quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Juarez Barroso

Juarez Távora Barroso de Albuquerque Ferreira (Pernambuquinho, Serra de Baturité, 1934 - Rio de Janeiro, 1976), apesar de se ter formado em Ciências Jurídicas e Sociais, cedo ingressou no radialismo. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou jornalismo e publicidade. Premiado num concurso permanente do antigo Boletim Bibliográfico Brasileiro, em 1958, foi incluído no Panorama do Novo Conto Brasileiro (Editora Júpiter, 1964), organizado por Esdras do Nascimento, e em Uma Antologia do Conto Cearense (Imprensa Universitária do Ceará, 1965). Deixou as narrativas de Mundinha Panchico e o Resto do Pessoal (1969), ganhador do Prêmio José Lins do Rêgo, do ano anterior, e Joaquinho Gato (1976). Tem também um romance, Doutora Isa (Editora Civilização Brasileira, 1978), publicação póstuma.

Os contos de Juarez Barroso são quase todos longos, alguns com feição de novela. Neles, assim como no romance Doutora Isa, predomina a linguagem oral do campo e, em menor escala, dos subúrbios. Em consequência, a maioria dos dramas se localiza no meio rural (Serra de Baturité). Em uns poucos (naqueles situados em Fortaleza, ou seja, nos contos da segunda parte – “Os Hereges” – do primeiro volume) o ambiente é urbano. Os personagens são sempre tipos, quase todos serranos: pequenos proprietários rurais, mulheres fortes, homens valentes e vingativos. Também os tipos suburbanos, como as prostitutas, os operários, os cachaceiros, carecem de profundidade. As histórias apresentam dramas pessoais e familiares quase sempre trágicos, mesmo quando o humor se faz presente.

A linguagem oral do campo irá se manifestar em maior escala no segundo livro, cujos narradores são protagonistas ou testemunhas. No primeiro livro predomina o ponto de vista de narrador em terceira pessoa. Em “Estória de Seu Armando e de Seu Amor” a oralidade da linguagem matuta se revela apenas nos diálogos. Na novela “Estória de D. Nazinha e de Seu Cavalo Encantado” também nas falas dos personagens a linguagem oral do campo é visível: “Taí” (Está aí), “Dextá” (Deixa estar), “Jouviu?” (Já ouviu?). Em “Um Tal de Pedro Amorim”, do segundo volume, a oralidade é mais evidente. O narrador onisciente narra e “deixa” os personagens falarem ou dá voz a eles. As falas se superpõem, como no trecho seguinte: “Quantas vezes, caboclo, quantas vezes?” (Fala de Seu Aprígio) (...). O narrador retoma a palavra: “A ponta da faca à procura da goela, acelerando os soluços, ai, ai, ai, que a confissão aí vem, pelo amor de Deus, Seu Aprígio, foi só uma vez” (...), e sua fala se confunde com a do outro personagem.  

O primeiro livro é dividido em duas partes: “A Sagrada Família”, composta de três histórias ou estórias, e “Os Hereges”, de seis. Naquelas, o ambiente rural; nestas, o urbano (Fortaleza). Em “Estória de Seu Armando e de Seu Amor” o primeiro ato se atém ao velório do protagonista, em sua casa, num sítio. No segundo, em flashback, são narrados momentos da vida de Armando: na cadeira de balanço no alpendre olha para o baixio, o açude, a torre da igreja, os telhados da cidade, a fábrica de cachaça, as moendas etc. Referências a cidades do Ceará são frequentes: Guiúba, Pacatuba, Redenção. Em “Estória de D. Nazinha e de Seu Cavalo Encantado” também: Palmeira, Pacoti, Cruz do Lajedo, Quixadá, “em baixo ou em cima da serra”. E toda a trama envolve um cavalo de montaria em sua vida no campo. Em “O Trato” vê-se um jumento pastando na praça de uma cidadezinha. Um sapateiro bate sola. Homens jogam bilhar. Antes “tudo era o sítio do Coronel Tomé, um mangueiral só, cortado pelo riacho.”

A parte denominada “Os Hereges” traz a informação: (Sitiados na cidade de Fortaleza). Veem-se “ônibus lerdos”, um automóvel bonito, fala-se em chatôs. Bairros da capital cearense são mencionados: Benfica, Pan-Americano, Campo do Pio, Aldeota, Jardim América, Montese, assim como logradouros: Rua Júlio César, onde vivia Mundinha Panchico e o resto do pessoal, isto é, as meninas do chatô. Clubes de futebol também: Ceará e Ferroviário. Nenhuma menção ao Fortaleza.

   Os personagens de Juarez Barroso são tipos comuns ao espaço rural cearense e suburbano. Há também caricaturas ou tipos deformados. O velho Armando Chaves, dono de fábrica de cachaça, em atrito com a família, em razão de um relacionamento amoroso com uma cabocla (“Estória de Seu Armando e de Seu Amor”). Dona Nazinha, seu cavalo encantado e o marido humilhado, que se rebela e se vinga, maltratando o animal durante uma noite inteira. Duda e Geraldo, matadores de Pedro Lopes, em vingança pela morte do pai. Expedito (“O Ex-Operário Expedito em Sua Maior Felicidade”) é talvez um dos personagens mais bem pintados da obra de Juarez. Desde sua chegada ao bairro onde morava, num belo automóvel de praça (antecessor do táxi). O início da farra: “Bote toda a cerveja que você tiver aí pra gelar e traga logo uma pra mim.” A chegada dos amigos e conhecidos. O convite à bebedeira. A mão aleijada (“o corrupio da serraria lhe cortara dois dedos”) sobre a mesa, aquela “joia cara” que lhe rendera uma fortuna (o seguro). Sim, ele, ex-operário, um homem anormal, com apenas três dedos na mão, sentia piedade dos outros, dos normais, dos não-mutilados, uns pobres-diabos: “O cabo era como os demais, cinco dedos em cada mão, coitado.” A noite passa, os convidados cochilam, vão embora, e ele, sozinho de novo, volta para a casa pobre, a mulher preocupada com o aluguel atrasado, a conta da bodega, as roupas dos meninos.

Um dos personagens mais estranhos de Juarez é Japi, de “Isaura, Japi e o Marido”. Japi é criatura humana ou canina? “E sai Isaura com o filho no colo, sentado em seu braço, menino, mas um menino desajeitado, gordo, mole, espinha curva.” Para o narrador Japi é humano. Batista, personagem secundário, o chama de cachorro, o que irrita Japi: “Aquele bicho feio me chamou de cachorro, mamãe! Cachorro pode ser o pai dele.” Japi tanto não se sente cachorro que chama o outro de bicho. A fala de Japi pode ser uma voz representada por Isaura, como o fazem adultos com crianças ainda sem fala e animais. No entanto, a mulher é impedida de subir a um ônibus com Japi: “Disseram que não conduziam cachorro.” Ou Japi é realmente um cachorro ou se assemelha àquele animal. Entretanto, o “pai” parece estar “ficando doido”, segundo a “mãe”. Ou é ela, Isaura, a louca?

Alguns personagens aparecem em mais de uma história. Mundinha Panchico, dona de chatô em Fortaleza, é protagonista em “Cantar de Amigo de Mundinha Panchico”. Em “Incursão na Vida Sentimental de Alzira Ferreira Lima, Boneca na Intimidade”, apenas personagem secundária ou mencionada. Dona Nazinha e seu marido, Capitão Teófilo, são protagonistas em “Estória de D. Nazinha e de Seu Cavalo Encantado”. Reaparecem, secundariamente, em “Joaquim Bralhador”. Joaquinho Gato talvez seja o mais importante desses personagens, ora como narrador, ora como testemunha.

Muitos são os tipos deformados na obra de Juarez Barroso, como o já mencionado Japi. Merece destaque Joaquim Bralhador, protagonista do conto homônimo. O narrador não identificado se dirige a um ouvinte também oculto, chamado ora de senhor, ora de doutor. Depois de muito falar da serra, do sertão, de sua bicicleta, de burras, em quase três páginas, dá início à narrativa do homem-cavalo: “E por falar em cavalo, só houve um vivente, neste mundo, que misturou as duas naturezas, foi homem e cavalo a um tempo só” (...). A descrição do personagem, ao longo na narração, é perfeita, precisa. O narrador não se mostra apavorado ou não infunde pavor, talvez porque se refira a fatos há muito ocorridos. A misteriosa vida de Joaquim não é, na verdade, um fenômeno sobrenatural. A história não tem, pois, ingredientes do fantástico. A deformação mental do personagem é oriunda de uma doença infantil, “doença-de-menino”, razão pela qual a narrativa não pode ser vista como uma fantasia, mas como uma “realidade” natural, embora anormal.

Pequenos dramas pessoais e familiares, às vezes com pitadas de humor, são a tônica dos contos de Juarez. Esse humor se manifesta mesmo nas histórias em que a violência humana se apresenta em toda a sua plenitude.  Em “Riqueza” Artur lava a honra dos varões de Baturité, ao provar a uma prostituta vinda de outras terras que ali havia, sim, homem que desse em sua medida. O humor se confunde com o anedótico.

Chegado à velhice, Seu Armando se revolta com os filhos que não admitem a sua paixão pela negra Assum-Preto. Um desrespeito à mãe deles. Não se iniciasse a narrativa com o velório do velho, o leitor se deleitaria o tempo todo com as esquisitices do protagonista.  Dona Nazinha, o Capitão Teófilo e um cavalo pedrês, adquirido a peso de ouro, vivem uma estranha história de orgulho, com final trágico. A longa cena da humilhação imposta pelo homem ao animal é das mais pungentes.  Em “O Trato” dois irmãos vingam a morte do pai. Nada de mistério, tudo muito real.

Em alguns contos situados no campo, o real social pode ser visto pelo leitor metropolitano como extravagância do escritor ou simples recriação de anedota folclorizada. O real natural, no entanto, pode espantar esse leitor, pela crueldade de alguns personagens, como o já mencionado Teófilo, Seu Aprígio e familiares (no ato de castração de um homem) ou Seu Zezé, o matador de cururus.

Nas narrativas urbanas, localizadas em Fortaleza, os personagens vivem dramas de amor, de desavença familiar e pobreza. Em “Seu Mozart e o Povo da Rua” se narram conflitos de uma família pobre, seu cotidiano de discussões e bebedeiras. Na história do ex-operário Expedito mais uma vez a pobreza, o alcoolismo, o dia-a-dia no subúrbio. O humor permeia as páginas de “Primeira Comunhão de Filha de Pobre”. Mais brigas, mais bebedeiras, mais confusão, a presença da polícia. Em “Cantar de Amigo de Mundinha Pachico” o conflito vai além da família: a protagonista é acusada de abrigar em seu chatô “uma menor”: “Há tempos que um freguês levava uma menor para lá quase todos os dias. Mas ninguém sabia que o diabo da menina era menor, não.” Conduzida numa rádio-patrulha, a caftina é presa, para alvoroço do povo da Rua Júlio César. Era no tempo em que nas ruas ainda não se via asfalto: “Lá fora, a areia da rua pegava fogo.” Personagens do submundo da prostituição também compõem o conto de Alzira Ferreira Lima.

No segundo livro novos conflitos familiares, talvez mais pungentes do que os do primeiro. Em “Um Tal de Pedro Amorim (Cantiga de Joaquinho Gato)” quatro homens se reúnem para supliciar e castrar um amante de Zila, mulher de Seu Aprígio. O narrador se esmera nos mínimos detalhes das ações. Aliás, são diversos os narradores, que se sucedem ao longo da narrativa. Qual o conflito de “Cururu”, história essencialmente naturalista? No saco da Serra do Rato, homens capturam sapos, conduzem-nos em caçuás e os vendem a Seu Zezé. Outros homens se encarregam de extirpar-lhes o couro. É um primor a narração do ato de crucificar o animal e, em seguida, ainda vivo, retirar-lhe, a canivete, o couro. No entanto, a simples narração da morte dos cururus não constituiria um conto. Juarez Barroso consegue, porém, fazer do narrador um personagem mais humano, ao pôr um sapo em sua rede.

A presença de animais é fundamental nas histórias em análise. Além dos sapos de “Cururu”, os cavalos são “personagens” de maior relevância, como o pedrês de Dona Nazinha. Há, porém, um personagem muito mais significativo: Joaquim Bralhador, o homem-cavalo. Ainda menino, após um “febrão”, passou a ficar “feito abestado diante dos burros e dos cavalos”. Passava horas “numa carreira pulada, trocando as passadas, de dois em dois, a moda de um galope, pototoco, pototoco, pototoco.” Sentia-se animal e ao mesmo tempo homem. Com o tempo, porém, “as duas naturezas começaram a se estranhar, a se cansar uma da outra”. Até morrer tragicamente, feito “cavalo de lote que morre estrepado”, “espetado pela barriga, a ponta (de uma estaca) quase lhe saindo pelas costas.”

Essa não-idealização da realidade, essa fidelidade ao real e ao natural faz de Juarez Barroso um autêntico neonaturalista, apesar de alguns traços de humor e até de fantástico em sua obra. Não somente o real social, mas, sobretudo o real natural, especialmente o do ser humano.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

José Feldman (Aquarela de Trovas n. 5)


Ou o amor enfim nos faz
desarmar o coração,
ou do cachimbo da paz
nem as cinzas sobrarão!
A. A. DE ASSIS – Maringá/PR
 * * * * *
Desde o tempo de Noé
que o mundo pôs-se a saber
que manga não cai do pé
porque não sabe descer!
ADEMAR MACEDO – Natal/RN
* * * * *
Eu vi crianças brincando
junto de lindas roseiras,
como aves cantarolando
nos ninhos, todas faceiras!
AGOSTINHO RODRIGUES – Campos/RJ
* * * * *
Da viagem pouco importa
minhas dores e cansaços,
se ao voltar te encontro à porta
a receber-me nos braços!
AMÁLIA MAX – Ponta Grossa/PR
* * * * *
Fugindo pela janela,
o “dom juan” quis “dar no pé”.
– Um fantasma!, gritou ela.
E o marido: – Agora é!
ANGÉLICA V. SANTOS – Taubaté/SP
* * * * *
Eu quero ser o seu vinho,
o cálice que inebria;
ser seu parceiro no ninho,
ser madrugada, seu dia!
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG –  São Fidélis/RJ
* * * * *
Quem tem amigos por perto
vence qualquer desafio.
Só o tolo enfrenta o deserto
levando o cantil vazio!
ARLINDO TADEU HAGEN – Belo Horizonte/MG
* * * * *
Se eu for a todos dizer
o que está em meu coração,
num livro não vai caber
toda a minha gratidão.
CIDINHA FRIGERI – Londrina/PR
* * * * *
Eu confesso hoje, sem medo,
que este amor em mim guardado
não é só o meu segredo,
é também o meu pecado!
CLENIR NEVES RIBEIRO – Nova Friburgo/RJ
* * * * *
Tem gente que tanto mente,
conta lorota, faz fita,
que, da verdade descrente,
nem em si próprio acredita.
CLEVANE PESSOA – B. Horizonte/MG
* * * * *
Nossa foto, na "lixeira",
meu amor, levou "delet".
Vou procurar quem me queira,
noutro "site da Internet"
CRISTIANE BROTTO – Curitiba/PR
* * * * *
Sofrem tantos na agonia
do delírio, dito "amor";
isso tudo acaba um dia:
faz  frio após o calor...
DIAMANTINO FERREIRA – São Fidélis/RJ
* * * * *
Poeta mantém acesa
a chama do amor fecundo,
minimizando a tristeza
e as dores cruéis do mundo.
DJALMA MOTA – Caicó/RN
* * * * *
Foi fantasma!... Creia em mim!
diz a soprano ao marido.
– Fantasma no camarim?
– E’ o da ópera, querido!!!
EDMAR JAPIASSÚ MAIA – Rio de Janeiro/RJ
* * * * *
Não te rendas nunca à dor,
se o teu bem tem rumo incerto,
pois, muitas vezes, no amor,
esse longe é muito perto!
EDUARDO TOLEDO – Pouso Alegre/MG
* * * * *
Minhas mágoas disciplino
com a força da oração:
tenho um médico divino
que jamais deixa o plantão!
ÉLBEA PRISCILA – Caçapava/SP
* * * * *
No jogo da vida é assim:
tem encrenca e desacato,
e, quando ele chega ao fim,
a mãe de alguém paga o pato...
ERCY MARQUES DE FARIA – Bauru/SP
* * * * *
Minha jangada, tristonha,
abandonada no cais,
vela içada, ainda sonha
com ventos do nunca mais!
FERNANDO CÂNCIO – Fortaleza/CE
* * * * *
Deus, garimpeiro maior,
vai, no seu mister profundo,
salvando o bom e o melhor
que há nos garimpos do mundo.
FLÁVIO STEFANI – Porto Alegre/RS
* * * * *
Vou revelar o caminho
de uma longa vida-a-dois:
é trocar muito carinho
antes, durante e depois.
FRANCISCO MACEDO – Natal/RN
* * * * *
Tuas palavras magoam,
mas te perdôo, pois, enfim,
são abelhas que ferroam
mas que dão mel para mim.
FRANCISCO PESSOA – Fortaleza/CE
* * * * *
Meus lábios apaixonados
bebem o orvalho dos teus,
desses teus lábios molhados
que sonham com os lábios meus!
GISLAINE CANALES – Balneário Camboriú/SC
* * * * *
Sem esquinas... sem saídas...
muitas vidas são assim...
Ruas retas e compridas,
e um grande portão no fim...
IZO GOLDMAN – São Paulo/SP
* * * * *
No silêncio da memória,
onde a saudade faz ninhos,
eu deixei a nossa história
e vivo a paz dos sozinhos!
JOAQUIM CARLOS – Nova Friburgo/RJ
* * * * *
Insisto em que não desistas
jamais das glórias que queiras:
antes das grandes conquistas
erguem-se as gandes barreiras!
JOSAFÁ SOBREIRA DA SILVA – Rio de Janeiro/RJ
* * * * *

Sonhando com um amor,
buscava um novo horizonte.
Colhi sementes de dor...
espalhadas pela ponte.
JOSÉ FELDMAN - Maringá/PR
* * * * * Caio, levanto-me e sigo!
Mal sabem que esta coragem
é apenas meu medo antigo,
usando nova roupagem!
JOSÉ OUVERNEY – Pindamonhangaba/SP
* * * * *
Nos garimpos desta vida,
que o destino abandonou,
eu sou batéia esquecida
que nem cascalho pegou.
JOSÉ VALDEZ C. MOURA – Pindamonhangaba/SP
* * * * *
Num certo 12 de junho,
vi caracteres gravados:
Meu nome escrito em teu punho,
pois éramos namorados!
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE – Pinhalão/PR
* * * * *
Há sorriso de ironia,
há sorriso imerso em dor,
há também de simpatia...
mas o melhor é o de amor!
LÓLA PRATA – Bragança Paulista/SP
* * * * *
A mais linda das respostas
nos dá Jesus, nosso amigo:
– “Pode o mundo dar-te as costas,
mas Eu estarei contigo!”
LUCÍLIA DECARLI – Bandeirantes/PR
* * * * *
Teus sucessos, conta aos pais,
que ao certo vão se alegrar;
mas aos “amigos”,  jamais,
pois por trás vão te pichar...
MARIA DE ARCHIMEDES – Rio de Janeiro/RJ
* * * * *
Somos, sim, irmãos de fé,
e a música tem provado:
no riso, samba no pé;
no choro, a emoção do fado!
MARIA ELIANA PALMA – Maringá/PR
* * * * *
Pelas procelas da vida
passei tanto vendaval...
A cada onda vencida
nela afundei o meu mal!
MARIA JOSÉ FRAQUEZA – Portugal
* * * * *
Quebrei a estrela do sonho
na longa noite vazia,
mas... de seus cacos componho
o sol de minha alegria...
MARIA LUA – Nova Friburgo/RJ
* * * * *
Para este amor, que a nós dois
tomou – assim de improviso –,
não houve “antes” nem “depois”;
houve o “momento preciso”!
MARIA MADALENA FERREIRA – Magé/RJ
* * * * *
Revivendo o meu passado,
me torturo de tal jeito,
que chego a crer que é pecado
guardar saudades no peito !
MARIA NASCIMENTO – Rio de Janeiro/RJ
* * * * *
Com volúpia e desvario,
neste amor vou mergulhar...
Eu me sinto como o rio,
que se atira para o mar!
MARIA THEREZA CAVALHEIRO – São Paulo/SP
* * * * *
Por razões, às vezes fúteis,
corre o sangue numa guerra.
Eis as sangrias inúteis
que envergonham nossa terra.
MIGUEL RUSSOWSKY – Joaçaba/SC
* * * * *
O poeta, em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
tem sempre um sopro de vida
que o leva além do horizonte...
MILTON NUNES LOUREIRO – Niterói/RJ
* * * * *
Lá fora, nada me importa,
e esqueço da vida ingrata,
quando você fecha a porta...
e tira o nó da gravata!
NEIDE ROCHA PORTUGAL – Bandeirantes/PR
* * * * *
No teatro desta vida
cada qual faz sua história:
se não for bem aplaudida,
é vaiada e vexatória.
NEI GARCEZ – Curitiba/PR
* * * * *
Da Juruti gemedeira
já não ouço o seu refrão:
foi a seca "matadeira"
que enxotou-a do sertão!
NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO – Fortaleza/CE
* * * * *
De que vale o meu protesto,
se manténs, em tuas mãos,
o poder de, a um simples gesto,
cortar o “til” dos meus nãos!
OTÁVIO VENTURELLI – Nova Friburgo/RJ
* * * * *
Viajei pelo mundo inteiro
e nunca mais pude achar
o que no instante primeiro
encontrei em seu olhar.
OLGA AGULHON – Maringá/PR
* * * * *
Por vaidosa a tartaruga
olha no espelho e faz planos
de remover uma ruga
surgida aos 200 anos!
PEDRO ORNELLAS – São Paulo/SP
* * * * *
Um degrau eu sempre subo
quando a grana é insuficiente
e pulo em cima do tubo
pra sair pasta de dente...
RENATA PACCOLA – São Paulo/SP
* * * * *
Quando me pego tristonho,
de pensamento disperso,
tiro um sonho de outro sonho,
vou passear no universo!
SELMA PATTI SPINELLI – São Paulo/SP
* * * * *
Do sonho compartilhado,
agora, somente resta
um convite, amarelado,
marcando o dia da festa...
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA – São Paulo/SP
* * * * *
Colheita, ainda guardada
num simples grão amarelo,
é uma obra a ser lançada,
mas que ainda está no prelo.
VANDA FAGUNDES QUEIROZ – Curitiba/PR
* * * * *
Causador da minha insônia,
motivo do meu sorriso,
sem nenhuma cerimônia
me transporta ao paraíso!
VÂNIA ENNES – Curitiba/PR

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) – N.° 4 – 17 de novembro de 1886.

Que será do novo banco?
Interroga toda a gente;
Respondem uns que um barranco,
Outros dizem que uma enchente.

Certo é que andaram milhares
De contos, contos e contos,
Uns por terra, outros por mares
Contos de todos os pontos.

Caíam como sardinhas,
Pulavam como baleias;
Aí belas ambições minhas!
Ai sonho, que me incendeias!

E o Holman, o forte e ledo
Inglês abrasileirado,
Contemplava o Figueiredo,
Que olhava, grave e barbado.

Supunha que muita gente
Viesse; mas gente tanta
Não cuidavam certamente...
Obra abençoada e santa!

Da empresa, ora começada,
Há quem diga maravilhas;
Muita idéia cogitada;
Ouro a granel, ouro em pilhas.

Circulação recolhida,
Câmbio a vinte e seis ou sete,
Mudança da antiga vida,
Outra cara, outro topete.

Ai, sonho! ai, diva quimera!
Pudesse eu entrar na dança!
Ai viçosa primavera!
Ai verde flor da esperança!

Nem eu, nem o meu compadre
Eusébio Vaz Quintanilha,
Que, por mais que corra e ladre,
Nenhum grande emprego pilha.

Que, para matar a fome,
Vem matá-la em minha casa,
Sem poder dizer que come,
Mas que destrói, mata, arrasa.

Pobre Quintanilha! Um anjo!
Coitado! Afinal parece
Que lá teve algum arranjo
Que lhe dá certo interesse.

Há já dias que o não via;
Onde iria o desgraçado?
Quem sabe se morreria,
Faminto, desesperado?

Eis que ontem, quando passava
Pela rua da Quitanda,
E nos negócios cismava
Desta Gazeta de Holanda,

Lá no outro lado da rua
Uma figurinha pára;
Trazia a cabeça nua,
Bacia, opa e uma vara.

Era o pobre... Deu comigo
E veio, em quatro passadas,
Ao seu delicado amigo
Apertar as mãos pasmadas.

— “És andador de irmandade?
Aprovo os teus sentimentos
De devoção, de piedade...
Toma um níquel de duzentos”.

— “Não, Malvólio, não, não ando
Como um andador professo...”
— “Andador de contrabando?”
— “Também não; ouve, eu t’o peço.

“Esta opa, esta bacia
Alugo a alguma Irmandade:
Dou cinco mil réis por dia,
E corro toda a cidade.
“Varia o lucro, segundo
Dou mais ou menos às pernas;
Não escandalizo o mundo
E mato as fomes eternas.

“Rende-me oito ou nove, e há dias
De dez mil réis, dez e tanto.
Crês? Já faço economias,
Já deito algum cobre ao canto.

“É este o meu banco. O fundo
É variável, mas certo;
Deus dá banco a todo o mundo;
Uns vão longe, outros vão perto.

“Eu cá não ando com listas
De ações, nem faço rateio;
Todos são meus acionistas,
Gordo ou magro, lindo ou feio.

“Que um só vintém esmolado
Vale no céu muitos contos;
E há muito vintém cobrado...
Vinténs de todos os pontos!”

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Caio Porfírio Carneiro (Terceiro Cavaleiro: A vingança)

Por isto ele tinha aquela grande tristeza,
Que ele nunca disse bem que tinha...
Fernando Pessoa


As patas do animal deslizaram no barro e a mão susteve a rédea para manter o equilíbrio. A chuva caía persistente e encharcava a longa crina castanha.

Olhos tristes, faces encovadas, aproximou-se da calçada alta e em rápida laçada prendeu o animal ao poste. Chegou-se ao balcão deserto, coberto de moscas:

– Uma dose. Forte. Bem forte.

O homem flácido embrulhou-se e recuou tímido antes de atendê-lo.

– Este frio que não passa...

O homem flácido entregou-lhe a bebida. Examinou o conteúdo do copo, onde pequenas borbulhas explodiam como pérolas.

– Da melhor.

– Obrigado.

Sorveu o líquido de uma vez e sentiu a sensação morna espalhar-se por todo o corpo. Enfiou as mãos nos bolsos do capote e deteve-se à porta. Circulou a vista pela praça deserta:

– Apenas o senhor vive neste lugar?

O homem escorou-se ao balcão e balbuciou palavras ininteligíveis.

– Todos se foram?

O homem flácido continuava a atropelar palavras.

– E se eu estivesse aqui para matá-lo?

O homem abria desmesuradamente os olhos e fazia gestos confusos com as mãos.

– Pensarei nisto, homem. Pensarei nisto.

Aproximou-se do animal e enxugou-lhe, com a aba do capote, o focinho gotejante. A vista caiu então no vulto, encolhido no banco tosco, no centro da praça. Voltou ao balcão e bateu muitas vezes com os nós dos dedos na madeira:

– Ele lá. Está vendo? Lá, no banco da praça. Persegue-me há anos. Sabia?

O olhar do homem flácido procurava compreender. O braço continuava apontando:

– Lá. No banco da praça.

O homem encolhia-se e mostrava-se mais balofo. E tinha medo dos olhos tristes.

– Persegue-me sempre, sem parar. Um tormento.

Voltou à porta, decidido. A praça mostrava-se deserta. Circulou pela calçada, olhos vigilantes e mais tristes. As casas, iguais e cinzentas, acachapadas sob o aguaceiro, cercadas de carrapicho. A igreja, ao centro, coberta de lodo e descascada, crescia monstruosa e ele teve uma ponta de medo. A água, em riachos, gorgolejava em muitas direções.

Recuou em passos lentos, levantou a aba do capote, desceu a do chapéu, para impedir que o vento continuasse a lhe navalhar o rosto.

O homem, debruçado ao balcão, disforme e pesado. Foi necessário que o suspendesse pelas axilas, acumulando o máximo de forças, e o jogasse sobre sacas. Então pulou o balcão e se serviu sucessivamente de doses douradas, até se sentir perfeitamente aquecido. Com esforço, transpôs uma das sacas sobre o balcão e aproximou-a do animal:

– Farte-se.

Apanhou, nadando no enxurro, o pedaço de madeira com muitos nós, e sopesou-o. Ao erguer-se, os olhos abriram-se surpresos e depois semicerraram-se desconfiados para estudar, com cuidado, o vulto ali encolhido no banco tosco, meio enfiado na lama, no centro da praça.

Voltou rápido e bateu o pedaço de madeira com tal violência no balcão que o homem deslizou pela parede como enguia.

– Persegue-me sempre! Não me deixa em paz.

Pegou o homem pelo braço, decidido:

– Venha.

Trouxe-o por sobre o balcão, as pernas gordas a atrapalhar.

– Venha!

Empurrou-o porta afora e juntos percorreram a calçada. Estacou. O banco estava deserto, lá sozinho no centro da praça, meio encoberto pelo mata-pasto, e cresceu-lhe por isto um começo de ódio e decepção.

– Volte, homem, para a sua venda. Não preciso mais de você.

Sentou-se na ponta da calçada, junto ao animal, que focinhava o conteúdo da saca, na pressa de comer. O capote aberto, indiferente ao vento frio, não afastava os olhos do banco tosco e deserto. Demorou-se ali longamente. Depois levantou-se, abotoou-se até o pescoço, voltou a descer as abas do chapéu e a subir a gola do capote. Firmou na mão o pedaço de madeira e saiu, blote, blote, a mergulhar as botas no barro mole, disposto a uma inspeção. O animal, farto, escorou-se ao poste, sonolento, indiferente à chuva.

Aproximou-se do velho banco de madeira carcomida, derreado na lama e no mato crescido. As casas pareciam vigiá-lo. A igreja bem plantada e disforme no meio do capinzal que alcançava os peitos.

Parou diante da porta e pensou em abri-la em encontrão rápido. O sentimento de respeito fê-lo apenas encostar os dedos. Surpreendeu-se ao vê-la ceder sem esforço e escancarar-se par em par. A nave pareceu-lhe imensa, sem fim e deserta. Os passos reboaram e ele passou a mudá-los com prudência. A abóbada, lá no alto, e o crucifixo, lá distante, deram-lhe conta de que estava sozinho. Voltou sobre os próprios passos e se deteve à porta escancarada para o tempo. O vulto estava no banco, encurvado e solitário. O ódio e o desespero crisparam-lhe os dedos no pedaço de madeira.

Aproximou-se pisando em tufos de capim. Viu-se às costas do vulto, que se tornara mais impreciso, envolto que estava na espessa neblina. O braço subiu e caiu em pancadas violentas e sucessivas, até sentir-se exausto e descobrir que o pedaço de madeira se partira em farpas miúdas.

Voltou para junto do animal. Estirou-se na calçada, abriu o capote, jogou o chapéu para o lado, desabotoou a camisa e recebeu no peito, como um bálsamo, a água fria que caía em cortina cerrada. Poderia dormir profundamente e deixar o tempo passar.

Então aproximaram-se e seguram-lhe os pulsos. A multidão fechava o círculo e o homem flácido mostrava-se ainda apavorado:

– Entrou aqui na venda, tirou-me do sono, bebeu e espancou-me.

O homem fardado olhou-o nos olhos e o homem flácido ampliou os gestos:

– Arrastou-me aqui fora, por cima do balcão. Aqui fora.

O dedo gordo, igualmente flácido, apontou trêmulo para a saca:

– E tudo aquilo, de muito valor e de minha propriedade, para o cavalo dele. Prejuízo grande.

O homem fardado ordenou que se afastassem. Austero e silencioso, examinou o animal. Depois, encurvado, mãos nos joelhos, estudou o homem de faces encovadas estirado na calçada:

– Encapotado como está, e com este sol, de onde terá vindo?

Voltou ao animal. Verificou sela, arreios.

– Coberto de suor. Estafado. Vê-se logo.

A voz cansada e catarrosa de um velho tão velho que não tinha mais o que envelhecer se destacou por entre as muitas cabeças:

– Muitos se foram, amargurados e tristes, no tempo das chuvas e das pestes na Lagoa Grande. Lembram-se? Parece um deles.

O homem fardado encarou o velho bem velho, com ar de incredulidade:

– Muitos e muitos anos já se passaram, velho. Anos e mais anos.

Depois, mostrou-se revoltado:

– Ninguém surgiu, da multidão tão grande, a passear na praça ou a rezar na igreja, para segurar-lhe o braço e impedir que desse cabo daquele pobre coitado, que apareceu por aqui e ninguém sabe também de onde veio.

Voltou a examinar, detidamente, o homem encapotado, estendido na calçada, e sentiu por ele, inexplicavelmente, muita pena.

– Dorme profundamente.

Pensou um instante e concluiu:

– Melhor assim.

E olhou na direção do morro, para os lados da serra do Catolé:

– Levem-no e julguem-no.

(Caio Porfírio Carneiro, Chuva: Os dez cavaleiros)

Fontes
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.
Imagem = Cavaleiro da Morte, de Lúcio Mota

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Caio Porfírio Carneiro

Caio Porfírio de Castro Carneiro (Fortaleza, 1928) bacharelou-se em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza. Transferiu-se para São Paulo em 1955. Secretário administrativo da União Brasileira de Escritores de São Paulo desde 1963. Ganhou vários prêmios literários, como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, e o Pen Clube de São Paulo. Contos seus estão incluídos em duas dezenas de antologias do gênero e traduzidos para o espanhol, italiano, alemão e inglês. Publicou os livros de contos Trapiá (1961); O Menino e o Agreste (1969); O Casarão (1975); Chuva – Os dez cavaleiros (1977); O Contra-Espelho (1981); 10 Contos Escolhidos (1983); Viagem sem Volta (1985); Os Dedos e os Dados (1989); Maiores e Menores (2003). Escreveu também romances, como O Sal da Terra (1965), que foi traduzido para o italiano, árabe e francês e adaptado para o cinema, e Uma Luz no Sertão (1973), também as novelas Bala de Rifle (1963), A Oportunidade (1986), Três Caminhos (1988) e Dias sem Sol (1988), além de literatura juvenil, poesia, reminiscências, perfis e memórias.

Caio Porfírio Carneiro é um dos mais fecundos cultores do conto no Ceará. Sua obra de contista e romancista tem sido objeto de estudo de diversos críticos. Alguns o consideram um dos mais importantes contistas brasileiros do século XX.

As primeiras narrativas curtas de Caio têm como palco o sertão, o campo, os vilarejos, as pequenas cidades. Em “Milho empendoado”, de Trapiá, os personagens circulam pela caatinga, pelo mata-pasto, pelo roçado. Do campo para a cidade pequena é um passo. A vida rural é retratada nesses contos com fidelidade. Em “O pato do Lilico” também se vê toda aquela paisagem sertaneja, quer no campo propriamente dito, quer no interior das casas, bem como os costumes (cavalo de talo de carnaúba), os objetos (bilros de almofada, cabresto, cangalha, grajaú), a linguagem (bichinho, socar-se, rachar de peia). Em “Come gato” o contista entrança duas histórias aparentemente díspares – a disputa política entre coronéis e a humilhação diária do pobre Olavo, apelidado pela meninada de Come Gato – para pintar um quadro de agudo realismo. Esses primeiros contos são relativamente longos, se os compararmos aos de alguns livros posteriores. Neles os diálogos se alongam, entrecortados por breves narrações.

A estrutura das narrativas de Caio foi se transformando lentamente de livro para livro. A linearidade de Trapiá desaparece a partir de Os Meninos e o Agreste. “O bilhete” é composto de diversas ações, ao longo dos dias. O espaço é o de uma cidade pequena, porém não mais Trapiá. O enigmático – um dos esteios da obra de Caio – prende o leitor desde o primeiro diálogo. Novas estruturas de conto aparecem aqui e ali. Em “O pecado” exibe elementos do teatro: como se fossem subtítulos, os atos são encimados por anotações como “Voltando da missa”, “Em casa”, “À tarde, no campo de futebol” etc.

Os contos de O Casarão também se afastam do discursivo linear. Veja-se a espinha dorsal de “A herança”: o narrador descreve um morto (“mãos cruzadas ao peito”), sem se apresentar. Passa a narrar uma reunião familiar, em volta do defunto. Somente na segunda página o narrador se mostra como personagem. E mais adiante como menino, na ordem recebida “– Vá deitar-se.” A narração se faz lenta, detalhada. Na terceira página um flashback curto, e logo o passado se funde ao presente de forma sutil.

O elemento tempo é regido com diversas técnicas, como em “A volta”, no qual os tempos se confundem. Já em “A viga” as ações se dão em sequência e também em círculo.

Observa-se em Caio também a ausência de descrições. Assim, a referência a casco de animal, novilho, ingazeira sugere o espaço rural. No terceiro volume ainda são longas as narrativas, sempre repletas de diálogos. Há, porém, narrativas em outro formato, como “A busca”, sem diálogos e num só parágrafo. O espaço das ações é um casarão. Em “A herança” há certo mistério no desenvolver-se da trama, com desfecho inesperado ou enigmático. A intriga é muitas vezes recheada de mistério, como em “A busca”.

Chuva (Os Dez Cavaleiros) é quase um romance, se é possível isto. A chave para esta observação se encontra na última narrativa, quando o décimo cavaleiro, dirigindo-se ao seu interlocutor, fala: “Olhe aqui, homem: de toda a multidão que conheci, correndo a planície, a serra do Catolé e todos os lugares que cercam a Lagoa Grande, nove ficaram na minha cabeça. Nove. Todos cavaleiros como eu”. Como se dissesse ter conhecido as outras nove histórias do livro. Nos dez contos há sempre um cavaleiro vestido de capote e coberto de chapéu, e outra personagem, ambos sem nome explícito. A paisagem é composta de chuva, um ambiente de campo, com um casebre ou choupana, com chão de barro batido, às vezes uma vila, com uma pracinha, uma igreja abandonada e gente desvalida, sofrida, com medo. De comum também o espaço apenas referido da serra do Catolé e da Lagoa Grande, sempre muito distantes. Quase uma miragem. Para completar a narrativa, um drama e um desenlace enigmático, de parábola. Os desfechos muitas vezes estão nos títulos das histórias.  O fantástico se desenha em quase todos os contos, quer no desenrolar da trama, quer no epílogo. Seria, porém, um fantástico mais próximo da parábola, do simbólico, do enigmático. Outras vezes é apenas uma sugestão. Esse enigmático é como que o sangue do corpo das narrativas de Caio, presente desde os seus primeiros livros. Alguns personagens chegam a parecer anormais, por conta do enigma que conduzem. Em “O olhar”, de Maiores e Menores, o narrador é tratado como louco, “vigiado por pessoas de branco, dopado de tantas agulhadas”. Em “Antanho”, do mesmo volume, o leitor não sabe se o tempo existe ou não existe, se a história é real ou irreal. O protagonista volta à vila de sua infância muitos anos depois. Está tudo igual a antes, à exceção de uma motoca que “entrou como um raio na rua, aos papoucos” (...). No final, o motoqueiro esclarece tudo: “– O que foi fazer naquela vila morta? Lá não mora mais ninguém.” Afinal, quem é o homem que volta à vila sem vida, à procura de uma tal Maria Cristina (que já devia ter morrido há muito), conversa (ou imagina conversar) com “fantasmas”?

Em todos os contos de Chuva a narração se dá na terceira pessoa, mais para observador do que para narrador onisciente. Talvez apenas em um trecho de um dos contos o narrador se faz onisciente. A narração é quebrada, aqui e ali, por breves e ásperos diálogos, em linguagem culta ou literária. Caio manipula a linguagem com sabedoria, valendo-se de muita imaginação e do conhecimento das melhores ferramentas da arte de narrar.

Em Os Dedos e os Dados, o contista parte por caminhos menos espinhosos, lamacentos, embora retrate também graves conflitos humanos. E se serve de formas variadas para compor as histórias. “A Promessa” é quase todo um só diálogo, de frases curtas. “A Confissão”, como o título sugere, é um diálogo. Em “A Missão” não ocorre uma só fala e a narração é composta de um longo parágrafo e uma frase curta: “A outro qualquer caberia terminar a tarefa”. É a busca da crucificação, novo Cristo sem algozes. Alguns contos tratam do relacionamento amoroso e podem ser tidos como eróticos.

Caio é um especialista da história curta, breve. No entanto, é capaz de se alongar, como em “Um Segundo”. E aí mora o mistério. Em um segundo ele consegue ser mais expansivo do que em histórias que duram horas.

A Partida e a Chegada é outro livro de construção inusitada, a lembrar uma casa composta de fachada rococó, paredes barrocas, colunatas romanas. Como Chuva, deve ser lido como um todo, conto a conto. Leiam-se os diálogos de abertura do volume, como se fosse um prólogo ou, em termos de arquitetura, o átrio de uma casa romana ou o alpendre de antigas casas sertanejas. Duas personagens, sem nome explícito, conversam, como se resumissem as histórias seguintes. A descrição do ambiente é mínima: a lua, as nuvens, as estrelas, o céu. São como cenário singelo de um palco pequeno, onde dois personagens encenassem cinco brevíssimas peças. Tudo muito contido.

Ao contrário de Chuva, todo ambientado no campo, as narrativas deste são, na maioria, de inspiração urbana. No primeiro conto, “A Carícia”, é narrado  assalto a um banco. O contista utiliza alguns procedimentos formais mais ousados, embora não mais de vanguarda (hoje), como o cruzamento de narrações na terceira e na primeira pessoa, além do diálogo indireto e da linguagem oral. As narrativas “Saparanga” e “Zecapinto” ocorrem num lapso de tempo bem mais longo do que na maioria das histórias curtas de Caio.  A contrastar com a tensão do primeiro conto, nestes perpassa um humor circense. Os protagonistas são um tanto picarescos. Há, no entanto, uma variedade de enfoques no livro. Assim, “O Crime” é quase a reconstituição de um fato histórico, em Caucaia, Ceará.          

Os livros de Caio têm a marca de Caio, até pela estrutura dos contos. Em Maiores e Menores o contista mostra narrativas escritas entre 1995 e 2002. Umas mais longas, outras mais curtas. Em “Cantiga de ninar” os personagens não têm nomes explícitos, o que ocorre em muitas outras narrativas. A história é narrada quase toda num longo diálogo conduzido por narrador onisciente. No entanto, isento de opinião. O diálogo é interrompido aqui e ali pelo narrador, para indicar ao leitor o lugar onde um homem conversa com outro mais velho e para mostrar os movimentos dos personagens: “Olhou o carro que ia em disparada na estrada asfaltada, do outro lado da porteira” (...). Sabe-se, então, que os personagens se encontram numa casa de campo. Caio, porém, não se atém a esse tipo de narrativa. Em “Ele”, por exemplo, o leitor não sabe quem é o narrador até as proximidades do final da história. Percebe que o ponto de vista é da primeira pessoa quando lê: “Ele me olhava com olhar neutro.” Além disso, o conto é narrado no pretérito imperfeito (“Ele sempre se sentava na mesma cadeira”) até o desfecho, quando o narrador substitui aquele tempo verbal pelo perfeito (“Ele ficou assim depois que a esposa se foi”...) e pelo presente (“Ele me assusta quando olho para a criadinha”).

Quase todos os livros de narrativas curtas de Caio apresentam características de romance. Veja-se Trapiá. As histórias se desenrolam na pequena cidade de Trapiá e em seus arredores. Não há um conto intitulado “Trapiá”. Em Casarão ocorre o mesmo processo: as narrativas têm como palco um casarão, embora em tempos diferentes.

Embora também romancista, e dos bons, Caio Porfírio Carneiro é contista com pleno domínio das técnicas da história curta. Seus contos não são esboços de novelas ou romances. São contos de alta linhagem, merecedores de leituras, releituras, estudos.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Paulo Walbach (Caderno De Versos)

APENAS UMA PLUMA

Sou apenas uma pluma carregada pelo vento;
vou vivendo a minha vida, por aqui ou acolá,
sem morada, sem família e sem ninguém.
Sou apenas uma pluma, desgarrada de meu sabiá...

Não tenho asas, não tenho canto,
não tenho vida, só tenho encanto.
Sou suave, leve solta eu sou,
Sem presa, sem saber para onde vou.

Sou apenas uma pluma do meu sabiá,
que voava e cantava pra viver...
Mas, um dia, triste dia aconteceu:
Uma pedra, dura pedra o abateu.

E soltei-me da plumagem de seu peito,
e do sopro derradeiro, eu voei...
Sou a pluma separada do meu ser,
que morreu, sem saber do meu viver!

Minha vida se é vida, feito assim...
Pouco dela sei, pouco sei de mim.
Pois eu vivo, se o sopro me soprar,
se a brisa ou se o vento me levar.

Mas um dia, a sorte me pegou
pelo vôo de um pássaro de acolá,
carregando-me pelo bico familiar:
Era o bico da mulher do meu sabiá.

De uma vida com passado, sem futuro,
transmutada de um dia para cá...
Do nada, quase nada, virei ninho
da ninhada dos filhotes do meu sabiá!
======================
 

A LINGUAGEM DO POETA
 

Arte, Sonho, Liberdade! – a Poesia;
que o poeta,sem passagem, acredita,
pelos sonhos, perambula na magia
das palavras de sua Língua tão Bendita.

Ele voa pelas asas da alegria,
no embalo da estrela que palpita…
nos acordes do silêncio e da folia;
acelera, anda, passa, freia, grita…

Na linguagem; sinestesia ele tenta…
Escrevendo, vai suprindo sua emoção,
muitas vezes, já cansado de Sonhar…

O Poeta, com coragem, experimenta
até o fogo, que embriaga o vulcão,
acendendo seu pavio do Amar!
=================

RASCUNHO & BORRÃO

Nas linhas pautadas do velho caderno
aterrissam sonhos, que viajam em mim…
Vêm de algures, além do inverno,
ao porto seguro da pista molhada,
em versos sem fim…

Pedaços poemas, delírios sem asas,
fonemas opacos que vêm para mim;
às vezes quebrados, não chegam, não vingam,
se perdem no espaço…
e viram poeira num outro jardim.

Palavras sem forças, sem nexo,sem voz,
que risco e apago e faço borrão.
Pensamentos que fogem, se soltam no ar,
e voltam sem vida na mente cansada
de minha emoção…

Os versos que morrer no ventre da alma
são sementes estéreis jogadas no chão…
Sepulto as letras nas pautas vazias,
escritos perdidos à espera de luz,
meu lápis riscando em traços em cruz…
fechando o caderno rascunho e borrão!
================

VENTO MENINO

Acordei com a voz do vento,
Que batia na minha janela...
Pensei na hora e no tempo,
Acendi ao meu lado uma vela.

Lá fora o frio ardia,
Doíam, a relva e a flor...
O vento na janela batia;
Batendo, implorava calor.

Abri a janela e o vento...
Tremendo, em mim desmaiou;
Passei minhas mãos sobre ele,
Sorrindo, o vento acordou.

Parecendo um menino perdido
Entre as mãos espalmadas o acolhi,
Balbuciando logo em meu ouvido,
melancólico adágio eu ouvi.

Tremendo ainda o vento,
No outro ouvido cantou...
Parecendo elemento alado,
O vento pra mim sussurrou.

Não sendo menino e nem pássaro,
Que presos, ainda podem cantar...
Levei-o tão logo à janela...
E o vento se põe a voar!
===================

MÃE

MÃE é presente e eternidade
Que amarra a prole e a família
Por laços de verdade,
No mais nobre sentimento e magia.

MÃE é futuro da mulher...
Que DEUS faz no seu corpo crescer
A semente da mais bela flor,
Pelo filho que um dia há de nascer.

MÃE é passado de glória, agonia e ventura...
É esplendor e saudade pura
Num perene estado espiritual.

MÃE é um ser tão singular,
Da mais forte e fiel expressão
Dos verbos sofrer e amar!
=============

CURITIBA...
 

Índios correndo, abrindo picadas por dentre as matas....
Itupava...caminho de pedras, início de tudo.
Atuba, primeiro local, riacho tão rico, de ouro e pedras.
Cory-etuba!.
Pinheiros rodeando, pinhão florindo, é seu dia de festa!

Um pássaro azul solta seu canto,
voeja suas asas plantando a semente,
fazendo seu ninho nos braços esguios da árvore gigante.
Nasce a cidade, no largo central...
Pelourinho, futura matriz – a Catedral...

29 de março de mil e seiscentos e noventa e três...
Mateus Leme, Ébano Pereira, Baltazar Carrasco dos Reis...

Cidade Sorriso da rua das flores...
Do Ipê amarelo que traz primavera,
Dos campos, colinas, riachos, amores...
Curitiba escancara nos abraços seus,
fazendo de sua terra a miscigenação,
na riqueza dos irmãos filhos de Deus,
Que fizeram desta casa o seu rincão.

No sotaque tão aberto deixa a gente
Tão sem graça e na graça, vem o riso
quando pede o gostoso ´leite quente´...

Curitiba, de seus bosques e postais,
Ornamenta a cidade nos Natais
Curitiba dos tubos, da Boca Maldita...
Cidade que se recicla, cidade bendita.

Curitiba dos prêmios internacionais,
Capital modelo, no papel e no serviço,
Da Universidade quase centenária tem nos anais,
o irmão, o Centro de Letras de Emiliano Perneta,
Euclides Bandeira, Emilio Meneses e de tantos mais...

Curitiba, cantamos o Parabéns pra você,
Por que é a menina cativa que muito cresceu...
És a dama de sempre, e dos pinheirais
Curitiba, poema, te amamos demais!

Fontes:
http://simultaneidades.blogspot.com
http://poetasdobrasil.blogspot.com
Lilia Souza (organizadora). Coletânea da Academia Paranaense de Poesia. 2012

Moacir Costa Lopes (Estante de Livros)

MARIA DE CADA PORTO

Romance de estréia do autor, Maria de Cada Porto é uma narrativa ousada que nos conta o drama de marinheiros náufragos que, enquanto esperam a salvação ou a morte, refletem sobre sua rotina a bordo e sobre o seu passado de festas, amores e desamor em cada porto.

Trechos do Livro

Mas é bonito o mar. Experimente ficar no bico de pro-a. A gente olha a linha do horizonte e diz tolamente: daqui a pouco estarei lá. E nunca está, nunca transpõe aquela linha que brinca de correr com a gente. A maresia entra-nos pelas narinas e nos dá vontade de ser toninhas, as bailarinas do mar. O sol mergulha e vai surpreender os peixinhos lá embaixo, às vezes mostra um peixe grande correndo atrás dos pequenos para engolir. Os peixes-voadores são zombeteiros, o grande vem com fome, raiva e sede, eles pulam fora d’água e voam vinte metros, o peixe grande engole dez sardinhas por vingança. Mais adiante um lombo escuro empurra o mar para os lados e parece até uma ilha submersa que quer respirar, mas é uma baleia que vem estudando há bilhões de anos um modo de engolir peixes sem água e, não fosse a chaminé em cima da cabeça, teria que mijar muitos dias seguidos.

O sol fica com raiva, vermelho, por não ter podido ferver o mar, e essa vermelhidão cai em cima d’água e resvala, tirando faísca de luz do costado e dos vidros das vigi-as. A maruja fica enternecida, bestamente sentimental, e dá em pensar na infância frustrada e descobre que está longe dela pela velhice de tantas viagens.

Então, um dia a gente pisa no cais, e ele parece mexer-se.

– Linda manhã.

– Manhã linda. Há muito te esperava. Que viagem longa!

– Longa viagem. Regresso mais velho, mais tolo.

E vi muita coisa. Num crepúsculo manso, uma vaga de onda crescendo e se envergando em forma de vespa, vi as bolhas se inflarem com a luz do sol morto, no topo da vaga, e se arrebentarem no arrojo das águas, se partindo, e o som do estalo chegando ao ouvido da maruja embevecida como canto das sereias, de que narram lendas antigas.

E vi também, numa esquina de rua, um homem só morrer sozinho de frio e de fome e de uma chaga roendo-lhe o corpo; janelas abertas ao lado e de frente, homens e mulheres lhe observando a morte, de portas fechadas. Quando o homem deu o último suspiro, esparramando moedas de uma lata no chão, homens e mulheres fecharam suas janelas, abriram as portas e trouxeram velas acesas para cercar o corpo do homem só, que morreu sozinho. Aí rezaram... e sentiram sua morte.

– Vi mais coisa e volto mais velho.

– Vamos então.

– Vamos.

... amores explosivos que têm a existência de um foguete de junho, amor de parada de trem, amor de linha de telefone cruzada, amor de marinheiro. Depois, num cantinho de nossa memória, esse amor catalogado mas sem local, sem data e sem nome.

– Lembrarei esta tarde por muito tempo.

– Então façamos dela uma grande lembrança, meu bem, pois estamos vivendo hoje o nosso passado de amanhã.
 
POR AQUI NÃO PASSARAM REBANHOS

Sexto e mais alegórico romance de Moacir C. Lopes, Por aqui não passaram rebanhos nos convida a refletir sobre o tempo, a transitoriedade do homem e a eternidade simbolizada pela pedra.

Na linha explícita do realismo mágico, o livro sugere que, enquanto busca sua definição como ser completo, o homem é um monstro em transição. Inspirado no Parque das Sete Cidades, no Piauí, cujas antiquíssimas formações rochosas lembram seres petrificados, conta a história de um homem despojado do passado que não sabe o que o espera no futuro.

Longe da civilização e em meio a uma região inóspita, Emiliano refugia-se numa caverna onde encontra Selene, jovem bela e sedutora que o espera há três mil anos. Ele se apaixona e tenta a todo custo embarcar no tempo dela para viverem juntos para sempre. No processo, conhece o Sumé, um velho aguadeiro cujo animal carrega tonéis furados no lombo. Por onde vai pingando a água dos tonéis, nasce uma floresta onde crianças se tornam adultos em questão de minutos. Eles dividem o mesmo espaço, mas seus tempos são desencontrados.

No final, de alguma maneira Emiliano se torna eterno, mas nem ele arriscaria dizer se ficou mais próximo da redenção ou da ruína.

Trecho do Livro


Emiliano não sabe quanto tempo caminhou. Vem de longos caminhos.

Um dia uma mulher morreu nos seus braços e os habitantes de seu povoado, em bandos de caçadores, com armas e cães, o seguiram até o meio da floresta, como fera que estivesse ameaçando o mundo. E ele era apenas uma criança. Nem trazia o contágio da doença que matara aquela mulher. Arrastava consigo apenas o contágio de sua própria espécie.

Muito depois, outra mulher, jovem, morreu nos seus braços. Também esta o amava, e ofertava-lhe o corpo cada noite. Antes, ela lhe dissera: eu vou morrer. E ele falou: vamos. A minha morte será mais longa que a tua. Assim, a partir desse dia, Emiliano começou a morrer. E não sabe quando completará a sua morte.

A última lembrança foi de uma criança com quem conviveu. Não lhe dera nome, nem sabe se chegou a ser sua filha, esposa ou irmã, só recorda que ela estendia-lhe as mãos porque queria convivência. Quando ficou adulta e julgou que já conhecia o mundo, um dia, na bifurcação de dois caminhos, ela seguiu o outro.

Foi esquecendo os gestos aprendidos, porque não conseguiu mais entender seus semelhantes, se aprendeu a sorrir também não sabe. Surpreendeu-se algumas vezes de mãos estendidas mas logo as contraía, envergonhado de querer, de pedir ou mesmo de ofertar-se. Só restava caminhar.

Lembrou-se que, por onde havia passado, o mundo era todo pertencente, cada metro quadrado de chão fora medido, entre um e outro havia faixas que diziam: passe por aqui, cuidado. E cada pedaço do mundo era de alguém que criara um idioma próprio para poder comunicar-se com os rebanhos que lhe pertenciam. Se ele caminhava por um quadrilátero e sua sombra se projetava no quadrilátero vizinho, taxavam bem caro a invasão de sua sombra.

Então, do alto do promontório, contemplando o vale, disse: por aqui não passaram rebanhos. Seguirei por aqui.

Assim, como se o corpo não lhe pertencesse e fosse trapos que espalhara, as estrelas perto do seu rosto, velando seu cansaço, adormeceu sono profundo.

Fonte:
http://www.moacirclopes.com.br/obras.php

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Moacir Costa Lopes

Moacir Costa Lopes (Quixadá, 1927 – Rio de Janeiro, 2010) ingressou na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará em 1942. Viajou, em vários navios, por toda a costa brasileira, em patrulhamentos de guerra. Deixou a Marinha em 1950, fixando-se no Rio de Janeiro. Estreou em 1959, com o romance Maria de Cada Porto. Seguiram-se diversos romances, traduzidos para idiomas como russo, checo, inglês. Em 1969 fundou a Editora Cátedra. Em 1971 organizou e editou a Antologia de Contistas Novos. Seu primeiro livro de histórias curtas é O Navio Morto e Outras Tentações do Mar, de 1995. Moacir C. Lopes não costuma ser mencionado em livros de história e crítica literária cearenses. Também de geração muito anterior à daqueles que estrearam nos anos 1970.

Compõem O Navio Morto e Outras Tentações do Mar nove peças longas, quase novelas, nas quais é o mar, se não o tema, o ambiente das tramas. Em “O mar devolverá o corpo de Clarissa”, narrado ora na primeira pessoa do feminino, ora na terceira pessoa, a poesia impregna todas as páginas. Clarissa é poeta e elabora a narração com metáforas: “Saía pela noite a engravidar-me de estrelas, meus poros transpirando vaga-lumes”. No desenlace da narrativa, confessa: “Sinto que me engravidei. Dentro de alguns meses nascerá um poema”.

                Os mistérios do mar e das pessoas que vivem dele – os pescadores, suas mulheres e filhas, a urbana Clarissa – são o principal ingrediente desse conto. E, sobretudo, o estranho homem que aparece de repente, não se sabe de onde, ergue um casebre e passa a viver na colônia de pescadores.

                Os temas do mar estão presentes em muitas outras narrativas, como indica o próprio título do livro. E isso se explica pela vivência de Moacir no mar, marinheiro que foi por alguns anos.

                Em outra inusitada composição, “Do corpo de Marisa brotarão orquídeas”, o ambiente é o de uma chácara. No entanto, o mistério também envolve os personagens. E mais uma vez uma mulher assume papel de protagonista. História em que o incesto é visto por outro ângulo, porque arquitetado pela filha, com objetivos puramente materiais. As cenas de lubricidade explícita dão um toque de realismo à peça. No entanto, no desfecho “poético” pode-se vislumbrar um quê de fantástico: “Cuidado, maninho, ao se mexer, para não esmagar os botões de rosas e orquídeas que brotarão de nossos corpos enquanto dormimos. E o pólen que brotará dos meus seios”.

                Em “A alma e a aura da corveta Jaceguai” a ação se transporta da praia para uma embarcação misteriosa e sua proprietária, a bela Rosana. Em “O navio morto” se narra outra lenda do mar. Belona, a nau fantasma, carrega a morte, mortos que ressuscitam, para, no final, inexplicavelmente, atravessar outro navio e nada acontecer. Narrativa de aparente realismo (uma epidemia ou peste, uma poeira desconhecida, a fuga das pessoas da cidade para o navio), que, aos poucos, vai tomando ares de história de suspense e horror, para, no final, se mostrar como exemplo de composição fantástica.

                Moacir conhece os meandros das técnicas de narrar e, por isso, compõe suas histórias – sempre entremeadas de mistério – de diversas maneiras, sem se deixar levar pelo encanto do malabarismo verbal. Simplesmente muda de ponto de vista de uma frase para outra. No conto de Clarissa, não usa travessões nos diálogos. Aspas aparecem somente nas falas dos personagens secundários. Entretanto, a diversidade de ações o leva a se estender na narração e a segmentar o tempo. Por outro lado, há no contista, ainda, uma preocupação desnecessária com a informação histórica, misturada à memória.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) – N.° 3 – 12 de novembro de 1886

"Voilà ce que l'on dit de moi
Dans la “Gazette de Hollande”.


Aqui está, em folhas várias,
Uma cousa que se presta
A notas e luminárias.
Aqui vai a cousa, é esta:

— Na rua Larga se aluga,
Em bom estado, uma beca. —
Parece uma simples nuga,
E é mais que uma biblioteca.

Eis aqui o que eu diria:
Há nesta beca alugada
Uma idéia que devia,
Há muito andar publicada.

Primeiramente, repare
Que esta beca não se vende
Por preço barato ou caro;
É que, alugada, mais rende.

Comprá-la, era possuí-la;
Alugá-la, é só trazê-la,
Usá-la e restituí-la,
Sem rompê-la ou descosê-la.

Não haverá neste caso
Um sintoma? Não parece
Que a beca tomada a prazo
Uma lição oferece?

Que, sem correr Seca e Meca,
Muita gente delicada,
Assim como traz a beca,
Traz a ciência alugada?

Que, sendo esta leve e pouca,
Apenas meia tigela
Não chega a entornar da boca,
E pouco pedem por ela?

Que, inda mesmo sendo um quarto
De tal tigela, e não meia,
Parece falar de fato
Quem fala de boca cheia?

E que esse pouco, bastando
A que o locatário almoce,
É tolice andar estando
Ciência de sobreposse?

Nada sei; mas ofereço
A toda a pessoa séria
Este problema de preço
E passo a outra matéria.

Escreve um correspondente
Cholera-Morbus chamado:
“Conto que proximamente,
Malvólio, estou ao teu lado.

“Aqui nesta Buenos-Aires,
Terra de belas meninas...
Que salero e que donaires!
Que formosas Argentinas!

“Aqui, por mais que me esbofe,
Levo uma vida vadia;
Esperava um rega-bofe
E vou de pança vazia.

“Quando mato uma pessoa,
Surge-me logo uma junta,
Que a declara viva e boa,
Por mais que a deixo defunta.

“Negam-me tudo; o meu ato,
O nome, e até a existência;
Chamam-me simples boato
Sem razão nem consistência,

“Aborrecido com isto,
Determinei ir-me embora
Por esse mundo de Cristo;
Estou aqui, estou lá fora.

“Aí me vou, caro mio,
Só não sei de que maneira,
Se diretamente ao Rio,
Se atravessando a fronteira.

“Ir por água é arriscado
A dar com o nariz na porta;
Se achar o porto trancado,
Eu fico de cara torta.

“Enfim, veremos... Espero
Que, de um modo ou de outro modo,
Lá, entre; e aqui te assevero
Que com pouco me acomodo.

“Saudade, tenho saudade
De outr'ora. Há mais de trinta anos
Que andei por essa cidade
Com grandes passos ufanos.

“Mudou tudo? Existe ainda
O teatro Provisório?
Onde está Lagrua, a linda
Que teve um lapso amatório?

“O gordo Tatti? O magano
Ferrari? A Charton divina?
Vive ainda o João Caetano?
Vive ainda a Ludovina?

“A Loja do Paula Brito
Mudou de dono ou de praça?
Paranhos, grave e bonito,
Vive ainda? Vive o Graça?

“Mora ainda no Rocio
Muita família? O teatro
Tem inda o mesmo feitio?
São ainda os mesmos quatro?

“Publica-se inda o elegante
Mercantil? Que faz? Que escreve
Maneco? e o Muzzio? e o brilhante
Alencar de estilo leve?

“Vou vê-los todos, e juro
Em honra aos dias passados,
Que ao meu golpe áspero e duro
Serão poupados, poupados...”

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

Antonio Brás Constante (O filme que ainda não assistimos...)

Joana está na frente da locadora de DVD. Não lembra como chegou ali, mas sua vontade agora é de voltar para casa o mais breve possível, e ver o filme que está em suas mãos.

Chegando em casa vai direto para seu quarto, coloca o DVD no aparelho e deita-se confortavelmente em sua cama.

O filme começa com um nascimento, a mulher que deu a luz ao bebê parece-lhe estranhamente familiar. As cenas seguintes vão mostrando a vida desta criança, o primeiro banho, seus primeiros passos, as primeiras palavras. De repente, Joana se dá conta que aquela menina que aparece nas imagens é ela. Consegue finalmente identificar sua mãe, que na época estava bem mais jovem, seu pai, seus irmãos. O filme transcorre mostrando toda sua vida, suas alegrias, tristezas, brigas, vitórias e derrotas.

“Que incrível”, pensa Joana. Cada momento apresentado é uma recordação preciosa. Sua mente retorna no tempo junto com o filme, viajando até época da escola, e depois da faculdade. A excursão para Paris. Seus amores. Os amigos conquistados. Os empregos por onde passou.

Cada pedacinho de sua história é contata detalhadamente. Apresentada com tal realismo, que parece que está tudo acontecendo novamente. O filme chega então ao seu momento presente. Começa mostrando a hora em que Joana acorda, seu café, o jornal deixado sobre o sofá. O dia vai transcorrendo através da tela do televisor. Ela então se recorda do que aconteceu ao se aproximar da locadora de filmes. Já estava a poucos metros da loja quando começou a escutar o barulho das sirenes. Ouviu o ruído de uma freada de carros. O som de tiros. Gritos. Confusão. Lembra de se sentir tonta, o mundo todo girando diante de si, e então o desmaio.

Agora estava tudo muito claro, aquilo não foi um desmaio. O ambiente ao seu redor vai se modificando neste instante. O quarto desaparece. Joana está novamente em pé, parada em frente à locadora, olhando para ela mesma caída no chão. Várias pessoas em volta do corpo sem vida, algumas chamando por socorro. Ela foi atingida por uma bala perdida. Está morta. Uma luz aparece envolvendo-lhe por completo. Sua história termina aqui.

Tudo fica escuro e nesta escuridão começam a aparecer legendas, iguais às que surgem ao final de um filme. Nelas está escrito:

Estes acontecimentos, foram baseados em fatos que se tornam reais a cada momento, em todas às partes do mundo. O que aconteceu com Joana poderia ter acontecido com qualquer pessoa, comigo, com um parente seu, um conhecido, quem sabe seu pai, irmão, esposa, filhos ou até mesmo com você. A violência não faz distinção quanto ao sexo, credo, idade, ou cor da pele. Ela está a nossa volta e, para ser o ator principal, o único critério exigido é o de se estar vivo”.

Fontes:
http://www.recantodasletras.com.br/contosdesuspense/944364
Imagem = http://natizsche.blogspot.com

José Alcides Pinto (Eu)

Clique sobre a imagem para ampliar

http://www.onordeste.com/onordeste/enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Jos%C3%A9+Alcides+Pinto&ltr=J&id_perso=989

José Alcides Pinto (Cuí-Qui)

  
          — Deixe as muriçocas em paz, menino. Ninguém sabe o que é inseto, ninguém sabe o que é bicho.

            A tia não queria que matasse os insetos, afugentasse os bichos. As baratas voavam na cozinha, caíam na xícara de leite.

            — Ninguém sabe o que é inseto, ninguém sabe o que é bicho.    

            A loucura da tia, a casa em desordem, virada pelo avesso. Moscas, baratas, ratos, como donos da casa, invadindo tudo, roendo, roubando, destruindo.

            — Tia, viu minhas meias?

            — Procure, menino; procure. Não criaram asas. Estão n’algum lugar.

            — Botei dentro dos sapatos, vai ver que os ratos levaram.

            — Não levaram, menino; você precisa amar os bichos. Sua mãe não lhe queria assim.

            — Pois bem; eu quero agora as minhas meias e não encontro. Não encontro porque os diabos dos ratos são os donos da casa.

            — Diabos? Não diga isso, menino; não fale assim. O Demônio nunca porá os pés enquanto viva eu estiver. Espere um pouco, tenha paciência, e eu encontro suas meias.

            Saiu pela casa inteira, chouteando nas chinelas de couro, espiando os cantos das alcovas. Acendeu uma vela. Alumiou buracos, frinchas. Meteu a mão num velho urinol fora de uso, e um ratinho escorregou-lhe entre os dedos, e fez cuí-qui ao cair no chão. Ela apanhou o filhote e colocou no fundo do ninho. Voltou ao quarto dele e estendeu-lhe duas cédulas.

            — Compre, menino, na loja de seu Domingos, um par igualzinho ao seu.

            — Juro como um dia destes acabo com esta praga — rosnou o menino.

            — Não acaba, não. Eles são como filhos, como você. Não vê que nunca me casei? Não vê que nunca tive filhos? No dia em que você se casar, o que será feito de mim, sem eles?

            O menino sentiu o azedume das palavras, mas logo esqueceu.

            "No dia em que você se casar..."

            Sua inocência chegava a tanto. Não lhe passava pela cabeça que o sobrinho...

            — A senhora não vê que este menino...

            — Maldade. Por isso o Demônio andava solto no mundo, atentando as criaturas.

            — A senhora não vê que ele é igualzinho a uma menina?

            — É bonitinho, sim; igualzinho à mãe dele.

            As pessoas abanavam a cabeça, desoladas. Ela não compreendia, meio aluada — doença de solteirona, envelhecendo sozinha, numa casa cheia de ratos e baratas.

Fontes:
http://www.germinaliteratura.com.br/2009/colunapanaplo_jorgepieiro_out2009.htm

Imagem = http://escritasdatiaju.blogspot.com

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) José Alcides Pinto

José Alcides Pinto (São Francisco do Estreito, distrito de Santana do Acaraú, 1923 – Fortaleza/CE, 2008) foi poeta, romancista, novelista, contista, dramaturgo, ensaísta e crítico literário. Como poeta, é considerado um dos melhores do Ceará, ou, por que não dizer, do Brasil. Seus romances são excelentes. Alguns críticos o aproximam de Sartre, Camus, Rimbaud, Baudelaire (que é até personagem de um de seus contos), Augusto dos Anjos e outros monstros sagrados da literatura universal.  O conto não é o gênero de sua maior predileção, pelo menos enquanto escritor. Seu primeiro livro no gênero é de 1965, Editor de Insônia, seguido de Reflexões. Terror. Sobrenatural. Outras estórias, de 1984. Em 1997 ambos foram reeditados, sob o título Editor de Insônia e outros contos, e, como informa Pedro Salgueiro, organizador da reedição, “muitos outros contos foram resgatados do ineditismo na presente edição”.

Algumas narrativas de José Alcides Pinto são maravilhosas, como “Domingão”, “Animal” e “Avelino”. JAP é tão meticuloso, reescreve tanto as suas obras, que há neste livro dois contos quase totalmente iguais: “Isabel” e “Como evitar o monstro”.

 Uma curiosidade: no “livro primeiro”, intitulado “Editor de Insônia”, os títulos de todos os contos têm apenas um vocábulo. O que não significa falta de imaginação. Machado de Assis deixou diversos contos com títulos muito simples, como “D. Benedita”, “O Empréstimo”, “Fulano”, “Uma Senhora”, “Mariana”, “D. Paula”, “Viver!” e outros.

Outra curiosidade: teria o contista escrito uma narrativa intitulada “Editor de Insônia” e resolvido excluí-la do livro? Teria mudado aquele título, reescrevendo o conto? Nesses casos, deveria ter dado outro título ao volume.  Ou o título teria sido criado apenas para dar título ao livro? Nesse caso, somente numa análise mais profunda seria possível ao leitor descobrir alguma relação entre o título geral e os contos.

A presença de Edgar Allan Poe é visível em alguns contos: a maldade, a obsessão pelo mau, a impiedade de algumas personagens. E também o mistério, o terror, como nos contos já mencionados e em outros. “Ando ultimamente cheio de terror. Imagino-me, à noite, possuído pelo animal, comendo-me as vísceras, dominando-me com seu olhar surdo.” (“Animal”). Todo o conto “Avelino” é de pleno terror. A personagem, logo após morrer, é devorada por piolhos, bichos-tapurus, bichos-vermes, estranhos parasitas. Uma orgia sem tamanho. “O que não ficou bem claro – isso sim – é como sendo tão asseado, Avelino dos Santos, e tendo morrido de repente, e principalmente em se tratando de um homem dado à religião, fosse seu corpo repositório de tantos bichos.”

Merece também destaque a narrativa “O Fogo das Paixões”. As cenas de sangue, assassinato, esquartejamento, motivadas por ciúmes e paixões, são de um naturalismo radical.

Algumas narrativas são sonhos ou alucinações das personagens. O narrador às vezes faz questão de informar ao leitor tratar-se de fato real aquilo que vai narrar: “Se assemelha mais a um sonho o que vos vou contar, mas tal se passou de verdade, sem nada ter de fantasioso.” (“Irmãs Gêmeas”). Outras vezes o próprio contista se antecipa ao narrador, intitulando os contos: “O Sonho”, “Outro Sonho” e “Os Sonhos”. Em “O Corpo e a Alma” o narrador afirma: “Como os sonhos são poderosos e como as ilusões são belas.” No entanto, a narradora de “Restaurante Comunitário” conclui sua pequena “história” assim: “Eu nunca sonho.”

 Casas antigas, casarões mal-assombrados são ambientes de algumas histórias. E também casas de prostituição, fazendas abandonadas, manicômios, conventos de freiras. Em “Domingão” há dois lugares, um no passado da personagem principal - “Criado na caatinga.”- e outro no presente – “o povoado”. Do povoado são mencionados o cemitério e a casa, construída por Domingão “num cotovelo de rua”.

As personagens são sempre muito sofridas, mesmo as crianças. Porque envelhecem logo, às vezes na segunda página da narrativa. Como em “Composição Escolar”. Em “Animal”, o narrador – o suposto ser humano – inicia assim a sua história: “De repente minha empregada começou a andar de gatinhas.” A empregada é o animal, segundo o narrador. Nem sequer tem nome. Tem somente atitudes de bicho. Por isso, “no dia em que abocanhar-me o calcanhar, atiro-a pela janela do apartamento”, conclui o narrador. Não quer dizer que não existam personagens mais comuns no livro. Há-os, sim, como os filhos desnaturados diante da mãe moribunda; Pereirão e sua jovem mulher, quase menina; o casal de velhos; a adolescente sedenta de sexo ou dinheiro e o turista nigeriano; e outros.

Em que cidade vivem as personagens de José Alcides Pinto? Nenhuma cidade é citada nos contos. Não há qualquer referência a nomes de logradouros públicos. Aqui e ali aparecem nomes de cidades, porém não como palco das cenas narradas. “No fim da semana chegaram, do Rio de Janeiro, Frederico e Ducas.” (“Inspetor”). Os nomes das ruas não aparecem, como neste trecho: “É forçoso tornar público o que testemunhei da janela de meu apartamento, no oitavo andar do edifício onde moro, aqui na artéria principal da cidade.” (“O Fogo das Paixões”). Em “Apontamentos Importantes” há uma referência à Ribeira do Acaraú, com nota de pé-de-página.

O “livro segundo” é constituído de contos e peças literárias de gêneros variados ou indefinidos. Daí a impropriedade do título geral do livro, assim como do próprio “livro segundo”. “A Lição” é a narração de um episódio vivido pelo escritor. Pelo menos assim entenderá o leitor que o conhece de perto e sabe de sua decisão de abandonar a Universidade e se dedicar exclusivamente à literatura e à fazenda que adquiriu. “Apontamentos Importantes” também fogem à estrutura do conto.

No geral, os contos de José Alcides Pinto se afastam das principais características do conto tradicional ou clássico. Assim, ao lado de peças sem qualquer diálogo, apresenta até dois contos em forma de teatro – “Caducos” e “Granjeiros”. Em “Domingão” há apenas dois diálogos. Porém, não se libertou das formas tradicionais nos diálogos: “disse”, “exclamou”, “comentou”, “gritou” etc.

No conto tradicional as personagens são sempre poucas. E JAP não foge a esta regra. “Domingão”, que não é um conto realista, tem seis personagens: Domingão (protagonista), sua mãe Bela, seu pai Diogo, Joaquim, sua mulher e a moça. Aparentemente são dois os conflitos. Joaquim se apaixona por Bela, que é casada. Enciumada, a mulher de Joaquim jura matar a outra. E o faz. No mesmo dia Joaquim morre. Daí em diante a vida de Domingão se transformou. “Corriam histórias. Domingão, o diabo. Guarda-chuva fechado. Levando chuva nos campos. Pijamas de grossas listas colado ao corpo. Contavam histórias. Das narinas afrontadas de Domingão se levantava a tempestade que rachava o telhado das casas. Escarvava a terra. Esbagaçava árvores.” Ao ver Domingão pela primeira vez, uma moça por ele se apaixonou. Por seus cabelos trançados. Inicia-se o “segundo” conflito, o “segundo” drama. Ao se encontrarem, ocorre pequeno diálogo: “- Cortei.”, “- Onde os guardou?”, “- No cemitério. No caixão da mãe.” A moça vai ao cemitério. Súbito reaparece Domingão. E dá-se o desfecho: as tranças sufocam a moça. E Domingão a sepulta. “Exausto, deitou-se ao pé da cova para morrer.” Este desenlace lembra os dos contos de Edgar Allan Poe.

José Alcides Pinto é um escritor singular na Literatura Brasileira. Não pode ser visto como um adepto do realismo fantástico ou posto ao lado de contistas como Murilo Rubião e José J. Veiga. Seus contos também não são regionalistas, assim como não o são os de Moreira Campos. Há mistérios nos contos de ambos, embora entre eles não se possa vislumbrar qualquer semelhança. Mesmo quando os conflitos são do tipo policial, como em “O Fogo das Paixões”, não se trata de conto policial ou realista, como os de Rubem Fonseca. JAP está mais para Poe.

Como escreveu Francisco Carvalho, na ficção de José Alcides Pinto “não há lugar para os devaneios da retórica nem para as quimeras do lirismo cordial.”

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008. atualizado por José Feldman

Folclore de Minas Gerais (Lenda da Serra do Caraça)

O cacique Ubiratã, cujo nome designava o branco lenho com que os índios fabricavam lanças, ao morrer, deixara dois intrépidos e robustos filhos — Ubajara, o canoeiro, e Tatagiba, o braço de fogo.

A viúva adoecera de desgosto pela morte de Ubiratã. Os filhos tinham ido aos pajés rogar lenitivo para a mãe doente, e não houve remédios de plantas que a curassem. E era o anjo daquela taba.

— Há um só meio de restabelecer-se — advertiu o mais velho dos pajés. Ir à região das abelhas sabarás e, nas cercanias, procurar três coisas: ouvir a árvore que tem harmonias, ver o pássaro azul que diz coisas misteriosas e trazer um pouco d’água das fontes de ouro. Têm essas águas a propriedade mágica de curar as doenças mais rebeldes. Mas cuidado ali porque há monstros que encantam a gente!

Tatagiba, o mais moço, partiu à procura do remédio aconselhado pelo pajé.

Atravessou as matas. Veio surgir onde sabia existirem as abelhas sabarás. Num recanto, sobre um arbusto que se debruçava para o rio de águas doces, descobriu Tatagiba uma araquara, o esconderijo dos papagaios. E, com surpresa, viu o papagaio azul indicado pelo ancião. Realmente, aquele pássaro conhecia a língua dos tupis.

— Deve ser esta a região maravilhosa! — exclamou Tatagiba enlevado, porque ali também via as fontes de água de ouro. De cansado sorveu um pouco daquela água. E o murmúrio do vento lhe trouxe aos ouvidos sons delicadíssimos, partidos do seio da floresta.

Acompanhou aqueles sons misteriosos, com o intuito, igualmente, de apanhar alguma caça furtiva, e de súbito sentiu-se agarrado por grande mão de monstro, que o fazia crescer, crescer desmesuradamente como outro gigante e o prostrou de costas para o chão, encantado em enorme serra cor do céu — o morro da Piedade. Montanha de ferro, porque forte como ferro ou itaúna fora a resistência de Tatagiba. Ficou resplandescendo ao longe. E mais tarde chamaram-lhe, por isso, monte do Sabarabuçu — ou grande montanha brilhante.

Ubajara notou que o irmão havia três meses não regressava à taba.

— Pajé, meu irmão desapareceu…

— Bem o previ — acudiu o velho mago. Ficou talvez transformado em montanha, como sucedeu a tantos guerreiros que para ali partiram. E tu tens coragem?

— Tenho.

— Pois bem, vou dar-te um óleo perfumado que te livrará de todo o perigo e poderá encantar o monstro mais astuto. Basta derramar uma gota e o perigo ficará inteiramente afastado.

Ubajara partiu. Muniu-se da clava, da flecha ligeira e do óleo mágico, dado pelo pajé. Chega ao local das abelhinhas sabarás. E admira-se: o lindo pássaro azul que fala em lingua tupi! Vê em frente a si onça feroz. Mas, a uma gota de óleo derramado, o jaguar escapa num relance.

— Ah! exclamou contente. Deve estar aqui perto meu irmão Tatagiba, porque vejo o pássaro azul e lhe escuto a fala misteriosa. Às praias deste rio acorrem fontes de água puríssima, de sabor inigualável.

Nota grupiaras e percebe brilhar entre os cascalhos algumas pepitas de ouro. Esta água seria, por certo, a água salvadora.

Nisto, uma voz ressoa do bosque:

— Ubajara, sou teu irmão Tatagiba. Aqui estou, encantado nesta serra enorme, depois de tornado gigante pelas mãos daquele monstro que viste deitado, na tua viagem. Costuma ficar com o rosto para o alto. Na volta, põe-lhe por cima teu óleo perfumoso, e êle ficará para sempre ali petrificado, como eu.

Ubajara chorou de saudades e não teve palavras para responder! Toma daquela água das fontes de ouro e ruma com destino à taba de seus pais. Ao transpor a montanha derrama uma gota do misterioso óleo, sobre o monstro que dormia, e o Caraça fica transformado em rocha imóvel. Parecia um grande rosto de pedra voltado para o azul.

* * *

A mãe de Ubajara conseguiu restabelecer-se com a água trazida pelo filho. E resolveu morar ao pé do Sabarabuçu, para escutar o doce marulho das águas, como ecos de saudades.

Quiseram fazer-lhe companhia duas velhas indias. Acomodaram-se nas fraldas da serra, na enseada do cruzamento dos rios. E os posteros deram àquele rio o nome de Rio das Velhas. Significaria o rio das águas de ouro, cujas margens falava misteriosamente o pássaro azul, em sons divinais da mata.

Parecia à boa mãe de Ubajara rever a Tatagiba, quando faiscavam raios de ouro sobre o dorso da serra de cor cinza, e considerava o filho, petrificado, num repouso de relvas.

Todos que dali passavam viam, naquele famoso recanto, o símbolo monumental de um coração de ouro em peito gigantesco de ferro.

Essa região devia retratar mais tarde o caráter meigo de um povo enérgico.

Fonte:
Pe. Armando Guerazzi: Lendas e Fábulas Indígenas. Revista de Cultura, Ano XII, 1938, Rio de Janeiro. In Anísio Mello (seleção). Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. 1962

Hernando Feitosa Bezerra Chagall (Cantares) III

THE GARDENER

O amor
Planta flores
De todos os matizes
No sagrado jardim
Dos corações felizes.

CHARME
 

Cegos de amor
Meus olhos
Tateiam teu corpo
Que insensível
Finge-se de morto.

O PEREGRINO
(Para Khalil Gibran)

Um dia neste mundo surgiu
Um jovem peregrino.
Diziam que Ele era vulgar e violento
Diziam que Seus cabelos
Eram penteados pelos ventos
Diziam também que a chuva
Suas roupas assentava
E atribuíam aos demônios Suas palavras
Mas o que diziam não importa
Há mais de dois mil anos
Ele abriu uma porta
E ainda hoje
Convida-nos a entrar.

O PEREGRINO II

Quem dera
Eu ali sentado
No poço de Jacó
CRISTO ao meu lado
Sorrindo palavras de luz
Enchendo de vida meu cântaro
Sem medos cruzes ou prantos
Somente eu e Ele, JESUS.

O PEREGRINO III

Jesus
Nome gravado na pedra
Cristo
Suave grito no ar
Um
Deixou marcas na areia
Outro
Nas ondas do mar
Juntos
Humano e divino
Conjugam o verbo
Amar.

O PEREGRINO IV

As flores de Getsêmani
Murcharam contritas
Às voltas de Um inocente
A ser condenado simplesmente
Por amar a liberdade e a justiça.
Na solidão de Suas lágrimas
Encontra-se o antídoto
Para todos os covardes
Deste novo milênio.

SENHOR DA POESIA
 

Oh, Senhor que une versos
Vida sonhos e verdade
Que vossa pureza possa
Livrar-nos das sombras da nossa
Imensa perversidade.

SALMO

Senhor
Dono das águas e dos astros
Do ar dono dos pássaros
Senhor
Mestre dos mestres e ateus
Budistas hindus judeus...
Senhor
Revolucionário imperador do bem
Soldado e mendigo também
Senhor
Aqui se encontra alguém
Que não aprendeu orar
Mas a dizer-lhe
Amém.

BUDDHA

Quando a aflição me atinge
Procuro refúgio
Sob a frondosa figueira
Dos frutos imperecíveis
Aos pés da delicada
Flor de Lótus.


 

Quem ama vê mais cores
Quem sonha pode voar
Quem canta espanta as dores
Quem dança encanta o olhar
Quem faz as quatro coisas
Caminha por sobre o mar.

CRISTO ADOLESCENTE

Faço parte do sonho
Que meu Pai sonhou
Se pesadelo existe
É meu não do amor.

Sou o sonho sonhado
Sou o sopro a vida
Sofro e sangro calado
Arranho e lambo a ferida.

Sou o canto a esperança
Sou aquilo que é seu
Sou o sonho do sonho
Eu sou filho de Deus.

MENINO LUZ

Doce menino andante
Meiga flor do oriente
Incansável viajante
Dos labirintos da mente.

Do brilhar de duas pérolas
Fez-se teu olhar
Do brancor de tu’alma
Todo imaginar.

Chegaste tão humilde
Numa centelha de luz
Foste tão corajoso
No alto de uma cruz

Que me sinto envergonhado
De estar acovardado
Diante da vida, obrigado
Muito obrigado Jesus.

NATAL

Era noite madrugada
Um casebre uma estrada
No brilho de uma estrela
Veio Deus nos visitar

Trazendo a esperança
Nos olhinhos de criança
No peito um veio de ouro
Nas mãos abertas ofertas

Pois O Cristo já habitava
Aquele sorriso de luz
Tão meigo sincero e bonito
Do pequenino Jesus.

FORÇA DE VONTADE

Você não pediu um dia para nascer
Sentenciado está agora a viver
De nada adianta querer questionar
Se solução não tem solucionado está.

Não pense em morrer enquanto vida houver
Pois aqui nada acaba se você partir
Deve se encaixar onde te couber
E fazer de tudo e a tudo resistir.

Retome sua calma libere seu coração
Deponha sua arma estenda sua mão
Junte ao sorriso um brilho no olhar
E esqueça a falsidade fria de um gargalhar.

Lembre-se da força acima bem maior
Força que te ergue e te pode derrubar
Força dO Homem simples livre superior
Força de vontade de amar.

CÂNTARO
 

Nesse frágil vaso de barro
Nascemos florimos...
Crescemos em direção à luz.
Todos de braços abertos
Tentamos abraçar o sol.

MONGES DO SINAI

Aos pés do monte Sinai
Um mosteiro contempla
A presença de Deus.
Por trás de suas muralhas
Humildes monges colhem ossos
Sabendo que um dia
Serão as próximas flores.

A CAMINHO
 

Descobrimos o fogo
Inventamos a lâmpada
Iluminamos as trevas
Do espírito.
Participamos do grandioso
Milagre da luz.
Um dia com certeza
Seremos sol.

GANDHI

Quando o calar é lutar
Quando se render é vencer
Quando o silêncio é cantar
Quando morrer é viver

Quando o chorar é sorrir
Um riso muito maior
Toda solidão do existir
Por pior que seja é menor

Quando se é grande é assim
Quando se é Gandhi melhor
Seu exército luta por mim
Entregando se humilde a vós

Deus da vida, Deus do amor
Deus da não violência
Ensina-me, por favor,
O caminho dessa inocência.

Fonte:
Hernando Feitosa Bezerra. Cantares.  Universidade da Amazônia – NEAD.

Nei Garcez (Despedida de Luis Renato Pedroso da Presidência do Centro de Letras do Paraná)

O Desembargador, aposentado, Dr. Luis Renato Pedroso, depois de 12 anos como Presidente, ativo, do Centro de Letras do Paraná, está se despedindo de suas funções de Presidente daquela Instituição Cultural. Inclusive, ontem, 07, sábado, aconteceu um almoço, por adesão, de confraternização e ao mesmo tempo de despedida, no Mabu Hotel, em Curitiba.

De todos os seus grandes feitos e vencimento de tantas dificuldades, nestes últimos 12 anos, coube-lhe a gloriosa oportunidade em ser o Presidente que comemorou, na Presidência, o Centenário do Centro de Letras do Paraná, no dia 19 de Dezembro de 1912, cuja comemoração ainda, por muito tempo, será uma inesquecível e agradável fragrância das letras.

De eloquente oratória, prosador à toda prova, o Dr. Pedroso, conserva a humildade de declarar, sempre, o seu "profundo sentimento em não ser um Poeta", mas que por outro lado, tem a gratidão e alegria de conviver com a inspiração dos Poetas que lhe cercam junto ao Centro de Letras.

Na verdade, a prosa do Dr. Luis Renato Pedroso, sem quaisquer bajulações, é uma verdadeira poesia, não só no conteúdo, sábio, mas também na própria expressão  e colocação de cada palavra, sonoramente agradabilíssimas.

Tanto o é que o defini assim:

De oratória majestosa,
doutor em sabedoria,
Luis Renato tem, na prosa,
todo o encanto da poesia!


Enfim, o Dr. Pedroso, carismático de nascença (só pode ser), natural de Foz do Iguaçu, sempre se refere ao Centro de Letras do Paraná como:

"O Centro de Letras do Paraná é a Casa de todos nós."

Na próxima terça feira, 10, às 17 horas, haverá, no Centro de Letras do Paraná - em Curitiba - uma das maiores comemorações que será a transmissão da presidência para

ALZELI BASSETTI
-Cadeira Poética número 24 - Patrono: Altivir Bassetti

Curitibana e Vulto Emérito da cidade, Alzeli Bassetti é licenciada em Letras/Inglês pela UFPR, com especialização em francês, italiano, alemão, latim e português. Obteve o 1º lugar em concursos nacional e estadual de monografias. Sua longa luta pela paridade de gênero valeu-lhe a Medalha de Ouro outorgada pelo Conselho de Ministros da Itália; o engajamento cultural premiado com a Medalha Cultural de Ouro "D'Almeida Vitor" (DF).

Fonte:
Nei Garcez
UBT-Curitiba/Paraná/Brasil
Academia Paranaense da Poesia