sábado, 10 de novembro de 2012

Pedro DuBois (Cristais Poéticos)


OLHAR

No olhar diversificado
percebo à direita
o senso oposto
ao esquerdo lado
das contradições: retorno
ao mediano
olhar
espantado
no plano
horizontal

na frente dos olhos repousa
a lagarta encasulada em futura
borboleta.

ENVOLTO

Envolto em luas
distraio fracas luzes
e repasso a cena
em cômodas
e lentas
metades: revolta
latejada
no tempo
despreparado.

O destino
sela luzes
aparentes.

Envolto em luas
desconsidero a farsa:
lado revisto pelo espelho.

PODER

Ávido de poder reclamo a sorte 
que me cabe no negócio: o amor
tolhe os movimentos. O corpo
cede à angústia de estar vivo. A sorte
é instante acordado. O poder trafega
a ilusão da luz apagada. A lanterna
cessa a sombra imaginada. O destino
presente na ponta dos dedos. Águas
sôfregas rasgam a terra e depositam
mensagens de descobrimento.

Aviso em praça pública: o poder
combina a estática com o movimento 
em falso do adormecido.

SOBRAS

Prefiro as sobras do banquete
o vinho quente na garrafa
o azedo da salada
o restante da carne
junto ao osso

o guardanapo
usado com esforço

guardo a rolha
em confirmação: aguardo
o retorno
inserido
na minha vontade.

AO LONGE 

Vai para longe
não leva a bandeira
fala com os de longe
não leva a pátria
sorri aos de longe
o sorriso esconde
a veracidade:

está aqui
na casa
na rua
na calçada
na mesa
no fundo
do bar

longe é estar presente
em não acontecimentos.

Fonte:
Colaboração do Poeta

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 3 de dezembro: Os Grandes Dias da Pátria


Um dos mais belos traços que apresenta a história da humanidade é o culto respeitoso que votam os grandes povos aos grandes dias de sua pátria. A influência misteriosa que exerce o passado sobre o futuro tem o que quer que seja de grande e de sublime.

Há um sentimento nobre nessa força irresistível que de ano a ano, de século a século, num momento determinado, obriga as gerações que se vão sucedendo a irem por sua vez depositar no livro dos fatos nacionais o testemunho de uma justa veneração pelas suas antigas tradições, renovando, com o exemplo, a fé e a crença nas instituições do país.

As datas memoráveis figuram na vida das nações como esses marcos que se colocam à beira do caminho para designar o espaço percorrido, e ao pé dos quais o viandante vem descansar, refazendo-se das fadigas e cobrando novas forças para continuar a jornada.

Assim, quando o historiador, elevando-se pelo pensamento acima das condições materiais da existência humana, lança os olhos sobre o quadro da humanidade, pode ver cada povo, cada nação, percorrendo seu caminho através dos séculos, como o indivíduo que transpõe dia por dia o curto espaço da vida.

Como o indivíduo, a nação passa por todas as vicissitudes da experiência, vai da infância à velhice, do mal ao bem, sofre todas as alternativas da fortuna. Como o homem tem o germe de todos esses nobres sentimentos que vivem no coração, fortifica-os pela união, engrandece-os pelo entusiasmo e os transmite pela tradição.

Como nós, o povo sente todos os afetos, curte todas as dores, experimenta todos os estados da vida. Como nós, ama, odeia, chora, ou ri; é um pai ou um filho, um amigo ou um inimigo; é um menino frágil que precisa ser guiado, um delinqüente a quem se inflinge o castigo, e muitas vezes um soberano que dita a sua vontade e impõe a lei.

Por isso há vinte e nove anos, no dia de ontem, a nação brasileira vinha aos pés de um berço saudar o nascimento de um menino com toda a efusão do homem que contempla o seu primeiro filho. Durante quinze anos serviu-lhe de pai; e em todo esse tempo nem uma só vez se desmentiu esse amor paternal que a nação votava ao seu Imperador ainda na infância.

Veio o ano de 1840. À infância segui-se a juventude; o berço foi substituído por um trono. A nação brasileira veio então, não mais como um pai e sim como um depositário fiel, restituir a coroa e o cetro que lhe foi confiado. A cena ia mudar-se: o amor,que um dia fora paternal, começava a envolver-se do respeito que inspira o poder e a majestade.

Deixemos ainda correr o tempo; cheguemos ao dia de ontem; vinte e nove anos apenas nos separam, porém a mudança é completa. Sabeis o que significam essas festividades que por toda a extensão do país celebram o dia 2 de dezembro? Sabeis que sentimento exprimem essas manifestações espontâneas da nação, por ocasião do aniversário do seu monarca?

É o povo brasileiro que, como um filho reconhecido, veio aos degraus do trono para beijar a mão ao pai da nação, para agradecer-lhe os benefícios recebidos e pedir-lhe ainda a direção, a paz, o trabalho, a instrução, a indústria, a colonização, e todos esses germes da civilização, que o país encerra no seu seio, e que serão um dia fecundados pelo pensamento criador do seu governo.

A esta grande manifestação do seu povo, o Imperador respondeu agraciando-o na pessoa daqueles brasileiros cujos serviços entendeu mereciam ser remunerados. Algumas dessas mercês não são unicamente uma graça, mas uma antiga dívida que S.M. pagou em nome da nação a alguns velhos servidores do nosso país. Entre estes há especialmente alguns nomes que, para fazer-se o seu elogio aos brasileiros, basta despi-los do seu título e repeti-los.

Havia cinco anos que não se realizava esse poético costume das monarquias, de fazer a distribuição das graças nos dias aniversários de algum acontecimento feliz. Sempre uma contrariedade qualquer vinha obstar aquele ato. Este ano, porém, as circunstâncias favoráveis de uma atualidade calma e serena permitiram.que a munificência imperial pudesse ao mesmo tempo pagar as dívidas da nação e auxiliar a realização do pensamento de união e concórdia, que é o programa de governo do Sr. D Pedro II e o seu voto o mais ardente como Brasileiro e como soberano.

Este ano já a tolerância tinha passado a esponja por sobre todos estes nomes de guabiru e de praieiro, de luzia e de saquarema, de exaltado e conservador, aos quais outrora os ódios políticos fizeram representar na luta encarniçada dos partidos o papel de guelfos e gibelinos. S.M. por conseguinte podia lançar os olhos pela união brasileira, e ver unicamente cidadãos que se distinguiam pelo seu mérito e pelos seus serviços, sem que uma necessidade dolorosa do seu governo viesse, como nos anos anteriores, batiza-los de ministeriais, de descontentes, ou de oposicionistas. O preceito constitucional começou enfim a ser para os brasileiros uma verdade benéfica, precursora de novos melhoramentos.

Além desses fatos, que se prendem necessariamente ao dia 3 de dezembro, tiveram ontem lugar alguns extraordinários, que foram reservados para este dia, para assim receberem maior realce e se realizarem sob os auspícios felizes de uma data memorável para o Brasil.

Às dez horas do dia a Câmara Municipal desta corte inaugurava na sala de suas sessões, em presença de um grande concurso, o novo retrato de S.M. O salão está pintado com todo o apuro. O teto representa um quadro alegórico da indústria e do comércio, trazendo a abundância ao Brasil; aos lados estão os bustos de D. João VI e de D. Pedro I, do conde de Bobadela, de D. Luís de Vasconcelos, de Estácio de Sá e de José Bonifácio.

Todo o trabalho de pintura, executado por R, d’Agostini e Júlio Lechevrel, debaixo da direção dos Srs. Porto Alegre e Costa Ferreira, é digno de atenção pelo bem acabado e pelo risco do desenho; merece com efeito ser examinado pelas pessoas que sabem apreciar essas obras de arte, ainda bem raras em nosso país.

Depois desta solenidade teve lugar na Academia das Belas Artes, por volta do meio-dia, a inauguração da Pinacoteca Imperial pelo Sr. Ministro do Império. A medalha da inscrição gravada na casa da moeda, com o busto de S.M. numa face e o nome do fundador na outra, é um trabalho que mostra os progressos que vamos fazendo neste ramo de arte.

A fundação da Pinacoteca Imperial, destinada à exposição das obras dos artistas nacionais, vai dar um salutar impulso ao desenvolvimento da pintura, da escultura e da estatuária no nosso país. É com as suas grandes exposições anuais, com os seus prêmios de honra, que a França, promovendo uma nobre emulação entre os artistas e criando o bom gosto na população, tem conseguido elevar a arte a um grau de perfeição e desenvolvimento qu atualmente nada tem que desejar à Itália, a terra das obras primas, a pátria dos grandes pintores, dos grandes estatuários, dos grandes arquitetos.

O dia que começara tão artisticamente  devia acabar da mesma maneira, e de fato acabou com a representação do Roberto do Diabo no Teatro Lírico. Apesar de estarmos conversando hoje, creio que compreendeis bem a razão por que não vos conto alguma coisa dessa representação que se deu ontem: são coisas da imprensa.

Contudo, como estamos no teatro, suponde que houve na cena uma mutação rápida, e que vos achais de repente num salão iluminado, no meio de música, de perfume, de flores, de espelhos, de moças, e de velhas também. Dança-se... Adivinhai o quê?

Não é nem quadrilha diplomática, nem a valsa estonteada, nem a schottish com os requebros, ou a polca com os seus pulinhos. É uma coisa que tem um pouco de tudo isto, é que me faz lembrar o meu bom tempo de colégio, porque há uma espécie de marcha que se executa ao som de palmas, tal e qual como nas classes. Chama-se esta dança Ril da Virgínia, terra donde eu sabia que vinha bom fumo, donde não me consta que nunca se despachassem danças na alfândega.

O caso é que, pela alfândega ou por contrabando, dança-se hoje no Rio de Janeiro o Ril da Virgínia, que os velhos bailarinos aborrecem de morte, pela razão muito simples de não admitir canelas de cinqüenta anos passados. Os moços, porém, adoram-no; e isto também por uma razão muito simples: porque cada um, embora tire seu par, nem por isso deixa de danças com todas as moças, e de ser ao mesmo tempo par de todos os pares dos outros.

De maneira que agora já não há risco de se ir tarde para o baile, e não encontrar o par que se deseja; nem de andar a catar pelo meio, e não encontrar o par que se deseja; nem de andar a catar pelo meio da casa moças bonitas e espirituosas. Outra vantagem ainda: como a dança é uma roda-viva, estamos dispensados de  estar ai a inventar motivos de conversa, e de levarmos uma boa meia hora a esgrimir-nos contra um sim ou um não, que se encastelam nalguma boquinha arrebitada, donde não há força tira-los.

Ao menos se o sim fosse constante, eu começava logo por pedir alguma coisa que me conviesse. Mas qual! O sim e o não se revezam como duas sentinelas sempre alerta e prontas a impor o respeito à menor infração da disciplina. Por conseguinte, o melhor é tomar-se o expediente de que uso – fazer-lhes a continência, e passar de largo.

Mas onde já ando eu? Comecei num salão de baile, e parece-me que estou nalgum corpo de guarda. Eis aí o risco de escrever ao correr da pena. Se eu tivesse um compasso e um tira-linhas, não me havia de suceder semelhante coisa. Riscaria primeiramente o meu papel, escreveria o meu artigo letra por letra, pensando maduramente sobre cada palavra, refletindo profundamente na colocação dos pontos e vírgulas; depois convocaria um conselho de sábios, e, discutido o artigo em conclusões magnas, entrega-lo-ia ao compositor, quando se findassem os nove anos de correção que impõe o preceito da Arte Poética. Então, cheio de entusiasmo ao contemplar o meu artigo metido entre quatro gravuras de pau, exclamaria como Sanzio: Anch’io son pittore!  Agora já posso aspirar à honra de escrever um artigo ilustrado!

O que é verdade é que já não sei onde deixei a nossa agradável soirée, na qual se dançava com tanto prazer e animação o Ril da Virgínia, dança que daqui a alguns dias deve estar com muita razão no galarim da moda. E sobre isto desejo comunicar aos diretores das sociedades uma observação que fiz a propósito deste dançado. Tenho notado que, depois de um ril, cada um daqueles turcos transforma-se num cossaco temível; e então não há empadas nem chocolate que os farte. A respeito de gelo não falemos; seria necessário algum Himalaia ou Chimborazo feito sorvete. Por isso a moda tem muito razoavelmente destinado a dança para o fim da noite.]Com tudo isto, ainda não vos disse em que lugar da cidade nos achamos; mas contentai-vos em saber que estamos num dos nossos lindos arrabaldes, numa excelente casa de campo. E como já é perto de duas horas e as estrelas começam a fugir com as claridades precursoras do dia, segui o meu exemplo, dizei adeus a esses salões, a essas horas de prazer, que tão cedo não voltarão, e ide fazer poeticamente ao vosso travesseiro as íntimas confidências de algum segredo do coração.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Cecília Meireles (Mulher ao Espelho)


Ademar Macedo (O Trovadoresco n. 89 – novembro de 2012)




                                 
Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...
– Ademar Macedo –

Quando o amor acende a chama
no coração da pessoa...
Faz do coração que ama
um coração que perdoa!
– Prof. Garcia –

Mandei clonar do meu ser
uma cópia da ilusão
para jamais esquecer
as razões do coração.
– Francisco Bezerra –

Estudando noite e dia,
como quem cumpre uma lei,
consegui sabedoria
pra saber que nada sei.
– José Lucas de Barros –

Cada gole de aguardente
traz um ardor vitalício,
queimando as queixas da mente
dentro do fogo do vício...!
– Manoel Cavalcante –

O outono ali vem chegando,
já me sinto à sua espera...
contudo vou degustando
uns restos de primavera.
– Ubiratan Queiroz –

Janela do meu encanto,
de alcance manso e profundo...
À noite, levas meu pranto;
de manhã, trazes meu mundo!
–Mara Melinni/RN–

Jamais eu me recusei
A confessar meu pecado,
A vida toda eu amei,
Jamais me senti amado.
–Wellington Freitas/RN–

Piedade, chama divina,
que acende a cada aflição,
é fonte que me ilumina
quando concedo o perdão.
– Marcos Medeiros –

Entre nós dois se comprova
as discrepâncias da lida;
eu, quase com o pé na cova,
você, florindo pra vida!
– Zé de Souza –
    
                
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
(A.A. de Assis/PR)

Nos percalços dessa vida
já deixei muita pegada
como marca dolorida
dos revezes da jornada.
(Eliana Jimenez/SC)

De saudade quase morta
volto, mas, sem piedade,
teu desprezo fecha a porta
na cara dessa saudade…
(Divenei Boseli/SP)

Volto agora à realidade,
depois de tanta bonança...
e as mãos cruéis da saudade
apertam mais a lembrança!
(Maria Thereza Cavalheiro/SP)

Vai, estudante, buscar
conhecimento fecundo
pois, és a pedra angular
na construção do teu mundo!
(Francisco José Pessoa/CE)

Se pergunto o que é saudade,
quem dela sofre, responde:
- uma dor com caridade...
ora vem, ora se esconde.
(Dáguima Verônica/MG)

Só tu, penumbra que invade
meu quarto, sem cerimônia,
sabes de quantas saudades
se compõe a minha insônia!
(Élbea Priscila de Souza/SP)

A virtude, simplesmente,
é um dos dons abençoado:
reflete o nosso presente
num espelho do passado...
(Rejane Costa/CE)

Se eu pudesse repartia
em gestos de amor profundo
o meu pão de cada dia
entre os famintos do mundo!...
(Maria Madalena Ferreira/RJ)

Das bofetadas que a vida
me deu sem muita piedade,
tu foste a mais dolorida
e a que mais deixou saudade.
(Thalma Tavares/SP)



Vendo os dotes da Jussara
no seu biquíni miúdo,
morro de inveja do cara
que é dono daquilo tudo!!!
(Clarindo Batista/RN)

O zeloso fazendeiro,
homem de peso e distinto,
tropeça no galinheiro!...
Quebra o pescoço do pinto!
(Hélica Cruz de Oliveira/MG)

Deu à sogra, de presente,
uma vassoura, a brincar...
– ao que ela indaga, inocente:
“Pra varrer?” – Não! Pra voar!...
(Rodolpho Abudd/RJ)

A defender eu me apresso
o linguajar puro e rico.
Mineiro não diz “tropeço”:
Se fôr “da gema”, é “trupico”!
(Marisa da C. Pereira/MG)

Casei-me sim, com o Castro,
que... podia ser meu tio...
Mas pelo “naipe” do mastro
É que se compra o navio!
(Jaime Pina da Silveira/SP)

“Pagou um mico” perfeito
a Clara, em busca de fama!
Disse à esposa do prefeito:
“eu sou a Segunda dama!”...
(Clenir Neves Ribeiro/RJ)

Um dia apenas vivido
e rebelou-se a donzela,
vendo a mala do marido
pequena pras coisas dela!
(Edmar Japiassú Maia/RJ)

O que demorava um mês
pra fazer com a namorada,
hoje eu faço de uma vez
quando danço uma lambada.
(Dorival Coutinho/SP)

Mesmo pequeno e roliço,
no mundo, ninguém calcula;
quem foi que deu um sumiço
no dedo da mão de Lula!
(Ademar Macedo/RN)



Como num sonho, a viagem,
pelo teu corpo desnudo,
eu fiz, sem pagar passagem
e desfrutando de tudo!
– Francisco Macedo –

Uma oração comovida
que, um dia, fiz a Jesus,
encheu meu sonho de vida
e a minha vida de luz!...
(Hermoclydes S. Franco/RJ)

Sempre que a saudade afronta
a lembrança, em desafio,
a velhice faz a conta
do tamanho do vazio.
(Miguel Russowsky/SC)

Entre esperas e demoras,
que a solidão descompassa,
já nem sei quantas auroras
vi chegar pela vidraça!...
(Vasques Filho/PI)


       
O teto é feito de palha,
só tem telha no capote,
a geladeira é um pote,
o gás butano, a fornalha;
uma cerca é a muralha,
o cadeado, um cambito;
a campainha é um grito;
o portão, uma cancela,
Minha casinha é aquela
no pé de serra esquisito.
(Pedro Ernesto da Silva/CE)

Os versos são comprimidos
que eu tomo pra minha dor,
a viola é uma medalha
no peito do cantador;
e a poesia é na verdade,
a mais pura identidade
deste humilde Trovador!
(Ademar Macedo/RN)

IMPOSSÍVEL.
– Rogaciano Leite/PE –

Tudo findo. Deixaste-me e seguiste
o primeiro que veio ao teu caminho;
não pensaste sequer que fiquei triste,
preso à desgraça de viver sozinho!

Dois longos anos!...Nunca mais me viste!
Foram-se as aves, desmanchou-se o ninho!...
Hoje, me escreves: “Meu viver consiste
na mistura de lágrimas e vinho!”

E me imploras: “Perdoa-me e consente
que eu vá viver contigo novamente,
pois só contigo poderei ter paz!”

Eu te perdôo... mas o empecilho é este:
eu amava aquela alma que perdeste...
alma que nunca reconquistarás!...

APOIO: GRÁFICA PADRE JOÃO MARIA - Tel: 3207-5862

Silvia Araújo Motta (A Flor na Trova) Conclusão


162- E agora vou terminar
 muito mais eu falaria
 de FLORES e a perfumar,
 muito TEMPO eu gastaria.
 
163-ÁRVORES multicores
 do futuro são promessas,
 trazem no encanto das flores,
ESPERANÇAS nas remessas.

164-No florir de uma existência,
 por que ter medo de amar?
 Entre ESPINHOS da vivência,
 de ROSAS podes cuidar.

165-Ponha FLORES às janelas
 do universo sem fronteira
 que ele perfuma em parcelas
 seus jardins da VIDA inteira.

166-Plantando, logo se vê:
 das sementes brotam FLORES.
 Ninguém duvida ou descrê:
GESTOS despertam amores.

167-Ao fulgor de uma ILUSÃO,
 linda FLOR desabrochou,
 mas no outubro, a decepção
 folhas, o vento soprou.

168-Os FILHOS que nos encantam
 plantam no amor infinito,
FLORES vivas, que perfumam
 na vida, um jardim bendito.

169-Há quem tem bem escondida
 ninguém vê,não sei por quê:
 no coração bem florido,
 a maior FLOR é VOCÊ.

170-As FLORES dadas em vida
 semeiam pura alegria,
 dê à pessoa querida
 o perfume da HARMONIA.

171-A NATUREZA agradece
 a quem planta com carinho...
 Flores e frutos merece
 quem põe a PAZ , no caminho.

172-Quantas FLORES posso ter...
 perfumes posso comprar...
 Só uma flor queria ser
 a que pode te ABRAÇAR...

173-Sou a SÍLVIA TROVADORA,
 bem feliz aposentada,
 violonista e escritora
 pela vida apaixonada.

174-De Araújo herdei o porte
 junto à alegria do Andrade. 
 Com o Motta fiquei mais forte
 no perdão e na amizade.

Fonte:
Silvia Araújo Motta . A flor na trova. Editora: AVBL, www.avbl.com.br. Ebooknet - Bibliotecas Virtuais. www.ebooknet.com.br, 2006

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 722)



Uma Trova de Ademar  

Oh, Mulher! Quando partiste, 
só você não percebeu; 
seu coração ficou triste... 
Muito mais triste que o meu! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Tua imagem refletida, 
no espelho de nosso quarto, 
mostra a saudade sentida, 
que só contigo eu reparto... 
–Olga Dias Ferreira/RS– 

Uma Trova Potiguar  

Andando por onde for, 
quero amar tudo na vida. 
Pois a medida do amor, 
é amar sem ter medida... 
–Bob Motta/RN– 

Uma Trova Premiada  

2005   -   C.E João B.de Mattos/RJ 
Tema   -   NINHO   -   1º Lugar 

Foi juntando os pedacinhos 
de um velho sonho desfeito 
que as mágoas fizeram ninhos 
na varanda do meu peito... 
–Campos Sales/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Com mágoa de toda a sorte,
se a velhice nos alcança,
crendo que há vida na morte,
temos na morte, Esperança.
–João Batista de Azevedo/MG–

U m a P o e s i a  

Vou mudar meu endereço, telefone
o meu número e agenda de contato
se possível mudarei o meu retrato
alterando também o sobrenome,
por você posso até mudar meu nome
e se a saudade bater, pode voltar,
só não tenho o poder de sepultar
um amor que ainda não morreu;
vou mudar o meu nome pra museu
se quiser, pode vir me visitar.
–Dayane Rocha/PE– 

Soneto do Dia  

ATRAÇÃO. 
–Diamantino Ferreira/RJ– 

Não sei o que possuis de encantador 
que minha alma atraiu e já domina: 
– Talvez tenhas nascido para o amor 
e te amar talvez seja a minha sina; 

um olhar em amor sempre termina 
e se imbui de romântico fulgor; 
se um sorriso ao seu brilho se combina, 
atraído por místico pendor... 

Meu coração, que segue a mesma estrada 
que o teu palmilha, numa encruzilhada 
mostra um tropeço, a me barrar os passos: 

Não faço força, se me sinto preso, 
pois seria esmagado pelo peso 
do desejo de ter-te nos meus braços!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Fernanda de Castro (Caderno de Poemas)



“Testamento”

Sem lápides, sem chumbo, sem jazigo;
 caixão de tábuas, derradeira casa,
 onde repousarei, frágil abrigo,
 até me libertar num golpe de asa.

Então, quando estiver a sós comigo,
 que ninguém chore porque o choro atrasa,
 mas que alguém, se quiser, num gesto amigo,
 ponha roseiras sobre a campa rasa.

Será medo o que sinto? Não é medo.
 Serei, não serei digna do Segredo?
 Ah, meu Deus, para lá das nebulosas,

Mereça ou não a expiação, a dor,
 entrego-Te a minha alma sem temor.
 O que resta, o que sobrar, é para as rosas.

“Ah, que bela manhã de Primavera”

Ah, que bela manhã de Primavera!
 Abram ao sol as portas, as janelas!
 Cheira a café com leite, a sabonete,
 a goivos, a sol novo, a vida nova!

A Rua canta!… sinos e pregões,
 apitos e buzinas, vozes claras.
 –”Gostas de mim?” — “Gosto de ti” — e o céu
 cobre a Cidade com seu manto azul.

Ah, que bela manhã de Primavera!

Pousam no Tejo barcos e gaivotas,
 com velas novas, belas asas novas.
 Os eléctricos voam, transbordantes,
 a tilintar, a rir nas campainhas,
 e os automóveis, como borboletas,
 circulam, tontos, nas ruas sonoras.

Ah, que bela manhã de primavera!

No Tejo, os vaporzinhos de Cacilhas
 brincam aos barcos grandes, às viagens,
 e o pequeno comboio vai e vem,
 como um brinquedo de menino rico.
 Confundem-se nas árvores, ao sol,
 folhas e asas, pássaros e flores.
 É festa em cada rua. Em cada casa,
 um canário a cantar, uma cortina,
 um craveiro florido na janela.

Despejaram-se armários e gavetas,
 frasquinhos de perfume…Toda a gente
 foi para a rua de vestido novo,
 de fato novo, de gravata nova,
 e tudo canta, a Rua é uma canção.

Ah, que bela manhã de Primavera!

–”Gostas de mim?” — é o tema da canção.
 –”Gostas de mim?” — pergunta-lhe ele a ela.
 –”Gostas de mim?” — pergunta à flor o vento
 e a flor ao rouxinol… — “Gostas de mim?”
 –”Gostas de mim?”, “Gostas de mim?”
 Cheira a goivos, a sol, a vida nova…

Ah, que bela manhã de Primavera!

“A Pedra”

Deus fez a pedra rude, a pedra forte,
 e depois destinou: -Serás eterna.
 Mostrarás a altivez de quem governa,
 Não ousará tocar-te a própria morte.

E a pedra julgou linda a sua sorte.
 Foi palácio, foi templo, foi caverna,
 foi estátua, foi muralha, foi cisterna,
 viveu sem coração, sem fé, sem norte.

Mas viu morrer o infante, o monge, a fera,
 o herói, o artista, a flor, a fonte, a hera,
 e humildemente quis também morrer.

Não grita, não se queixa, não murmura,
 guarda a mesma aparência hostil e dura
 mas sofre o mal de não poder sofrer.

“Asa no espaço”

Asa no espaço, vai, pensamento!
 Na noite azul, minha alma, flutua!
 Quero voar nos braços do vento,
 quero vogar nos braços da Lua!

Vai, minha alma, branco veleiro,
 vai sem destino, a bússola tonta…
 Por oceanos de nevoeiro
 corre o impossível, de ponta a ponta.

Quebra a gaiola, pássaro louco!
 Não mais fronteiras, foge de mim,
 que a terra é curta, que o mar é pouco,
 que tudo é perto, princípio e fim.

Castelos fluidos, jardins de espuma,
 ilhas de gelo, névoas, cristais,
 palácios de ondas, terras de bruma, …
 Asa, mais alto, mais alto, mais!

“Amar”

O segredo é Amar… Amar a Vida
 Com tudo o que há de bom e mau em nós.
 Amar a hora breve e apetecida,
 Ouvir todos os sons em cada voz
 E ver todos os céus em cada olhar..

Amar por mil razões e sem razão…
 Amar, só por amar,
 Com os nervos, o sangue, o coração…
 Viver em cada instante a eternidade
 E ver, na própria sombra, claridade.

O segredo é amar mas amar com prazer,
 Sem limites, sem linha de horizonte…
 Amar a Vida, a Morte, o Amor!
 Beber em cada fonte,
 Florir em cada flor,
 Nascer em cada ninho,
 Sorver a terra inteira como um vinho…

Amar o ramo em flor que há-de nascer
 De cada obscura e tímida raiz…
 Amar em cada pedra, em cada ser,
 S. Francisco de Assis…

Amar o tronco velho, a folha verde,
 Amar cada alegria, cada mágoa,
 Pois um beijo de amor jamais se perde
 E cedo refloresce em pão, em água!

Fonte:

Fernanda de Castro (1900 – 1994)



Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (Lisboa, 8 de Dezembro de 1900 – 19 de Dezembro de 1994), foi uma escritora portuguesa.

Fernanda de Castro, filha de João Filipe das Dores de Quadros (oficial da marinha) e de Ana Laura Codina Telles de Castro da Silva, fez os seus estudos em Portimão, Figueira da Foz e Lisboa, tendo casado em 1922 com António Joaquim Tavares Ferro. Deste casamento nasceu António Gabriel de Quadros Ferro que se distinguiu como filósofo e ensaísta e Fernando Manuel Teles de Castro e Quadros Tavares Ferro. A sua neta, Rita Ferro também se distinguiu como escritora.

Foi juntamente com o marido e outros, fundadora da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, actualmente designada por Sociedade Portuguesa de Autores.

O escritor David Mourão-Ferreira, durante as comemorações dos cinquenta anos de actividade literária de Fernanda de Castro disse: “Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite”.

Parte da vida de Fernanda de Castro, foi dedicada à infância, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, associação na qual teve o cargo de presidente.

Como escritora, dedicou-se à tradução de peças de teatro, a escrever poesia, romances, ficção e teatro. Escreveu o argumento do filme Rapsódia Portuguesa (1959), realizado por João Mendes, documentário que esteve em competição oficial no Festival de Cannes.Índice  

Prémios

Prémio do Teatro Nacional D.Maria II – (1920) com a peça “Náufragos”.
Prémio Ricardo Malheiros – (1945) com o romance “Maria da Lua”, foi a primeira mulher a obter este prémio da Academia das Ciências.
Prémio Nacional de Poesia – (1969).

Obras

Náufragos (1920) (teatro)
Maria da Lua (1945) (romance)
Antemanhã (1919) (poesia)
Náufragos e Fim da Memória (poesia)
O Veneno do Sol e Sorte (1928) (ficção)
As aventuras de Mariazinha (literatura infantil)
Mariazinha em África (1926) (literatura infantil) (fruto da passagem da escritora pela Guiné Portuguesa)
A Princesa dos Sete Castelos (1935) (literatura infantil)
As Novas Aventuras de Mariazinha (1935) (literatura infantil)
Asa no Espaço (1955) (poesia)
Poesia I e II (1969) (poesia)
Urgente (1989) (poesia)
Fontebela (1973)
Ao Fim da Memória “(Memórias 1906 – 1939)" (1986)
Pedra no Lago (teatro)
Exílio (1952)
África Raiz (1966).
Tudo É Príncípio
Os Cães não Mordem
Jardim (1928)
A Pedra no Lago (1943)
Asa no Espaço (poesia)

Fonte:

António Torrado (A Gota com Sede)


Ilustração: Cristina Malaquias

(Da Seleção de Contos Infantis)

Era uma vez uma gota cheia de sede. Não faz sentido, mas acreditem que assim era.

Esta gota de água queria matar a sede a alguém que tivesse muita sede. Desejo grande, desejo único que a arredondava mais e mais, e a enchia de fé como um coração palpitante. Mas não havia meio. 

Cavalgando uma nuvem, correu o deserto, à cata de um viajante sequioso. Não encontrou nenhum.

Depois, percorreu, por cima dos mares, as ondas revoltas dos oceanos. Talvez um náufrago de boca salgada precisasse dela e da sua ajuda doce. Assim que o visse, ela caía lá do alto e poisava nos lábios do náufrago como uma última bênção. Mas não encontrou nenhum.

Queria ser útil. Não conseguia.

Até que a nuvem em que vinha, de carregada que estava, não podendo mais, se desfez em chuva. Ela precipitou-se para a terra, no meio das outras.

– Vou lavar as pedras da calçada – dizia uma.

– Vou mergulhar até à raiz de uma planta e dar-lhe vida – dizia outra.

– Vou acrescentar água a um rio quase seco. Vou ajudar uma azenha a trabalhar. Vou alimentar uma barragem. Vou empurrar um barco encalhado.

Isto diziam várias gotas, todas generosas, enquanto caíam.

Se cada uma cumpriu ou não o seu destino, não sabemos, porque nesta história só nos ocupamos da gota com sede de matar a sede.

Caiu na copa de uma árvore e foi escorrendo de ramo em ramo, pling, pling, pling, como uma lágrima feliz.

Até que chegou a uma folha, mesmo por cima de um ninho. Caio? Não caio? Deixou-se ficar, a ver no que dava. 

A casca de um ovo estalou e um passarinho rompeu, aflito, lá de dentro, de bico aberto, num grito mudo.

– Caio – decidiu a gota.

Soltou-se da folha para a garganta aberta do passarinho, que a engoliu e, logo em seguida, piou, agradecido.

Foi o passarinho, tempos depois, que me contou esta história.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 721)



Uma Trova de Ademar  

Com o dom que Deus lhe envia, 
no riso o palhaço aflora 
um semblante de alegria... 
Que ele só sente por fora! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Com pincel remanescente
que a saudade me legou,
pinto a vida, sem presente,
que o passado me roubou. 
–Dáguima Verônica/MG– 

Uma Trova Potiguar  

Procurei felicidade 
por este mundo sem fim, 
sem saber que, na verdade, 
estava dentro de mim! 
–Eva Yanni Garcia/RN– 

Uma Trova Premiada  

2004   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   ERRO   -   2º Lugar 

Este amor, mal necessário,
que a insensatez fez surgir,
é o erro mais arbitrário
que eu não quero corrigir! 
–Elisabeth Souza Cruz/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Há caprichos diferentes 
em certas cartas lacradas: 
são os gritos contundentes 
das reticências caladas... 
–Helvécio Barros/RN– 

U m a P o e s i a  

Em todos os meus momentos, 
vou louvar até o fim 
tudo o que a Trova me deu 
e o porquê de agir assim 
é saber que a Trova fez 
um homem melhor de mim! 
–Arlindo Tadeu Hagen/MG– 

Soneto do Dia  

AMOR CIGANO. 
–Sônia Sobreira/RJ– 

Na imensidão de um céu azul, sereno, 
onde o luar rebrilha soberano, 
o vento leve corre doce, ameno, 
nas belas noites de um amor cigano. 

E no mistério de um fugaz aceno, 
ouve-se a voz vibrante de um gitano 
que, a sorrir, em leve tom verbeno, 
canta o prelúdio de um amor cigano. 

É a magia de um momento lindo! 
Onde as estrelas lá no céu infindo, 
unem as almas sem nenhum engano. 

E entrelaçados ao sabor do vento, 
vivem o encanto de mais um momento 
nos belos sonhos de um amor cigano. 

António Torrado (A Ferradura)


Ilustração: Cristina Malaquias

(da Seleção de Contos Infantis)

Era uma vez uma velha ferradura.

Um senhor encontrou-a, levantou-a do chão e meteu-a no bolso do sobretudo.

– É para dar sorte – disse o senhor de si para si, muito convencido do que dizia.

Quando chegou a casa e a mulher foi pendurar o sobretudo no cabide é que foram elas.

– Tens o sobretudo tão pesado, homem - intrigou-se ela.

O senhor explicou o porquê:

– É para dar sorte.

– Se dá sorte, não sei – repontou a ela. – O que sei é que o peso da ferradura rompeu o bolso do sobretudo. Tirá-la de dentro do forro vai ser o cabo dos trabalhos.

O senhor, pacientemente, recuperou a ferradura do sobretudo, que foi para coser, e pendurou-a num prego atrás da porta.

– É para dar sorte.

No dia seguinte, ia ele a entrar em casa com a mulher, e a porta não se abriu. Porque seria, porque não seria…

Tiveram de entrar em casa, a muito custo, por uma janela.

A ferradura tinha caído e entalara-se em cunha na porta, impedindo-a de abrir-se.

– Estou a ver que a ferradura só dá trabalhos – comentou a mulher.

O senhor não ligou e foi meter a ferradura numa gaveta:

– É para dar sorte.

Passado tempo, a mulher veio mostrar-lhe umas camisas todas manchadas:

– Puseste a maldita da ferradura na gaveta, encheu-se de ferrugem e deu cabo destas camisas. As melhores que tinhas…

Então o senhor aborreceu-se. Estava desiludido com a ferradura que só o metera em trabalhos.

– Vou desfazer-me do raio da ferradura. Para dar sorte… – e atirou-a pela janela.

Por pouca sorte, a ferradura foi bater no capot de um automóvel que ia a passar. Pior seria se tivesse acertado em alguma cabeça. Mesmo assim amolgou o automóvel. Veio o automobilista pedir explicações:

– Quem é a besta que anda a atirar os sapatos para o meio da rua?

O senhor, que achara a ferradura, teve de pedir muitas desculpas e pagar uma indemnização, para que o caso ficasse por ali. E para que a história acabasse aqui.

Silvia Araújo Motta (A Flor na Trova) Parte 5


131-É vermelha, a CELOSIA,
 chamada crista PLUMOSA.
 Veio lá da Índia e da Ásia,
 gosta da terra arenosa.

132-Folha oval a CINERÁRIA
 com muitos cachos de flores,
 tem beleza extraordinária,
 nos jardins são multicores.

133-Atraindo os beija-flores,
 chamadas BANANEIRINHAS,
HELICÔNIAS, dos amantes,
 vivem sempre agarradinhas.

134-A GAZÂNIA é cultivada
 no continente Africano,
 mas cresce sempre isolada
 e floresce durante o ano.

135-Porte perene há na GÉRBERA
 que exige poucos cuidados;
 gosta de estar em touceira,
 representa os bem-amados.

136-A GLOXÍNIA avermelhada
 ninho da praga pulgão,
 precisa ser bem cuidada
 na primavera e verão.

137-É planta tipo palmeira
IXORA, amiga de abelhas,
 pequeninas, dos chineses,
 são laranja ou vermelhas.

138-Reprodução espontânea,
SEM-VERGONHA é esta florzinha
 família balsaminácea,
 nasce à toa, a MARIAZINHA.

139-LANTANA oferta carinhos,
 floresce perseverança,
 dá frutos aos passarinhos
 e simboliza esperança.

140-(a)Florescem o ano inteiro
 e são nativas da Índia
LANTANAS têm pouco cheiro
 principalmente no dia.

141-ESTRELÍCIA, em todo lado,
 é herbácea, exótica. Queira
 mostrar gosto refinado
 buscando-a em zona costeira.

142-VIOLETA viaja o mundo
 tem folhagem aveludada,
 revela o Amor profundo
 da mulher noiva ou casada.

143-AZALÉA, flor do Oriente
 faz declaração de Amor.
 Quanto ao clima é persistente,
 bem resistente ao calor.

144-Greta Garbo, sem vaidades,
 foi CAMÉLIA universal
 mas a planta ornamental
 tem dez mil variedades.

145-Tal qual o perfume que esvai
 de uma GARDÊNIA a secar,
 no adeus, vejo o pai que vai
 na Casa do Além morar.

146-VERBENA do amor eterno,
 cura a tristeza ferida,
 é bálsamo sempiterno
 tem o perfume da vida.

Fonte:
Silvia Araújo Motta . A flor na trova. Editora: AVBL, www.avbl.com.br. Ebooknet - Bibliotecas Virtuais. www.ebooknet.com.br, 2006

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 26 de novembro. O Fim do Ano e as Despedidas


O tempo corre, passam-se os dias, e o ano vai rapidamente chegando a seu termo; mais algumas semanas e ele cairá na eternidade como um grão de areia na ampulheta das horas.

A comparação não tem nada de novo, é muito antiga; mas por isso mesmo acho-a excelente para um ano velho e caduco, que está tão próximo a deixar-nos, que os historiadores já se preparam para disseca-lo e fazer-lhe autópsia.

Assim, esse pouco tempo que nos resta é consagrado ao adeus e às despedidas. Tudo se despede, e os dias vão correndo de despedida em despedida até que chegue o momento de dizermos a este ano, como se diz no Barbeiro de Sevilha ao massante D. Basílio: Buona sera, mio signor.

A primeira despedida foi a do Cassino na segunda-feira. Pela última vez o baile aristocrático abriu os seus salões aos convidados. Para o não – se é exato o que nos prometem – em lugar desta casa antiga e desses repartimentos acanhados, veremos elevar-se nesse mesmo lugar algum palácio de fadas, que nos dará uma vez por mês, e sem ser preciso irmos ao Oriente, uma cópia  fiel das Mil e uma noites.

Talvez isto faça reviver os belos tempos do Cassino, quando reunia nos seus salões a fina flor da sociedade desta corte. É verdade que então não se tinha ainda introduzido a moda elegante das moças não gostarem de baile, provavelmente porque isto é um prazer comum, e ordinariamente têm quase todas as meninas aos dezoito anos.

Uma mocinha do tom – que se quer distinguir – deve aborrecer o baile, e gostar de alguma coisa que não seja trivial, como, por exemplo, de rezar, de ler anúncios, e sobretudo conversar com os diplomatas sobre questões de alta política internacional.

Por isso, naquele tempo o salão do Cassino foi uma espécie de palácio encantado, que a fada do prazer e da alegria criava por uma noite com um toque de sua varinha mágica; não era a todos que se revelava as palavras mágicas que serviam de chave à porta misteriosa desse recinto: Abre-te, Sésamo!

Apesar disto, porém, o último baile não esteve como era de esperar, à vista dos outros que houve este ano. Assim devia ser: era um baile de despedida, e os antigos freqüentadores não podiam deixar de sentir o desejo de dizer um último adeus a estas salas, a estas paredes, que foram testemunhas de tantos momentos deliciosos, cuja lembrança ainda o tempo apagou.

Outros, que ainda não têm tão remotas reminiscências, despediam-se da sociedade brilhante que se achava reunida aquela noite, e que daqui a alguns dias se irá dispersando como as folhas de uma árvore, que voam à discrição e aos dos ventos.

A força do verão já se vai fazendo sentir; e aqueles que não estão presos a vida da cidade estão já tratando de fugir desse clima ardente, e de procurar algures um refrigério aos calores da estação.

Petrópolis – a alva e graciosa Petrópolis, com suas brumas matinais, com suas casinhas alemãs, com seus jardins, seus canais, suas ruas agrestes – lá nos envia de longe um amável convite aos seus passeios poéticos, à vida folgazã que se passa nos seus hotéis, à missa dos domingos na capelinha da freguesia, e a tantos outros passatempos campestres, que se gozam durante esses dias em que aí vivemos como aves de arribação, prontas a bater as asas ao primeiro sorriso da primavera.

Quanta cabecinha loura ou morena já não se está recordando do verão passado e refazendo na mente os gozos desses dias alegres e descuidosos! Quanta imaginação não começou já a fazer esta pitoresca viagem, e não vai singrando pelas águas límpidas e azuis da nossa linda baía, a contemplar o formoso panorama que desenham as ribeiras do mar sobre a areia da praia e os recortes das montanhas nas fímbrias escarlates do horizonte!

Além de Petrópolis, muito ale, lá estão as serras, as matas ainda virgens, as florestas sombrias de nossa terra, as árvores seculares, os lagos, e as correntes d’água que atravessam os lagos e as planícies.

Aí se eleva a espaços pelas abas das montanhas, ou pelas margens de algum rio, a fazenda do agricultor, onde se vive a verdadeira vida do campo, onde as horas correm isentas de cuidados e de tribulações, no doce remanso de uma existência simples e tranqüila.

Como Petrópolis, como a Tijuca, como todos os arrabaldes da cidade, a serra também nos vai roubar uma a uma as mais belas flores da nossa cidade, as mais preciosas jóias dos nossos salões, as mais lindas estrelas do nosso céu. Uma bela noite, quando levantardes os olhos, tereis de vê-las deslizarem-se no horizonte, como esses astros de que fala Virgílio, deixando apenas nas trevas um longo rasto de luz:

Stellas
Praecipites coelo labi, noctisque per umbram
Flammarum longos a tergo albescere tractus.

No outro dia, quando procurardes por elas, terão completamente desaparecido. Irão caminho de mar ou de terra, buscar longe da cidade os ares puros que dão vida e saúde, que fazem voltar às faces empalidecidas, as cores frescas e rosadas.

Quanto a vós, que ficais curtindo as mágoas da ausência, consolai-vos com essa idéia; e, se durante a ausência encontrardes por acaso nalgum passeio pelos jardins uma linda florzinha azul, que os jardineiros chamam miosótis, e a que os alemães deram um nome de vergiss mein nicht, fazei, como Alfredo de Musset, alguma bela poesia à saudade, e mandai-ma, que eu a publicarei nas Páginas Menores.

Se isto ainda não vos consolar de todo, lede as notícias da guerra do Oriente, que cada vez se vão tornando mais interessantes. O último vapor trouxe-nos a notícia de que em honra de Saint-Arnaud se tinha levantado em Constantinopla uma cruz – a primeira depois de quatrocentos anos. Ora, se é exato que o diabo foge da cruz, como diz um rifão português, é de crer que a esta hora toda caterva de turcos, principiando pelo sultão, tenham abandonado a formosa Estambul.

Quanto à tomada de Sebastopol, não se realizou ainda; mas pelo vapor seguinte teremos por aí infalivelmente esta portentosa notícia, que, a falar a verdade, já vai se parecendo alguma coisa com os anúncios do nosso Teatro Provisório.

De manhã os jornais avisam aos leitores que à noite haverá espetáculo lírico; à tarde aparece uma moléstia qualquer, e o espetáculo fica transferido para o dia seguinte. Novo anúncio de manhã, nova transferência de tarde.

Ora, isto não tem senão uma explicação, e é que os diretores entenderam que, sendo o teatro provisório, apesar do batismo, precisavam de vez em quando, principalmente neste tempos de chuva, publicar um anúncio para fazer constar que o edifício ainda existe, e não veio à terra.

Cumpre, porém, advertir que com isto não me refiro à transferência e ontem, a qual teve um motivo justo. Com aquele tufão que desabou sobre a cidade, arrancando árvores e fazendo estragos, qual seria o dilettante capaz de deixar o seu teto hospitaleiro para arrostar um tempo tão desabrido?

É verdade que a esta mesma hora, quando as rajadas do vento caíam mais forte e com mais violência, alguns atravessavam as ruas da cidade, e a um  e um se iam reunir na sala das sessões do Instituto Histórico. Pouco depois chegou Sua Majestade, e a sessão se abriu com sete membros.

Se eu não tivesse lido há tempos que Metternich, ou não sei que outro diplomata, havia dito que a pontualidade é a política dos reis, quando de hoje em diante me sucedesse ouvir semelhante palavra, seria capaz de apostar que tinha sido lembrança de algum dos sete membros do Instituto, que, para fazer honra ao tempo, se entretiveram com a leitura de um trabalho sobre terremotos.

Achava-me muito disposto a terminar aqui, mas lembro-me que estou na obrigação de afirmar aos meus leitores que este artigo é escrito por mim mesmo, e não por um pseudônimo que me descobriram, e que se acha arvorado em redator de um periódico intitulado – O Brasil Ilustrado.

Quando a princípio me contaram semelhante coisa, quando me disseram que eu ia redigir um novo periódico literário, duvidei; porém o fato é exato, e, o que mais é lá se acha a assinatura de um dos nossos literatos, o Sr. Porto alegre, que afirmou não ter assinado semelhante coisa.

Ora o Brasil, sendo tão ilustrado como se intitula, não pode ignorar certa disposição do Código Criminal que fala de assinaturas fingidas; por conseguinte, não há dúvida que os homens que se acham assinados naquela lista a que me refiro são nossos homônimos, os quais até hoje eram completamente desconhecidos.

Em tudo isto, pois, só temos a lamentar uma coisa, e é que o novo tão ignorados e obscuros, deixando de parte os verdadeiros Otavianos, Porto Alegres e Torres Homens.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.