sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Antonia Rodrigues Ferreira (Toda Criança é Bela)


É magia no silêncio
Com paz e tranqüilidade
Ao entrar no novo mundo
Desperta serenidade
É um ser muito inocente
Seja em qualquer ambiente
Traz muita felicidade.

Junção de duas sementes
Dentro da flor perfumada
Nasce a linda florzinha
Que será bem cultivada
Dada por Nosso Senhor
Regada com muito amor
Bem na hora da chegada.

A criança é sinônimo
De virtude e de pureza
Se expressa livremente
No meio da natureza
É bastante inteligente
Geralmente está contente
Com sorriso e beleza.

Criança não tem maldade
É faceira e singela
Todavia é verdadeira
O tempo é quem revela
Só precisa de carinho
Não sair do bom caminho
Toda criança é bela.

Criança é favo de mel
A alegria do lar
É fonte de inspiração
Igual ao céu e o mar
Gosta de ganhar presente
Corre e pula sorridente
Seja em qualquer lugar.

Quando é estudiosa
Certamente irá vencer
Terá futuro brilhante
O mundo irá conhecer
Criança é liberdade
Sempre quer só a verdade
Precisa se defender.

Do Brasil, do mundo inteiro
Desejo a toda criança
Sucesso no seu estudo
Jamais perca a esperança
Portanto é sua riqueza
Digo com muita firmeza
Sua verdadeira herança.

Dia doze de outubro
Com festa e poesia
A criança é festejada
Tem fila de cortesia
Abraço de boa sorte
Orientando o seu norte
Claro com muita alegria.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 4


A VALSA - A M***

Tu, ontem
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues
Não mintas...
- Eu vi!...

Valsavas:
- Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P’ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem?!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores

Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Calado,
Sozinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!
Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
Não mintas!...
- Não negues,
- Eu vi!...
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída

Sem vida
No chão!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
Rio - 1858

NO LAR


I

Longe da pátria, sob um céu diverso
Onde o sol como aqui tanto não arde,
Chorei de saudades do meu lar querido
- Ave sem ninho que suspira à tarde. -
No mar - de noite - solitário e triste
Fitando os lumes que no céu tremiam,
Ávido e louco nos meus sonhos d’alma
Folguei nos campos que meus olhos viam.
Era pátria e família e vida e tudo,
Glória, amores, mocidade e crença,
E, todo em choros, vim beijar as praias
Por que chorara nessa longa ausência.
Eis-me na pátria, no país das flores,
- O filho pródigo a seus lares volve,
E consertando as suas vestes rotas,
O seu passado com prazer revolve! -
Eis meu lar, minha casa, meus amores,
A terra onde nasci, meu teto amigo,
A gruta, a sombra, a solidão, o rio
Onde o amor me nasceu - cresceu comigo.
Os mesmos campos que eu deixei criança,
Árvores novas... tanta flor no prado!...
Oh! como és linda, minha terra d’alma,
- Noiva enfeitada para o seu noivado! -
Foi aqui, foi ali, além... mais longe,
Que eu sentei-me a chorar no fim do dia;
- Lá vejo o atalho que vai dar na várzea...
Lá o barranco por onde eu subia!...

Acho agora mais seca a cachoeira
Onde banhei-me o infantil cansaço...
- Como está velho o laranjal tamanho
Onde eu caçava o sanhaçu a laço!...
Como eu me lembro dos meus dias puros!
Nada me esquece!... e esquecer quem há de?...
- Cada pedra que eu palpo, ou tronco, ou folha
Fala-me ainda dessa doce idade !
Eu me remoço recordando a infância,
E tanto a vida me palpita agora
Que eu dera oh! Deus! a mocidade inteira
Por um só dia do viver d’outrora!
E a casa?... as salas, este móveis... tudo,
O crucifixo pendurado ao muro...
O quarto do oratório... a sala grande
Onde eu temia penetrar no escuro!...
E ali... naquele canto... o berço amado!
E minha mana, tão gentil, dormindo!
E mamãe a contar-me histórias lindas
Quando eu chorava e a beijava rindo!
Oh! primavera ! oh! minha mãe querida!
Oh! mana! - anjinho que eu amei com ânsia -
Vinde ver-me, em soluços - de joelhos -
Beijando em choros este pó da infância !

II

Meu Deus ! eu chorei tanto lá no exílio !
Tanta dor me cortou a voz sentida,
Que agora neste gozo de proscrito
Chora minh’alma e me sucumbe a vida !
Quero amor! quero vida! e longa e bela
Que eu, Senhor ! não vivi - dormi apenas !
Minh’alma que se expande e se entumece
Despe seu luto nas canções amenas.
Que sede que eu sentia nessas noites !
Quanto beijo roçou-me os lábios quentes!
E, pálido, acordava no meu leito
- Sozinho - e órfão das visões ardentes!
Quero amor! quero vida! aqui, na sombra,
No silêncio e na voz desta natura;
- Da primavera de minh’alma os cantos
Caso co’as flores da estação mais pura.
Quero amor! quero vida! os lábios ardem...
Preciso as dores dum sentir profundo !

- Sôfrego a taça esgotarei num trago
Embora a morte vá topar no fundo.
Quero amor ! quero vida ! Um rosto virgem,
- Alma de arcanjo que me fale de amores,
Que ria e chore, que suspire e gema
E doure a vida sobre um chão de flores.
Quero amor ! quero amor ! - Uns dedos brancos
Que passem a brincar nos meus cabelos;
Rosto lindo de fada vaporosa
Que dê-me vida e que me mate em zelos !
Oh! céu de minha terra - azul sem mancha -
Oh! sol de fogo que me queima a fronte,
Nuvens douradas que correis no ocaso,
Névoas da tarde que cobris o monte;
Perfumes da floresta, vozes doces,
Mansa lagoa que o luar prateia,
Claros riachos, cachoeiras altas,
Ondas tranqüilas que morreis na areia;
Aves dos bosques, brisas das montanhas,
Bentevis do campo, sabiás da praia,
- Cantai, correi, brilhai - minh’alma em ânsias
Treme de gozo e de prazer desmaia!
Flores, perfumes, solidões, gorjeios,
Amor, ternura - modulai-me a lira!
- Seja um poema este ferver de idéias
Que a mente cala e o coração suspira.
Oh! mocidade! Bem te sinto e vejo!
De amor e vida me transborda o peito...
- Basta-me um ano!... e depois... na sombra...
Onde tive o berço quero ter meu leito!
Eu canto, eu choro, eu rio, e grato e louco
Nos pobres hinos te bendigo, oh! Deus!
Deste-me os gozos do meu lar querido...
Bendito sejas! - vou viver c’os meus!
Indaiaçu - 1857

MORENINHA

Moreninha Moreninha,
Tu és do campo a rainha,
Tu és senhora de mim;
Tu matas todos d’amores,
Faceira, vendendo as flores
Que colhes no teu jardim.
Quando tu passas n’aldeia

Diz o povo à boca cheia:
- “Mulher mais linda não há!
“Ai! vejam como é bonita
“Co’as tranças presas na fita,
“Co’as flores no samburá!” -
Tu é meiga, és inocente
Como a rola que contente
Voa e folga no rosal;
Envolta nas simples galas,
Na voz, no riso, nas falas,
Morena - não tens rival!
Tu, ontem, vinhas do monte
E paraste ao pé da fonte
À fresca sombra do til;
Regando as flores sozinha,
Nem tu sabes, Moreninha,
O quanto achei-te gentil!
Depois segui-te calado
Como pássaro esfaimado
Vai seguindo a juriti;
Mas tão pura ias brincando,
Pelas pedrinhas saltando,
Que eu tive pena de ti!
E disse então: - Moreninha,
Se um dia tu fores minha,
Que amor, que amor não terás!
Eu dou-te noites de rosas
Cantando canções formosas
Ao som dos meus ternos ais.
Morena, minha sereia,
Tu és a rosa da aldeia,
Mulher mais linda não há;
Ninguém t’iguala ou t’imita
Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá!
Tu és a deusa da praça,
E todo homem que passa
Apenas viu-te... parou!
Segue depois seu caminho
Mas vai calado e sozinho
Porque sua alma ficou!
Tu és bela, Moreninha,
Sentada em tua banquinha
Cercada de todos nós;
Rufando alegre o pandeiro,
Como a ave no espinheiro
Tu soltas também a voz:
- “Oh quem me compra estas flores?
“São lindas como os amores,

“Tão belas não há assim;
“Foram banhadas de orvalho,
“São flores do meu serralho,
“Colhi-as no meu jardim.”-
Morena, minha Morena,
És bela, mas não tens pena
De quem morre de paixão!
- Tu vendes flores singelas
E guarda as flores belas,
As rosas do coração?!...
Moreninha, Moreninha,
Tu és das belas rainha,
Mas nos amores és má;
- como tu ficas bonita
Co’as tranças presas de fita,
Co’as flores no samburá!
Eu disse então: - “Meus amores,
“Deixa mirar tuas flores,
“Deixa perfumes sentir!”
Mas naquele doce enleio,
Em vez das flores, no seio,
No seio te fui bulir!
Como nuvem desmaiada
Se tinge de madrugada
Ao doce albor da manhã;
Assim ficaste, querida,
A face em pejo acendida,
Vermelha como a romã!
Tu fugiste, feiticeira,
E de certo mais ligeira
Qualquer gazela não é;
Tu ias de saia curta...
Saltando a moita de murta
Mostraste, mostraste o pé!
Ai! Morena, ai! meus amores,
Eu quero comprar-te as flores,
Mas dá-me um beijo também;
Que importam rosas do prado
Sem o sorriso engraçado
Que a tua boquinha tem?...
Apenas vi-te, sereia,
Chamei-te - rosa da aldeia -
Como mais linda não há.
- Jesus! Como eras bonita
Co’as tranças presas na fita,
Co’as flores no samburá!
Indaiaçu - 1857

BORBOLETA

Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Pois essa alma é tão sedenta
Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
P’ra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Que de ciúme fenece
E nunca mais estremece
Aos beijos que a brisa dá?...
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu dá-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!
Mas tu não sabes, louquinha
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraça precisa,
Como sopro da brisa,
Os ais do teu coração?
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,

Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela - a triste, molemente
Pendida sobre a corrente,
Falece à míngua d’amor.
Tu também, minha inconstante,
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!
Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam...
Por isso todos te chamam:
- Borboleta dos amores!
Rio - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

Milton Souza (Sou Criança)


Sou criança... sou futuro...
meu passo não é seguro
pois é passo de aprendiz.
Preciso alguém ao meu lado
pois sei que fui programado,
por Deus, para ser feliz.

Preciso alguém que me ensine,
porém que não me domine
nem tente me bitolar.
Preciso alguém com carinho
para mostrar-me o caminho
que a vida tenta me dar.

Preciso alguém que me entenda,
que não queira pôr emenda
no sonho que vou sonhar.
Preciso alguém com paciência
que troque sua experiência
por meu direito de errar.

Preciso da mão amiga
que socorre na fadiga,
que procura estar por perto;
que corrige sem magoar,
sabendo valorizar
o pouquinho que for certo.

Preciso ter liberdade
para chorar a vontade
ou rir sem inibição;
para ter o meu segredo,
para poder sentir medo
sem sofrer humilhação.

Preciso de um lar amigo
para me servir de abrigo
no meu tempo de crescer.
Preciso ter segurança
para poder ser criança
e como criança viver.

Sou criança... sou carente...
ao construir o presente
eu peço tanto favor...
Mas se de mim depender
no futuro vai nascer
um mundo pleno de amor!!!

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 7


CAPÍTULO 6
O TÍTULO, O ENTRETÍTULO, O SUBTÍTULO, O CRÉDITO

Título

Segundo o Manual Geral de Redação da Folha de São Paulo, o título deve: “despertar a atenção do leitor para o tema de trata. Deve ser uma síntese precisa da informação mais importante do texto e destacar o particular em detrimento do geral.

Norma geral:
É proibido colocar dois pontos, ponto, ponto de interrogação, reticências, travessão ou parênteses,

Deve-se evitar a reprodução literal das palavras iniciadas no texto;

Deve conter necessariamente verbo, sempre que possível na voz ativa;

Deve estar no tempo presente, exceto quando o texto se referir a fatos distantes no futuro ou no passado”.

Entretítulo

Os entretítulos são títulos colocados no meio do texto para ajudar a separar e organizar as informações.

Subtítulo

O subtítulo é um texto curto, colocado logo abaixo do título, para esclarecer melhor qual é o assunto da matéria.

Crédito
O crédito é o nome de quem fez a matéria. Geralmente aparece no início da matéria, em destaque. Mas pode vir também no final da matéria, entre parênteses.

EXEMPLO

A seguir apresento um exemplo de uma matéria científica sobre o parentesco genético entre árabes e judeus. Tente perceber nela os vários elementos que já estudamos até agora:

1) Descubra qual dos parágrafos é o lide da matéria.

2) Quantas informações importantes da matéria estão reunidas no lide?

3) O texto responde as seis perguntas? O que? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? Como?

4) Como estão organizadas as citações? Quem fala? Como essa fala é apresentada ao leitor?

5) Há uma parte da matéria que pode ser facilmente cortada sem que isso prejudique a compreensão do leitor. Qual é essa parte?

6) Qual é o título? Qual é o subtítulo? Quais são os entretítulos? Qual é o crédito?

7) O texto dá alguma opinião sobre o assunto? Ele defende algum ponto de vista ou se limita a repassar as informações e as falas dos personagens?

8) Como estão organizadas as informações? Através de frases curtas, com períodos simples, parágrafos curtos, ou através de frase longas, com períodos compostos e grandes parágrafos?

Árabes e judeus têm origem genética comum, diz estudo Pesquisa divulgada ontem afirma que "irmãos" genéticos teriam um ancestral comum
MARCELO STAROBINAS E PAULO DANIEL FARAH

Mais que "primos", árabes e judeus podem ser considerados irmãos geneticamente e teriam um ancestral comum, segundo estudo divulgado ontem.Pesquisadores norte-americanos, europeus, israelenses e sul-africanos analisaram 1.371 homens de várias partes do mundo, incluindo o Oriente Médio, a Europa e a África, para observar eventuais similaridades genéticas e tentar traçar suas origens.

O estudo observou um grupo de genes do cromossomo Y (presente exclusivamente nos homens) e chegou à conclusão de que judeus e árabes compartilham genes semelhantes.

"Os judeus são os irmãos genéticos de palestinos, sírios e libaneses, e todos eles compartilham uma linha genética comum que se estende até milhares de anos", afirmam os pesquisadores na revista "Proceedings of the National Academy of Sciences", publicação da Academia Nacional de Ciências dos EUA.

Sérgio Dani, médico e geneticista molecular ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, analisou a pesquisa, a pedido da Folha, e disse que o estudo leva a crer realmente que árabes e judeus são "irmãos".

O trabalho reforça a antiga tese de parentesco. Os dois povos – que eventualmente costumam se chamar de "primos"- são de origem semita e da mesma região. O árabe e o hebraico pertencem à mesma família linguística. E as crenças religiosas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo apontam para um "pai" comum: Abraão (leia texto abaixo).

No final do século 19, surgiu o movimento sionista. Sua idéia central era levar os judeus espalhados pelo mundo à Palestina para formar um Estado judeu, o que gerou disputas pela terra com palestinos que ali viviam. Mais intensamente após a criação do Estado de Israel, em 1948, fraternidade é uma palavra de raras aparições na história das relações entre os "irmãos genéticos" do Oriente Médio.

Israelenses e palestinos negociam há quase uma década um acordo de paz definitivo. Israel anunciou uma retirada do sul do Líbano até 7 de julho, e o governo discute com a Síria um acordo para estabelecer relações diplomáticas.

Paz
Já houve tréguas nessa guerra entre irmãos. Na Península Ibérica, judeus e árabes (muçulmanos e cristãos) tiveram convivência muito mais pacífica -acompanhada de uma significativa produção científica e literária- , até a expulsão da Espanha de 1492. As negociações de paz em desenvolvimento no Oriente Médio, que obtiveram importantes avanços, apesar dos ataques de extremistas de ambas as partes, levam à esperança de um fim ao fratricídio deste século.

"A estreita afinidade (genética) entre judeus e não-judeus do Oriente Médio observada apóia a hipótese de uma origem comum", diz Michael Hammer, da Universidade de Tucson, no Arizona (EUA), principal responsável pelo estudo divulgado ontem.

Bomba étnica
Israel teria abortado o desenvolvimento de uma "bomba étnica" – armamento que seria capaz de matar apenas seus inimigos árabes- por causa das características genéticas semelhantes. O projeto poderia atingir judeus, segundo pesquisadores de um instituto biológico da cidade de Nes Tziona (próxima a Tel Aviv) ouvidos pelo jornal britânico "Sunday Times", em novembro de 1998. Israel teria aproveitado pesquisas iniciadas durante o apartheid na África do Sul. Na década de 80, o governo segregacionista da minoria branca tentou desenvolver uma arma biológica que atingisse apenas a população negra. O governo israelense nunca confirmou a existência desses estudos. A análise genética demonstra ainda que os judeus tiveram pouca miscigenação com outros povos.
––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks
www.terra.com.br/virtualbooks

José Walter Pires (Ser Criança)


A Eric, meu filho, ao me pedir um dia para inventar uma poesia para ele.

O que é mesmo ser criança?
O que é – vou responder:
É ter o afeto dos pais
Ser livre para crescer
Garantindo o seu direito
De sorrir, brincar, crescer

É ter muitos amiguinhos
Estudar com alegria
Aprendendo muitas coisas
Ensinadas todo dia
Pelas mestras carinhosas
Com muita sabedoria

Ser criança é ser um rei
Deputado ou Presidente
Pra criar um novo mundo
Sendo deste diferente
A esperança do futuro
Que se forja no presente

Ser criança é ser igual
Não existe diferença
Como a lei diz no seu texto
Ou também de qualquer crença
Quem maltrata uma criança
Não merece recompensa

A criança é, finalmente,
Um artista criativo
Alegria da família
E peralta muito ativo
Se criança não existisse
Viver não teria motivo.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 363)


Uma Trova Nacional

Nas terras do coração
um tremor sempre me invade:
o de plantar solidão
com sementes de saudade...
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar

A distância é o terror
de quem ama de verdade;
não pode falar de amor
quem nunca sentiu saudade.
–HELIODORO MORAIS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - M/E

A saudade, qual miragem,
vendo o meu deserto triste
insiste em mostrar a imagem
de um bem que não mais existe.
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Uma Trova de Ademar

Bilhete, é sempre um recado
para ser dado escondido,
a um alguém apaixonado
por outro alguém proibido!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Felicidade, acredito
que nesta vida consistes
num simples nome bonito,
para consolo dos tristes...
–ORLANDO BRITO/MA–

Simplesmente Poesia

Criança
–JANIA SOUZA/RN–

Corres sem saber bem para onde
encanta-te com as primazias da inocência
regala-te com mimos e meiguices
preparas teu amanhã com coração manso
embala tuas descobertas com novos sonhos
não olhes o ontem sem respostas
sintas que a vida é a maior de todas as dádivas
seja eternamente essa criança tão pura
mesmo que o tempo escreva rugas profundas
no livro da tua carne que amadurece com os frutos plantados.

Estrofe do Dia

Pinto de Monteiro foi
o Repentista mais nobre;
com ricos versos cobriu
a pobre terra que o cobre;
de todos foi diferente:
na vida, rico em repente,
na morte, esquecido e pobre.
–LUIZ DUTRA BORGES/RN–

Soneto do Dia

Teto
–DIVENEI BOSELI/SP–

De noite, quando eu busco o travesseiro
entre os lençóis macios, maternais,
meu leito é superior aos medievais
e o quarto é mais seguro que um telheiro.

Enquanto espero o sono, o carreteiro
que me conduz a trilhas siderais,
contemplo o teto que, entre temporais,
mantém-se sossegado e sobranceiro.

Sou tão feliz, Senhor, por ter um teto
que, para erguê-lo, Deste ao arquiteto
matérias primas que Tu mesmo fê-las...

Por isso e muito mais eu Te agradeço,
que acima deste “meu” há o Teu, sem preço,
que é coletivo e azul; cheio de estrelas!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Sérgio Luís da Silva Vargas (Durma com os Anjos)


Dorme o menino
Com a alma serena.
Com o que sonha criatura tão pequena?
Seu mundo, por certo,
Está rodeado de anjos.
Nesta infante existência
Tudo é inocência.
O mundo está a salvo
No coração de uma criança.
Só mesmo quem ainda não
Provou de pecados e conflitos
Pode saborear tanta pureza.
Dorme menininho
Que lá fora a noite devora
Os corações aflitos.

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XVI – O Titã Apresenta-se


CAPITULO XVI
O Titã Apresenta-se

– Fôra o pleito marcado para as onze horas da manhã e duraria apenas trinta minutos, continuou miss Jane. Em meia hora o assombroso fenômeno de um bloco de 150 milhões de criaturas a imprimirem em símbolos numéricos a sua vontade na fachada do Capitólio completar-se-ia de maneira perfeita.

– Jim Roy avisara aos seus agentes distritais de que só ás dez da manhã revelaria o nome do candidato em que os negros tinham de votar. Esses agentes, por sua vez, irradiariam aos eleitores das respectivas zonas a esperada senha.

Ás nove e meia Jim recolheu-se á sua sala de trabalho no palácio da Associação Negra e fechou-se por dentro.

Apesar da solidez dos seus nervos o lider vacilava...

Ás 9 e 45 aproximou-se da janela e correu os olhos pelo casario de Washington. O panorama que viu, entretanto, não foi o da cidade. Descortinou todo o lúgubre passado da raça infeliz. Viu muito longe, esfumado pela bruma dos séculos, o humilde kraal africano visado pelo feroz negreiro branco, que em frágeis brigues vinha por cima das ondas qual espuma venenosa do oceano. Viu o assalto, a chacina dos moradores nus, o sangue a correr, o incêndio a engolir as palhoças.

Depois, o saque, o apresamento dos homens pálidos e das mulheres, a algema que lhes garroteava os pulsos, a canga que os metia dois a dois em comboios sinistros tocados a relho para a costa. Viu, como goelas escuras, abrirem-se os porões dos brigues para tragar a dolorosa carne do eito. E recordou o interminável suplício da travessia... Carga humana, coisa, fardos de couro negro com carne vermelha por dentro, A fome, a sede, a doença, a escuridão. For sobre as cabeças da carga humana, um tablado. Por cima do tablado, rumores de vozes. Eram os brancos. Branco queria dizer uma coisa só: crueldade fria...

Viu depois o desembarque. Terra, árvores, sol — não mais como em Africa. Nada deles, agora — nem a terra, nem as árvores, nem o sol. Caminha, caminha! Se um tropeça, canta-lhe o látego no lombo. Se cai desfalecido, trucidam-no. A caravana marcha, trôpega, e penetra nos algodoais...

Viu Jim viçarem luxuriosos os algodoais da Virgínia depois que o negro chegou. Além das chuvas havia a rega-los agora o suor africano — suor e sangue.

Viu dois séculos de chicote a lacerar carne e outros dois séculos de lágrimas, de gemidos e lamentosos uivos de dor. E viu a América ir saindo dessa dor, como a pérola, filha do sofrimento do molusco, nasce na concha...

Viu depois a Aurora da noite de duzentos anos: Lincoln. O Branco Bom disse: "Basta!" Ergueu exércitos e das unhas de Jefferson Davis arrancou a pobre carne-coisa.

As algemas caíram dos pulsos mas o estigma ficou. As algemas de ferro foram substituídas pelas algemas morais do pária. O socio branco negava ao socio negro a participação de lucros morais na obra comum. Negava a igualdade e negava a fraternidade, embora a Lei, que paira serena acima do sangue, consagrasse a equiparação dos dois sócios.

E viu Jim que Justiça não passava de uma pura aspiração — e que só há justiça na terra quando a força a impõe.

— "Hei de fazer-me força e impor a justiça", murmurou o grande negro.

Em sua testa profunda ruga se abriu. Seus olhos se cerraram e Jim permaneceu imovel, como que siderado por uma ideia de gigante.

Soou a primeira badalada das dez. Era o momento de irradiar a esperada senha.

O titã despertou. Dirigiu-se para a cabina emissora. De passagem deteve-se diante de um busto de Lincoln e disse, pausadamente, pondo-lhe a mão sobre o ombro:

— "Tu começaste a obra, Jim vai conclui-la..."

Penetrou na cabina. Vacilou um instante em face do aparelho que lhe ia veicular a vontade. Contraiu os músculos num sorriso de senegalês descorticado — e pronunciou finalmente com voz segura a palavra secreta que até ali escondera:

— "O candidato da raça negra é Jim Roy".
---------------
continua… XVII – A Adesão das Elvinistas

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

Genilton Vaillant de Sá (Triolé da Fé)


Em mais um dia de sol quente,
cresça com crença, criança, creia!
Sinta o calor que envolve a gente
em mais um dia de sol quente,
por força e ação do Onipotente
que lá do céu tudo clareia!
Em mais um dia de sol quente,
cresça com crença, criança, creia!

Em noite tão linda de luar,
cheia de crença, cresça, criança,
sem que jamais deixe de orar
em noite tão linda de luar,
que bem reflete a luz solar,
plena de amor e de esperança,
em noite tão linda de luar,
cheia de crença, cresça, criança!

Na hora da chuva e ventania,
cresça na crença, criança, cresça
e viva toda essa energia
na hora da chuva e ventania,
por toda noite e a cada dia
deixa que a vida em paz floresça
na hora da chuva e ventania,
cresça na crença, criança, cresça!

Ante o poder da natureza,
criança de Deus, cresça na crença
cheia de orgulho e com firmeza
ante o poder da natureza,
ao comungar dessa certeza
de que a fé faz a diferença
ante o poder da natureza,
criança de Deus, cresça na crença!

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A Criança em Trovas

Organização por Heloísa Crespo (Campos dos Goytacazes/RJ).

Ó Deus, que nos deste a flor,
e as crianças e as estrelas,
dá-nos agora, Senhor,
a graça de merecê-las!
A A DE ASSIS

Se alimentas a esperança
De habitar o paraíso,
Torna-te como criança
Conserva puro o sorriso.
ANA LUCIA FINAZZI

Criança alegre brincando
se afigura, aos olhos meus,
um lírio desabrochando
nas mãos sagradas de Deus.
ANTONIO JURACI SIQUEIRA

Não deixes que o pranto ronde
Teus olhos verdes, criança...
É triste ver que se esconde
Numa lágrima a eaperança!
CAROLINA RAMOS

A mãe que sorrindo beija
o rosto de seu filhinho,
é gratidão que sobeja
no mais arguto carinho.
CIDINHA FRIGERI

A Criança tão gentil,
feliz e muito brejeira,
merece, em nosso Brasil,
ser amada e ser primeira!
CIDINHA FRIGERI

Ao falar da educação
que falta à nossa criança,
dizemos com o coração:
Abraçai esta Esperança!
CIDINHA FRIGERI

Crianças de rua à espera
De que o porvir lhes sorria,
Semeiam grãos de quimera
Nos campos da fantasia..
DARLY O. BARROS.

No meu tempo de criança,
bati “pelada” na areia...
Saudade, doce lembrança
da minha bola de meia.
DJALMA MOTA

Criança muito levada,
que corre, chuta e sacode...
Que disciplina, que nada:
- Casa da vó tudo pode!
ELIANA JIMENEZ

Eu não me sinto esperança
e é mentira de quem diz,
que é direito da criança
ter direito a ser feliz!
FRANCISCO JOSÉ PESSOA

Criança, jóia preciosa,
às vezes até chateia,
mas é linda, carinhosa...
e que Deus nos presenteia!
GLÓRIA TABET MARSON

CRIANÇA "não tem juizo"
mas tem, em dobro, a emoção...
Por isso, sempre é preciso
conquistar seu coração!
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO

Se me dessem o direito
de um só pedido fazer,
pediria , então sem jeito:
ser criança até morrer!
ISTELA MARINA DE SOUZA GOTELIPE LIMA

Ser adulto é viver sem esperança:
Séria, inibida de olhar feio.
Queria voltar a ser criança,
Brincar, pular, sorrir sem freio...
IVONE VEBBER

Ó minha amada Esperança,
brincalhona e sorridente,
és um resto de criança
que fica dentro da gente!...
JOSÉ FABIANO

Nos meus tempos de criança,
brincadeiras sem cansar...
Foi-se o tempo da balança,
dos castelos feitos no ar!
JOSÉ FELDMAN

Sonho um mundo colorido,
flores perfumando a estrada,
sem um ai, sem um gemido
de criança abandonada.
MARINA VALENTE

Pensava que nessa vida
só me faltava partir
mas esqueci a partida,
vendo a criança a sorrir!
MESSODY RAMIRO BENOLIEL

Inda guardo na lembrança
Os momentos de alegrias
Que vivi quando criança...
Fui feliz naqueles dias.
MOREIRA LOPES

Criança,sempre criança,
em qualquer lugar do mundo.
Ela é luz!... Esperança,
de país melhor, fecundo!
NADIR NOGUEIRA GIOVANELLI

Quando sinto-me criança,
revivendo aquela idade,
sinto mais que uma lembrança...
Vivo um sonho em realidade!
NEI GARCEZ

Por toda essa minha vida
desde os tempos de criança
conservo fé aguerrida,
no coração, esperança.
OLGA MARIA DIAS FERREIRA

Reconquista a esperança
e vive alegre e contente
quem faz sorrir a criança
que mora dentro da gente.
OLYMPIO COUTINHO

Voltei a ter confiança
neste mundo tão ruim
ao descobrir a criança
que ainda habitava em mim!
RENATO ALVES

No peito do poeta brinca
Uma criança pequenina
Que sai pintando de tinta
As metáforas e as rimas.
RICARDO EVANGELISTA

Como um jardim de esperanças,
das sementes brotam flores...
Assim crescem as crianças,
com seus dons e seus louvores.
SÔNIA VASCONCELLOS

Recordo, ao passar das horas,
do meu tempo de criança...
alegre, cantando auroras,
tecendo a doce lembrança!
VANDA ALVES

Força e coragem criança,
a vida sorri lá fora...!
O estudo será a poupança
e há de chegar sem demora!
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES

Fonte:
Heloísa Crespo (Organização e Programação Visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ, 2011. E-book cedido pela autora.

João Felinto Neto (Livro de Poesias)


ÚNICO MOTIVO

Te amo
Em teus ouvidos,
Pelas horas de silêncio.
Te amo
Pelo tempo
Que ainda é pouco para te amar.
Te amo
Pelo ar
Que no arfar
Mal o respiro.
Te amo
Pelo único motivo
Que é para sempre
Te amar.

SEPARADOS

Quando eu era uma criança,
Media a distância
Ao meu futuro esperado.
Hoje, vejo o meu passado
Na lembrança
E é bem maior a distância
Que nos mantêm separados.

BOQUIABERTO


Na cidade de minha morada,
Sempre estou boquiaberto.
As pessoas não levam a sério,
As leis sancionadas.
O pedestre confunde a calçada
Com o meio da rua;
Ainda usa e abusa
Dessa prática arriscada.
O semáforo já não vale nada,
Sendo verde, vermelho ou amarelo
É invenção descartada.
O pedestre que morre na faixa
É chamado de cego.
Considera-se certo,
O suborno ao guarda.
Contramão se tornou mão usada.
Proibido parada
É onde para o esperto.
Nesse trânsito caótico, o remédio
É ser muito discreto
E fingir não ter mérito,
Nem vergonha na cara.

AINDA ESTOU VIVO

Ainda estou vivo,
percebo isso
em meus pulsos.

Ainda estou vivo,
assim percebo
pelos meus gemidos.

Ainda estou vivo,
percebo isso
nos meus próprios gritos.

Ainda estou vivo,
isso eu percebo
por minha exaustão.

Ainda estou vivo,
é percebível
pelo meu silêncio.

Ainda estou vivo,
percebo e sinto
o meu coração.

Estou vivo, não vivo em vão.

FIO DA MEADA

Se o amor é uma palavra abstrata,
por que a dor
é tão física?
Por que a carne
é tão fraca?
Entre nós,
impressões desfeitas.
Entre outros,
o fio da meada.

EMBARCAÇÕES

Pontos retratados
sobre um lençol de espumas,
que o lápis do tempo
redesenhando,
rascunha;
e tornam-se figuras,
contornadas pela realidade,
embarcações.

PERFIL

Tocasse a vida
com sua mão
em uma tinta turva,
e contornasse em sinuosa
curva,
uma forma definida,
traços que marcam uma silhueta:
Testa, nariz,
lábios e queixo,
olho e orelha,
restauraria seu perfil.
Lábios calados,
olho vazio,
nariz sangrando,
testa febril,
queixo quebrado
e orelha de abano.

VEGETAL

No espaldar da cadeira
encosto minhas costas curvadas,
que sob o peso do tempo
sente o abreviamento
de uma vida inteira.

Silencio-me no esquecimento,
com exceção dos gemidos.
Expio uma oculta dimensão.
Passado e presente,
passando à frente,
à minha mão.

No esforço de manter-me vivo,
acumulo os anos
sobre meus ombros.
Meus ossos, fragmentados pelo peso,
aprisionam-me.
Vegetal ilhado por sonhos
e lembranças de ontem.

FANTASIA OU LOUCURA

A ilusão caminha solta pela rua,
onde as calçadas são de pedra de sabão.
Os transeuntes são apenas esculturas
que se derretem sob a chuva
numa eterna ilusão.

Rente aos telhados passa, a luminosa lua,
transformada numa bolha de sabão.
Há dentro dela, uma bela dama nua
que na sua face oculta,
amarga desilusão.

Observando esta cena, continua
extasiada com sua imaginação,
a inusitada e sombria figura.
Será fantasia ou loucura,
essa alucinação?

GRAVETOS

De cabeça baixa,
a fraca luz me ilumina.
Os meus próprios versos
são gravetos que atiçam o fogo
que clareia a minha alma.
Nada se compara
aos ruídos noturnos,
nem mesmo o inconfundível crepitar
dos meus versos
em brasa.
Fecho-os num livro
e percebo as chamas
que queimam suas capas.
Gravetos,
não são cavacos soltos,
são um feixe inteiro
de poemas toscos.

SONETO DA INIQUIDADE

Eu não dividi águas;
nem multipliquei comida.
Não sigo mandamentos
de uma lei prescrita.

Se eu usei provérbios
para falar da vida,
não vejo condenados,
vejo apenas vítimas.

Em meu barco à deriva,
há homens imortais
da terra prometida.

Dos homens imortais,
havia apenas ossos,
quando aportei no cais.

ESCALADA

Todas as razões são impostas,
se alguém não gosta,
é apenas mais um louco.
Algumas montanhas são rochosas,
outras são de ouro.
Nada impede a escalada
simplesmente pela conquista;
a visão apaixonada
até se perder de vista.
A vitória de um tolo.
A tolice de um morto.
As razões, ninguém explica.

João Felinto Neto (1966)


No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. São seus pais Maria Dália Pinto, natural de Apodi e Francisco Felinto Neto, natural de Pombal.

Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios.

Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho.

Em 1986 ingressa no serviço público.

Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991.

Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento. Em junho de 2003 publica seu primeiro livro, Cabaz - Com frutos do meu delírio. E em apenas sete anos de extrema dedicação à caneta, em Abril de 2010 o Trigésimo quinto, Livro Negro- Exaltação à morte é publicado.

Publicações

POESIAS

A caveira & a rosa – Mossoró, 2007.
Alguns degraus – Mossoró, 2007.
Árvore morta– Mossoró, 2009.
Bolodório - uma farra na poesia – Mossoró, 2009.
Cabaz: com frutos do meu delírio – Mossoró, 2006.
Cálice – Mossoró, 2007.
Composições sem cifras – Mossoró, 2008.
De versos, Diversos versos . – Mossoró, 2007.
Em nome do pai e do filho – Mossoró, 2007.
Espinhos do deserto – Mossoró, 2008.
Gravetos – Mossoró,2006.
Letras, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano – Mossoró, 2007.
Livro Negro (Exaltação à morte).– Pará de Minas, MG, 2010
Nome de mulher – Mossoró, 2009.
Pecados de Deus – Pará de Minas, MG: 2010. (Temática Cristã.)
Poesia no lixo – Mossoró, 2007.
Por minhas mãos – Mossoró, 2003.
Quadrilátero – Mossoró, 2006.
Sob meus calcanhares Mossoró, 2007.
Sombras & Espelhos – Mossoró, 2007.
Sonetos numéricos – Mossoró, 2007.
Sopro Poético – Mossoró, 2006.
Tríptico – Mossoró, 2007.
Um pedaço de pangéia– Mossoró, 2007.
Gota d’água – Mossoró, 2009.
Livro índice – Mossoró, 2007.(Livro índice de poemas)
Megalíticos – Mossoró, 2008.
O herege – Mossoró, 2006.
Obscuro – Mossoró, 2007.
Olhos de Guri– Mossoró, 2006.
Opalina- Mossoró, 2004.
Páginas de ontem – Mossoró, 2006.
Pax-vóbis– Mossoró, 2007.
Reticências desfeitas – Rio de Janeiro, 2006

PROSA
Crônicas dispersas – Mossoró, 2007.
Estranhas narrativas - Mossoró, 2007.

Fonte:
João Felinto Neto

Walflan de Queiroz (Poesias Avulsas)


ORAÇÃO

Meu Deus, estendei sobre mim tua mão
E então poderei entender o silêncio,
Então poderei andar sobre as águas do mar.

Meu Deus, estendei sobre mim tua mão,
E então poderei compreender teu Verbo,
Então poderei olhar os lírios do campo.

Meu Deus, fazei-me ouvir de novo tua voz,
Para que eu responda aos que vieram de Sabá,
E me restitua integral e perfeito a Ti.

(O testamento de Jó, p.25)

AUTORRETRATO
A Luis Carlos Guimarães

Não tenho a beleza de Rimbaud, nem o rosto torturado de
Baudelaire.
Tenho sim, olhos negros, negros como os de Poe.
Meus cabelos são soltos, em desalinho
Como os de algum anjo ou demônio.
Minha pele, queimada eternamente de sol, tem o sal do mar
E a cor morena dos que são náufragos.
Minhas mãos são pequenas, tristes embora,
Como as mãos de alguém que só as estendeu para o adeus.

(O tempo da solidão, p.38)



Meu Senhor, sou tua argila,
Manda de novo o teu vento,
Destruir minhas plantações,
Para que eu não veja, ao longe,
Senão, este deserto imenso,
E esta solidão de estrelas,
Onde te encontro.

Meu Senhor, sou tua criação,
Manda de novo o teu anjo,
Dispersar os meus rebanhos,
Para que eu não veja, ao longe,
Senão, esta montanha, Sião,
E estas torres muito altas,
Que se perdem, no azul destes ocasos,
Bordados com as cores do teu Manto.

(O testamento de Jó, p.37)

POEMA

Eu te falarei da noite misteriosa e doce
E das mil angústias que afligem a minha alma.
Na tua procura pelos mundos desolados,
Encontrei somente a dor habitando a minha solidão
Eu te falarei do mar ausente, e da nuvem
De mármore que se quebrou de encontro ao ocaso.
Não te falarei das colinas de Deus, dos penhascos
Distantes decorados por horizontes de ouro.
Te falarei, entretanto, da minha solidão
Caminhando pelas florestas insones do pranto
E te recordando em cada flor, em cada pássaro
Voando em direção à aurora em busca da morte.
Te direi apenas da minha pobreza, da minha dor
Quanto desfeitas e caídas com pétalas das mãos de Deus.

(O testamento de Jó, p. 49)

HINO À NOITE
A Tânia

Vem, Noite. Perco-me novamente
Em tuas constelações.
Quero procurar pela rua mais deserta
O sereno clarão de tua lua.

Vem, Noite. Quero ser eternamente teu.
Quero andar pelos becos mais distantes,
Em busca da luz de tua mais remota estrela.

Já não tenho túmulos, em mim.
Tenho apenas uma sombra, e um silêncio.
Vindo de minha solidão que fere os astros.

(O testamento de Jó,p.75)

Walflan de Queiroz (1930 – 1995)


Francisco Walflan Furtado de Queiroz nasceu em São Miguel, uma pequena cidade situada na Serra do Camará, no Rio Grande do Norte, a 31 de maio de 1930, filho de Raimunda Furtado de Queiroz e do farmacêutico Letício Fernandes de Queiroz. Pouco se sabe sobre a sua infância, mas a sua família tinha recursos suficientes, o que lhe propiciou uma sólida educação.

O poeta Walflan de Queiroz foi contemporâneo da geração pós-45 e, portanto, integrava um extraordinário grupo de artistas e poetas talentosos em Natal, tais como Newton Navarro, Zila Mamede, Sanderson Negreiros, Deífilo Gurgel, Luis Carlos Guimarães, Berilo Wanderley, Dorian Gray, Celso de Silveira e Myriam Coeli, entre outros que vão surgindo ao longo dos anos, como, por exemplo, um poeta igualmente expressivo dessa geração, refiro-me a Miguel Cirilo, figura refratária à mídia local, mas que apareceu sob os auspícios de uma grande revelação poética como o livros Os elementos do caos, publicado na década de 60.

De 1960 a 1977, ou seja, durante praticamente duas décadas, Walflan de Queiroz publicou oito livros de poesias. No final dos anos 70, com o agravamento de sua esquizofrenia, o poeta passou a freqüentar as clínicas para o tratamento adequado do seu estado mental.

Os poemas de O testamento de Jó constituem-se em sua maioria num convite e, ao mesmo tempo, num desafio que nos afasta para longe de nossas experiências corriqueiras da vida cotidiana e nos conduz paulatinamente ao mundo bíblico, mítico e lírico.

Esta leitura do livro O testamento de Jó (1965), do poeta Walflan de Queiroz (1930-1995), realizada por João Antônio Bezerra Neto, dá nova visibilidade a uma escrita que emerge das sombras para compor o quadro ainda incompleto da história da literatura brasileira que aconteceu no Rio Grande do Norte na segunda metade do século XX.”
Humberto Hermenegildo de Araújo

Fonte:
Antonio Miranda

Rosangela Trajano (Mamãe e a Máquina de Lavar Roupas)


À mamãe, com carinho.

Ela vivia sonhando com aquele presente, e no dia que recebeu quase morreu de tanta alegria, iniciou um soluço que só veio parar às tantas horas da madrugada. Fiquei tão assustada que pensei que ela fosse morrer, mas era só emoção, disse meu irmão mais velho. Finalmente, mamãe tinha ganho uma máquina de lavar roupas. Não era nova, mas já iria tirá-la do velho tanque de cimento.

O mais engraçado dessa história é que mamãe levou cerca de dois meses para usar a máquina, pois nos primeiros dias deliciava-se em apreciá-la. No dia em que resolveu ligá-la vestiu até vestido novo, parecia que ia passear. Só faltava ela dar nome aquela máquina. De repente chego em casa, certo dia, tá lá mamãe sentada numa cadeira de frente a máquina de lavar roupas com a cara bem tristonha. Perguntei o que estava acontecendo, e ela me disse que a máquina não funcionava. Foi só girar o botão para o lado correto, e pronto. A roupa estava sendo lavada pela máquina. Eu vi mamãe sorri como uma criança ao ver seu trenzinho elétrico andar nos trilhos pela primeira vez.

Mas mamãe começou a se aborrecer com a máquina, e as duas travaram uma batalha tremenda. De um lado mamãe dizia que a máquina não estava funcionando bem ou então não lavava a roupa direito. Chamamos um técnico; depois de mexer pra lá e pra cá o homenzinho disse que tudo estava em ordem. Só que mamãe continuava sem saber usar os botões, e vez por outra ela desligava a máquina no meio da lavagem. Era a maior confusão. O pobre do técnico foi chamado três vezes, pois ela insistia que tinha um defeito na máquina. Foi difícil convencê-la de que aquele modelo trabalhava diferente das que ela conhecia, era mais moderna.

Todos os dias quando chegava em casa, via mamãe sentada de frente a máquina. Aquela cena já era comum, eu nem ligava mais. A panela do feijão queimava, o telefone tocava, tocava e ela não estava nem aí. Só queria saber da sua máquina. Aos poucos as duas foram fazendo as pazes, e graças a Deus vi mamãe sair daquela cadeira.

Como se não bastasse mamãe ficar sentada esperando a roupa ser lavada, ainda tinha o meu cachorro para acompanhá-la. Ai, eu juro que aquela situação parecia irônica demais. Um dia a máquina parou. Mamãe ficou desesperada, depois de mexer em tudo quanto era botão ela percebeu que tinha faltado energia. Peguei há alguns dias mamãe no tanque de lavar roupas, e fiquei sem entender aquela cena; cuidou logo de me explicar que estava dando um descanso a máquina. Assim seguiram-se os dias de mamãe com a sua máquina de lavar.

Fontes:
http://www.rosangelatrajano.com.br/maquina.html
Imagem =http://cronicasurbanas.wordpress.com/

Júlia Lopes de Almeida (Conventos)


A tarde agonizava em reflexos brancos de prata polida, que davam à superfície do mar um tom de aço, espelhento. Num banco do convés da barca, uma senhora afogada em lãs pretas, de luto, sussurrava queixas das filhas que a queriam trocar por um convento. Era um desabafo, entre as amigas, que todas se debruçavam para aquela angústia...

Pelos farrapos dos comentários percebi que as donzelas não levariam ao claustro contingente que o exalçasse... Uma delas faria versos místicos, a outra rezaria ladainhas, sem que das suas genuflexões ou dos seus arroubos viesse benefício ao mundo.

A mãe não sabia explicar aquele fervor súbito. Supunha que a mais velha, poetisa, procurasse na religião os ideais que não via realizados na terra; mas a outra? Debatia-se ante o enigma da outra. Optaram as amigas por uma paixão. Algum amor mal correspondido...

Pobre criança, pensava eu de mim para mim, o véu de freira não tem por certo a magia que ela espera... Se o mal de que ela sofre é esse que dizem, levá-lo-a consigo, que para a fatalidade do amor não há amuletos nem cilícios que valham.

O convento excitará no principio a sua fantasia, vinculará a sua saudade, sem lhe trazer a pacificação, a vida saborosa, que é o preparo do Paraíso. Houve tempo em que o convento tinha, com todos os rigores, certos atrativos, como tudo que é forte e que domina. Tempos houve também em que ele era menos um lugar de reclusão que de galanteio; então bilhetes amorosos e versos dos torneios perpassavam por entre aquelas paredes severas, como revoadas das mariposas tontas; e havia freiras, como a freira Serafina, que, escrevendo a respeito da abadessa de Santo André, deixava transparecer a convicção de que não é o amor divino, mas o humano, a melhor e a maior preocupação de toda a gente, tanto de lá de dentro como de cá de fora. Dizem mesmo crônicas velhas e cronistas modernos que nem sempre os conventos foram santuários de castidade. Fossem lá o que fossem, a verdade é que tinham vida própria e o enorme prestígio que facilita e sugere os grandes devotamentos. Depois, a mulher não tinha outros destinos; ou ele ou o casamento. Hoje não é assim; o pulso paterno já não tem o poder de aferrolhar filhas insubmissas, e a poesia, que naqueles tempos o hábito pudesse ter, foi substituída no nosso tempo — por uma fúnebre idéia de mortalha. Hoje os conventos parecem túmulos.

Imagino a melancolia desses casarões enormes. Que silêncio de corredores, onde as sandálias já não batem de minuto a minuto; que ar de mofo nas celas sem dono, fechadas há anos e em que as aranhas tecem irreverentes a rede da sua prole; que abandono nos palcos, onde as fontes choram, sem o consolo de ver as suas lágrimas suspensas pelas mãos macias de umas freiras bonitas; que aspecto frio o do refeitório, onde na imensa mesa conventual meia dúzia de freiras sorumbáticas trocam receitas de pasteis e benzem distraidamente o pão, e o comem depois sem alegria, a bela alegria, que a tão citada Santa Tereza de Jesus aconselhava às freiras da sua comunidade, a par de trabalho ativo, vassouradas, costuras, roupas limpas e polimento de metais! Essa feição salutar da santa modificou a imundice do convento, mas não lhe tirou a grandeza austera e a soturnidade doentia.

Dirão: os nossos conventos têm uma feição mais modesta e mais acanhada; estão pintadinhos de fresco e assoalhados de novo. Tanto pior. Não haverá ao menos espaço para uma evocação. Do lagedo largo e quebrado de um claustro, de onde surja um tufo de verdura; de um nicho abandonado, ou de um pergaminho sujo pelo manusear de mil dedos desconhecidos, pode nascer uma reflexão, uma curiosidade, um estudo ou um devaneio. Mas uma parede caiada e um pátio semeado de fresco, para as necessidades práticas da vida, que podem sugerir à freira moça?

Talvez saudades da graça, do riso travesso e das confidências das amigas abandonadas; seu quarto, em que a sua imagem se reproduzia faceira e linda; das fitas, do vestido profano; de uma volta de valsa; de um aperto de mão fugitivo; de um olhar, de um pensamento de amor com ou sem pecado, em todo o caso sem medo de excomunhão; de coisas pueris e de coisas divinas, que enfeitam a vida a intervalos, como as papoulas nos campos de trigo.

A verdade, sempre repetida, é que quem tem fé melhor serve a Deus nos lugares onde por ele se vive ou por ele se morre, que atrás dos grossos ferrolhos de uma portaria. Esses lugares, a que a mulher com proveito levara a doçura da sua crença e o ardor do seu sacrifício, são as cidades empestadas, as ruas cheias de mendigos e de crianças; as prisões, as ambulâncias, todo o sítio onde há dor, fome ou rancores; são a escola onde ensina; a própria família, que a sua influência alegre e pacífica; hospital, onde consola; o pedaço de terra, onde planta a árvore, que dará sombra a quem vier mais tarde e ramos para as ninhadas entoarem hinos ao Criador.

Podemos ser úteis e ser religiosas sem fugir da sociedade; podemos amar o Senhor, sem desprezar os irmãos, que mais ou menos carecem do nosso amparo, ou da nossa presença.

Este egoísmo de esconder as feridas da paixão em lugar imperscrutável ao olhar humano não é digno deste tempo, em que as almas se desnudam para o combate, porque hoje não há santos, há heróis; não há milagres, há virtudes. Os eleitos de Deus são os eleitos da humanidade, somos nós, as mães, que criamos os filhos para a glorificação do mundo; são os homens, que cultivam a terra em paz abençoada, ou morrem por uma idéia generosa.

A religião tem com certeza melhores serviços nos hospitais, nos púlpitos, nas missões, em todas as suas formas de expansão, que nos conventos mudos, abafados pelo rumor que os cerca...

A irmã de caridade tem ao menos a sublimidade, a abnegação de viver para os outros. Essa é a sua doutrina. A freira para quem vive?

A barca atracou à ponte, e a senhora de luto, puxando para o queixo o véu do toucado, saiu, levando consigo o mistério daquele romance apenas entrevisto…

Fontes:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).
Imagem =http://agvtorrao.drealentejo.pt/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 362)


Uma Trova Nacional

Chorando à beira da estrada,
num coral de fome e medo,
a criança abandonada
faz do lixo o seu brinquedo!
–DELCY CANALLES/RS–

Uma Trova Potiguar

A Senhora Aparecida,
por ser nossa padroeira,
se faz ser compadecida
da família brasileira.
–TARCÍSIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

2005 - Niterói/RJ
Tema: ENCONTRO - Venc.

Na mesma rua onde os nobres
desfilam pompa e capricho,
se encontram crianças pobres
entre montanhas de lixo.
–ÉLEN DE NOVAIS FÉLIX /RJ–

Uma Trova de Ademar

Um sonho que me extasia
e me traz muita esperança,
é ver livros de poesia
nas mãos de toda criança.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quando criança eu queria
crescer dez anos num mês,
e, agora, o que eu não daria
pra ser criança outra vez...
–ELTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia

Padroeira consagrada,
a Senhora Aparecida,
batizou por toda vida:
Caicó, terra adorada.
Onde toda criançada
na trova mostra os valores,
nos versos já são doutores
com mestrado em poesia;
Caicó é hoje em dia
celeiro de Trovadores.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

Quando a criança adormece,
a mãe cansada do parto,
nos quatro cantos do quarto
Deus em pessoa aparece,
o espírito santo desce
distribuindo alegria,
vem aquela mão macia
do punho, a rede balança,
a casa que tem criança,
Deus visita todo dia.
–JÔ PATRIOTA/PE–

Soneto do Dia

Glória à Padroeira.
–CAROLINA RAMOS/SP–

Gloriosa Virgem Mãe Aparecida,
nossa Nação quer luzes e padece!
E se a teus pés se curva, enternecida,
de joelhos canta e o seu cantar é prece!

Virgem Morena, mais tranquila é a vida
de quem a bênção tua acalma e aquece.
E este Brasil, tão grande, Mãe querida,
feliz menino, ao te louvar, parece!

Teu manto azul – de beijos relicário –
que nos cerca de paz a ampla fronteira,
é esperança estendida ao mundo hostil!

Cada lar seja sempre o teu santuário,
ó Virgem Santa, perenal padroeira
da imensa realidade que é o Brasil!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ialmar Pio Schneider (A Leitura e os Livros)

12/10/11 - Dia Nacional da Leitura. (A partir de 2009 - Lei nº 11.899)

Quase deveria escrever “como nasce um cronista”, não fossem as páginas anteriores ao conselho abaixo, do ilustre literato paulista. Devo confessar que o mesmo muito me ajudou a superar certa indecisão neste sentido. Se mais não fiz até o momento, não me faltaram boa vontade nem aplicação. É claro que dei continuidade a leituras diversas de todo o gênero literário, quer em poesia, quer em prosa, levando em conta o tempo disponível e a disposição de ânimo.

Lanço mão de um opúsculo Sonhando com o Demônio, crônicas de Ignácio de Loyola Brandão - edição da Mercado Aberto (Pequenas Grandes Obras), na prateleira de uma estante, e me deparo com o autógrafo do autor, como segue: “Ialmar. A poesia também está na crônica. Abraço do companheiro de letras. Ass. - 7.11.98”.

De fato, sabedor de que eu escrevia versos, apesar de iniciante na crônica, quis incentivar-me ou confirmar que era possível continuar nesta última sem abandonar a arte poética. Vindo de quem veio estas palavras tão gentis e amenas, senti-me na obrigação de prosseguir tentando alcançar meu objetivo de modesto escriba de aldeia. Já vai para dois anos e não parei mais. Às vezes os assuntos se tornam escassos e a inspiração tarda. Mas daí vem o velho ditado me sacudir: “comer e coçar, é questão de começar”. Assim é também para escrever.

A par disso, a leitura é fundamental para o conhecimento deste ofício de transmitir o que pensamos e sentimos. Com acerto se tem afirmado que são os livros os nossos melhores amigos. Estão sempre prontos a nos dar a resposta que necessitamos. Acrescentam algo ao espírito que anseia o infinito, apesar de “… tu és pó e ao pó tornarás.” Gênese, 3.19. Eles nos transportam aos lugares mais fascinantes e longínquos da terra e despertam nossa imaginação até para o que não existe. É o milagre da literatura e da contemplação.

Há poucos dias, percorrendo as barracas da 16ª Feira do Livro de Canoas, pensava na quantidade de ensinamentos que continham todos aqueles volumes ali expostos, até que uma senhorita que atendia a uma das bancas, querendo ser gentil, começou a oferecer-me diversos livros, ressaltando suas qualidades e preços. Disse-lhe, então, que estava apreciando-os e sentia certa ansiedade de não conseguir ler todos eles, mesmo que vivesse mil anos. Mas não é por isso que se deva deixar de fazê-lo aos poucos, à medida do possível. Afinal, uma boa leitura diária só poderá nos trazer os melhores benefícios, tanto no aperfeiçoamento profissional, quanto num salutar passatempo na existência fugaz. Desta maneira a considero, sinceramente.
_________________________

Publicado em 05 de julho de 2000 - no Diário de Canoas.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = Portoweb

As Mil e Uma Noites (As-Sámet: O Barbeiro Calado) Parte 3


Como todas as histórias das Mil e uma noites, esta surge encadeada a outra. Numa cidade da China, numa residência de gente fina, prepara-se uma festa em homenagem aos principais membros das corporações: alfaiates, sapateiros, comerciantes, barbeiros, carpinteiros e outros. Quando tudo está pronto para o início da festa, entra o dono da casa acompanhado de um adolescente estrangeiro, trajado à moda de Bagdá, bem constituído e belo, mas coxo. Mal esse jovem senta e olha em volta, algo perturba-o visivelmente. Levanta-se com a disposição de partir. O dono da casa pede-lhe que pelo menos explique este comportamento estranho.

Responde: “Há entre vós alguém cuja presença me obriga a sair. Se insistirdes em saber quem é, é aquele barbeiro ali.”

O dono da casa comenta:
“Como pode alguém que acaba de chegar de Bagdá ser incomodado pela presença de um barbeiro desta cidade?”

Todos pedem uma explicação, e o jovem acaba cedendo:

“Este barbeiro, que tem um aspecto de alcatrão e alma de betume, foi a causa de uma tragédia que nunca deveria ter ocorrido e que acabou por danificar uma das minhas pernas, como vedes. Jurei nunca mais viver na mesma cidade que ele, nunca me sentar onde ele estiver. Deixei Bagdá, minha cidade natal, por causa dele, e viajei até este país remoto. E eis que o encontro à minha frente na primeira reunião social de que participo. Sairei logo desta cidade, e espero estar bem longe deste parvo abominável antes do fim do dia.”

O barbeiro ouve essas imprecações de olhos baixos e sem adiantar uma palavra. Os outros convencem o coxo a contar sua história. Diz:

“Meus senhores, eu era filho único de um dos mais ricos mercadores de Bagdá. Apesar das solicitações de meu pai, não constituí família porque Alá havia plantado em mim uma aversão invencível pelas mulheres. Um dia, porém, uma jovem, vista à janela de um palácio, inverteu essa aversão numa paixão irresistível. Fiquei doente por não saber quem era e por não encontrar alguém que me pusesse em contato com ela. “Mas Alá teve pena de mim e, um dia, uma velha conhecida me disse: “Meu filho, aquela jovem é a filha do cádi de Bagdá. Conheço pessoas capazes de te arrumar um encontro com ela. Prepara-te.””

Curei-me na hora e readquiri as cores e o vigor da juventude. Antes de ir ao hammam, quis cortar o cabelo. Mandei um de meus escravos trazer um barbeiro, recomendando-lhe: “Escolhe alguém que tenha a mão ágil, mas sobretudo que seja discreto, educado, de poucas palavras e sem curiosidade para que não me venha atormentar com a loquacidade e a impertinência próprias à gente daquela profissão.” “Meu escravo trouxe-me um barbeiro que não era outro senhores, que este sinistro velho que vedes sentado entre vós.

Cumprimentou-me e disse: “Trago-te boas notícias, meu mestre, muito boas notícias. Aliás, não são boas notícias, mas bons votos para que recuperes a saúde e a força. Todavia, negócio é negócio. Que queres exatamente quem faça? Que te corte o cabelo ou te submeta à sangria? Não podes ignorar que o grande Ibn Abbas disse: “Quem mandar cortar o cabelo às sextas-feiras concilia-se com a graça de Alá, que afastará dele setenta tipos de pragas.” Por outro lado, não podes esquecer que o mesmo Ibn Abbas disse numa outra oportunidade: “Quem ousar sangrar-se ou fazer aplicações de ventosas as sextas-feiras, correrá o risco de tornar-se cego e sujeito a todas as doenças.”

“- Meu velho, respondi, peço-te que pares com esta conversa e me cortes o cabelo tão rapidamente quanto puderes, porque estou ainda fraco em conseqüência da doença e cansa-me tanto falar como ouvir.

“O barbeiro levantou-se, pegou um embrulho similar aos que os homens de sua profissão carregam, abriu-o e tirou dele, não os utensílios de seu trabalho como navalhas, tesouras, mas um astrolábio de sete facetas. Carregou-o até o centro do pátio, olhou o sol de frente e voltou para dizer-me:

“Deves saber que esta sexta-feira é o décimo dia do mês de Safar do ano 763 da Hégira de nosso santo profeta, que as bênçãos do céu estejam sobre ele! Coincide assim, segundo a ciência dos números, com o momento preciso em que o planeta Marrikh se encontra com o planeta Mercúrio, à altura de sete graus. Isso significa que hoje é um dia auspicioso para cortar o cabelo. ““Os mesmos cálculos revelam-me que tens a intenção de visitar hoje uma jovem senhora, e que essa visita pode trazer-te ou bem ou mal. Não digo que preciso de minha ciência para profetizar o que se passará exatamente quando tu e a jovem senhora estiverem juntos, mas isso pouco importa. Pois há coisas que é melhor calar. “

- Por Alá, explodi, sufocas-me com tua verbosidade. Acabarás por me matar. “Trouxe-te para que me cortes o cabelo. Corta-o já sem mais uma palavra.” “-Farei exatamente como desejas, replicou, embora não possa deixar de pensar que, se conhecesses a verdade, pedirias que te dê mais informações e conselhos. ““Pois, deves saber que, embora barbeiro - o mais célebre desta cidade - não sou apenas barbeiro. Possuo na ponta dos dedos as ciências da medicina, das plantas, da química, da geometria, da álgebra. Além delas, conheço a astronomia, a astrologia, a filosofia, a literatura, a história, o folclore de todos os povos e muito mais.”

“E o barbeiro prosseguiu assim, falando e falando e falando, até que o interrompi violentamente, gritando: “Irá me enlouquecer e me matar com este transbordamento interminável de palavras, velho assassino?” “-Aí está o ponto em que te enganas, mestre, replicou. Todo mundo me conhece como As-Sámet, o homem calado, pela parcimônia com que uso as palavras. “Essa afirmação pôs-me completamente fora de mim mesmo. Senti meu fel prestes a romper-se. Gritei a um de meus criados:

“Dá um quarto de dinar a este homem e manda-o embora. De qualquer forma, nunca me cortará o cabelo.”

“Ao ouvir a ordem dada, disse o barbeiro: “Eu poderia chamar essas palavras, palavras rudes, meu mestre. Sim, acho que qualquer um teria o direito de chamá-las palavras rudes. Permite-me dizer que não te dás conta de que desejo ter a honra de atender-te sem pensar em dinheiro. E já que me ofereço para cortar-te o cabelo sem retribuição, como podes imaginar que aceitaria dinheiro sem te ter prestado um serviço correspondente? Não , não, nunca poderia conceber uma coisa dessas. Considerar-me-ia desonrado por toda a vida se aceitasse a menor retribuição. Vejo claramente que não fazes justiça a meu valor. Isso não me impede de ter uma idéia exata de teu próprio valor. “Asseguro-te que te considero digno em tudo de teu grande e lamentado pai, para quem peço a compaixão de Alá. Ele era mesmo um fidalgo. Sim, teu querido velho pai era um fidalgo. Tenho para com ele uma dívida. Por algum motivo, ele sempre me cumulou com favores. Nunca houve homem mais generoso, nunca houve homem igual na sua grandeza se me permites falar assim; e por algum motivo, ele me estimava muito. Lembro-me, como se fosse ontem, do dia em que teu bondoso pai me fez chamar. Achei-o cercado por visitantes ilustres; mas deixou-os assim que cheguei e veio até mim e cumprimentou-me, dizendo: “Meu bom amigo, peço-te que me sangres hoje.” ““Aí abri meu astrolábio, medi a altura do sol e descobri que, naquela hora exata, a sangria não era aconselhada, mas que o seria momentos depois. Comuniquei minhas conclusões a teu pai - que pena que tal patrão tenha ido para a eternidade! Acreditou em mim sem fazer uma pergunta, e ficou batendo papo comigo como se fosse meu amigo e não meu amo, até que soou a hora certa para a operação. Sangrei-o então. Ele sangrou bem, pois era sempre um bom paciente, e agradeceu-me calorosamente. E não apenas ele. Seus amigos se juntaram a ele e me agradeceram também.

Agora, estou me lembrando de um fato que esquecia quando comecei esta história: teu honroso pai, satisfeito com a sangria, deu-me cem dinares de ouro.”“

O adolescente interrompeu sua narração e, olhando para todos os presentes, disse: “Estaria assassinando-vos como este malvado barbeiro me assassinou se continuasse a repetir aquela enxurrada de palavras enfadonhas, ocas, irritantes com que este patife me torturou. Não havia meio de livrar-me dele, nem de levá-lo a me cortar o cabelo, nem de obrigá-lo a calar-se. A certa altura, fez um grande descobrimento: descobriu que era um chato! Disse-me: “Receio estar irritando-te, ó jovem.” Mas logo acrescentou uma frase que o retratava definitivamente. Disse: “Contudo, sou sábio demais para me importar com detalhes como este.” E recomeçou a falar, falar, falar.

“Por fim, começou a cortar-me o cabelo. Mas parava a cada movimento para falar, falar, falar. Eu estava desesperado para livrar-me dele e de sua horrível presença, pois a hora de meu encontro com a filha do cádi se aproximava. Em desespero de causa, disse-lhe: “Estou com pressa porque vou a uma festa na casa de um amigo.” “Mal ouviu a palavra festa, quis acompanhar-me. Para fazê-lo desistir, dei-lhe todas as provisões de minha casa para que fosse festejar com seus amigos. Mas nem isso me libertou dele. Mandou um escravo levar as provisões para sua casa e seguiu-me secretamente na rua para me espionar. Quando entrei na casa do cádi para ver a filha antes da chegada do pai, este canalha postou-se em frente à casa e quando viu o cádi chegar, armou um escândalo desastroso. Tentando passar de um esconderijo a outro na casa do cádi, caí e quebrei a perna, e tornei-me coxo pela vida toda. Lavrei então meu testamento, legando meus bens a minha família e deixei Bagdá, minha cidade natal, decidido a ir viver em qualquer lugar onde não pudesse encontrar-me face a face com este parasita calamitoso. Percorri as sete partes do mundo e estabeleci-me nesta terra longínqua, pensando estar aqui a salvo deste mastim.

“Mas eis que, ao atender ao primeiro convite social que recebo, encontro o mesmo horrendo barbeiro sentado num lugar de honra entre os convidados. Todos os gastos que fiz, a vida errante que me impus, a desgraça de ser coxo são devidos a este demônio de cabelo branco, a esta relíquia perversa e assassina.

Possa Alá amaldiçoá-lo, a ele e à sua posteridade até o fim do tempo. E agora, não terei paz até que abandone este país como abandonei o meu.” Tendo falado
assim, o jovem levantou-se e partiu. Ficamos olhando para o barbeiro que se conservava calado e cabisbaixo. “O jovem tem razão ou não?” perguntou-lhe um
de nós.

- Por Alá, eu sabia o que fazia ao proceder como fiz. Pois assim evitei-Ihe desgraças maiores. Que agradeça a Alá e a mim por ter ficado estropiado de uma perna só quando podia ter perdido as duas. Eu não sou nenhum indiscreto ou linguarudo. Ao contrário, sou um homem útil, cauteloso e, sobretudo, calado, como vereis ao ouvir minha história. Por isso, meus amigos me chamam As-Sámet, o homem calado.

(Na sua história, esse homem calado fala ao longo de vinte e três páginas da edição original árabe para passar em revista o comportamento de seus seis irmãos, cada um dos quais mais horrendo que o outro.)

Fonte:
Domínio Público

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 3


PRIMAVERAS

I

A primavera é a estação dos risos,
Deus fita o mundo com celeste afago,
Tremem as folhas e palpita o lago
Da brisa louca aos amorosos frisos.
Na primavera tudo é viço e gala,
Trinam as aves a canção de amores,
E doce e bela no tapiz das flores
Melhor perfume a violeta exala.
Na primavera tudo é riso e festa,
Brotam aromas do vergel florido,
E o ramo verde de manhã colhido
Enfeita a fronte da aldeã modesta.
A natureza se desperta rindo,
Um hino imenso a criação modula,
Canta a calhandra, a juriti arrula,
O mar é calmo porque o céu é lindo.
Alegre e verde se balança o galho,
Suspira a fonte na linguagem meiga,
Murmura a brisa: - Como é linda a veiga!
Responde a rosa: - Como é doce o orvalho!

II

Mas como às vezes sob o céu sereno
Corre uma nuvem que a tormenta guia
Também a lira alguma vez sombria
Solta gemendo de amargura um treno.
São flores murchas; - o jasmim fenece,
Mas bafejado s’erguerá de novo
Bem como o galho do gentil renovo
Durante a noite, quando o orvalho desce.
Se um canto amargo de ironia cheio
Treme nos lábios do cantor mancebo,
Em breve a virgem do seu casto enlevo
Dá-lhe um sorriso e lhe entumece o seio.

Na primavera - na manhã da vida -
Deus às tristezas o sorriso enlaça,
E a tempestade se dissipa e passa
À voz mimosa da mulher querida.
Na mocidade, na estação fogosa,
Ama-se a vida - mocidade é crença,
E alma virgem nesta festa imensa
Canta, palpita, s’extasia e goza.
1° de Julho - 1858

CENA ÍNTIMA

Como estás hoje zangada
E como olhas despeitada
Só p’ra mim!
- Ora diz-me: esses queixumes,
Esses injustos ciúmes
Não tem fim?
Que pequei eu bem conheço,
Mas castigo não mereço
Por pecar;
Pois tu queres chamar crime
Render-me a chama sublime
Dum olhar!
Por ventura te esqueceste
Quando e amor me perdeste
Num sorrir?
Agora em cólera imensa
Já queres dar a sentença
Sem me ouvir!
E depois, se eu te repito
Que nesse instante maldito
- Sem querer -
Arrastado por magia
Mil torrentes de poesia
Fui beber!
Eram uns olhos escuros
Muito belos, muito puros,
Como os teus!
Uns olhos assim tão lindos
Mostrando gozos infindos,
Só dos céus!
Quando os vi fulgindo tanto
Senti num peito um encanto
Que não sei!
Juro falar-te a verdade...
Foi decerto - sem vontade -
Que eu pequei!

Mas hoje, minha querida,
Eu dera até esta vida
P’ra poupar
Essas lágrimas queixosas,
Que as tuas faces mimosas
Vêm molhar!
Sabe ainda ser clemente,
Perdoa um erro inocente,
Minha flor!
Seja grande embora o crime
O perdão sempre é sublime,
Meu amor!
Mas se queres com maldade
Castigar quem - sem vontade -
Só pecou;
Olha, linda, eu não me queixo,
A teus pés cair me deixo...
Aqui ‘stou!
Mas se me deste, formosa,
De amor na taça mimosa
Doce mel;
Ai! deixa que peça agora
Esses extremos d’outrora
O infiel.
Prende-me... nesses teus braços
Em doces, longos abraços
Com paixão;
Ordena um gesto altivo...
Que te beije este cativo
Essa mão!
Mata-me sim... de ventura,
Com mil beijos de ternura
Sem ter dó,
Que eu prometo, anjo querido,
Não desprender um gemido,
Nem um só!

JURAMENTO

Tu dizes, ó Mariquinhas,
Que não crês nas juras minhas,
Que nunca cumpridas são!
Mas se eu não te jurarei nada,
Como há de tu, estouvada,
Saber se eu as cumpro ou não?!
Tu dizes que eu sempre minto,
Que protesto o que não sinto,
Que todo poeta é vário,

Que é borboleta inconstante;
Mas agora, neste instante,
Eu vou provar-te o contrário.
Vem cá, sentada ao meu lado
Com esse rosto adorado
Brilhante de sentimento.
Ao colo o braço cingido,
Olhar no meu embebido,
Escuta o meu juramento.
Espera: - inclina essa fronte...
Assim!... - Pareces no monte
Alvo lírio debruçado!
- Agora, se em mim te fias,
Fica séria, não te rias,
O juramento é sagrado:
“- Eu juro sobre estas tranças,
“E pelas chamas que lanças
“Desses teus olhos divinos;
“Eu juro, minha inocente,
“Embalar-te docemente
“Aos som dos mais ternos hinos!
“Pelas ondas, pelas flores,
“Que se estremecem de amores
“Da brisa ao sopro lascivo;
“Eu juro por minha vida,
“Deitar-me a teus pés, querida,
“Humilde como um cativo!
“Pelos lírios, pelas rosas,
“Pelas estrelas formosas,
“Pelo sol que brilha agora,
“- Eu juro dar-te, Maria,
“Quarenta beijos por dia
“E dez abraços por hora!”
O juramento está feito,
Foi dito co’a mão no peito
Apontando ao coração:
E agora - por vida minha,
Tu verás, oh! moreninha,
Tu verás se o cumpro ou não !...
Rio - 1857

PERFUMES E AMOR – NA PRIMEIRA FOLHA DUM ÁLBUM

A flor mimosa que abrilhanta o prado
ao sol nascente vai pedir fulgor;
E o sol, abrindo da açucena as folhas,
Dá-lhe perfumes - e não nega amor.
Eu que não tenho, como o sol, seus raios,

Embora sinta nesta fronte ardor,
Sempre quisera ao encetar teu álbum
Dar-lhe perfumes - desejar-lhe amor.
Meu Deus! nas folhas deste livro puro
Não manche o pranto da inocência o alvor,
Mas cada canto que cair dos lábios
Traga perfumes - e murmure amor.
Aqui se junte, qual num ramo santo,
Do nardo o aroma e da camélia a cor,
E possa a virgem, percorrendo as folhas,
Sorver perfumes, respirar amor.
Encontre bela, caprichosa sempre,
Nos ternos hinos d’infantil frescor
Entrelaçados na grinalda amiga
Doces perfumes - e celeste amor.
Talvez que diga, recordando tarde
O doce anelo do feliz cantor:
- “Meu Deus! nas folhas do meu livro d’alma
Sobram perfumes - e não falta amor!”
Junho - 1858

SEGREDOS

Eu tenho uns amores - quem é que os não o tinha
Nos tempos antigos? - Amar não faz mal;
As almas que sentem paixão como a minha
Que digam, que falem em regra geral.
- A flor dos meus sonhos é moça bonita
Qual flor entr’aberta do dia ao raiar,
Mas onde ela mora, que casa ela habita,
Não quero, não posso, não devo contar!
Seu rosto é formoso, seu talhe elegante,
Seus lábios de rosa, a fala é de mel,
As tranças compridas, qual livre bacante,
O pé de criança, cintura de anel;
- Os olhos rasgados são cor da safiras,
Serenos e puros, azuis como o mar;
Se falam sinceros, se pregam mentiras,
Não quero, não posso, não devo contar!
Oh! ontem no baile com ela valsando
Senti as delícias dos anjos do céu!
Na dança ligeira qual silfo voando
Caiu-lhe do rosto seu cândido véu!
- Que noite e que baile! - Seu hálito virgem
Queimava-me as faces no louco valsar,
As falas sentidas que os olhos falavam
Não posso, não quero, não devo contar!

Depois indolente firmou-se no meu braço
Fugimos das salas, do mundo talvez!
Inda era mais bela rendida ao cansaço
Morrendo de amores em tal languidez!
- Que noite e que festa! e que lânguido rosto
Banhado ao reflexo do branco luar!
A neve do colo e as ondas dos seios
Não quero, não posso, não devo contar!
A noite é sublime! - Tem longos queixumes,
Mistérios profundos que eu mesmo não sei:
Do mar os gemidos, do prado os perfumes,
De amor me mataram, de amor suspirei!
- Agora eu vos juro... Palavra! - não minto:
Ouvi-a formosa também suspirar;
Os doces suspiros que os ecos ouviram
Não quero, não posso, não devo contar!
Então nesse instante nas águas do rio
Passava uma barca, e o bom remador
Cantava na flauta: - “Nas noites d’estio
O céu tem estrelas, o mar tem amor!”-
- E a voz maviosa do bom gondoleiro
Repete cantando: - “viver é amar!”-
Se os peitos respondem à voz do barqueiro...
Não quero, não posso, não devo contar!
Trememos de medo... a boca emudece
Mas sentem-se os pulos do meu coração!
Seu seio nevado de amor se entumece...
E os lábios se tocam no ardor da paixão!
- Depois... mas já vejo que vós, meus senhores,
Com fina malícia quereis me enganar.
Aqui faço ponto; - segredos de amores
Não quero, não posso, não devo contar!
Rio - 1857

CLARA

Não sabe, Clara, que pena
Eu teria se - morana
Tu fosse em vez de clara!
Talvez... Quem sabe?... não digo...
Mas refletindo comigo
Talvez nem tanto te amara!
A tua cor é mimosa,
Brilha mais da face a rosa,
Tem mais graça a boca breve,
O teu sorriso é delírio...
És alva da cor do lírio,
És clara da cor da neve!
A morena é predileta,

Mas a clara é do poeta:
Assim se pintam arcanjos.
Qualquer, encantos encerra,
Mas a morena é da terra
Enquanto a clara é dos anjos!
Mulher morena é ardente:
Prende o amante demente
Nos fios do seu cabelo;
- A clara é sempre fria,
Mas dá-me licença um dia
Que vou arder no teu gelo!
A cor morena é bonita,
Mas nada, nada te imita
Nem mesmo sequer de leve.
- O teu sorriso é delírio...
És alva da cor do lírio,
És clara da cor da neve!
Rio - 1857

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.