sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Daniel Galera (1979)


Daniel Galera (São Paulo 13 de Julho de 1979) é um escritor e tradutor literário brasileiro. Foi um dos precursores do uso da internet para a literatura, editando e publicando textos em portais e fanzines eletrônicos entre 1997 e 2001. Foi um dos convidados da segunda edição da Festa Literária Internacional de Parati (FLIP), em 2004.Já traduziu 13 livros, predominantemente das novas gerações de autores ingleses e norte-americanos. Publicou até então quatro livros, além de ter participado em algumas antologias de contos. Seu último livro ganhou o Prêmio Machado de Assis de Romance, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional em 2008.

Cresceu e passou boa parte da vida em Porto Alegre, onde voltou a viver recentemente, depois de ter morado por alguns anos em São Paulo - sua cidade natal - e Garopaba, em Santa Catarina. Formou-se em publicidade na UFRGS. Foi colunista fixo do fanzine eletrônico CardosOnline, que também revelou Clarah Averbuck e Daniel Pellizzari. Após o encerramento do ezine em meados 2001, Galera fundou a editora Livros do Mal voltada à nova literatura, junto com dois outros colegas também egressos da extinta publicação, Daniel Pellizzari e Guilherme Pilla. Falando da sua motivação para fundar a editora, Galera diz: "Nossa vontade era ser lido. Não era vontade de conquistar fama ou de receber convite de uma grande editora." Em 2005, exerceu o cargo de coordenador do Livro e da Literatura na Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre.

Como tradutor, Galera busca trabalhar com obras das novas gerações de autores ingleses e norte-americanos, como quadrinhos de Robert Crumb e os romances "Sobre a beleza" (Zadie Smith), "Reino do Medo" (Hunter Thompson), "Extremamente alto e incrivelmente perto" (Jonathan Safran Foer) e, em parceria com Daniel Pellizzari, "Trainspotting" e "Pornô", (Irvine Welsh).

Como escritor possui quatro livros publicados, além de participações em algumas antologias de contos. Seu livro de estréia, uma coletânea de contos chamada "Dentes Guardados", foi publicada em 2001 pela editora Livros do Mal e encontra-se disponível na internet. Em 2003 publica "Até o Dia em que o Cão Morreu", escrito quando ele tinha 23 anos. No livro, Galera narra a história de um jovem de classe média, recém-formado em Letras, que leva uma vida sem realizações num apartamento que aluga no centro de Porto Alegre. O livro traça um retrato de muitos de seus contemporâneos, jovens sem perspectivas ao se formar da faculdade, e narra suas dificuldades para enfrentar a realidade e suas maneiras de se relacionar afetivamente. Em 2007, o livro ganhou adaptação cinematrográfica com o título de "Cão sem Dono", dirigido por Beto Brant e com colaboração de Renato Ciasca.

Estreou na Companhia das Letras em 2006, quando publicou o seu terceiro romance, "Mãos de Cavalo". No livro, a história se desenvolve ao redor de um personagem em três momentos distintos de sua vida: um garoto de dez anos que pilota sua Caloi Cross em um trecho urbano; um cirurgião plástico de sucesso que vive um casamento quase frustrado e que vai escalar o Cerro Bonete, na Bolívia; e adolescente tímido e pacato que encara o valentão da turma durante uma partida de futebol. Ao longo do romance os três enredos se entrelaçam, atraídos para um ponto em comum. De acordo com Galera, o tema principal do livro é a identidade e a inutilidade de se tentar definí-la. Mãos de Cavalo mostra que apenas até certo ponto as pessoas conseguem programar aquilo que são e o que representam para os outros. De um momento em diante, sobretudo em situações-limite, elas passam a ser elas mesmas, sem mediações.

Em 2008, Galera publicou o romance "Cordilheira", ambientado em Buenos Aires. A protagonista do livro é Anita, uma jovem escritora que perde o interesse por literatura e apenas cuida do desejo inadiável de gerar um filho. Movida por essa idéia fixa, acaba indo para Buenos Aires onde se envolve com uma liga de escritores. O livro foi o primeiro lançamento do projeto Amores Expressos da Companhia das Letras, onde diferentes escritores brasileiros visitaram capitais no exterior para escrever obras de ficção. Em 2008 o livro foi o vencedor do Prêmio Literário Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional na categoria romance.

Romances
Cordilheira, Companhia das Letras, 2008;
Mãos de Cavalo,Companhia das Letras, 2006;
Até o Dia em que o Cão Morreu, editora Livros do Mal, 2003; Companhia das Letras, 2007.

Contos
Dentes Guardados, editora Livros do Mal, 2001. [1]

HQs
Cachalote, Quadrinhos na Cia, 2010 (com

Prêmios
Prêmio Machado de Assis de Romance da Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro, 2008), por Cordilheira.
Prêmio Açorianos de Literatura: Editora do Ano (Porto Alegre, 2003).
Prêmio Jabuti de Literatura: Cordilheira, terceiro lugar na categoria Romance (São Paulo, 2009).
Prêmio HQ Mix Novo Talento – Roteirista (2010).

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Galera
- Arrais, Daniel; Bertoni, Estêvão. "Como chegar ao primeiro livro" Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de março de 2007.
- Borges, Julio Daio. Mostro a mão para poder esconder o resto - Entrevista com Daniel Galera, Rascunho
- Filho, Rubens Ewald Resenha de Cãos sem Dono. Uol Cinema. Acessado em 13 de dezembro de 2008.
- Assis, Diego. "Daniel Galera agarra o osso do romance.", Folha de São Paulo, São paulo, 26 de maio de 2003.
- "A voz de uma geração." Gazeta do Povo, Curitiba, 7 de maio de 2006.
- Pécora, Alcir. "Crítica: Livro luta contra auto-ajuda, mas resulta anódino." Folha de São Paulo, São Paulo, 15 de outubro de 2008.
- "Biblioteca Nacional divulga seus premiados." O Globo, Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2008.

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 9)


CAPICUA
A palavra ou a frase que é lida da mesma forma da esquerda para a direita ou vice-versa tem um lindo nome: palíndromo - do grego palíndromos (que volta sobre seus passos), formada de pálin (em sentido inverso) + drómos (correr; daí hipódromo, autódromo...).
É o caso de palavras como radar, anilina, Natan, Menem e de frases como as seguintes.

Amor a Roma.
- A base do teto desaba.
- A bola da loba.
- A cera causa a sua careca.
- A droga da gorda.
- A grama é amarga.
- Ame o poema.
- Anotaram a data da maratona.
- Laço bacana para panaca boçal.
- Seco de raiva, coloco no colo caviar e doces.
- Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.

Não fique o leitor aí torcendo-me o nariz. A frase palindrômica vale mais pela engenhosidade do autor (não fui eu!) do que pela possibilidade do fato enunciado. Afinal de contas, todo o mundo sabe que lobas não têm bolas (não importa o sentido) e que a medicina jamais recomendou como calmante a aplicação de caviar e doces no colo.
Esse processo da mesma leitura de lá para cá e de cá para lá também acontece com os números (202, 1.441, 172.424.271...). Como palíndromo é só para letras, o número que é lido da mesma forma em qualquer sentido tem um nome especial: capicua. A palavra se formou de capi (do latim caput, cabeça) + cu + a. A palavra também existe no espanhol, capicúa, que veio do catalão, significando literalmente "cabeça e rabo".
A última data que foi capicua: 20/02/2002. Qual será a próxima, prezado leitor?
Capicua também é, no dominó, a pedra que pode acabar o jogo encaixando-se em qualquer das duas pontas.

CESARIANA
Do FRANCÊS CÉSARIENNE.
Na Roma antiga, já se nascia com o destino traçado. O bebê era posto no chão pela parteira e o pai o levantava em manifestação de reconhecimento como filho legítimo. Se o pai não fizesse isso, a criança era deixada na porta da casa ou num monturo público à disposição de qualquer um. Se a mãe quisesse ficar com o filho, já era meio caminho andado: salta um futuro escravo à romana! Os bebês que nasciam deformados eram abandonados ou afogados, sem nenhum ressentimento, sob a chancela da inteligensia local. Veja só o preceito

(i)moral do filósofo Sêneca:
"É preciso separar o que é bom do que não pode servir para nada". Plutarco registrou que os pobres abandonavam os filhos "para não vê-los corrompidos por uma educação medíocre que os torne inaptos à dignidade e à qualidade".

Qualquer argumento servia de desculpa moral para o enjeitamento de um recém-nascido. Logo depois que Nero assassinou sua mamãe, Agripina, um romano abandonou um bebê com um cartaz: "Não te crio com medo de que mates tua mãe", o equivalente romano para "Remember Agripina".

Mas fiquemos com os casos felizes. Ao bem nascer, a menina recebia um nome só, o da sua gens (um grupo de famílias com um antepassado comum): Túlia, Cornélia, Júlia. Já o irmãozinho da Túlia ganhava três nomes: (a) o prenome - de segunda mão, já usado por um antepassado (Marco, por exemplo); (b) o nome - que era o da sua gens (com isso já virava Marco Túlio); (c) o sobrenome - o da sua família (e ficava Marco Túlio Graco). Depois, devido ao acúmulo das homonímias e à ausência do CPF, foi- se agregando um quarto e um quinto nomes.

Quando César, o famoso imperador assassinado, nasceu em 100 a.C., foi batizado assim: Caio Júlio César.

O sobrenome da gens Julia - Caesar-já era usado desde 208 a.C., e sua origem é imprecisa. Para alguns veio de caesaries, cabeleira (longa e abundante); para outros, de caesus, particípio de caedere, cortar, e aí interpretado como "retirado do ventre da mãe por incisão". Como o César que ganhou notoriedade foi o personagem shakespeariano, criou-se a lenda de que a palavra cesariana veio dele, que teria nascido dessa forma. Muito improvável: a mãe, Aurélia, viveu muitos anos após o nascimento do filho. A primeira cesariana documentada (numa mulher viva, é claro) foi realizada em 1610. A mãe? Morreu 25 dias depois.

Caesar virou duas coisas: título de imperador romano e salada. A famosa "Caesar salad" tem o nome do seu criador, Caesar Gardini, dono do restaurante Caesar"s Place, em Tijuana, no México. Mais um caso de criatividade movida pela necessidade. A invenção se deu na década de 1920, numa noite em que Caesar teve de improvisar uma salada quando apareceram mais clientes do que ele imaginava.

CLIPE
Do inglês clip, que é a forma resumida de paper (papel)
clip (juntar). *

A palavra foi aportuguesada, clipe, e tem o plural regular clipes, e não, como alguns pronunciam, clips, que é o plural do inglês clip.

No século XIX, as pessoas usavam um alfinete para manter juntas duas ou mais folhas de papel, muitas vezes involuntariamente adornadas por gotículas de sangue.

Videoclipe foi formado de vídeo + o verbo inglês (to) clip com o sentido de cortar, abreviar.

Em 1899, o norueguês Johan Vaaler, Convicto de que o século não poderia terminar sem um fato impactante para a civilização, inventou o clipe. Ele patenteou sua criação na Alemanha porque, naquela época, não havia legislação sobre patentes na Noruega.

O clipe de Vaaler tinha uma volta a menos que o atual, com a desvantagem de o final do arame ferir o papel. E daí? - questionaram os noruegueses, sem conhecer a versão posterior aprimorada. Era um objeto inventado por um norueguês para a humanidade, um orgulho para o país. Que outra invenção, além do bacalhau, a Noruega teria a ostentar perante o mundo?

O clipe se transformou num símbolo nacional. Na Segunda Guerra Mundial, as forças nazistas ocupantes proibiram que os noruegueses usassem buttons com as iniciais de seu rei Haakon VII, que vivia no exílio. Em substituição, e em sinal de protesto pela ocupação, eles passaram a usar um clipe na lapela. Em Oslo, existe um monumento com uma escultura de um clipe de seis metros de altura, em homenagem a Vaaler.

O clipe ganhou cores, formas, plásticos e um consumo impressionante em todo o planeta. Nos Estados Unidos as vendas chegam hoje a 11 bilhões de unidades por ano. Aí pelo final da década de 1990, Lloyds Bank promoveu uma curiosa pesquisa sobre a utilização dos clipes pelos norte-americanos, que são fascinados por pesquisas bizarras. Qual o destino final de um clipe? Se você pensa que evidentemente é unir folhas de papel, veja o resultado da pesquisa (colhido num site na Internet, acredite se quiser). De cada 100.000 clipes consumidos nos Estados Unidos:

- 19.143 servem como fichas de pôquer;
- 17.200 mantêm peças de roupa juntas;
- 15.556 caem no chão e se perdem;
- 14.163 são distraidamente destruídos em conversas telefônicas;
- 8.504 são usados para limpar unhas ou cachimbos;
- 5.434 viram palitos para cavucar os dentes.

O que dá um total de 80.000 clipes. Os demais 20.000 têm destinos variados. Ah, sim, quantos são usados para juntar folhas de papel? Apenas cinco!

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – I – A doença do Príncipe


Depois da viagem de Narizinho ao reino das Águas Claras o príncipe Escamado caiu em profunda tristeza. Emagreceu. Suas escamas foram ficando fininhas como papel de seda. Permanecia horas de olho pregado no trono de onde Narizinho havia assistido ao grande baile da corte, e de vez em quando puxava uns suspiros que pareciam arrancadas com torquês.

E quanto a apetite, nada. Por mais coisas gostosas que o cozinheiro real inventasse, era sempre aquilo: o príncipe erguia-se da mesa sem tocar em prato algum. Minhocas lindas deixavam-no tão indiferente como se fossem dessas horríveis minhocas de isca, que têm anzol dentro.

Esse estado de alma do príncipe entristecia bastante a corte. Além de o amarem sinceramente, receavam que no caso da morte do Escamado subisse ao trono alguma piranha de má casta, ou um célebre polvo que se divertia em estrangular os pobres peixes nos seus terríveis tentáculos.

O doutor Caramujo foi chamado para examinar o príncipe. Tomou-lhe o pulso. Pediu para ver a língua. Depois, erguendo para a testa os óculos de tartaruga, disse com toda a gravidade:

— Vossa Majestade está sofrendo de narizinho arrebitadite, doença muito séria, cujo único remédio é casamento com uma certa pessoa.

O príncipe arregalou os olhos, cheio de espanto. Era a primeira vez que aquele médico não receitava pílulas.

— Tens razão, Caramujo! — disse ele. — Minha moléstia não é do corpo, mas da alma. Desde que Narizinho deixou o reino não mais houve sossego para mim. Perdi o apetite, o sono, a coragem e não tenho gosto para coisa nenhuma.

— Pois é! — continuou o médico, muito contente de ter acertado. — A doença de Vossa Majestade não passa de amor recolhido e só pode sarar com casamento. Se Vossa Majestade me permite, farei uma tentativa para obter esse precioso remédio.

Os olhos do príncipe brilharam de esperança.

— Sim, permito, pois não. E se conseguires obter-me esse precioso remédio, saberei recompensar-te. Far-te-ei Duque da Pílula!...

O grande médico retirou-se contentíssimo com a idéia de virar duque. Seria uma grande honra para a família dos caramujos, na qual nunca houve nem sequer um comendador, quanto mais duque.

E foi conferenciar sobre o importantíssimo assunto com os outros figurões da corte.

Discutiram, discutiram, e depois de muito discutir resolveram endereçar a Narizinho um pedido de casamento. O doutor Caramujo mandou chamar uma senhora Lula, à qual disse:

— A senhora, que é a escrevente do mar, porque tem dentro do corpo uma pena de osso e um tinteiro de tinta, faça uma carta bem bonita pedindo a mão de Narizinho para o nosso amado príncipe.

A senhora Lula fez a carta. O doutor Caramujo dobrou-a, bem dobradinha, e fechou-a, bem fechadinha. E colocou dentro duma concha de madrepérola — para que não se molhasse na viagem. Em seguida entregou a concha aos peixinhos escoteiros, dizendo:

— Levem-me esta concha até à beira do ribeirão que corre pelo sítio de dona Benta e depositem-na em lugar onde possa ser enxergada. Se se distraírem pelo caminho com alguma minhoca e perderem a concha, o príncipe os fará eletrocutar a todos pelo peixe elétrico, estão ouvindo?

Os peixinhos juraram obediência e lá seguiram, rodando com a concha pelo fundo do mar.
––––––––
Continua... O Pedido

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 405)


Uma Trova Nacional

Saudade sem esperança
é berço sem serventia!
É brinquedo sem criança,
na casa triste e vazia!
–THALMA TAVAVES/SP–

Uma Trova Potiguar

Quero teu corpo revolto,
tantas vezes prometido,
e este céu que está envolto
nas sombras do teu vestido.
–GONZAGA DA SILVA/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Bandeirante/PR
Tema: AUSÊNCIA - M/H

Na vida vivo tentando
tornar meu mundo risonho,
pois a tristeza vem quando
existe ausência de um sonho.
–VANDA ALVES/PR–

Uma Trova de Ademar

Talvez por ser inocente
nessa matéria de amar,
por mais disfarces que invente,
não consigo lhe enganar.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Por mais que eu viva desperto
meu porvir não descortino:
o destino é tão incerto,
que também não tem destino.
–ADERBAL MELO/PE–

Simplesmente Poesia

Palavras Nuas
–EFIGÊNIA COUTINHO/SC–

Quem sonha acorda, discorda
Vem frase de língua a falar...
Soltas ao vento, em horda.

Neuma dentro do sonho,
O balancim com andor a vagar...
Imagens dum tempo bisonho.

Ritmo limiar com intenção,
Que as portas de palavras a olvidar.
Sejam abertas com precisão.

Breve pausa sem fachada,
Somente vai o tempo enganar.
Pois ele não tem retomada.

Há ventos ruidosos nos ares,
Revirando tempos a passar...
Não faz vincos similares.

É o tempo duma palavra nua,
Entre dois corpos a sina lavrar...
A vida que em mil cores continua.

Estrofe do Dia

Quando eu olho pro céu fico pensando
se mereço ir pra lá quando morrer,
Deus não gosta de abuso de poder
e eu abuso do meu de vez em quando,
quando os pobres me pedem soluçando
mesmo tendo sobrando eu digo não;
e nessa coisa de “ajuda teu irmão”
eu ainda não quis acreditar;
Jesus Cristo morreu pra me salvar,
e eu nem sei se mereço a salvação!
–RAIMUNDO CAETANO/PB–

Soneto do Dia

Terceira Juventude
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Primeiro, os anos passam lentamente...
Depois, no declinar da mocidade,
o tempo sai voando, loucamente,
deixando as marcas da Terceira Idade...

Mas, trazendo a esperança ainda latente,
e, enfeitando com sonho, a realidade,
vamos rememorando, heroicamente,
os mais doces momentos de saudade...

É sublime a Terceira Juventude...
E, quando Deus nos dá paz e saúde,
vencemos o receio da partida,

pois, somando as benesses da existência,
nos mostra a sábia voz da experiência
que foi um Céu, na Terra, a nossa vida!...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Trova Ecológica 50 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Fábio Rocha (Antologia Poética)


LOBOS

Escrever
Meu corpo se enche de emoções dementes,
como uma taça sob torneiras intermitentes.
Se não fosse a poesia,
para onde ela transbordaria?

FÉRIAS

A Fábio, Eduardo, Suzana e José Ronaldo Neto

Lá vai o turista
subindo a ladeira.
E corre o pivete
atrás da carteira...
Lá vem o turista
descendo a ladeira.

JARDIM

A Marta, Mário, Ilka e Salvador

Do velho terraço cheio de limo,
pedaço cinzento de sua infância,
via as sombras da grande amendoeira.
O balanço enferrujado,
as grandes e barulhentas folhas caídas...
Parecia algo intocado, sagrado.
Um copo de água estagnado
era visitado
por miúdos pardais sedentos.
As amêndoas serviam de giz
para escrever nas paredes
que era um menino feliz.

BRILHO

A Alessandra

Sempre haverá
estrelas no céu.
As nuvens passam,
as tempestades se acalmam...
Sempre haverá
estrelas no céu.
Pingue a última gota
de esperança do coração...
Sempre haverá
estrelas no céu.
E nelas verei teu sorriso.

CHUVA ATUAL

Vendo a chuva que cai agora,
lembro daquela
que choveu outrora.
Escorrendo pelas folhas, naquele dia...
Hoje chove a melancolia.
Há o frio, Há poças,
há o cheiro da chuva na terra,
há tristeza em cada gota.
Algo nas nuvens se move.
Quem chora quando chove?
O pior é que a cada dia,
aquilo que já choveu,
de novo jamais chover poderia.

O VIGIA

O vigia
vigia.
Raios de luz esguia
iluminam a rua vazia.
O vigia
vigia.
Uma brisa suave e fria
traz cheiro de terra molhada e assobia.
O vigia
vigia.
Em sua mente toca uma canção da utopia
que há muito não se ouvia.
Mas é triste a canção.
E só traz mais solidão
e melancolia.

DEFINIÇÃO

A Daishoo

A vida é
como a lágrima que cai.
De tristeza ou alegria,
cai com poesia.
Algumas caem rebeldes, brigando.
Outras se deixam levar.
Caem tristes, felizes, esperançosas,
melancólicas, rebeldes, carentes ou desgostosas.
Mas todas que dos olhos saem,
sem exceção, caem.
E feliz da gota
que chega ao mar,
após cair longamente,
a procurar.
E a comunhão eterna, total e imutável
encontrar.
(Não conte a ninguém não,
mas algumas gotas que se juntam tem essa sensação,
mesmo antes do fim da queda.)

SOLIDÃO

Não estou só.
Há ácaros em minha pele,
insetos escondidos em meu quarto,
células estranhas em meu sangue,
vírus em animação suspensa no ar
e sua forte presença
em meu coração.

Fonte:
ROCHA, Fábio. A Magia da Poesia. Rio de Janeiro: Papel Virtual Editora, 2000.
Editoração Eletrônica: Ana Petrik Magalhães

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 404)

Uma Trova Nacional
Uma Trova Potiguar

Contemplo à noite, à janela...
e entre as estrelas e a lua,
eu sinto o perfume dela
que no meu quarto flutua.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - Goianá/MG
Tema: SEARA - M/E

Ante a dor, chora risonho,
jamais pises em ninguém!
Mantém, meu filho, o teu sonho,
trilha a seara do bem!
–JOSÉ VALDEZ DE C. MOURA/SP–

Uma Trova de Ademar

Faço versos...Me comovo,
e o meu pranto se mistura
com a cultura do povo
e a minha própria cultura...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Coração, bate de leve;
deixa os teus sonhos horríveis,
que um coração nunca deve
sonhar coisas impossíveis.
–BELMIRO BRAGA/MG–

Simplesmente Poesia

Ser
–JÂNIA SOUZA/RN–

Em mim, há imenso céu azul
puro sussurro de anjo de luz.

Há também profundo oceano
fruto da melancolia do mundo
com meus segredos, meus medos
murmúrio de ondas – sonhos.

Há também em mim frágil pássaro
soberano em voo – liberdade!
Sem limite em seus horizonte
em busca de paz e felicidade.

Em mim ainda há este ser
eterno aprendiz, até que seu sopro
se torne apenas o resto do fim.

Estrofe do Dia

Não conto mesmo a ninguém
essa dor que me atrofia,
eu me calo e escrevo em verso,
porque sei que a poesia
seca o choro da saudade
e nunca diz a verdade
sobre o mundo da agonia.
–DÁGUIMA VERÔNICA/MG–

Soneto do Dia

Fora do Prazo.
–Amilton Maciel/SP–

A beleza do sol, em seu ocaso,
Supera muita vez o resplendor
Desse astro-rei a pino, lá no vaso
Azul que o concebeu seu Inventor!

Também conosco, não só por acaso,
Consegue-se sentir todo o sabor
Da existência, talvez fora do prazo,
Ou seja, quando a vida está a se pôr...

Antes que a noite chegue, o sol se esmera
E dá o melhor que tem, enquanto a espera,
Em homenagem que presta ao Criador!

E quando o sono-eterno se aproxima,
Nossa existência sente o melhor clima
Para reverenciar o Deus de Amor!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Preservação de Livros (Parte 1)


APRESENTAÇÃO

O presente trabalho pretende mostrar a indicação de soluções dos danos mais comuns em acervos bibliográficos. Descrevendo os processos de reparos em livros, relacionando os materiais necessários, as técnicas e os procedimentos inerentes. Orienta para evitar as causas da deterioração objetivando o prolongamento da vida útil dos livros e documentos.

I. PRINCIPAIS AGENTES DE DETERIORAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS

1. INSETOS, FUNGOS E ROEDORES

Dentre os agentes de degradação de acervos documentais, os agentes biológicos como insetos, fungos e roedores constituem ameaças sérias devido aos danos que podem gerar, muitas vezes irreparáveis. Em razão disso, vigilância e controle de proliferação devem ser adotados permanentemente dentro da política de preservação de acervos, pois a proliferação destes organismos ocorre de modo bastante rápido se as condições da biblioteca forem inadequadas. Os métodos de controle envolvem freqüentemente o emprego de produtos químicos que, quando aplicados, necessita de orientação devido aos riscos de danos à integridade das obras e à saúde dos funcionários e usuários da biblioteca.

2. AÇÃO DO HOMEM

Sem dúvida a ação do homem contribui demasiadamente para a degradação do acervo, tanto pelo descuido que muitos têm com as obras, como pela ação de vandalismo: furto, destruição, dano, mutilação, etc. Os danos causados são, muitas vezes, irreversíveis, daí,a necessidade de um trabalho de educação do usuário criando-lhe uma mentalidade preservacionista e desenvolvendo a noção do valor do patrimônio da biblioteca para a coletividade. Não se deve esquecer que a adoção de normas e procedimentos básicos contribuem consideravelmente para melhor conservação do acervo:

Nunca usar fitas adesivas em virtude da composição química da cola;

Ao pegar um livro deve-se estar com as mãos sempre limpas;

Nunca retirar um livro da estante puxando-o pela borda superior da lombada. O correto é retirar o livro segurando-o pela parte mediana da lombada;

Nunca umedecer os dedos com saliva ou qualquer tipo de líquido para virar as páginas de um livro. O ideal é virar a página pela parte superior da folha;

Evitar colas plásticas ou em bastão, pois além de serem irreversíveis, favorecem a deterioração do papel devido aos componentes químicos;

Acondicionar os materiais em estantes próprias, com dimensões adequadas, preferencialmente metálicas, dando espaço suficiente entre uma e outra sem comprimi-las excessivamente;

Armários e estantes devem ficar afastados da parede 7 cm e 10 à 15 cm do chão;

Os livros grandes e grossos de estruturas fracas devem ser guardados na horizontal, sem empilhar. Para evitar o declínio dos livros nas estantes, utilizar bibliocantos adequados;

Os documentos devem ser desdobrados (se possível) retirando grampos, alfinetes e clips metálicos para evitar que provoquem manchas de ferrugem;

Nunca apoiar os cotovelos sobre os livros durante a leitura. Este procedimento acarreta uma pressão nas costuras dos cadernos e nas lombadas, provocando o rompimento e o desdobramento dos cadernos do volume;

Não apoiar os livros em superfícies irregulares;

Evitar a luz direta do Sol;

Não encostar as estantes em paredes úmidas;

Não fumar ou alimentar-se em áreas destinadas ao trabalho e manuseio dos livros;

Utilizar transporte adequado para os livros. O ideal é fazer uso de carrinhos construídos para esse fim.

Continua... Umidade e Temperatura; Higienização

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Ialmar Pio Schneider (Por que não ler os best-sellers ?)


A leitura, segundo meu juízo, pode ser de instrução, de auto-ajuda, e também de entretenimento, entre outros. Então por que alguns intelectuais se indispõem em aceitar os best-sellers? Assistindo ao programa do Jô Soares que entrevistava o acadêmico imortal Lêdo Ivo, pelo lançamento do seu livro Poesia Completa, e por estar com 80 anos de idade, en passant, falaram sobre os autores que mais vendem e os que não. O poeta falou que é muito relativo este enfoque, uma vez que alguns fazem sucesso porque escrevem para determinada clientela ledora, mas ao mesmo tempo desaparecem na efemeridade das coisas passageiras. Eu, de minha parte, leio certos best-sellers e os tenho apreciado, geralmente. Acredito que o que faz a vendagem dos livros é a mídia. Já vi em página de revista num ônibus em Paris uma propaganda do livro de Paulo Coelho, Veronika decide morrer. Como ele tem um público cativo em quase todo o mundo, é sabido que é um dos maiores vendedores brasileiros de todos os tempos.

Voltando ao poeta Lêdo Ivo, enquanto assistia ao programa do Jô Soares, sendo entrevistado, procurei na prateleira um livro dele, Antologia Poética, com seleção de Walmir Ayala e introdução de Antônio Carlos Villaça, e me deliciei com o seguinte soneto, que reputo um dos melhores de sua verve:

Soneto do Empinador de Papagaio

“A nada aceito, exceto a eternidade,
nesta viagem ambígua que me leva
ao altar absoluto que, na treva,
espera pela minha inanidade.

O que sonhei, menino, hoje é verdade
de alva estação que em meu silêncio neva
o inverno de uma fábula primeva
que foi sol, cego à própria claridade.

Na hora do fim de tudo, separados
fiquem os dois comparsas do destino
que sabe a cinza após o último alento.

E a morte guarde em cova os injuriados
despojos do homem feito; que o menino
empina o papagaio, vive ao vento.”
– Ediouro – pg. 65.

E o entrevistador caçoava dele, dizendo que continuava sendo um menino, embora octogenário.

Mas, pelo que pude aquilatar, eles são leitores de best-sellers, pois quem não quer divulgar seus trabalhos e conquistar leitores?! Não sejamos hipócritas !

Venho de ler um dos maiores best-sellers da atualidade, O Código da Vinci, de Dan Brown, - dez milhões de livros vendidos em todo o mundo – na edição da Sextante. Trata-se de um romance policial, com poucas personagens para não atrapalhar a fluência na leitura, e pleno de lances inesperados. Tenho certeza de que o sucesso de venda deste livro, se deve à simplicidade e a desenvoltura da trama que aos poucos vai conquistando o leitor, sem muito academicismo e sofisticação intelectualista que só fazem afastá-lo. Assim como existem os leitores analfabetos funcionais, tão apregoados por alguns intelectuais, também há os escritores que escrevem só para si mesmos, não atingindo o homem comum do povo que é a maioria no mundo inteiro.

Na poesia, quem não se lembra de J. G. de Araújo Jorge, nas décadas de 50 a 70 ? com seus poemas românticos cativando os corações enamorados ?! Conheço diversas pessoas que se encontraram, se amaram e viveram felizes, lendo e ouvindo as poesias deste poeta que fabricava estes versos:

“Uma hora de morrer...

- I –
Uma hora de morrer é aquela em que,
debruçado sobre teus olhos,
me agarro a ti para salvar-me
e sinto que afundamos juntos.

– II –
Uma hora de morrer
é aquela em que nada dizes,
em que apenas me olhas como agradecendo,
e em que me guardas ainda contra ti
como se quisesses ter a certeza
de que apesar de tudo
ficamos na terra”.

– do livro A Sós... 9ª edição – Editora Record – 1982 – na contracapa.

No meu modesto entender, toda a leitura que desperta a curiosidade do leitor de maneira simples e atinge os corações também, é válida, tanto na prosa quanto na poesia. O importante é que seja agradável, não deixando de ser instrutiva e iluminando as mentes das pessoas...

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.indigoheartpublishing.com/

Paraná em Trovas Collection 10 - Francisco Filipak (Curitiba/PR)


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Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 9


Sátiros e Dríades

DE UM FAUNO


Ao Ismael Martins

Ah! quem me dera, quando passa em meu caminho
Juno! com seu andar de névoa que flutua,
Poder despi-la dessa túnica de linho...
E vê-la nua! Eu só compreendo estátua nua!

Nua! essa corça nua é branca, e é como a Lua...
Ser eu Apolo! embriagá-la do meu vinho!
Porém se estendo no ar os meus braços, recua,
Esquiva, a dama apressa o passo miudinho...

A dama foge, não deseja que eu avance...
Meu desejo, porém, é um gamo. De relance,
Vendo-a, corre a querer sugar-lhe o claro mel...

Despe-a; carrega-a, assim, despida, para o leito...
E, nua, em flor, bem como um sátiro perfeito,
Sobre o feno viola essa Virgem cruel!
1898

DON JUAN

Sensível, como quem podia ser, apenas
Mais vão do que uma sombra um gesto perpassou,
E logo desse herói, revoltas as melenas,
Brilhava o estranho olhar, que tanto ambicionou...

Era uma confusão. Pálidas e morenas,
Cada qual, cada qual como Deus a formou,
Não foi uma, nem dez, porém foram centenas
As mulheres por quem Don Juan desesperou...

Todas, todas que viu, ele mordeu de beijos,
Enraiveceu de amor, poluiu de desejos,
Tomado de furor, doido d’embriaguez...

Um delírio! Porém, Don Juan era um artista
E portanto cruel, nervoso, pessimista,
E de resto, o infeliz nunca se satisfez!
Novembro – 1903

NÃO SEI QUE POETA...

Não sei que poeta mau teve a lembrança, um dia,
Possuído d’um furor de plebe iconoclasta,
Baseado em não sei que falsa filosofia,
De querer te cobrir d’uma glória nefasta...

E entre epítetos e baldões de toda casta,
Esquecendo afinal o tom dessa hierarquia,
E a pose arquiducal e antiga da poesia,
O teu manto de rei nervosamente arrasta...

Ele não soube ler, ó herói, o teu destino,
Um supremo desdém, um orgulho divino,
E nunca pôde ver, pálido Dom João,

Através desse olhar, cismativo ou risonho,
Que não eras senão o símbolo d’um sonho,
E essa flor ideal e eterna da Ilusão!

DON JUAN, MAS PORQUE FOI...

Don Juan, mas porque foi um sedutor, de resto
Não deixou de curtir a Decepção cruel,
Pois sempre que sonhou, enlevado num gesto,
Sorver o amor, assim como um favo de mel,

Não sei, não sei que flor, com ódio manifesto,
Angélica, porém, com alma de Ariel,
Quando ele ia beber, inquieto, quase honesto,
Deitava-lhe no copo o veneno e o fel.

Abrindo os corações, todos, de par em par,
Apenas ele quis transpor o limiar,
Que estremeceu e tão branco e desfigurado...

Lírio ou rosa, não sei, nenhuma flor tocou,
Que uma serpente vil não tivesse manchado,
E um verme também não exclamasse: aqui ’stou!
Maio – 1904

UM DOS SONETOS DE DON JUAN

Ao Domingos Nascimento

Todos os dias o meu coração suspira,
Umas vezes por ti, meu bem, outras por ti,
Meu novo bem, assim que se fora uma lira,
Ora em dó, ora em fá, ora em ré, ora em mi...

Ó torres de marfim, ó torres de safira,
Pérolas ideais, que eu nunca possuí,
Quando é que poderei (a minha alma delira)
Palpitar sobre vós, bem como um colibri?

E que ânsia de poder fundir-vos num só beijo,
E que ânsia de beijar a todas de uma vez,
Astros, dignos do meu soberano desejo!

Carnes, alvor de luz da manhã, que irradia,
Olhos, inundações furiosas de embriaguez,
Tranças revoltas como uma noite de orgia!
1903

OUTRO SONETO DE DON JUAN

Quando fulges aqui pela minha lembrança,
Ó fogo de Babel, luxuriosa flor,
É como se fulgisse a ponta de uma lança,
E é mais ódio talvez que eu sinto do que amor.

E vingança também e sede de vingança,
Sabendo que afinal foste possuída por
Tudo quanto bem quis, atroz desesperança,
Por vaidade ou prazer, ser teu possuidor...

E que horrível pesar que pois assim me veja
Condenado a querer enfim uma mulher
Que todo o mundo quis e todo o mundo beija...

E tenha por destino e por minha desgraça,
A infâmia de beber no fundo de uma taça
Onde eu sei que bebeu um beberrão qualquer!...

AINDA OUTRO DO MESMO AUTOR

Ó Sodoma gentil, ó flor maravilhosa,
Ser amado por ti causa-me tal prazer
Que eu não sei te dizer, minha pálida rosa,
Mas depois de te amar vale a pena morrer.

Acredita, eu não sei, pérola preciosa,
De gesto mais gracil e doce de mulher;
Que bom de te lançar, carne voluptuosa,
Por sobre os ombros nus flores de malmequer!

Tu não és, tu não és menos que uma rainha,
E parece que estou ao fundo de um clarão,
De um êxtase sem fim, que apenas se contém...

Eu desejo morrer. No meio da ilusão,
Ó Sodoma, porém, de inda tu seres minha,
Quem me dera viver, só p’ra te querer bem!
Fevereiro – 1904

AINDA OUTRO...

Quando te vejo assim passar como um lampejo,
Não imaginas tu, causa de meu prazer,
O anseio, e o fulgor, e o horror com que te vejo,
E o orgulho, e a ambição, e a fome de te ver.

Escuta: para mim, tu és um grande beijo,
Que inundasse de luz o fundo do meu ser...
E é um punhal este amor, e é um dardo este desejo,
E nada satisfaz a ânsia de te querer!

Os nossos olhos são uma voracidade!
Mal se avistam, não sei que loucura os invade:
Correm a se agarrar, trêmulos de paixão...

E pelejam assim, agarrados e unidos,
No meio d’um fragor trágico de rugidos,
Doidos por se querer destruir, mas em vão...
Novembro – 1903

E FINALMENTE O ÚLTIMO...

Ao Santa Rita Junior

Meu encanto, meu bem, rosa de Alexandria,
Minha tulipa, meu ideal, minha ilusão,
Minha loucura, meu amor, minha agonia,
Meu céu aberto, que parece uma prisão:

Minha esperança e meu pesar de cada dia,
Ó minha luz, tu és o meu desejo vão,
E a espada, e o broquel, e a pluma, e essa alegria,
E esse delírio, e a flor da desesperação!

Quando será, porém, ó moinho de vento,
A hora que tarda, enfim, o suplício, o momento,
Em que eu, embriaguez celeste, hei de poder,

Já fatigado, já, de tudo, sim, de tudo,
Desses teus olhos vãos, mais caros que o veludo,
Ansiar ao pé de ti, mas por outra mulher?...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 8)


NÃO DAR O BRAÇO A TORCER
Não dar o braço a torcer é insistir numa opinião, não mudar de idéia. A expressão é originária dos tempos das torturas físicas da Inquisição.

BRAVO!
A palavra latina barbarus, estrangeiro, grosseiro, deu, em português, os adjetivos bárbaro e bravo, que têm os sentidos de rude e admirável. A interjeição, usada para aclamar um artista, começou a ser usada pelos italianos, que, ao final de um espetáculo de música, gritavam bravo - com o sentido de extraordinário - e o nome doautor da obra: Bravo Rossini! Bravo Verdi!
Esse sentido de notável, admirável da palavra bravo se estendeu ao uso do vocábulo bárbaro no Brasil, como em um cara bárbaro, um filme bárbaro...

BUMBA-MEU-BOI
É uma festa natalina muito popular no Nordeste brasileiro, na qual se encena a morte e o ressuscitamento de um boi. Bumba -meu-boi equivale a "bate, chifra, meu boi!". Bumba, palavra onomatopaica representativa do som de uma batida, uma pancada (sinônima de bum), pode ter vindo do quicongo (um grupo de línguas africanas) mbumba, bater.

CAIXA- PRETA
Na verdade, o avião tem duas caixas-pretas: uma para dados sobre o vôo e outra para comunicações da cabine. Ambas não são pretas. São laranja berrante para facilitar sua localização entre os destroços de uma aeronave.
A expressão começou a ser usada depois da Segunda Guerra Mundial, quando as caixas-pretas passaram a ser amplamente utilizadas. Mas antes disso o pessoal da força aérea britânica já chamava assim qualquer caixa contendo equipamento de navegação aérea complicado. A cor preta provavelmente foi escolhida para designar algo misterioso, secreto e também pela aliteração da expressão em inglês (black box).
O sentido se ampliou para designar qualquer sistema ou aparelho cujo mecanismo de funcionamento é incompreensível para o usuário.
Uma das grandes questões da humanidade é a seguinte: já que as caixas-pretas são indestrutíveis, por que os aviões não são feitos do mesmo material? Até que é possível. Só um probleminha: com o peso, o bicho não decola de jeito nenhum.

PINTAR O CANECO
Caneco pode ser uma forma variante de caneca. Mas, na expressão pintar o(s) caneco(s) - cometer desatinos -, caneco aparece com outro sentido, que é empregado regionalmente: diabo. Nesse caso veio de cão (o diabo) + a terminação diminutiva - eco. Quer dizer, pintar o caneco é mesmo fazer diabruras.
E, aqui, permita-me o leitor uma digressão e uma confidência. Aí pelos meus dez anos, cada vez que eu engendrava uma travessura, feito raro mas de boa qualidade, com efeito denso e particularmente irritante, minha mãe me chamava de "cão do diabo". Ao ostentar esse título, sentia-me como a última das crianças.
Ora, sendo o cão o melhor amigo do homem, eu me achava ainda mais vil que o próprio demônio, por eu ser a personificação de seu servil e irracional companheiro. Foram necessárias décadas para que a etimologia viesse iluminar-me e fazer-me ver o verdadeiro intento da afronta materna. É que minha mãe, pessoa muito dada a pleonasmos, na verdade proferia uma ofensa enfática em que cão e diabo se paralelizavam, um em reforço do outro. Ou seja, o cão era o diabo e vice-versa. E, assim, eu seria um supercão ou um superdiabo, não cumulativamente. A confidência era essa; a digressão acaba aqui. Adiante.

CANTO DO CISNE
O canto do cisne é o gorjeio harmonioso do cisne na hora da morte. Por extensão, passou a significar a última obra de um artista. Na mitologia grega, o cisne aparece associado a ambos os sexos. Nêmesis, a deusa da justiça distributiva e da vingança, se metamorfoseou em gansa para fugir das investidas de Zeus. A tolinha achava que com isso enganaria o deus dos deuses. Claro que Zeus, o maior banco de dados da Grécia antiga, registrou a metamorfose da amada e partiu para a sua. Zeus e sua mania de grandeza: em vez de se transformar num mero ganso, preferiu um congênere, o cisne, por ter um membro maior. * E aí, penas para que te quero, Zeus se uniu (sexualmente) a Nêmesis. Com isso, e considerada a condição não ovípara dos seres humanos, a bela Nêmesis teve que esperar alguns dias para desfazer sua metamorfose. Nêmesis, a gansa, pôs um ovo, que foi encontrado por um pastor, que o entregou a Leda, mulher de Tíndaro, rei de Esparta. Leda guardou o ovo num cesto e dele nasceram dois seres humanos, um de cada sexo: Pólux e Helena (isso mesmo, a de Tróia).
A crença de que os cisnes cantam antes de morrer já era contada por Aristóteles na sua "História dos Animais":
"Eles são musicais e cantam principalmente com a proximidade da morte; aí eles voam para o mar. Várias pessoas, navegando perto da costa da Líbia, casualmente encontraram muitos deles no mar, cantando tristes melodias, e realmente viram alguns deles morrendo."

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Marquês de Rabicó V – O jantar de Ano-Bom


Como era de prever, não podia dar bom resultado aquele casamento. Os gênios não se combinavam e além disso a boneca não podia consolar-se do logro que levara. Narizinho ainda tentou convencê-la de que Rabicó era realmente príncipe e Pedrinho só dissera aquilo porque estava danado. Não houve meio. Quando Emília desconfiava, era para toda a vida. E desse modo ficou casada com Rabicó, mas dele separada para sempre.

— Está aí o que você fez! — costumava ela dizer em voz queixosa. — Casou-me com um príncipe de mentira e agora, está aí, está aí...

Narizinho dava-lhe esperanças.

— Tudo se arruma. Um dia ele morre e eu caso você com o Visconde ou outro qualquer.

Afinal chegou o dia do Ano Bom. Era costume de dona Benta festejar essa data com um jantar onde reunia vários parentes e vizinhos. Tia Nastácia caprichava. Frangos assados. Peru recheado. Leitão de forno. Pastéis, doces e quantas coisa gostosa havia. Era assim sempre e foi assim naquele ano.

Quando bateu a hora e todos foram para a mesa, começaram a vir pratos e mais pratos, até que, de repente, apareceu, numa grande travessa, um leitão “risonho”, de ovo cozido na boca e rodelas de limão pelo corpo.

Os meninos não esperavam que viesse leitão, porque a negra havia dito que o jantar seria só de peru. Narizinho imediatamente desconfiou e foi correndo ao terreiro procurar Rabicó. Chamou-o mais de vinte vezes e campeou-o por todos os lugares que ele costumava freqüentar. Não encontrando nem rasto, voltou para a sala a chorar desesperadamente.

— Não coma esse leitão, Pedrinho! É Rabicó. Aquela diaba feia nos enganou e assou no forno o coitadinho...

O menino, apesar de duro para chorar, ficou com os olhos cheios d’água, e ergueu-se da mesa furioso com a preta.

Emília, porém, pulou de alegria. Estava viúva! Podia finalmente casar-se com o Visconde de Sabugosa ou outro fidalgo qualquer.

Chegou a bater palmas e a cantar o “Pirulito que bate-bate”, que era a sua música predileta.

Narizinho não pode suportar aquilo. Avançou contra ela, numa fúria, e pregou-lhe um peteleco.

— Vou mandar o doutor Caramujo fazer uma operação nesta malvada para botar dentro o que está faltando .

Dona Benta perguntou, muito admirada, que era que estava faltando em Emília.

— Coração, vovó. Pois não vê? Emília não tem nem uma isca deste tamanhinho...

Quantas lágrimas perdidas! Rabicó não fora assado, não! Na véspera do dia de Ano Bom, assim que percebeu as intenções de tia Nastácia, tratou de pôr-se ao fresco, sorrateiramente, de orelhas em pé. Em caminho encontrou um pobre leitão da sua idade, muito parecido com ele. Teve uma idéia.

— Por que não vai amanhã cedo ao terreiro de dona Benta? — perguntou-lhe. — Deixei lá três abóboras quase inteiras.

O coitadinho foi. Encontrou as abóboras, é verdade, e comeu-as, mas teve como sobremesa faca de ponta e forno.

Desse modo conseguiu o ilustre marquês de Rabicó escapar à triste sina que lhe parecia reservada — e passado o perigo voltou, muito lampeiro da vida, como se não soubesse de coisa nenhuma!...
––––––––
Continua... O Casamento de Narizinho – I – A doença do príncipe

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Trova Ecológica 49 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 403)


Uma Trova Nacional

Leu tanto amor... e, no entanto,
sozinha, a cigana, à morte,
convive com o desencanto
de não ler a própria sorte!...
–GISELDA MEDEIROS/CE–

Uma Trova Potiguar

Estou erguendo uma “ponte”
que me leve à salvação;
já pus, nela, o bem e um monte
de pedidos de perdão.
TARCÍSIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Nova Friburgo/RJ
Tema: ESCOLHA - 3º Lugar

A vida é feita de escolhas:
os acertos, festejamos...
O duro é virar as folhas
nas tantas vezes que erramos...
MILTON SOUZA/RS–

Uma Trova de Ademar

Da fonte que jorra o amor,
Deus, na sua imensidão,
faz jorrar com todo ardor
as carícias do perdão.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Mil gritos erram no espaço
no desespero dos sós ...
mas depois chega o cansaço
e os ecos gritam por nós.
–ELÍADE MONT'ALVERNE/RJ–

Simplesmente Poesia

COISAS DA ROÇA.
–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–

Afiei o fio da faca,
amolei minha catana,
serrei a ponta do toco
cortei a soca da cana.

Afinei minha viola,
esquentei o meu pandeiro,
acendi o candeeiro
e varei a noite adentro
com o som do sanfoneiro.

Contemplei o céu coalhado
com estrelas cintilantes,
flertei a linda morena
de cabelo cacheado
que estava ali tão sozinha
pois brigou com o namorado.

Botei pra fora a lembrança
que guardava no meu peito,
abandonei os preceitos,
virei de novo criança,
deixei de lado a razão
e namorei a morena
no luar do meu sertão...

Estrofe do Dia

Quando a menina faceira
deixa a boneca de lado,
sonha ter a vida inteira
o amor de seu bem-amado,
mas se o sonho vira dor
da vida aprende um recado;
“nem sempre o primeiro amor
é o primeiro namorado.”
–VITOR RONALDO COSTA/DF–

Soneto do Dia

Salmo
–THEREZA COSTA VAL/MG–

Tu me conheces tanto, meu Senhor,
conheces meu sentir, meus pensamentos,
de longe, tu conheces meus intentos
e até dos passos meus és sabedor!

Vês, com clareza, meu interior;
sabes de mim em todos os momentos...
Se sabes quando passo por tormentos,
escuta a minha voz e o meu clamor!

Em minha mãe estava - o ventre terno -
e lá me viste... Sabes meu futuro,
tamanho é o teu poder: total, eterno!

Sonda, Senhor, e vê meu coração!...
E se eu trilhar caminho mau, impuro,
põe-me, de novo, em boa direção.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 9 - Fernando Vasconcelos (Ponta Grossa/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 8


ESPECTRO

Chego, fecho-me aqui no quarto. Lá por fora
Ruge o vento de dor. Bate desesperada
A chuva nos vitrais. Eu estou só. Agora
Completamente só. E a noite é gelada.

Sofro. Quero iludir a minha dor que chora.
Folheio este volume e não compreendo nada.
Tento escrever, em vão. Mais, eis que sem demora
Noto que a porta foi como que descerrada...

É alguém, alguém talvez... Meu coração se pasma,
Todo o meu ser enfim trêmulo se retrai:
Vejo pé ante pé chegar esse fantasma...

Entra. Senta-se aqui. Olha-me bem de frente,
Melancolicamente e dolorosamente,
E sem dizer palavra, em seguida, ele sai!

NOX

Escureceu. Silenciosa,
A Noite faz a toilette:
Na cabeleira tenebrosa
Engasta a Lua um alfinete.

Depois, o corpo sempre moço,
O corpo em flor de Sulamita,
Num banho imerge até o pescoço,
Banho de estrelas que palpita.

E enfim de todo quase nua,
Somente envolta em véus ideais,
No carro d’ébano flutua,
Pelos espaços siderais.

Vendo-a passar, dos rendilhados
Palácios de ouro e de cristal,
Como se fossem namorados,
Os astros fazem-lhe um sinal.

E cada vez mais se reclina
Sobre esses coxins de veludo,
Sorrindo como Messalina
Para todos e para tudo...

MORS

Nesse risonho lar,
A dor caiu neste momento,
Como se fosse a chuva, o vento,
O raio, e bate sem cessar…
Bate e estala,
Como uma louca,
De boca em boca,
De sala em sala…

Somente tu, flor delicada,
Como quem veio
Fatigada
De um passeio,
Tombaste ali, silenciosa,
Sobre o sofá,
No abandono,
Pálida rosa,
De um longo sono,
De que ninguém te acordará!

FLORA

Ao Gilberto Beltrão

Ontem, eu me encontrei contigo, ó primavera,
Os lábios a sorrir, como uma flor vermelha,
Tu trazias na mão a clássica corbelha,
E na fronte ideal uma coroa d’hera.

Em derredor de ti, loucamente, passava
Um turbilhão febril de raparigas, quase
Nuas, veladas só por um sendal de gaze,
Mais leve do que o som que Zéfiro soprava...

ODE À SOLIDÃO

À Exma. Sra. Baronesa do Serro Azul

Vamos, é tempo de se abrir a mão de tudo
E fugir de uma vez,
Desses caminhos de sândalos e veludo,
Dourada embriaguez...

É tempo de dizer a tudo quanto passa
O meu adeus final,
Às rosas e aos rosais, à mocidade e à graça,
Tudo que me fez mal.

Quanto me sinto bem, ó minha doce amiga,
Eu, pálido ermitão,
Aqui dentro de ti, da tua paz antiga,
Eterna solidão!

No meio do silêncio imenso que me cobre,
Assim como um capuz,
Como é bom de escutar o mar quebrando sobre
Esses rochedos nus...

É a mesma coisa que se habitasse um castelo,
E é o único lugar
Onde eu me sinto grande, onde eu me sinto belo
Em face deste mar...

Que essências ideais eu respiro! Nenhuma
Outra região assim
Tem esse cheiro bom. A solidão perfuma
Como um jasmim...

És o retiro, a paz, o sonho, e esse caminho
Que eu sempre quis,
O caminho ideal, por onde eu vou, sozinho
E triste, mas feliz.

Ah! para mim tu és o egrégio cofre aonde,
Por suas próprias mãos,
A minha alma recolhe as lágrimas, e esconde
Os meus soluços vãos...

Bendito seja pois esse silêncio obscuro,
Bendita sejas tu,
E esse teu ventre liso, e esse teu seio puro,
Esse teu seio nu,

Onde ao cair enfim de uma tarde de outono
Desejo adormecer,
Calmo, porém, assim como quem dorme um sono
Num seio de mulher...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 7)


ESTAR NA BICA
Bica se originou da palavra bico (do latim beccu). Estar na bica (estar prestes a conseguir alguma coisa) vem do tempo em que a população se abastecia de água em fontes públicas. Quem estava na bica achava-se na iminência de obter o precioso líquido.

QUEIXAR-SE AO BISPO
No direito português antigo, os bispos eram verdadeiras autoridades, com prerrogativa de fazer justiça em litígios civis. Daí a expressão vá se queixar ao bispo, com o sentido de mandar uma pessoa procurar alguém com autoridade para resolver uma pendenga.

BOCA-DE-SIRI
Boca veio do latim bucca, que, por sua vez, se originou da onomatopéia bu! Ainda no latim, bucina, cometa de boiadeiro, teria vindo ou de bucca ou de bos (boi) + cano (dou um sinal tocando um instrumento).
Bucina originou o português buzina e, ainda no latim, a palavra bucinum (som de trombeta; concha), que deu no português búzio.
A expresssão fazer boca-de-siri (ficar calado, manter segredo)surgiu porque não se consegue ver a boca do siri, a no ser que ele permaneça imóvel enquanto você vai até sua casa, pega uma lupa e a enfia debaixo dele com todo o cuidado que um siri exige.

BODE EXPIATÓRIO
Bode expiatório não é o resultado do cruzamento de cabra com fechadura. É a pessoa acusada injustamente, no lugar do verdadeiro culpado. A expressão veio do ritual judaico nolom Kipur (Dia da Expiação, em hebraico). Nesse dia, na época do Templo de Jerusalém, todos os pecados da humanidade eram transferidos e concentrados em dois bodes. Um era sacrificado, e seu sangue era aspergido no recinto mais sagrado do Templo. O outro, destinado a acalmar o demônio, era atirado do alto de um precipício; em seguida, era apresentado ao povo, como sinal de expiação dos pecados, um fio de lã clara.
A história não registra, mas dizem que Levi foi considerado o maior sacerdote de todos os tempos, porque, no final de cada cerimônia, ele exibia, do alto da montanha, um fio de lã compridíssimo, exatamente da altura do precipício, no fundo do qual repousava um carneiro completamente tosquiado.

BOI NA LINHA
Ter boi na linha significa existir um problema, um obstáculo à frente.
A expressão vem do tempo em que não existiam cercas que protegessem as estradas de ferro da invasão de animais. Vez por outra, um boi se instalava na linha férrea, forçando o trem a parar.

TROCAR AS BOLAS
Trocar as bolas veio do jogo de sinuca ou de bilhar: é quando o jogador bate com o taco numa bola que não seja a sua tacadeira.
A variação bolar as trocas começou como piada metalingüística, em ironia ao próprio sentido da expressão, e acabou consagrada popularmente.

BONS VENTOS O LEVEM!
Na sua origem, era o voto de boa sorte para o navegador que partia em viagem de barco a vela.
Posteriormente, virou comentário irônico a respeito de quem morreu e não deixou saudade. É a pessoa cuja ausência preenche uma lacuna.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Marquês de Rabicó IV – O casamento


Chegou afinal o grande dia e vieram os grandes doces: seis cocadas, seis pés-de-moleque e uma rapadura, doce mais que suficiente para uma festa em que quase todos os convivas iam comer de mentira.

Pedrinho armou a mesa da festa debaixo de uma laranjeira do pomar e botou em redor todos os convivas. Lá estavam dona Benta, tia Nastácia e vários conhecidos e parentes, todos representados por pedras, tijolos e pedaços de pau. O inspetor de quarteirão, um velho amigo de dona Benta que às vezes aparecia pelo sítio, era figurado por um toco de pau com uma dentadura de casca de laranja na boca.

Chegou a hora. Vieram vindo os noivos. Emília, de vestido branco e véu; Rabicó, de cartola e faixa de seda em torno do pescoço.

Vinha muito sério, mas assim que se aproximou da mesa e sentiu o cheiro das cocadas, ficou de água na boca, assanhadíssimo. Não viu mais nada.

Logo depois veio o padre e casou-os. Narizinho abraçou Emília e chorou uma lágrima de verdade, dando-lhe muitos conselhos.

Depois, como a boneca não tivesse dedos, enfiou-lhe no braço um anelzinho seu. Pedrinho fez o mesmo com o marquês: enfiou-lhe no braço uma aliança de casca de laranja, que Rabicó por duas vezes tentou comer.

— Ao menos no dia de hoje comporte-se! — disse o menino, ameaçando-o.

Os outros animais do sítio, as cabras, as galinhas e os porcos, também assistiram à festa, mas de longe. Olhavam, olhavam, sem compreenderem coisa nenhuma.

Terminada a festa, Narizinho disse:

— E agora, Pedrinho?

— Agora — respondeu ele — só falta a viagem de núpcias.

Mas a menina estava cansada e não concordou. Propôs outra coisa. Puseram-se a discutir e esqueceram de tomar conta da mesa de doces. Rabicó aproveitou a ocasião. Foi se chegando para perto das cocadas e de repente – nhoc, deu um bote na mais bonita.

— Acuda os doces, Pedrinho! — berrou a menina. Pedrinho virou-se e, vendo a feia ação do pirata, correu para cima dele, furioso.

Agarrou o inspetor de quarteirão e arrumou uma valente inspetorada no lombo do porquinho.

— Cachorro! Ladrão! Marquês duma figa!... Rabicó deu um berro espremido e disparou pelo campo, mas sem largar a cocada.

Foi um desastre. A festa desorganizou-se e Emília chorou e esperneou de raiva.

-É isso! Eu bem não estava querendo casar com Rabicó! É um tipo muito ordinário, que não sabe respeitar uma esposa.

Narizinho interveio e consolou-a.

— Isto não quer dizer nada. Rabicó é meio ordinário, não nego, mas com o tempo irá criando juízo e ainda acabará um excelente esposo. Depois, é preciso não esquecer que qualquer dia ele vira príncipe e faz você princesa.

Mas Pedrinho, que estava danado com a feia ação de Rabicó, estragou tudo, dizendo:

— Príncipe nada, Emília! Narizinho bobeou você. Rabicó nunca foi nem será príncipe. É porco e dos mais porcalhões, fique sabendo.

Ao ouvir aquilo, Emília caiu para trás, desmaiada...
––––––––
Continua... O Jantar de Ano-Bom

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Trova Ecológica 48 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Antonio Brás Constante (Drogas em Um Conto Infantil)


O menino de oito anos procura seu pai e lhe diz:

- Paiê, eu posso te fazer uma pergunta?

- Claro que sim meu toquinho de amarrar carrapato de bode (o Pai lhe chamava assim em tom de brincadeira, pois dizia que o menino era tão miudinho que a expressão “toquinho de amarrar bode” não fazia jus ao seu pequeno tamanho).

- É que eu estava na escola, e ouvi uns meninos falando sobre algo... Fiquei curioso e resolvi perguntar ao Senhor... É que eles estavam falando sobre drogas. Eram os guris do último ano. Falavam em festas e drogas. Como a professora e o senhor sempre dizem que as drogas são ruins, e eles estavam falando como se fosse algo bom, fiquei com algumas dúvidas...

- Filho. Vamos fazer uma brincadeira que talvez lhe ajude a entender este assunto, ok? Vamos brincar de se esconder. Você gosta dessa brincadeira não gosta?

- Adoro Pai. Mas... Depois o senhor me explica mais sobre as drogas?

- Pode deixar. Agora você fecha seus olhos e conta até dez.

A criança foi contando toda sorridente, pois aquela brincadeira era uma de suas preferidas. Ao terminar de contar, o menino abre os olhos todo feliz e para sua surpresa, percebe que a sala está totalmente escura. Era noite, e com a luz desligada não se podia enxergar nada. Como ele tinha medo do escuro, começou a se apavorar.

- Pai, cadê o senhor? Estou com medo, Pai! (o menino começou a soluçar um choro triste).

Neste momento seu pai pega-o em seus braços e lhe diz:

- Filho, as drogas são assim, elas se parecem uma brincadeira divertida, com a promessa de nos deixar felizes. Mas, com o passar do tempo nos percebemos na mais completa escuridão. Sozinhos. Perdidos. Com medo e infelizes. No inicio as drogas parecem uma coisa boa, é geralmente assim que se convence alguém a entrar neste mundo, muitas vezes sem saída. Um mundo que só nos traz sofrimento. Espero que tenha conseguido fazer você entender o que as drogas fazem, e porque muitos se iludem achando que elas são boas.

- Acho que sim Pai. (o menino dizia isto ainda meio choroso, abraçado ao Pai, com os olhos molhados de lágrimas).

A luz é novamente acessa, e um pai dedicado espera que, apesar do susto, sua explicação tenha clareado as dúvidas de seu filho, para que no futuro ele não se perca como tantos outros, na escuridão do vício das drogas.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Jorge Amado (Terras do Sem Fim)


Um navio parte do porto da Bahia (Salvador), rumo ao sul, com destino a Ilhéus. Heterogêneos quanto às origens, à cor, é classe social e até mesmo quanto a seus interesses imediatos, os passageiros se identificam em uru ponto: buscam, todos, o novo Eldorado, nas tens da região de Tabocas, município de Ilhéus, nas quais, quase que literalmente, o dinheiro nasce nas copas das árvores na forma de dourados frutos de cacau, cujo visgo mole adem aos pés dos homens e, uma vez chegados, os impede de partir.

No meio de murmúrios e conversas sob a noite que cai, iluminada pelo clarão agourento de uma lua vermelha como sangue, alguns passageiros se destacam: coronéis; aventureiros, trabalhadores, prostitutas e até indivíduos que viajam aparentemente sem destino, O “capitão” João Magalhães, aventureiro e jogador, foge da cidade por ter sido denunciado à polícia por um engenheiro de quem, trapaceando como sempre, tirara até o anel de formatura na mesa de pôquer. O coronel Juca Badaró aproveita a viagem para contratar trabalhadores — entre os quais o mulato sergipano Antônio Vitor — para sua fazenda em Tabocas e ao mesmo tempo procura conquistar Margot, que vai atrás de seu amante, o Dr. Virgílio Cabral, um estudante pobre a quem ajudara formar-se advogado e que agora trabalha na região de Ilhéus. E um velho sertanejo relata a morte de seu filho Joaquim pelas mios dos capangas do coronel Horácio, em Forradas, perto de Tabocas.

A noite avança e no céu a lua sobe, cada vez mais vermelha, deixando um rastro de sangue no mar. Os passageiros dormem embalados pelo balanço do navio e pelos sonhos de fartura no Eldorado do cacau. Noite adentro, qual nau dos insensatos, a embarcação vai silenciosamente sulcando o mar em busca das terras de onde ninguém mais volta. Enquanto isto, entre Tabocas e Ferradas, a mata do Sequeiro Grande dorme seu sono milenar, prestes a ser interrompido pelos machados dos homens que já começam a avançar sobre suas bordas, disputando seu solo fértil e sonhando transformá-lo em novas roças de cacau.

Entre as duas ou três dezenas de proprietários dispostos em torno da mata sobressaem, pela extensão de terras sob seu controle e pelo poder político, a família Badaró, dona da Fazenda Sant’Ana e composta dos coronéis Sinhô e Juca e de Don’Ana, filha do primeiro; o coronel Horácio da Silveira, da Fazenda Bom Nome; o coronel Maneca Dantas, da Fazenda dos Macacos, aliás Auricídia, nome de sua mulher, e o coronel Teodoro Martins, dito das Baraúnas, por ser este o nome de sua fazenda. De um lado da mata, dividida pelo rio, estão os Badaró, do outro está Horácio da Silveira, ficando entre eles, na parte da frente, a fazenda de Naneca Dantas, compadre e aliado indiscutível deste. Acima, na parte de trás, localiza-se a fazenda de Teodoro das Baraúnas, ainda sem tomar partido. Tanto Horácio da Silveira quanto os Badaró mostram-se firmemente dispostos a ocupar e derribar a mata do Sequeiro Grande, e com razão, pois quem conseguisse têla sob seu controle se tomaria praticamente dono da região de Tabocas e de todos os povoados das imediações, incluindo Ferradas, o feudo de Horácio. No período que antecede a luta, os Badaró, apesar de terem o governo estadual a seu lado, parecem estar em desvantagem porque entre eles e a mata há um obstáculo: a roça de um pequeno proprietário, Firmo, eleitor e aliado de Horácio da Silveira. A conselho deste, ele se recusa a venda-la aos Badaró, que o cercam com propostas altamente favoráveis de compra. Diante da recusa terminante de Firmo, só resta aos Badaró, mantida sua pretensão de ocupar a mata, recorrer a um método radical: eliminar o obstáculo. Sinhô vadia em ordenar a morte de Firmo, pois, religioso como é, não quer derramar sangue. Contudo, pressionado por Juca e não tendo alternativa em virtude da posição inamovível de Firmo, decide-se finalmente pela morte deste. O negro Damião, um dos escolhidos para a tocaia, entra em crise — ele ouvira a conversa de Juca e Sinhô, inclusive a relutância do último em mandar assassinar alguém — e, apesar de sua famosa pontaria, erra o tiro, enlouquecendo em seguida. Com este incidente, a tensão cresce e o conflito atinado parece ser a única saída. Paralelamente, contudo, ambos os lados começam a movimentar-se também no plano legal.

Enquanto em Ilhéus os Badaró procuram um engenheiro para fazer a medição das matas do Sequeiro Grande, o Dr. Virgílio Cabral, contratado por Horácio da Silveira, faz um caxixe muito engenhoso, dando um verdadeiro golpe de mestre. Utilizando-se de uma medição antiga, suborna o escrivão Venâncio, dono do cartório de Tabocas, e registra as matas do Sequeiro Grande em nome de Horácio. Teodoro das Baraúnas, que se aliara aos Badaró, é avisado por Don’Ana e incendeia o cartório. A guerra começa e a violência se alastra, alcançando Ilhéus, onde os jornais, de parte a parte, travam terríveis polêmicas através dos prepostos de ambos os lados. É nesta cidade que Juca Badaró, em busca de um técnico que faça a medição das matas do Sequeiro Grande, encontra, em uma roda de pôquer, nada menos que o agora “engenheiro” João Magalhães, o qual, depois de muito relutar e cobrando um preço alto, algo receoso, por óbvios motivos, aceita a tarefa, realizada logo depois aos trancas e barrancos.

Paralelamente ao desenvolvimento do conflito entre os dois “partidos”, os pares vão se formando, com os forasteiros e as mulheres inflamando-se pela paixão: o sergipano Antônio Vítor e Raimunda, o aventureiro e trapaceiro João Magalhães com Don’Ana e, principalmente, o jovem e refinado dr. Virgílio Cabral e Ester, a mulher de Horácio da Silveira. Esta, desde a primeira vez que o vê, nele encontra sua alma gêmea, o mesmo acontecendo com o advogado, que por ela se apaixona perdidamente, rompendo com Margot, a qual, por sua vez, aceita ficar com Juca Badaró, que a cercava insistentemente desde o encontro de ambos na viagem de volta de Salvador. Ester, que fora para o sobrado da família em Ilhéus logo no inicio da luta, entrega-se completamente a Virgílio, passando a alimentar o desejo de fugir com ele e abandonar definitivamente Horácio e o mundo “bárbaro’ de Tabocas e Ferradas, O advogado, por julgar não adiantar tentar fugir de Horácio e também, principalmente, porque tal atitude comprometeria sua carmim política, não quer pensar nesta possibilidade. Enquanto isto, os rumores da perigosa paixão se espalham por Ilhéus e por toda a região e muita gente teme uma tragédia.

Horácio da Silveira, contudo, está mais preocupado com a luta, que atinge um ponto de não retomo com a tocaia ordenada por ele contra Sinhô Badaró, que escapa ileso. Algum tempo depois, Virgílio, por insistência de Horácio, manda tocaiar Juca Badaró, com o qual a desentendem por causa de Margot. Juca também escapa.

Enquanto João Magalhães fica noivo de Don’Ana, integrando-se definitivamente na família e passando a assinarse Badaró, o conflito continua, em marchas e contramarchas. Quando Horário da Silveira é atacado pela febre tifóide, a luta parece sofrer uma inflexão. Contudo, ele consegue recuperar-se e manda continuar a derrubada. Os Badaró, por seu lado, também avançam rapidamente. Por sua vez, Ester, que cuidam de Horácio durante a doença, também adquire a febre e isto faz com que Horácio pareça perder o ímpeto, chegando mesmo a ordenar a suspendo dos trabalhos na mata. Com a morte de Ester, que ocorre pouco depois, deixando tanto Horácio quanto Virgílio desesperados, a luta se amaina durante cerca de um ano, enquanto na Fazenda Sant’Ana se realizam os casamentos de Don’Ana com João Magalhães e de Raimunda com Antônio Vítor. A estas alturas, da mata, atacada por um lado e outro, só resta a metade e a opinião generalizada é de que Horácio está derrotado. Alguns, contudo, julgam que ainda é cedo para fazer prognósticos, principalmente levando-se em conta a grande fortuna do coronel.

De fato, passado algum tempo, fica claro que, com a morte de Ester, Horácio se dedica totalmente á luta e reage nas duas frentes: leva adiante o processo iniciado contra os Badaró pelo incêndio do cartório de Tabocas e para o reconhecimento de seus direitos sobre a mata do Sequeiro Grande e avança cada vez mais na derrubada, além de mandar assassinar Juca Badaró em Ilhéus. As posições voltam a equilibrar-se e o resultado da luta parece indefinido. Depois da morte de Juca, Sinhô Badaró processa Horácio como mandante e ordena tocaias contra ele, para uma das quais se oferece, de livre vontade, o pai de Joaquim, pequeno proprietário que, como outros, fora há alguns anos ludibriado, roubado e posteriormente assassinado a mando do mesmo. Nenhuma das tocaias é bem sucedida e o pai de Joaquim é morto. As escaramuças prosseguem e a derrubada está praticamente chegando ao fim: o som dos machados dos trabalhadores de um dos bandos já pode ser ouvido pelos do outro. O resultado da luta, porém, ainda parece incerto. Certa manhã, contudo, Ilhéus acorda com uma notícia sensacional: o governo federal decretara a intervenção no estado da Bahia. O governador, do partido dos Badaró, é obrigado a renunciar e um interventor assume o poder, com o que a balança se inclina definitivamente a favor de Horácio da Silveira. Em situação difícil, Sinhô Badaró tenta vender antecipadamente a próxima safra de cacau, mas consegue preços miseráveis, o que toma difícil financiar a continuidade da luta. Resolve então jogar seu último trunfo e dá carta branca a Teodoro das Baraúnas, que passa a devastar as propriedades de Horácio, inclusive as roças de cacau, até então preservadas, num acordo tácito, por ambos os lados.

Hábil, Horácio da Silveira, apoiando-se no interventor, mantém-se formalmente dentro da lei. Seus jagunços, vestidos rapidamente de soldados, atacam a casa grande dos Badaró, na Fazenda Sant’Ana, sob o argumento de procurar capturar o incendiário Teodoro das Baraúnas, que ali estaria acoitado. O cerco, comandado pelo próprio Horácio da Silveira, é o último ato de guerra pela posse das matas do Sequeiro Grande. Teodoro das Baraúnas, que de fato ali estava, pretende entregar-se, mas Sinhô Badaró não permite e o faz partir secretamente, com destino ao Espirito Santo. Sinhô ainda resiste quatro dias e quatro noites, depois do que é ferido levado para Ilhéus, por ordens de Don’Ana. João Magalhães, depois de fazer partir também Olga — a viúva de Juca —, Don’Ana e Raimunda, acompanhadas de cinco jagunços, continua resistindo. Contudo, tendo perdido quase todos os seus homens, ele também bate em retirada, acompanhado de Antônio Vítor e mais três cabras sobreviventes.

Ao tentar incendiar a casa grande, um dos homens de Horário quase é morto. Havia alguém entrincheirado, resistindo e tentando acertar o coronel, que avançava protegido pelos jagunços. A revista da casa nada revela. Só restava o sótão Ao ser aberta a porta do mesmo, um homem cai, fuzilado por um tiro, o último, de Don’Ana, que, depois de partir, retomara sem ser percebida. Vá embora, moça... Eu não mato mulher..... diz Horácio, e a deixa partir a cavalo, enquanto a noite se ilumina com as labaredas que consomem a casa grande.

A guerra terminara. Em Ilhéus, o processo movido por Horácio contra os Badaró e Teodoro da Baraúnas pelo incêndio, do cartório chega ao fim. Obviamente com resultado favorável a ele, que tem reconhecido o direito de posse sobre toda a antiga mata do Sequeiro Grande. Por outro lado, no processo de Sinhô contra Horácio por acusação de ser o mandante da morte de Juca, o coronel é absolvido por unanimidade. Sua vitória é completa, nas armas e na lei, aquelas e esta manejadas a seu bel-prazer e segundo seus interesses. Completamente derrotados, os Badaró jamais se recuperariam. O processo de Horácio da Silveira tem um detalhe interessante: a escolha dos jurados, por sorteio, é feita com a colaboração de um menino, o menino que, quando adulto, contaria as histórias daquela terra e das lutas pela posse das matas do Sequeiro Grande.

Passados alguns meses, Horácio chega inesperadamente á Fazenda dos Macacos, que Maneca Dantas sempre insistia, inutilmente, em alterar para Auricidia, nome de sua mulher. Horário vai logo expondo os motivos da visita. Mexendo nos deixados de Ester descobrira algumas cartas de Virgílio. E então entende que a mudança repentina de sua mulher — quando deixara de ser fila e de evitá-lo anos atrás, logo em seguida à chegada de Virgílio a Ferradas — fora produto dela ter-se tomado amante do advogado. Quase sem palavras, parte em seguida, não sem deixar de dizer a Maneca Dantes que mandaria liquidar Virgílio. Pouco tempo depois este também chega à fazenda e Maneca Dantes, que se apegam a Virgílio, tenta em vão demovê-lo de viajar à noite pelo caminho de Ferradas, feudo de Horário, para visitar um cliente. Sem conseguir, joga seu último argumento e informa que Horácio tudo descobrira. Virgílio não se abala. O visgo do cacau mole também o lixara inapelavelmente à terra, através de Ester, e a morte não o assusta. Afinal, perdido o grande amor de sua vida, nada mais Lhe restava.

E à noite parte sozinho. Um tiro no peito, uma vela acendida por Maneca Cantas, uma cruz são os derradeiros atos que fecham uma trágica história do amor, uma história de espantar.

Indiferentes aos dramas pessoais, a história e o processo avançam. Ilhéus é elevada a sede de bispado e dos festejos participa também Sinhô Badaró, coxeando um pouco da pema direita, a que fora ferida no tiroteio final pela posse das matas do Sequeiro Grande. Acompanhado da filha e do genro, ele pode a benção para o neto que vai nascer. Em Tabocas, agora ltabuna, o coronel. Horácio da Silveira, tendo ao lado o bispo de Ilhéus, faz um brinde, bebendo em lembrança de Ester e de Virgílio Cabral, a esposa dedicada e o advogado que lento fizera pelo progresso da região e que fora vitima de seus inimigos políticos.

Pouco tempo depois todos assistiam a um espetáculo inacreditável e inesquecível os cacaueiros plantados na terra que fora a mata do Sequeiro Grande demoraram apenas quatro e não cinco anos para produzir seus dourados frutos. É que aquela terra fora adubada com sangue...

Personagens Principais

Os coronéis

Iguais na condição de donos da terra e das almas, os coronéis diferenciam-se pelo “quantum” de poder que possuem, pelo ‘partido” a que pertencem, pela maior ou menor adequação ao processo de modernização e por característica pessoais especificas.

Sinhô

O chefe do clã e do ‘partido’ dos Badaró, tem o estilo solene e hierático dos que foram moldados por uma longa tradição de poder. Pessoalmente comedido, justo e equilibrado em seus atos, e até religioso, nem por isto recua diante da inevitável decisão que dá inicio ao conflito. Em seu estilo ponderado, rude e inflexível, Sinhô personifica muito bem a desvantagem inicial em que seu ‘partido’ se coloca diante da habilidade política e tática de Horácio da Silveira, bem mais ‘civilizado’ em seus caxixes e — pelo menos na aparência! —mais ‘civilizado” em seus métodos de conquista e manutenção do poder.

Juca Badaró

Irmão de Sinhô, curva-se à autoridade deste, mas parece querer compensar sua situação de inferioridade através da violência e de suas estripulias. Neste sentido, é muito coerente, no enredo, que seja o único dos coronéis a ser assassinado.

Teodoro Martins

Dito das Baraúnas, o mais importante aliado dos Badaró, é o bárbaro por excelência, o bruto e civilizado disposto e talhado para qualquer trabalho “sujo’, o que é muito bem caracterizado pela antológica seqüência que se desenrola em Tabocas nas comemorações do Dia da Árvore. Coerentemente, é também o único sobre quem recai, ao final, o peso de uma condenação.

Horácio da Silveira

Comanda o ”partido” inimigo dos Badaró, é hábil, astuto, frio e implacável. Com um perfil bem mais “moderno”— mais adequado aos tempos — que os integrantes do clã adversário, Horácio é capaz de fazer reverter a seu favor o conflito em que já aparecia como o grande derrotado. E, paradoxalmente ou não, este seu caráter mais “moderno’ é o responsável por seu desastre no plano pessoal, já que a traição de Ester o marta indelével e irremediavelmente. Tal, porém, é o preço do poder, preço que ele, cerrando os dentes, paga consciente e solitariamente, tendo como vingança o sobreviver a todos.

Maneca Dantes

Aliado de Horário, tem um papel pouco significativo ao longo de quase toda a obra mas sobressai ao final, quando, apesar de sua limitada inteligência, faz força para vislumbrar algo da verdadeira natureza do amor de Ester e Virgílio. Diante da decisão inabalável deste de ir em busca da morte, revela seu caráter compassivo e solidário, capaz até de passar por cima de sua fidelidade a Horário.

O “Capitão” João Magalhães

Aventureiro, jogador, trapaceiro e semimarginal, o “moço distinto’ João Magalhães não consegue, corno os demais adventícios, livrar-se do fatal “visgo do cacau mole” e num golpe de (má) sorte integra-se ao clã dos Badaró, assumindo, surpreendentemente, seu ethos e participando, também surpreendentemente, das ações bélicas ao final da luta pela posse das tens do Sequeiro Grande.

O negro Damião

Entre as dezenas de partidários, “vassalos”, capangas e jagunços dos dois grupos em luta sobressai, por seu caráter de símbolo trágico ao mesmo tempo de sua classe e de sua raça, o negro Damião. Sua consciência, que mal desperta na encruzilhada de uma tocaia —seu caminho de Damasco —, fica emparedada entre a submissão, agora impossível, e a revolta, obviamente inviável. Sem saída, afunda na loucura, uma das “opções’ de todo o marginalizado que consegue intuir o mundo mas que não alcança organizá-lo racionalmente nem, muito menos, transformá-lo efetivamente As mulheres

Ester

Filha da burguesia mercantil baiana, símbolo da mais refinada e sofisticada cultura européia nos trópicos, é, como mulher de Horácio, uma verdadeira exilada, pois a partir de seu casamento, não vive nas cidades da orla atlântica mas no interior “bárbaro’. É a rã que, no chamo, se debate viva na boca da cobra que a devora, na brilhante imagem do autor — que mais tarde abandonaria este delicado e sutil erotismo para, não raio, cair no vulgar e no mau gosto. Violentada de forma contínua e em todos os sentidos, Ester renasce completamente ao encontrar Virgílio, sua outra metade, penhor da viabilidade de seus lindos sonhos juvenis. Mas a tragédia que se desenha claramente no horizonte tem sua marcha sustada pela morte, que antecipa, apenas que sem violência, o confronto final e, assim, ameniza o desenlace. E ela que estava condenada a perder duplamente, como mulher e como “civilizada’, ao morrer antecipadamente impõe-se, paradoxalmente, a Horácio, escapando à sua vingança de “bárbaro”, que tem que contentar-se em executá-la em Virgílio.

Don’Ana

No pólo oposto a Ester, tem, desde sempre, os pés fincados firmemente na terra do cacau e, apesar da improbabilidade, sobrevive ligando-se a um aventureiro, adventício e socialmente marginal como ela. Desta forma escapa à solidão que a ameaçava como possibilidade real, já que sua situação de filha única e possível herdeira do clã exigiria dela - como Margarida em Dona Guidinha do Poço e Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins/Diadorim em Grande Sertão: veredas – que assumisse uma função social reservada aos homens em uma sociedade patriarcal. Contudo, a heterogeneidade da sociedade cacaueira — cano a da sociedade do garimpo em Maria Dusá — é o trunfo que aumenta as probabilidades de um destino biológico e social normal e que, por fim, quase contra toda a esperança, lhe toma possível sobreviver e enquadrar-se sem grandes traumas na sua própria sociedade, que rapidamente se moderniza. Ao contrário de Ester, que mantém até o final seu perfil de personagem trágica, exilada e condenada, a épica Don’Ana se prosaiciza, integrando-se no grupo.

Margot

Prostituta e, portanto, integrando a classe dominada, benfeitora de 1/irgílio, amante deste e depois de Juca Badaró, elegante e sofisticada, vai sendo jogada de um lado para outro, segundo os azares da sorte e do poder que a usa. Culturalmente ‘exilada’ como Ester, e como esta sonhando com a civilização das urbes da costa e de Paris, o que a diferencia dela é saia inferioridade na escala das desses sociais, característica milenar da função que exerce.

Raimunda

Apesar de um perfil psicológico pouco desenvolvido ao longo do enredo, é um personagem contundente, arquetipico da famulagem familiar negra ou mulata do Brasil da casa grande e da senzala. Irmã de leite de Don’Ana e, possivelmente, sua meia-tia, ela recebe as sobras, nos carinhos e em tudo o mais, da caçula dos Badaró. Aliás, seu destino pessoal é o contraponto perfeito, na escala social inferior, ao de Don’Ana. Também Raimunda, criada com regalias estranhas à sua classe e à sua cor, parece condenada à solidão, do que é salva pelo aparecimento do também adventício, e também mulato, António Vítor.

Virgílio

Ambicioso, inteligente e um tanto ingênuo, procurando fazer carreira política rapidamente a partir da então próspera zona cacaueira, Virgílio Cabral, protótipo de doutor civilizado pela cultura europeizada dos núcleos urbanos da costa, é vítima de uma armadilha do destino e não escapa à força do ‘visgo do cacau mole’. O que o prende, contudo, não é o dinheiro nem a ambição mas o amor a uma ‘exilada’, a qual, por sua vez, também está condenada â sina da fuga impossível. Transformado — ou transtornado! — pela experiência do amor e da completa identificação ética com Ester, estóica e romanticamente enfrenta a morte. Não só porque para ele a vida perdem qualquer sentido como, principalmente, porque tal ato é uma homenagem definitiva à memória da amante e uma prova cabal da vitória da ‘civilização’ sobre a ‘barbárie’ que os mantivera separados. E o ultimo conforto que lhe resta é a solidariedade ingênua e inesperada do sentimental Maneca Dantas, não suficiente, contudo, para romper sua completa solidão.

Estrutura narrativa

Composto de seis partes — denominadas O navio’, ‘A mata’, ‘Gestação de cidade’, “O mar”, ‘A luta’ e ‘O progresso’ —, cada uma das quais dividida em capítulos em número e de tamanho diversos, Terras do sem fim é, por sua vez, a primeira parte — ‘A terra adubada com sangue’ — de uma história que tem continuidade com mais duas — ‘A terra dá frutos de ouro’ e ‘Aterra muda de dom’ — em São Jorge dos Ilhéus.

Construído segundo o esquema clássico do narrador onisciente em terceira pessoa, a obra se mantém rigidamente fiel ao esquema realista/naturalista da verassimilhança e conta, não raro quase com o rigor de uma crônica histórica, as façanhas dos coronéis feudais —expressão do próprio autor, na nota que precede o ínicio da narrativa — que, movidos pela ambição, ocupam, desbravam e modernizam a região das férteis terras no sul da zona litorânea da Bahia durante o ciclo do cacau.

A ação do romance, diretamente referida à realidade histórico-econômica, se desenrola rio início do séc. XX, ao longo de meia dúzia de anos, ou pouco mais, a partir do começo da segunda década, possivelmente. E tem por palco, à exceção da primeira parte (“O navio”), a cidade de ilhéus e toda a região que, margeando o Rio Cachoeira, avança sertão adentro e vê, com o ciclo do cacau, o surgimento e o crescimento de povoados como Tabocas (depois ltabuna), Ferradas, Pirangi, Palestina e outros. Como particularidade da estrutura narrativa deve-se destacar a presença do autor como personagem, explicitamente Identificado como o menino que sorteia os jurados no julgamento de Horário da Silveira ao final do romance.

Fonte:
Livros Grátis