletânea Contos cruéis) escrevi: “a crueldade é matéria-prima indispensável para feitura de narrativa”. Acho que exagerei ou cometi grave engano: o final da frase poderia ser outro, como “matéria-prima utilizada por muitos escritores, nem sempre com bons resultados literários”. Ora, violência e sexo são motivos frequentes na prosa de ficção de todas as literaturas, porque a vida é sexo e é violência desde o ato da geração dos seres. Dizem até que a guerra é necessária, como limpeza da espécie, controle populacional (Darwin e Malthus abraçados). Também pragas, pestes, epidemias e pandemias seriam defesas da natureza em busca da redução do número exagerado de humanos. Quando surgiu a Aids, muitos disseram ser invenção de cientistas: vírus criado em laboratório. Primeiro para eliminar o maior número possível de africanos. Quando a praga se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos, aí já era tarde demais.

Para Freud, possuímos uma poderosa e instintiva quota de agressividade. Esse impulso de crueldade é natural. Todo ato humano é naturalmente violento. A vida é uma série contínua de atos de violência, do nascimento à morte. Durante toda ela o sexo estará presente. Quem tenta dele se livrar ou se isentar termina com aquele atirador de Realengo ou se morde de culpa como os padres que adoçam as boquinhas de meninos nos seminários e nas sacristias. Como tentaram castrá-los (com ensinamentos religiosos), eles querem provar para si mesmos o contrário: que não são castrados.

Imbuídos dessa vontade de chamar a atenção (como os assassinos e os padres), alguns contistas e romancistas brasileiros se voltaram exclusivamente para a narração de cenas de violência nua e crua. A violência na literatura brasileira (narração de atos de violência) não é de hoje nem de ontem. No romantismo ela é notória, embora tenha se manifestado com mais vigor no realismo e no naturalismo. Mais tarde, reapareceu no “romance de 30”. E se mostrou mais claramente nos anos 60/70 com João Antônio, Plínio Marcos e Rubem Fonseca.

No artigo “Literatura da violência”, Marcelo Coelho esboça um perfil dessa literatura urbana: “Com Rubem Fonseca o tom mudou completamente. O principal empenho literário desse autor, na minha opinião, foi o de eliminar o sentimentalismo com que muitos escritores trataram a vida dos pobres, e mesmo a vida dos malfeitores, no Brasil. A ideia do bandido “romântico”, do Robin Hood, do bandido “poético”, foi substituída por uma abordagem “hard-boiled”, influenciada pela literatura policial americana”.

Após abordar algumas obras de autores da nova geração, o escritor dedica algumas linhas ao que chama de “os principais defeitos da literatura da violência”. A seguir, pergunta e responde: “Quais são eles? Em primeiro lugar, é que com todo o “realismo” (entendido aqui como falar de fatos dolorosos sem eufemismo, sem “literatura”) a escola da violência tende para o alegórico”.

Em análise da obra de Rinaldo de Fernandes, especialmente os contos de O perfume de Roberta, o ensaísta Cristhiano Aguiar assim se manifesta: “A violência é um tema presente em várias das histórias do livro, confirmando uma tendência da nossa prosa contemporânea de refletir sobre este tema. Isto, nos dois sentidos que a palavra “refletir” nos permite: espelhar o real; ou introjetá-lo para, em seguida, transformar este real em questionamento sob forma de linguagem”. E arremata: “Rinaldo de Fernandes, não obstante nãoabra mão do experimentalismo, preocupa-se principalmente em nos contar boas histórias realistas, salpicadas, aqui e ali, de grânulos de metaforização, ou de elementos fantásticos e absurdos”.

O que distingue o escritor de alto nível daquele pobre narrador de fatos do cotidiano, copiados da imprensa marrom, é exatamente a capacidade de transfiguração do real, de reelaboração da matéria orgânica dos fatos. Ou a aptidão para transpor os limites que separam a realidade da invenção.

Alguns escritores talvez queiram apenas satisfazer o sadismo dos leitores e escrevem como se sádicos também fossem. Poderiam ser bandidos ou policiais. Talvez se realizassem como tais. Outros são aproveitadores. Escrevem assim porque é moda, as editoras publicam, os resenhistas comentam. Poderiam ser comerciantes, deputados, vereadores, agiotas, estelionatários, advogados, juízes, padres, pastores evangélicos. Essa cambada de malfeitores vestidos a rigor. Os ladrões aos quais se referia Antonio Vieira no “Sermão do bom ladrão”, os “ladrões de maior calibre e de mais alta esfera”; “os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.

São muitos os escritores sem talento para a literatura. Como não têm imaginação, copiam a realidade dos jornais. Escrevem grandes reportagens, a que chamam de romances. Ou pequenas reportagens, quase notícias, a que chamam de contos. Mas há quem os defenda, sob o pretexto de que a língua se enriquece não em gabinetes, torres de marfim, ao redor de bibliotecas, mas nas ruas, com o falar do povo

Durante certo período, o cinema brasileiro se dedicou a mostrar cenas de sexo explícito. As cotas de exibição obrigatória, impostas pelo governo militar, deram espaço para o desenvolvimento desse gênero. Os “cineastas” optaram pelo mais barato e mais fácil. E adeus arte.

A cópia, a reprodução da vida real ocorre, pois, tanto no cinema como na literatura. Para alguns analistas, esse tipo de “arte” é apenas sintoma de uma sociedade doente. Ora, toda sociedade é doente e sempre foi doente. Ou há quem ache sadia a sociedade sueca? Só porque nela o sexo é livre e não há miséria? Ou a islâmica? Só porque o pecado é punido como crime?

Para completar este breve comento, mais um trecho de Alcir Pécora: “Ocorre, hoje, uma impressionante expansão das narrativas no cerne da própria existência. Antes mesmo de existir como evento, a ação já se apresenta como narrativa, como ocorre nos reality show, em que as pessoas, antes de agir, representam ou narram a ação que lhes cabe”. E assim completa o pensamento: “Escrever literatura, para mim, entretanto, é um gesto simbólico que traz uma exigência: a de ser de qualidade. Literatura mediana é pior que literatura ruim, pois, mais do que esta, denuncia a falta de talento e a frivolidade. A literatura decididamente ruim pode ser engraçada, ter a graça do kitsch, do trash, da paródia mesmo involuntária e grosseira: pode ter a graça perversa do rebaixamento. Já a literatura mediana não serve para nada. É a negação mesma da literatura, cuja primeira exigência é a de se justificar (justificar a própria presença) face aos outros objetos de cultura”.

Como isto não é um ensaio, ouso encerrá-lo com alguma confissão: Não escrevo de acordo com a moda. Também não escrevo como os antigos. Não tenho nostalgia. Não seria jamais um José Albano. Nunca fui da moda ou do lugar-comum. Não pertenço à maioria. Não torço para Flamengo, Corinthians ou Ceará, não sou católico (lugar-comum), evangélico (moda) ou muçulmano (atraso). Também não sou das minorias revoltadas, assanhadas ou espetaculosas. Não sou gay, bissexual ou bipolar. Não sou petista e muito menos liberal. Quero ser eu mesmo, embora reconheça influências. Não desse ou daquele escritor, mas de um modo, de um estilo. Quem não as tem? Minhas maiores influências são as minhas, as do meu passado. Como não sou só, minhas memórias são também as dos outros. Até dos que fazem “literatura mediana” e “literatura ruim”. Portanto, todos são necessários, como na natureza: do verme ao leão.

Leitura complementar:
AGUIAR, Cristhiano. O perfume de Roberta. Disponível em Laboratório – Literatura e Crítica, http://olaboratorio.wordpress.com, 4/8/2010.
COELHO, Marcelo. Literatura da violência. Caderno Ilustrada, jornal Folha de S. Paulo, 16/4/2011.
MACIEL, Nilto. Da crueldade humana. Oficina de produção psicanalítica e literária, http://paulofernandomonteiroferraz.blogspot.com, 8/4/2010.
PÉCORA, Alcir. Impasses da literatura contemporânea. O Globo, 23/4/2011.


Fonte:
Email enviado pelo Autor, disponível em http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2011/07/literatura-de-violencia-e-literatura-de.html

Eliana Ruiz Jimenez (O Fim da Letra Cursiva)


O ensino da letra cursiva nos Estados Unidos é agora facultativo. O último estado a aderir a essa recomendação foi Indiana. Em contrapartida, a partir dos 6 anos, as crianças deverão demonstrar habilidades progressivas no manejo e produção de textos utilizando o teclado do computador.

A mesma tendência ocorre na Alemanha, onde uma campanha promovida pela associação dos professores tenta abolir o ensino da letra cursiva argumentando que essa atividade consome muito tempo e, com a tecnologia de que se dispõe hoje em dia, é desnecessário o seu aprendizado.

Apesar de alguns especialistas apontarem perdas na atividade cerebral, que seria mais intensa na produção da letra manuscrita, a verdade é que essa alteração vai acabar ocorrendo, mais cedo ou mais tarde, de forma global.

A necessidade da letra cursiva já decresceu bastante. Os estudantes estão rapidamente aderindo ao uso dos netbooks e ipads no lugar do caderno para as atividades escolares e a própria assinatura pessoal já não tem o mesmo valor.

O reconhecimento de firma nos tabelionatos não é mais feito apenas pela assinatura, já que a foto e as impressões digitais fazem parte do pacote de tornar um documento autêntico e a digitalização está presente no dia a dia dos escritórios de advocacia, onde o advogado assina as petições virtualmente e acompanha os processos via internet.

A tradução das letras ilegíveis dos médicos em suas receitas também parece estar condenada ao passado, uma vez que a maioria já imprime suas prescrições.

Mas há perdas também. Desenhar as letras com capricho, fazer anotações ou resumo do que se estuda vai, sem dúvida, ficar prejudicado.

A pergunta que fica no ar é: - por que é preciso escolher um aprendizado em detrimento de outro? Por que não podem aprender tanto a letra cursiva como o manejo do computador? É exatamente isso que os jovens fazem hoje em dia e com bastante sucesso.

A simples supressão do ensino na letra cursiva seria uma forma de subestimar a chamada geração multimídia, ou alguém duvida que eles têm a capacidade de absorver tudo com a qualidade e velocidade que os novos tempos exigem?

Enquanto não se aparam as arestas e se afastam os excessos dessas novas diretrizes, os mais saudosistas suspiram.

Não haverá mais o caderno novinho no início do ano letivo convidando a aluna sonhadora a rabiscar corações nos cantos de suas folhas. Tristemente, também, não será o companheiro fiel das próximas gerações.

- A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer? - cantou Toquinho em sua música e brilhantemente arrematou o último verso com um apelo do próprio caderno, que diz: “Só peço a você/ Um favor, se puder/ Não me esqueça/ Num canto qualquer".

Fonte:
http://elianaruizjimenez.blogspot.com/2011/07/o-fim-da-letra-cursiva.html

Antonio Barroso (Glosando Sonia Martelo)


Quando a chuva do céu desce
e o ventre da terra alcança,
a vida se reverdece
e tem o tom da esperança.


*************

Quando a chuva do céu desce
sob a protecção divina,
na flor, que nasce e que cresce,
sua cor mais se ilumina.

Vem o sol a acompanhar
e o ventre da terra alcança,
traz amor para animar
tanta paz, tanta bonança.

Poemas, que o amor tece,
enchem a alma de alegria,
e a vida se reverdece
embrenhada em poesia.

No lusco-fusco poente,
o rosto duma criança
olha a flor, resplandecente,
e tem o tom da esperança.

António Barroso (Tiago) (19-07-2011)

Fontes:
Sonia Martello
Imagem = http://zeliafogaca.blogspot.com/2008/05/verde-esperana.html