segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Isabel Furini (Poema 37): Moradia

 

Antonio Brás Constante (Objetos perdidos e bem esquecidos)


Geralmente as coisas perdidas pelas pessoas causam-lhes verdadeiro pânico. Perder um relógio, um anel ou mesmo uma carteira traz transtornos e sofrimentos aos seus donos, que por um azar do destino, ficam sem seus utensílios que, ou eram muito úteis, ou muito importantes ou muito caros.

Existem todos os tipos de acontecimentos que nos levam a perder algo. Um esbarrão, ou mesmo um bolso folgado, um furo na calça ou bolsa. Há quem consiga perder as chaves da casa (dentro de casa), os óculos ou mesmo o endereço anotado com todo cuidado.

Outros chegam ao extremo de esquecerem onde colocaram os lembretes que deveriam informar-lhes exatamente das coisas que não poderiam esquecer. Porém, nem tudo que é perdido se deseja reencontrar, um bom exemplo são as famigeradas balas perdidas, que vivem soltas e voando pelo ar a procura de alguma parede, árvore ou corpo para se alojar.

Essas balas em geral, nunca acham o caminho de volta para comungarem com o “indivíduo” que as disparou, ao contrário, se afastam dele o máximo possível, encontrando idosos e crianças entre outras vítimas inocentes, que acabam se transformando em moradia temporária para elas. Ainda assim, tem gente que insiste em dizer que não quer falar sobre o assunto, para eles esta história de balas perdidas entra por um ouvido e sai pelo outro. Esse é um tipo de atração realmente fatal (e sem a cruzada de pernas da Sharon Stone), para quem por acidente encontra estes minúsculos projéteis perdidos e mortais.

Uma das causas mais frequentes para a perda de pertences é a bebedeira. Através dela as pessoas perdem a noção do ridículo, o caminho de casa, o casamento, ou algumas vezes o celular. Por exemplo, fulano acorda às onze horas da manhã, com uma bruta dor de cabeça. A última coisa de que se recorda é que pediu o quinto uísque em um bar perto do serviço, não lembrando mais o que lhe motivou a ir beber, mas ao verificar seus pertences descobre que seu celular sumiu. Imediatamente liga para o número de seu telefone:

- Alô? Aqui é o Clovis. Olha este celular aí é meu. Onde posso pegá-lo?

- Sim, claro. Aqui é da boate super alegre “pepino feliz”, realmente estávamos atrás do dono deste aparelho, que entre outras coisas, fez um belíssimo strip-tease em cima do balcão de bebidas, antes de sair acompanhado de dois belos rapazes vestidos de marinheiros. Era o senhor?

- Err... Não... Desculpe, foi engano.

Realmente, existem coisas que devem permanecer perdidas, e as lembranças de uma bebedeira, são um bom exemplo…
= = = = = = = = =

Nilto Maciel (O Sonho da Princesa)


Fugiu do castelo montada num cavalo branco. A noite parecia a mais escura de todas. E se bruxas saíssem em seu encalço? E se vampiros sedentos de sangue virgem a esperassem nos atalhos? E se o dragão, aquele imenso monstro, aparecesse? Pela estrada, porém, seu pai, o rei, todo dia cavalgava. E nunca o atacaram seres maus. Se o atacassem, seriam dizimados por sua furiosa espada. E pelas armas dos leais soldados.

Havia, porém, outro perigo. Se o cavalo deixasse a estrada e se metesse na floresta? Não, aquele cavalo, o predileto do rei, não se atreveria a cometer tamanha insensatez. Nem ele, nem outro. Nem mesmo cavalos cegos.

Reclusa no castelo, a princesa imaginava reinos distantes e, sobretudo, seu príncipe encantado. Quando o conhecesse, imediatamente se casaria com ele. Teriam muitos filhos e viveriam felizes para sempre. No reino do faz-de-conta.

No meio da noite, a princesa sentiu sono e fadiga. Freou o animal e apeou. A estrada parecia sem fim. O reino de seu pai abarcava o mundo. E onde ficava o reino onde vivia o príncipe de seus sonhos? Olhou para o céu. As estrelas a protegeriam das trevas. As nuvens deslizaram mais e a vaga luz da Lua chegou até aquele perdido pedaço do reino. Que maravilha! A princesa ensaiou passos de dança. Rodou, rodopiou, sorrindo. Parou, cambaleou, olhando para o animal. E teve um grande susto. Havia um chifre no meio da testa dele.

Era um licorne.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXXVII


A chuva, que a água destila,
rega a terra e se esparrama,
mas a que vem da pupila
é pranto que alguém derrama.
= = = = = = = = =

A iminência do perigo
não deve ser olvidada,
porque a presença do amigo,
pode vir de forma errada.
= = = = = = = = =

A vida tem semelhança
à vela acesa, luzindo,
que ao pedestal da esperança
lenta, vai se consumindo.
= = = = = = = = =

Bem mais que esposa e marido
nasce um elo, ou relação,
que deverá ser mantido
longe da separação.
= = = = = = = = =


Duas mãos tem a ruela
para chegar a um destino,
mas uma só tem aquela
que leva ao porto divino.
= = = = = = = = =

Fartos de notoriedade,
gestos dignos de louvores,
dão mais vida à humanidade
e realce aos seus autores.
= = = = = = = = =

Feliz da terra que ostenta
vivo o sonho da mudança,
fonte de luz que a sustenta
no alicerce da esperança.
= = = = = = = = =

Jamais posso imaginar,
ou projetar meu porvir,
sem ao passado voltar
e no agora me inserir.
= = = = = = = = =

Mesmo que tarde pareça
para um sonho acalentar,
prossiga e nunca pereça
fazendo dele outro altar.
= = = = = = = = =

Ninguém atende a um chamado
quanto ao bom elevador,
salvo se estiver quebrado,
sem cordas ou sem motor.
= = = = = = = = =

No livro, o leitor se apega,
para obter conhecimento,
na leitura à vida agrega
mais vigor e crescimento.
= = = = = = = = =

Nunca ultrapasse o portal
do bom-senso e do pudor,
para que o sonho vital
não sucumba inerte à dor.
= = = = = = = = =

O deserto prolifera
e a vida emite um clamor:
derramai, ó Deus, na terra,
as chuvas do eterno amor!
= = = = = = = = =

Pela boca o peixe acaba
quase sempre sendo morto,
no engodo que à água desaba
junto de um arame torto...
= = = = = = = = =

Pelas essências da fruta
conheces a procedência,
lapidada ou mesmo bruta,
revela as suas essências.
= = = = = = = = =

Pendente, a planta revela:
pode haver queda iminente.
Melhor passar longe dela
que envolver-se em acidente.
= = = = = = = = =

Se à Terra a fé persistir
e a esperança for mantida,
nada há que faz desistir
alguém de lutar na vida.
= = = = = = = = =

Se falares o que queres,
sem pensares nas propostas,
não colhes do que disseres
o que esperas das respostas.
= = = = = = = = =

Seja qual for o conceito
para exprimir a amizade,
vem o amor e acaba eleito
precursor de uma unidade.
= = = = = = = = =

Se o cabelo denuncia
sem esconder a verdade,
toda a vaidade anuncia
sombras da real idade.
= = = = = = = = =


Se o opulento viver bem,
sempre envolto em regalias,
diz tudo ter e o que tem,
não passa de fantasias.
= = = = = = = = =

Sob as brasas da aparência
se esconde toda a ilusão,
e às cinzas da prepotência
a falsa imaginação.
= = = = = = = = =

Temos motivos de sobra
para alguém não nos cobrar
e se algo a vida nos cobra
seja para equilibrar.
= = = = = = = = =

Um dos milagres da vida
está no alcance da mão,
mais que oferecer comida,
é dar guarida a um irmão.
= = = = = = = = =

Vejo à noite e à imensidão,
somente trevas sem fim,
por não ver o lado bom
da estrela que brilha em mim.
= = = = = = = = =
Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Aparecido Raimundo de Souza (Bucólico)


EDUARDO, AOS QUINZE ANOS, em cega obediência aos prementes desejos do seu desassossego, queria receber um sorriso dela. Ganhar de Ana Flor (era esse, o nome da jovem, um ano mais nova), um olhar demorado, trocar um “olá”, um “oi”, um “tudo bem?”. Na hora em que chegavam em frente ao portão da escola, ele imprimia um breve tempo em retardo para que ela subisse as escadas se antecipando a ele. Gostava de vê-la pelas costas. Um perfume suave emanava de seu corpo e batia em cheio dentro de seu nariz. Ele absolvia aquela fragrância com sofreguidão, tal como buscava no espaço o ar que o mantinha vivo. Na saída, Eduardo se deleitava acompanhando os passos dela até onde morava e a deixava no portal de sua residência.

Quanto a isso, havia uma urgência prementíssima que saltava de dentro de sua inquietação como um tigre furioso de encontro a uma presa incauta. Ele desejava estar ao lado dela todas as horas do dia e da noite. Desfrutar junto ao seu bem querer aqueles momentos em que ela se punha sentada num dos bancos do jardim defronte da igreja matriz para espiar a imensidão do mar. Nessas horas, os olhos de Ana Flor ficavam distantes. Brilhavam com uma intensidade paranormal. Os pensamentos, ah, os pensamentos, sabem Deus por onde vagavam...

Eduardo pressagiava mais em seus desvarios. Sua alma se via desprendida do corpo. Parecia tocar as mãos da charmosa, acariciar seus cabelos, mergulhar demoradamente dentro de sua tristeza para tentar entender de onde vinham, a um só tempo, tantas melancolias e sofrimentos.

Tinha consciência que maquinava, num futuro próximo, dar um jeito de ser a estrada onde ela passaria, o chão onde pisaria. Se possível, a cama onde as noites, em seu quarto, se deitaria para dormir. Também intentava se transformar nos cadernos dentro da mochila. No lápis, na borracha, na caneta esferográfica. Virar o autor dos romances que ela lia, o marcador de páginas que levava à boca... a xícara que tomava o café, a cadeira onde se acomodava para estudar, a escova que deslizava em seus cabelos compridos, as músicas que ouvia nos fones de ouvido certamente imbuída no mais belo tom romântico. Eduardo, aos quinze, “quimerava” em ser o sol que banhava todos os domingos o corpo dela na piscina do clube da cidade.

Daria a vida para ser o par de tênis, as meias, o chuveiro quente, o sabonete, a espuma, a toalha, os chinelos, o vento sibilante que soprava forte e majestoso tentando levantar (sem conseguir), a sua sainha plissada acima dos joelhos. Ele ansiava mais: na verdade, pelejava pelo impossível. Lutava ferrenhamente pelo inalcançável. Se esforçava além das suas faculdades de entendimento insistindo em não deixar perecer seus sonhos num redemoinho de ondas fortes de um mar bravio em colisão com uma cordilheira de rochas à semelhança de uma ilha inesperada no meio do nada. Ele necessitava urgentemente tê-la sua.

Como um presente, como uma prenda, como uma graça alcançada. Todavia, não sabia como por seus objetivos em prática visando o almejo dos sonhos desejados. Tinha pulsante, na consciência, que carecia de uma convicção robusta que prescindisse e voasse além do “sentir algo diferenciado”. Um fato robustecido e végeto (bem nutrido) o bastante, que transpusesse o banal corriqueiro e se sobrepusesse ao desejo abissal se estendendo para um horizonte inaudito, tipo um amanhã que ultrapassasse o incomum e o raro, como uma constrição que o envolveria acima de suas forças por aquela menina um ano mais nova que ele. Às vezes, Ana Flor parecia tão frágil e débil desprotegida e minguada, que seus olhos tinham vontade chorar de modo copioso.

Sentia tudo isso quando na sala de aula ela se punha quase diante dele. Bastava um esticar de braço e a tocaria. Todos os dias, o ano inteiro, mesmo espaço mesmos colegas, idênticos professores... iguais trabalhos sendo pesquisados na biblioteca. Apesar das tantas tarefas curriculares, Eduardo capturava em seus menores gestos, uma solidão descomedida, e a achava, por tudo, cada vez mais bonita e atraente, principalmente quando a graciosa se misturava às colegas da turma onde sentavam quase a se esbarrarem umas às outras. Eduardo, nas aulas de inglês, mal escutava o que dizia o professor. As matérias suplementares só não se tornavam enfadonhas porque se constituíam no único elo real que o prendia às ininterrupções dela, ao seu lado a lado.

Na hora do lanche, por azar seu, a turma debandava. A escola inteira virava uma balbúrdia só. Mas a pétala mimosa, seguia um padrão diferente. Ana Flor não se misturava à confusão, ao burburinho. Ao contrário das demais garotas da idade, se recolhia sorrateira, num cantinho afastado e ficava sentada até a hora em que a campainha voltava a tocar anunciando o fim do recreio. Todos corriam para o tédio dos bancos das carteiras. Eduardo seguia firme no seu posto. Contemplava a sua paixão no solitário do incansável, como um menino bobo. Perdia um tempo enorme em deslumbramentos infantis. Por conta, viajava para longe da Terra e, ao menor movimento dela, pulava correndo na realidade que atropelava. Sua pequena dor de adolescente descompassava.

Sua pele suava fria. Se fizera comum sentir ímpetos de se aproximar, puxar conversa, porém, um medo impiedoso, sem pé nem cabeça, um receio maior e grandioso de levar um fora tolhia seus movimentos mais bacocos (toscos e idiotas). Ana Flor se constituíra, indubitavelmente, na dileção que fluía de dentro dele. O desejo tresloucado que alimentava em seu âmago um silêncio perene. Igualmente, o sofrimento extremamente desagradável que se estampava nas saliências de seu semblante.

“Será que ela sabe da minha existência? — Pensava o tatarola (pateta) com seus receios e apreensões.  O que pensaria dele? Deveria, com toda certeza, achá-lo um abestalhado!”.

— Mãe Santíssima, como me achego a essa joia de valor inestimável?

Assim voaram os anos. Ambos cresceram. Ela, aos vinte, mudou de rua, de casa, de escola, mas não de hábitos. Continuava todas as tardes indo até a calçada defronte a igrejinha onde se sentava no mesmo banco de pedra e ficava a contemplar os pombos, o mar imenso e distanciado. Ele, aos vinte e um, trabalhava no posto de gasolina manobrando os carros dos clientes, ora lavando os automóveis dos ricos da cidade, ora abastecendo os que vinham de fora. Ana Flor também arranjou um emprego de balconista numa lojinha de roupas para senhoras e crianças defronte. Nas horas de folga, ele se punha a olhar longamente para ela, a observar seus gestos mais sutis através da vitrine. A se debulhar apaixonado, os quatro pneus furados, como se tivesse com a cabeça e os pensamentos fora de órbita.

E estava! Ela saia às seis e ele, cinco minutos antes dela. A jovem seguia a pé para o novo bairro onde passara a morar. Continuava com os pais. A mãe fora nomeada promotora de justiça do fórum local, o pai ganhava nome e fama como renomado advogado. Por vezes, ela obstruía a marcha. Parava aqui e ali, arrancava uma flor acolá, cheirava, tornava a seguir adiante e quase chegando em destino, dava uma derradeira estancada. Contemplava a noite se aproximando. Ele, endoidecido, roendo as unhas, os batimentos acelerados, distava alguns passos atrás. Escoltava a pérola nacarada sem dizer nada, sem se deixar perceber. Como um anjo apenas observava e sofria. Padecia e observava, em um silêncio sempiterno (perene, infinito), a sua dor esfomeada de amor. Um afogo supliciado e inquieto de amor pelo gostar que, dia após dia, parecia crescer mais e mais dentro de seu peito em frangalhos.

E junto com essa tribulação, literalmente mais e mais ele se afeiçoava dela. Até que um dia... um dia (sempre existe um dia na vida de cada um de nós), ele finalmente criou coragem, se encheu de força rija, poderosa e dominadora, superando a própria razão. Deixou de lado o terror, a desesperança, a inquietação e resolveu que chegara a hora de se aproximar. Roubou uma rosa bonita de uma residência onde um jardim bonito crescia à natureza notória e indubitável:

— Hoje falo com ela. Me declaro. Sou um homem, ou um rato?

Nessa hora, Ana Flor, como sempre seguia na sua rotina. Voltava para o aconchego de seu lar. Agora não mais na mesma escola. Vinda da cidade próxima. Ela cursava a faculdade de direito, Eduardo medicina.

Ana Flor saltava da van escolar, ele minutos depois de outra condução. A maviosa parava aqui, estancava ali, fingia derrubar alguma coisa.  Olhava para trás e pressentia o contínuo dele em seu encalço. Nesse começo de noite ela percebeu que ele se achegara além da linha divisória do “de sempre”. Tinha pleno conhecimento que aquele rapaz a seguia. Todos os dias. De longe, a passos calculados. Fazia muitos anos... não falava nada, só marcava território. Depois desaparecia.  Então aconteceu:

— Ana, eu queria te dar esta flor...

Ana se virou pasma e junto trouxe no rosto uma candura indescritível:

— Posso me sentar ao seu lado?

Ela fez um gesto com a cabeça sinalizando um “sim” cheio de dulçor:

— Pode.

Eduardo se acomodou, ainda receoso.  Ela ajeitou o rosto, se abriu numa carinha de apaixonada. Seus lábios, de perto eram mais sensuais e tentadores. A boca perfeita...

— Desde que te vi, pela primeira vez, tanto tempo passado, e você sabe disso, senti que você seria a mulher da minha vida...

Ana Flor nada disse. Apenas ouvia. E sorria. Seu interior dava a impressão de explodir a qualquer momento:

— Ana... quer ser a minha... meu Deus... quer ser a minha namorada?  

Eduardo, desde os quinze anos, em cega obediência aos prementes desejos do seu desassossego, queria receber um sorriso dela. Ganhar de Ana Flor (era esse, o nome da jovem, um ano mais nova) um olhar mais demorado, trocar um “olá”, um “oi”, um “tudo bem?”.

Na hora em que chegavam em frente ao portão da escola, ele imprimia um breve tempo para que ela subisse as escadas se antecipando a ele. Gostava de vê-la pelas costas. Um perfume suave emanava de seu corpo e batia em cheio dentro de seu nariz Ele absolvia aquela fragrância com sofreguidão, tal como buscava no espaço o ar que o mantinha vivo:

— Ana, me diga alguma coisa. Por tudo quanto é sagrado. Eu te amo. Eu te amo desde...

Ana Flor colocou sua mochila de lado, tomou as mãos dele entre as suas. Num gesto inesperado, pegou a flor que ele roubara e a colocou nos cabelos:

— Eu também te amo, Eduardo. Sempre o amei. Mas tinha medo...

Um novo sorriso inundou seu rosto e ela então deixou fluir o que igualmente sentia:

— Achava que você me faria à corte... mas você só me seguia... me dava esperanças, me vigiava na loja... Eduardo, eu também te amo.

Tomou fôlego e com a mesma empolgação, completou:

— Claro que aceito ser a sua namorada, sua esposa, mulher, mãe de seus filhos... preciso dizer mais alguma coisa?

O céu inteiro veio abaixo. Eduardo, por dentro, parecia que se detonaria por inteiro no segundo seguinte. Fez-se em lágrimas de contentamento, as mãos tremeram, o coração bateu mais forte, a alma disparou em festa, seus medos, receios... Ana Flor o abraçou. Naquele trocar de sensações a radiosa selou todos os temores e receios de Eduardo. Desta feita, foi a vez dela em tomar a iniciativa. Um beijo apaixonado, longo, sem pressa, envolvente e vulcânico se entrelaçou na troca de salivas. Abraçados no calor daquele momento, a emoção, falou mais alto. O AMOR, FINALMENTE, VENCEU.     

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

domingo, 25 de dezembro de 2022

George Abrão (Coincidência)


Há alguns anos, quando eu ainda trabalhava na Caixa, em visita a uma empresa a qual eu estava tentando conquistar como cliente, conversando com o seu proprietário - um senhor já idoso - e com o gerente da mesma - um pouco mais jovem - falávamos sobre amenidades.

A certa altura o assunto versava sobre nossas naturalidades. O proprietário disse-nos ser natural de São Paulo e perguntou-me de onde eu era: respondi-lhe ser de Jaguariaíva. Quando o gerente declinou a sua, riu um pouco e nos disse:

- Sou de Ortigueira, na realidade da localidade denominada Serra dos Mulatos.

Como eu conhecia bem aquela região, elogiei sua beleza natural, ressaltando a bela mata e a serra em si, passando a lhes narrar um episódio ocorrido comigo naquele local:

“Estando viajando com mais dois amigos e, ao passar pela Serra dos Mulatos, um deles comentou que gostaria de comprar mel de um produtor, pois naquela região quase todos os sitiantes eram pequenos apicultores. Então resolvemos adentrar no primeiro sítio que encontrássemos para tentar comprar o mel desejado.

“Fizemos isso e ao encontrar um portão bem feito e ladeado por plantas ornamentais, seguimos pela estrada bem cuidada até que chegamos a uma residência toda pintada de banco e com um jardim florido na frente.

“Batemos palmas e um senhor, apresentando-se como Bianor de Almeida, nos atendeu. Após explicarmos o que queríamos, ele nos disse ter mel de alguns tipos (conforme a flor de onde era extraído o néctar), sendo que o melhor deles era o de flor de laranjeira, que estava sendo centrifugado e que isso demoraria um pouco, mas que entrássemos para esperar.

“Então convidou-nos para ir até o barracão onde estava sendo executada a centrifugação, mas antes pediu-nos licença e entrou na casa, voltando logo em seguida. Ao chegarmos ao barracão onde o mel era beneficiado, vimos um jovem girando a manivela de uma centrífuga manual. O mel, separado da cera, caia num recipiente de metal passando por uma peneira onde ficavam algumas impurezas. Ele nos mostrou as instalações, bem como os tipos de mel que produzia: de capixinguí, de eucalipto e o de laranjeira, explicando-nos também os procedimentos para a coleta dos variados néctares.

“A seguir, verificando a quantidade de mel no recipiente de metal, pegou alguns vidros e encheu-os com o líquido dourado através de uma torneirinha. Então convidou-nos para irmos até à sua residência que era uma casa simples, mas de muito bom gosto, com muitas flores no jardim e tendo na frente uma ampla varanda também com diversas folhagens ornamentais. Num amplo anexo, havia uma grande cozinha para onde ele nos dirigiu apresentando-nos à senhora sua esposa. Era uma cozinha muito bem cuidada, com um grande fogão de barro aos fundos e, sobre o mesmo em varas nas dependuradas nas vigas, com arame, havia abundância de defumados como linguiça e peças de suíno. Sobre a mesa coberta com uma bela toalha e ladeada por bancos de madeira, já estavam arrumadas as xícaras, tendo no meio um grande pão caseiro, uma broa de centeio, um pote com mel e biscoitos caseiros de polvilho.

“O Sr Bianor convidou-nos a sentar e nós não nos fizemos de rogados, pois era um verdadeiro banquete o que se encontrava à nossa disposição, complementados por café, leite e linguiça frita. Escusado dizer o tanto que comemos, parecia que havíamos voltado da guerra. O casal sentou-se conosco e logo entabulamos uma gostosa conversa, na qual ele contou-nos ser ali mesmo da região e ter dois filhos que estudavam em Curitiba vindo somente em feriados prolongados ou nas férias. Disse também que gostavam muito quando recebiam visitas, pois isso era raro.

“Apresentamo-nos também e quando eu disse-lhes ser natural de Jaguariaíva, disse-me conhecer um amigo que morava lá, deu-me seu nome e, por coincidência, tratava-se de meu avô materno, que já havia falecido há alguns anos.

“Após terminarmos o lanche, conversamos mais um pouco e lhe dissemos estar na hora de ir, pois já se fazia tarde.

“Meu amigo pediu-lhe cinco vidros de mel e o outro um. Eu disse-lhe que levaria dois. Ele preparou uma caixinha com os vidros e disse que nada cobraria, pois havíamos lhe dado grande prazer com a visita e a conversa. Fizemos-lhe ver que isso não seria justo, pagamos e nos despedimos, sendo que eu disse-lhe vir visitá-lo em outra ocasião, o que acabou não ocorrendo.”

Quando concluí o relato, percebi que o gerente tinha um sorriso nos lábios, dizendo:

- Senhor George, coincidências sempre acontecem, mas como a de hoje foi uma coisa incrível, pois o Sr. Bianor de Almeida era o meu pai, e o senhor esteve em minha casa quando eu estudava na capital!

Fonte:
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.
Ebook enviado pelo autor.

Estro Poético n. 1


 Alfredo dos Santos Mendes
Lagos/Portugal

Glosa:
A Rosa


MOTE:
A rosa que tu me deste,
Peguei-lhe, mudou de cor,
Tornou-se, de azul celeste,
Como o céu do nosso amor!
JOÃO DE DEUS


GLOSA:
 Muitos anos já passaram.
E muitas rosas murcharam,
Menos a que me trouxeste.
Ao vê-la tão delicada,
Penso estar enfeitiçada…
A rosa que tu me deste.
 
Tenho por ela ternura.
Pois sei que a sua frescura,
Simboliza nosso amor.
Hoje a prova me foi dada,
Por estar contigo zangada,
Peguei-lhe, mudou de cor.
 
As suas folhas mirraram.
Foram caindo e ficaram,
Perdidas no chão agreste.
Desesperada chorei.
E assim que a rosa beijei,
Tornou-se, de azul celeste.
 
Foram horas de magia.
E a partir daquele dia,
Foi-se o ciúme e a dor.
E logo nesse momento,
Ficou um céu luarento,
Como o céu do nosso amor.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *  

AFONSO ALVES FRANCISCO
Paraná


Utopia

Pequeno eu sou
grande eu queria ser
ir além do além
além do infinito
ser maior do que os sonhos
de tudo eu saber
um ser tão grande
que não pudesse ser finito.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ANA MARIA NASCIMENTO
Ceará


Glosa:
Ser Imortal

MOTE:
Quando a morte nos ocorre
Deus vem aqui nos buscar
pois o trovador não morre...
muda apenas de lugar.
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

GLOSA:
Quando a morte nos ocorre
deixando consternação
nosso Bom Pai nos socorre
no momento da aflição.

Quem faz verso sempre diz
Deus vem aqui nos buscar,
por isso aceito feliz
seguir para o novo lar.

E chegando ao céu discorre
com total encantamento
pois o trovador não morre...
com esse acontecimento.

Fazendo verso, afinal,
consegue logo julgar
que aquele que é imortal
muda apenas de lugar.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

A. A. DE ASSIS
Maringá/PR


Teu beijo pela internet,
vem sempre com tal calor,
que qualquer dia derrete
meu pobre computador
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ANA PAULA COSTA BRASIL
Santana de Parnaíba/SP


Você!

Corri... como corri
Para pular em seu colo
Fundir nossos corpos
Morder seus lábios
Acariciar seu corpo... sentir sua pele
Provar de seu gosto... descobrir minha alma
Mesclar nossos braços... misturas os cabelos
Entrelaçar nossas pernas
Mas... Corri... como corri
Quando vi que você não era você
Que eu nem mesmo conhecia você
Eu fantasiava... construía um você
Como corri por não saber quem é esse outro você
Que não é o meu você
Você... meu você
Fez-me viver... fez-me voltar a sonhar
Fez-me querer... fez-me fazer
Você... o outro você
Fez-me chorar... fez-me sofrer
Fez-me esquecer
O quanto amei
Oh! Meu você
O você que construí para amar
O meu você
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
APARECIDO DONIZETTI HERNANDEZ
Itapevi/SP

Amor Oculto
 
Quanto te esperei... quanto te esperei!...
Não viestes..., onde estavas?
Não respondas, eu sei...
Estavas junto aos anjos.

Te esperei... e quanto te esperei!...
Não perguntarei onde estavas,
Pois sei, estavas junto aos anjos
Esperando a hora de vires,
Mas será que é essa a hora?!
Quanto te esperei!... esperei...

Somente agora os anjos a deixas vir,
Deixarás os céus com anjos tristonhos
E me fará feliz!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

RAFAEL DOS SANTOS BARROS
Pernambuco


As Mãos de Vitalino

Vitalino com mãos sujas e santas
modelava em barro os nordestinos
e transportava a dor e os desatinos
para os bonecos tantas vezes, tantas.

Bonecos mudos, quantas vezes quantas,
Minha alma cega por meus olhos viu?
A tua dor meu coração sentiu
no canto triste que ainda hoje cantas.

Soprou a vida num boneco mudo
que sem falar, assim, dizia tudo
dos nordestinos, dos desatinos seus,

advertência dos que nascem pobres
pelas mãos rudes que ficaram nobres,
abençoadas pelas mãos de Deus.
================
Vitalino Pereira da Silva nasceu no dia 10 de julho de 1909, no Sítio Campos, em Caruaru, Pernambuco. Seu pai, humilde lavrador, preparava o forno para queimar peças de cerâmica que sua mãe fazia, para melhorar o orçamento familiar. E sua mãe, artesã, preparava o barro que ia buscar nas margens do Rio Ipojuca. Depois, sem usar o torno, ia fazendo peças de cerâmica utilitária, que vendia na feira. Levava a cerâmica nos caçuás (cestos grandes) colocados nas cangalhas do jegue (burrico). Com apenas seis anos (1915), Vitalino iniciou-se na arte do artesanato de barro. O material que ele usava para as suas peças era o massapê, que retirava da vazante do Rio Ipojuca e transportava em balaios para casa. O barro era molhado e deixado em um depósito por dois dias para ser curtido, sendo então amassado e modelado. As peças eram cozidas em forno circular, construído ao ar livre, atrás da casa.

Sua capacidade criadora se desenvolveu de tal maneira que acabou se tornando o maior ceramista popular do Brasil.  No início, a aplicação da cor nos bonecos era feita com barro de diferentes tons — tauá, vermelho, branco. Depois, Vitalino passou a usar produtos industriais na pintura dos seus bonecos. As peças da primeira fase não possuíam marca de autoria. Posteriormente, o artista passou a assinalar com lápis e tinta preta as iniciais V.P.S., no reverso da base dos grandes grupos, e, a partir de 1947, começou a utilizar o carimbo, também de barro, com as mesmas iniciais V.P.S., adotando, em 1949, o seu nome de batismo. Casado com Joana Maria da Conceição, teve 18 filhos e, destes, somente cinco viveram até a idade adulta. Dono de um grande talento musical, aprendeu a tocar pífano (espécie de flauta sem claves e com sete furos) e, com apenas 15 anos, montou sua própria banda, a Zabumba Vitalino.

Mestre Vitalino morreu de varíola aos 20 de janeiro de 1963 A partir dessa época, os bonecos de barro de Vitalino ganharam fama como obras de arte e passaram a percorrer o Brasil e o mundo. Sua produção é estimada em cerca de 130 peças, que são cuidadosamente reproduzidas pela família. (Fonte: http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=908)

* * * * * * * * * * * * * * * * * *

DIANA CAMARGO
São Sepé/RS


É Tempo de Primavera

É tempo de primavera...
De flores e cores por todos os cantos
Pássaros em bandos que revoam seus cios
E cantam frenéticos no encanto da amada.
É tempo de primavera...
Que leva pra longe os dias sombrios
E traz numa brisa o cheiro suave
Das belas floradas dos grandes ipês.
É tempo de primavera
Da vida que brota por todos os lados
Beija-flores alegres multicoloridos
De flores em flores em busca do néctar.
É tempo de primavera...
E a vida é mais leve nas ruas e parques
Sorrisos estampam os rostos alegres
Parece que o sol fica mais radiante.
É tempo de primavera!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

MARILENE BORBA
Osório/RS


Inspiração de Um Poeta
     
Quisera ser a água
de uma fonte cristalina.
Quisera ser uma flor, o sol, as estrelas
que o poeta ilumina
a fazer um verso, dois, vários...
e vibrar com uma poesia, com um poema
que fale de amor, de alegria, de paz,
de acalanto
e até de desencanto,
pois o poeta também sente dor.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Quadra Humorística

Quem fala de mim, quem fala?
Quem fala de mim, quem é?
É algum chinelo velho
que não me serve no pé.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

JUSSÁRA C. GODINHO
Caxias do Sul/RS

Nascimento e Morte de um Rio
 
Nasci sereno
manso e cristalino
por entre os verdes
doce vale menino

Cresci robusto
forte e valente
e fui andando
emocionando gente

Atravessei cidades
quase poderoso
mas tanta maldade
Deixou-me horroroso

Os lixões, lixos, lixinhos
Deixaram-me malcheiroso
afogaram meus peixinhos
Não sou mais um rio garboso
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

LÍGIA ANTUNES LEIVAS
Pelotas/RS


De dor ou de amor...

Somos presença fugidia
Somos ao mesmo tempo
solidão e multidão
desapego e rebeldia;
- E o próximo minuto?
...total imprevisão:
- De amor ou de dor?
Apenas de perplexidade
ante a perenidade
...momentânea...
desse apenas
   segundo
cheio de eternidade
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ANTÔNIO ROBERTO FERNANDES
São Fidélis/RJ, 1945 – 2008, Campos dos Goytacazes/RJ


Emoção

Quando não há mais nada a ser falado,
quando os olhares não se cruzam mais,
é hora de se ver que há algo errado
nos relacionamentos conjugais.

Já não importa aí quem é culpado,
nada resolvem cenas passionais
nem simpatias contra o mau-olhado
ou conselheiros matrimoniais.

É o fim. Pronto. Acabou. Não tem mais jeito.
Se, de emoção, um dia ardeu o peito
que dela reste uma lembrança boa.

Não se deve é fechar-se numa esfera,
sem ver que pode estar à nossa espera
outra emoção no olhar de outra pessoa.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

LUCAS COZZA BRUNO
São Paulo/SP


Retrato do Passado

Memórias que nunca
vão ser esquecidas,
memórias que
marcam histórias;
histórias que
são tesouros e insucessos,
registros que
não se apagam
como os que trazem sorte:
os trevos de quatro folhas.
Nunca me esquecerei
das histórias felizes,
onde tive grandes conquistas,
vidas impressas
e reveladas
numa folha de papel
que nunca serão
deixadas de mão...
...ou melhor, da memória.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

REGINA BERTOCCELLI
São Paulo/SP


Rondel:
Através da vidraça

 
Através da vidraça vejo o céu nublado
e os respingos da chuva na calçada.
Sozinha, penso no meu amado
com a alma angustiada.

Em breve virá a madrugada
e muito já terei chorado.
Através da vidraça vejo o céu nublado
e os respingos da chuva na calçada.

Sopra um vento forte e gelado
que estremece a janela molhada.
Com o coração triste e encarcerado
repouso minh'alma extenuada.
Através da vidraça vejo o céu nublado...
=============
Rondel é uma variação do francês “Rondeau” (plural = rondeaux). É um poema de estrutura rígida, composto sempre por duas quadras e uma quintilha, de modo que os dois primeiros versos da primeira quadra repitam-se no final da segunda, e o primeiro verso da primeira quadra feche a quintilha e, conseqüentemente, o poema. As rimas podem seguir, também, uma estrutura fixa, do tipo ABAB BAAB ABABA, mas a métrica é livre (o dicionário Houaiss diz: “(...) sem esquema fixo de rima ou de metro”.

Quanto às suas origens, remontam ao período medieval. O rondel possui uma clara semelhança com a “bailada” galego-portuguesa e com a balada provençal, ambas medievais. Especula-se, ainda, sobre sua possível origem latino-medieval, dada a existência de rondéis latinos, e também se tem pensado que se trata de forma popular adaptada às modas da corte.

É um termo também usado na música clássica (rondó) e designa um movimento no qual um tema é repetido periodicamente, com ou sem modificações, no padrão A B A C A D, etc., onde A é o tema recorrente e B, C, D, etc. são temas ou desenvolvimentos diversos.

* * * * * * * * * * * * * * * * * *

NELCI MELLO
Maringá/PR


Construção

Construí minha morte.
O ingênuo faz o dia, a vida, o futuro.
Que futuro?
Nascituros condenados. Todos.
Só a morte é perene e bela, quando construída.
Despedi-me a cada aurora, a cada tarde, na poesia à mesa.
Mesmo no silêncio, despedi-me a cada instante.
Contei da minha morte pelos olhos deitados sobre ti
E te amei até morrer.
- Bela morte – a Construída.

(Poesia agraciada com Menção Honrosa no concurso Servir com Arte - 2008, da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência do Estado do Paraná)
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

MESSODY RAMIRO BENOLIEL
Rio de Janeiro/RJ


Inveja
maltrata
enruguece
somente
invejosos
contumazes
= = = = = = = = =
Aldravia trata-se de um poema sintético, capaz de inverter ideias correntes de que a poesia está num beco sem saída. Essa forma nova demonstra uma via de saída para a poesia – aldravia. O Poema é constituído numa linométrica de até 06 (seis) palavras-verso. Esse limite de 06 palavras se dá de forma aleatória, porém preocupada com a produção de um poema que condense significação com um mínimo de palavras, conforme o espírito poundiano de poesia, sem que isso signifique extremo esforço para sua elaboração.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE


Quem me dera acontecer
por um só dia ser rei,
em versos imprimiria
um real decreto-lei:
que caia "Chuvas de Versos",
pra saciar os mais dispersos
corações da nossa grei!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP,  1890 – 1969,  São Paulo/SP


Haicai:
Mocidade


Do beiral da casa
(telhas novas, vermelhas!)
vai-se embora uma asa.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

RACHEL RABELO
Pernambuco


Ser tão sertão

No trajeto vislumbro tais belezas
das paisagens de luz deste sertão,
que são típicas desta região
completando meu ser de sutilezas.

O teu povo traduz as realezas
conquistadas nas artes da paixão,
na poesia que vem do coração
retratando histórias e certezas.

Lá teu sol nasce já metrificado
vem na chuva um canto ritmado
entoando os ensaios da natura;

tua noite tem brilho diferente
que envolve num manto transparente
as sementes da arte e da cultura!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

BELMIRO BRAGA
Vargem Grande/MG, 1870 – 1937, Juiz de Fora/MG


Epigrama

– Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna,
ao falar, de instante a instante,
vai esmurrando a tribuna.
E quem o conhece, sente,
por mais ingênuo e simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório.
= = = = = = = = =
Epigrama (do Grego, literalmente, "sobre-escrever"), é uma composição poética breve que expressa um único pensamento principal, festivo ou satírico, de forma engenhosa.
O Epigrama foi criado na Grécia Clássica e, como o significado do termo indica, era uma inscrição que se punha sobre um objeto - uma estátua ou uma tumba, por exemplo.
Os epigramas sobre as tumbas formaram uma classe à parte e se denominaram Epitáfios ou Epicédios, designando um poema engenhoso que tinha a característica de ser breve, para poder passar por rótulo ou inscrição.
A maioria dos epigramas gregos pode ser encontrada na Antologia Palatina. Além dos gregos, destacaram-se na composição de epigramas os romanos Catulo e Marco Valerio Marcial.  (Fonte: Wikipedia)

* * * * * * * * * * * * * * * * * *

EFIGÊNIA COUTINHO
Balneário Camboriú/SC


Meu Gato

Meu gato é uma tentação,
Fez em meu coração seu ninho
Deixando-me sentir toda magia
Do seu amor em plena energia,
Aplacando minha sofreguidão,
Ele vem sempre de mansinho,
Com seu olhar me encantando,
Com seus pelos macios me acarinhando,
Arrancando de mim muito tesão.
Que gato mais manhoso!
Se em seu trabalho se estressa,
Comigo muda de opinião,
Pois eu vou mais que depressa,
Faço-lhe um carinho bem gostoso,
Sossegando o seu coração.
Assim tudo vira uma folia,
Quando o meu gatinho chega,
Em meu colo ele se aconchega
E de afagos me extasia!
Ó meu Gatinho!...
Como eu adoro seu carinho!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ALEXANDRE O’NEILL
(Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill de Bulhões)
Lisboa/Portugal, 1924 - 1986


Cão
 
Cão passageiro, cão estrito,
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara-lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado,
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
De remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, cão tétrico, maldito,
A desfazer-se num ganido,
A refazer-se num latido,
Cão disparado: cão aqui,
Cão além, e sempre cão.
Cão amarrado, preso a um fio de cheiro,
Cão a esburgar o osso
Essencial do dia a dia,
Cão estouvado de alegria,
Cão formal de poesia,
Cão-sonêto de ão-ão bem martelado,
Cão moldo de pancada
E condoído do dono,
Cão: esfera do sono,
Cão de pura invenção, cão pré-fabricado,
Cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,
Cão de olhos que afligem,
Cão-problema…
Sai depressa, ó cão, deste poema!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

MARCOS ASSUMPÇÃO
Niterói/RJ


A Mágica Que Existe Em Você
 
 Não é preciso mágica pra pensar
Pra descobrir que nenhuma força
É maior do que pensar só em coisas boas,
E que nada é melhor que abrir a janela
Todos os dias e dizer pro mundo
Que acreditar em sonhos sempre.
 
Vale a pena.
Não é preciso mágica pra ter coragem
Pra descobrir que ela tá guardada
Dentro de cada um de nós
E que espantar seus medos e incertezas,
Bater no peito e dizer
Que o mundo lá fora te espera,
Também vale a pena.
 
Não é preciso mágica pra ter um coração
Pra descobrir que o que bate dentro do peito
É a esperança e o amor
E que só eles podem mudar
O mundo e nos fazer sonhar
Porque o sonho é a mágica
Que existe em nós.
 
Não é preciso mágica , basta abrir os olhos
E enxergar dentro de você.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

JOÃO BATISTA DOS SANTOS
Ubiratã/PR


Se o final for hoje e,
suas palavras não voltarem,
leve as recordações sublimes,
que o passado maquinou aos dias…

Leve os beijos suaves,
que na loucura de amar,
ficaram para as noites,
queimando como brasas,
se acendendo a todo instante…

Se o final for hoje,
não se esqueça de meu corpo
que te esperava nas tardes,
que os domingos encantaram…

Se o final for hoje,
olhe para o céu azul.
Talvez lá eu passe,
acenando-te com minha mão!

Deixarei cair lágrimas,
que o nosso amor reservou,
finalizando na canção da tarde…
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

CONSTÂNCIO ALVES
Salvador/BA, 1862 – 1933, Rio de Janeiro/RJ


Epitáfio

Quando ele exalou sua alma,
quem estava perto, se quis
levar aos olhos o lenço,
levou o lenço ao nariz.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Guy de Maupassant (O Ferrolho)


Os quatro copos diante dos convivas conservavam-se agora meio cheios, o que indica geralmente que os convivas o estão de todo. Começava-se a falar sem escutar as respostas, cada qual se ocupava apenas de si, e as vozes alteravam-se, os gestos exuberantes, os olhos brilhantes. Era um jantar de solteirões, de velhos solteirões endurecidos. Tinham eles fundado aquele jantar periódico uns vinte anos atrás, intitulando-o “O celibato”.

Eram, nessa altura, catorze, bem resolvidos que permaneceram solteiros. Restavam agora apenas quatro. Três estavam mortos, e os outros sete casados. Esses quatro aguentavam-se; e observavam escrupulosamente, tanto quanto as suas forças permitiam, as regras estabelecidas no começo dessa curiosa associação. Tinham jurado desviar do que se chama o bom caminho todas as mulheres que pudessem, especialmente as dos amigos mais íntimos. De maneira que, mal um deles abandonava a sociedade para fundar família, tinha o cuidado de se zangar irremediavelmente com todos os seus companheiros. Deviam, também, em cada jantar, confessar-se, contar, com todos os pormenores, todos os nomes, todos os mais precisos esclarecimentos, as suas últimas aventuras. Daí, essa espécie de rifão familiar entre eles: “Mentir como um celibatário.”

Professavam, além disso, o mais completo desprezo pela Mulher, a quem consideravam “animal de prazer”. Citavam, a cada momento, Schopenhauer, o seu deus; reclamavam o restabelecimento dos haréns e das rodas, tinham mandado bordar nas toalhas e nos guardanapos, que serviam para o jantar do Celibato, esse preceito antigo: Mulier, perpetuus infans e, por baixo, o verso de Alfred de Vigny: A mulher, criança doente e doze vezes impura!

De modo que, à força de desprezarem as mulheres, não pensavam noutra coisa, só para elas viviam, dedicavam-lhes todos os seus esforços, todos os seus desejos. Aqueles que tinham casado chamavam-lhes velhos gaiteiros, faziam troça e temiam-nos. Era no momento do champanhe que deviam principiar as confidências no jantar do Celibato. Nesse dia, os velhos... — porque já estavam velhos e quanto mais envelheciam mais surpreendentes aventuras contavam... — os velhos foram inesgotáveis. Cada um dos quatro, nesse último mês, tinha seduzido, pelo menos, uma mulher por dia; e que mulheres! As mais novas, as mais fidalgas, as mais ricas, as mais belas!

Tendo terminado as suas narrativas, um deles, aquele que, tendo falado primeiro, escutara depois os outros, levantou-se:

— Agora que acabamos com as mentiras, proponho-me contar-lhes, não a minha última, mas a primeira aventura da minha vida; a minha primeira queda (porque foi uma queda) nos braços de uma mulher. Oh! não lhes quero narrar o meu... como dizer-lhes?... a minha iniciação, não. “O primeiro fosso transposto... (digo fosso figurativamente), não tem nada de interessante. É realmente lamacento, e um homem sai de lá um pouco sujo, com uma encantadora ilusão de menos, um vago nojo, uma pontinha de tristeza. Essa realidade do amor, a primeira vez que se lhe toca, repugna um pouco; sonhava-se bem outra, mais delicada, mais fina. Fica-nos uma sensação moral e física de repugnância, como quando tocamos por acaso em coisas pegajosas e não temos água para nos lavarmos. Por mais que se esfregue, a imundice fica.” Fica, mas como nos habituamos, e depressa! Se habitua! Entretanto... entretanto, pela minha parte, sempre lamentei não ter podido dar conselhos ao Criador no momento em que ele organizou esta coisa. O que teria eu imaginado? Não o sei ao certo; mas creio que a teria disposto de outra forma. Havia de procurar alguma combinação mais decente e mais poética; sim, mais poética.

“Acho que o Padre Eterno se mostrou realmente muito... muito... naturalista. Faltou-lhe a poesia na sua invenção.

“Ora pois, o que eu lhes quero contar é a minha primeira mulher de sociedade, a primeira mulher de sociedade que seduzi. Porque, ao princípio, somos nós que nos deixamos apanhar, enquanto depois... sucede o mesmo.

“Era uma amiga de minha mãe, mulher aliás encantadora. Criaturas dessas, quando são castas, é geralmente por estupidez, e quando lhes dá para o amor, são furiosas. Acusam-nos de as corrompermos! Uma coisa assim... Com elas, é sempre a lebre que principia e nunca o caçador. Oh! bem sei que não dão mostras de se mexer, mas mexem-se; fazem de nós quanto querem sem o parecer; e depois acusam-nos de as termos perdido, desonrado; aviltado, sei lá!

“Aquela de quem falo sentia seguramente um furioso desejo de se fazer aviltar por mim. Teria trinta e cinco anos; eu apenas contava vinte e dois. Pensava tanto em a seduzir como em me fazer frade. Um dia, pois, como a visitasse e visse espantado como estava vestida, um roupão consideravelmente aberto, aberto como a porta de igreja quando toca para a missa, pegou-me na mão, apertou-a, vocês sabem, apertou-a como elas apertam em tais momentos — e com um sorriso meio estático, suspirando profundamente, disse-me: “Oh! Não olhe para mim desse modo, meu filho!”

“Pus-me mais vermelho que um pimentão e ainda mais tímido que de costume, naturalmente. Bem desejava sair dali, mas ela segurava-me a mão, e com firmeza... Colocou-a sobre o seu peito, um peito abundante, e disse-me:

“Veja, veja como o meu coração palpita.” E era verdade, ele batia. Eu começava a fechar a mão, mas não sabia como fazer aquilo nem por onde principiar. Mudei depois.

“Como eu continuasse com a mão sobre o seio dela, com a outra mão a segurar o chapéu, e continuasse a olhá-la com um sorriso confuso, um sorrir apalermado, um sorriso de medo, ela endireitou-se de repente e, num tom irritado: “Oh! O que faz, jovem, é indecente e mal-educado.” Retirei a mão bem depressa, deixei de sorrir e balbuciei umas desculpas, e levantei-me, e saí atordoado, de cabeça perdida.

“Mas tinha sido apanhado, sonhei com ela. Achava-a encantadora, adormeci, imaginei que a amava, que a tinha amado sempre, e decidi ser empreendedor até à temeridade.

“Quando a voltei a ver, ela teve para mim um pequeno sorriso de soslaio. Oh! Como esse pequeno sorriso me perturbou! E o seu aperto de mão foi longo, de uma insistência significativa.

“A partir desse dia fiz-lhe a corte, ao que parece. Ela, pelo menos, afirmou-me depois que eu a tinha seduzido, atraído, desonrado, com um raro maquiavelismo, uma habilidade consumada, uma perseverança de matemático e velhacarias perversas.

“Mas uma coisa me perturbava estranhamente. Em que lugar se realizaria o meu triunfo? Eu vivia com a família, e a minha família, nesse ponto, mostrava-se intransigente. Eu não tinha a audácia necessária para transpor, com uma mulher pelo braço, uma porta de hotel em pleno dia; não sabia a quem pedir conselho.

“Ora, a minha amiga, conversando jovialmente comigo, afirmou-me que todo o rapaz devia ter um quarto na cidade. Nós habitávamos em Paris. Foi um raio de luz; aluguei um quarto, e ela foi lá.

“Foi lá num dia de novembro. Essa visita, que eu quisera adiar, perturbou-me muito porque não tinha lume. E não tinha lume porque a chaminé estava entupida. Justamente na véspera tinha eu feito uma cena ao senhorio, antigo negociante, e ele prometera-me vir pessoalmente com o limpa-chaminés, dentro de dois dias, para examinar atentamente as obras que havia para fazer.

“Apenas ela entrou, eu declarei-lhe: “Não tenho lume, porque a chaminé está entupida.” Ela nem deu mostras de me escutar, balbuciou: “Não faz mal, tenho-o eu...” E como eu ficasse surpreendido, ela calou-se, toda confusa; depois, continuou: “já nem sei o que digo... estou louca... perco a cabeça... Que faço eu, Senhor? Porque vim eu aqui, infeliz? Oh, que vergonha! Que vergonha!...” E atirou-se, soluçando, nos meus braços.

“Acreditei nos seus remorsos e jurei-lhe que a respeitaria. Então, ela atirou-se-me aos pés, gemendo: “Mas não vês que te amo, que me venceste, que me enlouqueceste!

“Julguei oportuno começar logo as hostilidades. Mas ela estremeceu, levantou-se, fugiu até um armário para se esconder, exclamando: “Oh! Não olhes para mim, não, não! Envergonho-me à luz do dia. Se tu ao menos me não visses, se estivéssemos às escuras, de noite ambos... Que pesadelo! Oh! A luz do dia!”

“Corri para a janela, fechei as portadas, cruzei os cortinados, pendurei um sobretudo numa fenda de luz que passava ainda; depois, com as mãos estendidas para não tropeçar nas cadeiras, o coração palpitante, procurei-a, encontrei-a.

“Foi uma nova viagem, a dois, às apalpadelas, os lábios unidos, para o outro canto, onde era a minha cama. Não íamos a direito, decerto, porque encontrei primeiro o fogão, depois a cômoda, depois, enfim, o que procurávamos

“Esqueci então tudo, num êxtase frenético. Foi uma hora de loucura, de arrebatamento, de sobre-humana loucura; depois, tendo-nos invadido uma deliciosa lassidão, adormecemos nos braços um do outro.

“E sonhei. Mas eis que em sonho me pareceu que me chamavam, que gritavam por socorro; depois, recebi uma pancada violenta; abri os olhos!...

“Oh!... o sol poente, vermelho, magnífico, entrava de roldão pela minha janela escancarada, parecia olhar-nos da linha do horizonte, iluminava com um clarão de apoteose o meu leito tumultuoso, e deitado sobre ele uma mulher desvairada, que gritava, esbravejava, contorcia-se, agitava-se de pés e mãos para agarrar uma ponta de lençol, um pedaço de cortina, qualquer coisa, enquanto de pé no meio do quarto, atarantados, lado a lado, o meu senhorio, de sobrecasaca, acompanhado pelo porteiro e por um limpa-chaminés preto como o diabo, nos contemplavam estupefatos.

“Ergui-me furioso, prestes a saltar-lhe ao pescoço, e gritei: “Que fazem vocês aqui, com mil raios?”

“O limpa-chaminés, perdido de riso, deixou cair a folha de ferro que levava na mão. O porteiro parecia aparvalhado; e o senhorio balbuciou: “Mas, senhor, nós vínhamos... vínhamos... por causa da chaminé.” Berrei: “Desapareçam, com mil diabos!”

“Ele então tirou o chapéu com ar confuso e polido e, saindo recuando, murmurou: “Perdão, senhor, queira desculpar; se eu soubesse que o incomodava, não vinha. O porteiro afirmou-me que o senhor tinha saído. Queira desculpar.” E partiram.

“Desde então, meus amigos, não fecho nunca as janelas, mas verifico sempre as fechaduras.”
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
Conto publicado originalmente em 1882.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 19

 

Mia Couto (Homem no leito)


Lázaro está no leito de morte. No quarto se obscurecem muitos familiares. O velho tio está sobre a esteira sem roupa, mais despido que um sapo. Passaram dias de coma, sem comer, sem beber. Apenas lhe entornam, de vez em quando, uma tanta água. Não bebe pela boca, bebe pelo corpo. Assim dizem os fúnebres acompanhantes.

Nessa tarde, porém, o moribundo ergue a mão, num aceno de lenço murcho.

- Está a chamar!

Os parentes se aproximam, curiosos. O moribundo mantém-se de olhos fechados. Agora respira com mais peito. Começa a balbuciar, quase insonoro.

— Está a falar! Calem-se...

Debruçam se sobre o leito para melhor escutar. A voz dele vai ganhando contornos.

— Dois, dois pássaros.. .

Os presentes se entreolham. Dois pássaros? O homem está a delirar. Uma das mulheres entoa um choro. Uns se alarmam: visões de ave não trazem boas novas.

— Calem, não façam barulho. Estou a falar...

Era o moribundo, mais ciente e ordenoso. Já todo instalado na voz, prosseguiu:

— Me entraram dois pássaros nos olhos.

Os familiares estranharam. Houve quem gargalhasse. Mas o receio dominou: afinal, o tio falava de olhos fechados. E houve quem recriminasse:

— Lázaro, pá! Não brinca conosco. Nós estamos aqui, nas lágrimas.

— Estou a falar.

Ouvissem-no, então. Porque, segundo dizia, dois pássaros o tinham levado, ele subira em asas, voara de sonhar, se azulara por nuvens e alturas.

— Andei por lá, estes dias, sabem que eu vi?

Ninguém respondeu. Tio Lázaro falava sempre de olhos fechados. Mas mesmo antes, em saúde e vida, ele cerrava os olhos quando palavreava.

— Vi pedras. Há pedras lá no céu, pedras de cores, cores redondas. E vi mais. Vi ovos de montanha.

Mais risos.

— São ovos de onde nascem as montanhas.

Lázaro agarra o braço de um dos filhos e aperta o com força. O filho faz um esgar e, a chorar, avisa os outros:

— Ele está a me aleijar!

O moço, aflito, roga para que os mais velhos intervenham. Mas é Lázaro quem mais se ouve:

— Escutam bem. Eu não quero que vocês me enterrem aqui.

As respostas são confusas. Uns dizem: você não vai morrer, papá. Outros perguntam: Mas aqui onde?

— Aqui na terra da terra.

Alguns risos, deflagrações de nervos. O braço do doente se ergue, apontando os céus.

— Há um lugar para vocês me enterrarem lá.

— Fazemos tudo que está no seu desejo. Mas não abre os olhos, pai?

— Não posso, filha.

— É que comprime o peito ouvir o senhor assim. Abra os olhos, lhe peço.

— Não posso. Senão saem os pássaros e eu logo acabo de vez.

De repente, parece que o peito lhe estancou. Morreu? Não. Uma mão lhe força as pálpebras, abrindo os olhos. Ainda alguém tentou evitar aquele gesto. Tarde demais. Pois, no instante, deflagram duas manchas brancas que emergem do rosto. Os familiares se espantam: se trata do não ver da morte? Pela janela se escapam aquelas brevíssimas visões, cegas e luminosas dançarinas.

O homem, todos estão crentes, se definitivou. Contudo, a sua mão está tensa, encerrando um misterioso quê. Abrem lhe com firmeza os dedos. Tomba uma pedra negra que se quebra em casca. Parece um ovo. E, de dentro desse vazio, começa a emergir uma montanha.

Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) L


NOSSA LUA!

(Dedicada a Poetisa Maria Lua)

MOTE:
Saturno tem trinta e uma;
Friburgo, uma lua apenas...
Vantagem dele?...Nenhuma:
- A nossa vale centenas!
A. A. de Assis
Maringá/PR

GLOSA:

Saturno tem trinta e uma
luas lindas, ao redor,
mas nunca encontrei alguma
melhor que a nossa...melhor!

Em nossa bela cidade:
Friburgo, uma lua apenas...
mas nos dá felicidade
com suas luzes serenas!

Muitas luas, meio à bruma
tem Saturno, com certeza...
Vantagem dele?...Nenhuma:
a nossa tem mais beleza!

Com sorriso de mulher
e perfume de açucenas
é mais do que outra qualquer...
A nossa vale centenas!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

CADEIRA DE RODA...

MOTE:
A dor em mim, virou moda,
mas sofrer não me faz medo;
minha cadeira de roda
pra mim, já virou brinquedo.
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

GLOSA:
A dor em mim, virou moda,
mas eu já me acostumei,
já mais nada me incomoda,
minha cruz, eu aceitei!

Sofro bastante, é verdade,
mas sofrer não me faz medo;
alcanço a felicidade,
mudando, da vida, o enredo!

Lancei, então, a antimoda
para quem não pode andar...
Minha cadeira de roda
já sabe onde me levar!

É bem fácil ser feliz!
Espalhem o meu segredo:
Não ter o que, um dia, quis,
pra mim, já virou brinquedo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

QUE VALE?

MOTE:
No mundo de crenças mortas,
que vale Deus escrever
correto, por linhas tortas,
se os homens não sabem ler?
Arlindo Tahagen
Juiz de Fora/MG

GLOSA:

No mundo de crenças mortas,
onde a fé, não mais existe,
fecham-se todas as portas
e tudo fica mais triste!

Se o que impera é a insensatez,
que vale Deus escrever,
com saber e lucidez,
se as palavras vão morrer?

És humano e não te importas
com tudo que fala, Deus,
correto, por linhas tortas,
nos ensinamentos seus!

E a humanidade sem luz,
segue o rumo, sem saber,
que é bem mais pesada a cruz
se os homens não sabem ler!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

OUVIR ESTRELAS

MOTE:
Eu quisera ouvir estrelas,
ter ouvidos pra escutá-las,
ser poeta pra entendê-las
e trovador para amá-las!
Delcy Canalles
Porto Alegre/RS

GLOSA:

Eu quisera ouvir estrelas,
também, poder enxergá-las,
tendo olhos para vê-las
e mãos para acariciá-las!

Seria grande a emoção
ter ouvidos pra escutá-las,
e ao ouvir linda canção
continuar a apreciá-las!

Nesse meu céu, poder tê-las,
me faz feliz de verdade,
ser poeta pra entendê-las
me traz mais felicidade!

Desejo tudo isso, sim,
para em meus versos, cantá-las
ser um bom poeta, enfim
e trovador para amá-las!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

FALANDO DE DEUS…

MOTE:
Vejo a mata, o céu, o monte,
a fauna, a flora, o poente,
e o cantarolar da fonte
falando de Deus com a gente.
Fernando Vasconcelos
Diamantina/MG, 1937 – 2010, Ponta Grossa/PR

GLOSA:

Vejo a mata, o céu, o monte,
vejo o Sol, fazendo o dia
e a noite sendo uma ponte
por onde passa a alegria!

Vejo as praias, vejo as dunas,
a fauna, a flora, o poente,
que são quais belas fortunas,
que Deus nos dá de presente!

É lindo ouvir no horizonte
uma canção do Universo,
e o cantarolar da fonte
parece a rima de um verso!

Essas belezas, pressinto,
numa emoção comovente,
que estão falando, eu as sinto,
falando de Deus com a gente.

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XXVI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. Junho de 2005.

Irmãos Grimm (Os duendes)


Um sapateiro tinha ficado muito pobre, sem que lhe coubesse a culpa. E por fim só lhe restava um pedaço de couro, para um único par de sapatos. Cortou-o à noite, a fim de aprontá-lo na manhã seguinte e, como tinha a consciência tranquila, deitou-se calmamente, fez as sua orações e adormeceu.

No outro dia, depois da prece matinal, quando ia sentar-se para iniciar o trabalho, viu os sapatos, prontinhos, em cima da mesa. Ficou assombrado, sem encontrar explicação para aquilo. Tomou-os na mão e examinou-os cuidadosamente. Haviam sido feitos com tal capricho, sem nenhum ponto errado, que pareciam uma verdadeira obra de arte.

Logo depois entrou um freguês e, como os sapatos lhe agradassem muito, pagou mais por eles. Com esse dinheiro, o sapateiro pode comprar couro para dois pares. Cortou-os à noite, disposto a trabalhar neles no dia seguinte. Mas não foi preciso: ao levantar-se, lá estavam eles, prontinhos da silva. E também não faltaram os compradores, que lhe deram dinheiro suficiente para que adquirisse couro para quatro pares. Também a esses ele encontrou terminados no outro dia. E assim continuou acontecendo. O calçado que cortava à noite, encontrava concluído na manhã seguinte. Começou a ter boa renda e, por fim, tornou-se um homem rico.

Certa noite, pouco antes do Natal, o sapateiro, que já havia cortado o couro para o próximo dia, antes de deitar-se, disse à mulher:

- Que tal se esta noite ficássemos acordados para ver quem nos presta tão grande auxílio?

A mulher concordou e foi acender uma vela. Depois o casal escondeu-se num canto da sala, atrás de umas roupas ali penduradas.

Ao soar a meia-noite, apareceram dois ágeis e graciosos homenzinhos, muito pequeninos e sem roupa alguma, que se sentaram à mesa do sapateiro. Apanharam todo o couro cortado e, com seus dedinhos, se puseram a costurar, bater e puxar e foi com tanta ligeireza que o sapateiro, assombrado, mal podia acreditar nos seus olhos. Não cessaram até que tudo estivesse pronto e depois desapareceram rapidamente.

No dia seguinte, a mulher disse:

-  Os anõezinhos nos tornaram ricos e devemos mostrar-lhes a nossa gratidão. Com certeza sentem muito frio, andando assim nuzinhos, sem nada em cima do corpo. Sabes de uma coisa? Farei para cada um deles uma camisinha, um casaco, colete e calça, e um par de meias de tricô. Tu poderás fazer-lhes uns sapatos.

Ao que lhe respondeu o homem:

– Parece-me boa ideia!

E, à noite. em vez de couro cortado, puseram os presentes sobre a mesa; depois esconderam-se para ver o que fariam os homenzinhos.

À meia-noite chegaram eles, saltitando, e logo se dispuseram a começar  o trabalho. Quando porém, em vez de couro cortado, encontraram as graciosas peças de roupas, ficaram no princípio admirados, mas logo mostraram imensa alegria. Vestiram-se com incrível rapidez e, alisando as roupas no corpo, puseram-se a cantar:

Não somos rapazes bonitos e elegantes?
Por que continuarmos sapateiros como antes?

Depois saltaram e dançaram, brincando em cima de cadeiras e bancos. Por fim saíram dançando porta fora. Desse dia em diante, nunca mais apareceram. Mas o sapateiro viveu bem pelo resto de sua vida e sempre teve sorte em todos os negócios que fez.

Jaqueline Machado (A Casa dos Espíritos)


Quanto vive o homem afinal? Vive mil anos ou um só? Vive uma semana ou vários séculos? Por quanto tempo morre o homem? O que significa para sempre?

É com essa instigante epígrafe que se dá o início da obra "A Casa dos Espíritos" da chilena Isabel Allende.

A trama trata sobre as trajetórias de duas famílias que formam os pilares da história. O primeiro pilar é a abastada e importante família Del Valle, de Severo e Nívea (que significa neve). Somos apresentados à família Del Valle quando Severo e Nívea se sentam em uma igreja sufocante com seus onze filhos vivos e ouvem o sermão cheio de fogo e enxofre de um padre.

Severo, o pai, aspirante a político, e a mãe, Nívea, lutavam pelo direito ao voto das mulheres. A família Del Valle tem lugar de destaque na sociedade. Eles têm duas filhas: Rosa, a imaculada, com os cabelos verdes, e Clara, que era uma clarividente que se comunicava com o outro mundo, e anotava suas memórias em cadernos.

No outro pilar, a família Trueba, a viúva Ester e os filhos Esteban e Férula se unem para unir Esteban e Clara para formar uma nova família que habitará a grande casa da esquina, no chamado Bairro Alto, onde viviam os afortunados da sociedade,

A casa dos espíritos é uma trama que mistura realidade, espiritualidade e fantasia.

A realidade é demonstrada ao reclamar as desigualdades perturbadoras da sociedade. E o eterno equilibrar-se entre as coisas do mundo físico representada pela rudez e materialismo do fazendeiro Esteban, e as coisas do espírito, representadas pelas intuições e clarividências de Clara, principalmente, depois, ao se tornarem um casal. E a fantasia surge mágica no aspecto físico de Rosa: a bela! Que possuía uma beleza perturbadora, parecia ter sido feita de uma matéria diferente da raça humana. Quando nasceu, a parteira deu um grito de espanto, Rosa era branca, lisa, como uma boneca de porcelana, com o cabelo verde e os olhos amarelos. A criatura mais linda desde os tempos do pecado original, disse a parteira se benzendo.

Ao crescer, a beleza acentuou-se ainda mais. Quando moça, sua pele azulada, os cabelos amarelos, os gestos silenciosos, ofereciam-lhe uma graça marítima, tinha qualquer coisa de peixe... Parecia um ser mitológico. E o cachorro da família, Barrabás, que ao crescer, agigantou-se, também faz alusão à fantasia do livro.

Se violência e atividade são traços masculinos, gentileza e passividade são traços femininos, “A Casa dos Espíritos” mostra que isso não significa que os homens realizam coisas e mudam fatos. Pelo contrário, as mulheres na “Casa dos Espíritos” efetuam mudanças mais duradouras e drásticas do que qualquer um dos homens. Ao passo em que os homens lideram revoluções que derrubam governos, os dons femininos promovem feitos mais duradouros.

A Casa dos Espíritos é uma obra que nos faz refletir sobre o tempo e suas dimensões, sobre o que é finito ou infinito, sobre o que é corpo, o que é espírito, sobre o que é capaz de desassociar o que é magia, do que é real. Será que nos reinos universais, os conceitos de bom e ruim existem?

Na minha humilde opinião aliada à febre do meu inquietante sentir, diz... Todos os tipos de reinos e vidas existem, e suas energias habitam em nós, senão, jamais seriam imagináveis. Só é possível imaginar o que existiu, existe ou existirá... Os olhos da alma não podem imaginar o que de fato é desconhecido...

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro da Mouraria


Urbe antiga, povoada pelo mouros escorraçados pela conquista cristã da cidade. A Mouraria é um labirinto de ruas que sobem da Praça do Martim Moniz em direção ao Castelo de São Jorge. Tão estreitas que, por vezes, o sol apenas consegue espreitar com esforço.

Tão antigo como a nacionalidade, o bairro da Mouraria, após a conquista de Lisboa, em 1147, por D. Afonso Henriques, foi o local escolhido para albergar os mouros que se mantiveram na cidade. Era um território próprio que formava um núcleo populacional afastado dos cristãos. Mas antes da vitória dos cruzados, toda aquela zona era formada por hortas e terras de cultivo.

Os mouros dedicavam-se ao fabrico de azeite e à olaria, ofícios de que restam ainda alguns vestígios, como os velhos lagares. No reinado de D. Manuel l, com a expulsão dos mouros e dos judeus, uma parte do bairro alojou populações cristãs, formando-se assim uma Mouraria a que podemos chamar aristocrática, onde se incluem o Coleginho – o primeiro colégio jesuíta do mundo - a Igreja de São Lourenço e o Palácio da Rosa.

O bairro ganhou má fama quando os marginais e as prostitutas passaram a ser frequentadores assíduos. Como, em regra, uns e outros se dedicavam ao fado, acabou por nascer a fama de que a Mouraria, o fado “canalha”, as cenas de facada e malandragem estavam ligadas por uma espécie de “cordão umbilical”.

Não é possível falar da Mouraria e da Rua do Capelão sem recordar a Severa, célebre fadista que ali morou e morreu com apenas 26 anos de idade.

O labirinto de ruas que compunha a parte baixa da Mouraria desapareceu na primeira metade do século XX, dando lugar ao espaço que é hoje o Largo de Martins Moniz. Com elas desapareceram: a antiga Igreja Paroquial, o Palácio do Marquês do Alegrete e o respectivo Arco.

O Grupo Desportivo da Mouraria, fundado em 1 de Maio de 1936, e que se transformou numa das mais populares e castiças coletividades de Lisboa, organiza a marcha da Mouraria. Neste grupo, em tempos chamado os "Leões da Mouraria", pratica-se luta greco-romana, ginástica, boxe, futebol e tênis de mesa. A coletividade continua a ter como principais objetivos promover o desporto e a cultura. E, neste último caso, o expoente máximo são as sessões na famosa “Catedral do Fado Vadio”.
 
MARCHA DA MOURARIA
(Boêmia e Fadista)

Letra de Ester Jesus Correia
Música de José Manuel Jesus


Em todos os bairros de Lisboa,
O amanhecer
É fonte da nossa inspiração,
Mas Mouraria
Tu és o verso
Sempre perfeito da nossa canção.

Da guia até às olarias
Gente boa,
Um bairro que acorda a sorrir
És mouraria
És de Lisboa
És sempre dança
E a noite a cair.

Salta a fogueira
Dança a marcha e canta o fado,
Convida um beijo
É noite de Santo António.
Tenho um desejo
De acender um balão, pois então!
E de fazer amor
Sempre a teu lado.

Salta a fogueira
Dança a marcha e canta o fado,
Convida um beijo
É noite de Santo António.
Tenho o desejo
De acender um balão, pois então!
No meio do arraial.

Janelas abertas pra ver
A marcha passar,
As quadras com um sabro bairrista
Saem dos cravos
Dos mangericos
Feitas de sonho, grito de um fadista.

A boemia é sina de viver
Na mouraria,
Lisboa de voz sentida e quente
É uma chama
É um alento
É madrugada
De um povo que sente.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Vanice Zimmerman (Tela de Versos) 10: Primavera

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 69


Rascunhos de ideias e pensares podem render um livro. Quando então idealizei as croniquinhas, na semana anterior à explosão do pandemônio (pandemia), não imaginava que o "meximento" dos pensamentos poderia originar tanto papel em forma de rascunho.

Há pouco, revolvendo estes alfarrábios recentes, escritos diários, lampejos de abertura ou fechamento do texto, é que vi que a vida é um caudal imenso, um rio caudaloso que nos faz navegar por tantos fatos, histórias, estórias, viveres de que não nos damos conta, e que engrossam - como os rascunhos - a vida de cada um.

A boa verdade é que devemos cuidar do nosso caudal, fazendo com que dias-vida não sejam corrompidos, poluídos, desprezados tantas vezes, pelas intempéries do pensamento, pelos descasos do dia a dia, pelo pouco caso pela vida.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.