domingo, 25 de dezembro de 2022

Estro Poético n. 1


 Alfredo dos Santos Mendes
Lagos/Portugal

Glosa:
A Rosa


MOTE:
A rosa que tu me deste,
Peguei-lhe, mudou de cor,
Tornou-se, de azul celeste,
Como o céu do nosso amor!
JOÃO DE DEUS


GLOSA:
 Muitos anos já passaram.
E muitas rosas murcharam,
Menos a que me trouxeste.
Ao vê-la tão delicada,
Penso estar enfeitiçada…
A rosa que tu me deste.
 
Tenho por ela ternura.
Pois sei que a sua frescura,
Simboliza nosso amor.
Hoje a prova me foi dada,
Por estar contigo zangada,
Peguei-lhe, mudou de cor.
 
As suas folhas mirraram.
Foram caindo e ficaram,
Perdidas no chão agreste.
Desesperada chorei.
E assim que a rosa beijei,
Tornou-se, de azul celeste.
 
Foram horas de magia.
E a partir daquele dia,
Foi-se o ciúme e a dor.
E logo nesse momento,
Ficou um céu luarento,
Como o céu do nosso amor.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *  

AFONSO ALVES FRANCISCO
Paraná


Utopia

Pequeno eu sou
grande eu queria ser
ir além do além
além do infinito
ser maior do que os sonhos
de tudo eu saber
um ser tão grande
que não pudesse ser finito.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ANA MARIA NASCIMENTO
Ceará


Glosa:
Ser Imortal

MOTE:
Quando a morte nos ocorre
Deus vem aqui nos buscar
pois o trovador não morre...
muda apenas de lugar.
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

GLOSA:
Quando a morte nos ocorre
deixando consternação
nosso Bom Pai nos socorre
no momento da aflição.

Quem faz verso sempre diz
Deus vem aqui nos buscar,
por isso aceito feliz
seguir para o novo lar.

E chegando ao céu discorre
com total encantamento
pois o trovador não morre...
com esse acontecimento.

Fazendo verso, afinal,
consegue logo julgar
que aquele que é imortal
muda apenas de lugar.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

A. A. DE ASSIS
Maringá/PR


Teu beijo pela internet,
vem sempre com tal calor,
que qualquer dia derrete
meu pobre computador
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ANA PAULA COSTA BRASIL
Santana de Parnaíba/SP


Você!

Corri... como corri
Para pular em seu colo
Fundir nossos corpos
Morder seus lábios
Acariciar seu corpo... sentir sua pele
Provar de seu gosto... descobrir minha alma
Mesclar nossos braços... misturas os cabelos
Entrelaçar nossas pernas
Mas... Corri... como corri
Quando vi que você não era você
Que eu nem mesmo conhecia você
Eu fantasiava... construía um você
Como corri por não saber quem é esse outro você
Que não é o meu você
Você... meu você
Fez-me viver... fez-me voltar a sonhar
Fez-me querer... fez-me fazer
Você... o outro você
Fez-me chorar... fez-me sofrer
Fez-me esquecer
O quanto amei
Oh! Meu você
O você que construí para amar
O meu você
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
APARECIDO DONIZETTI HERNANDEZ
Itapevi/SP

Amor Oculto
 
Quanto te esperei... quanto te esperei!...
Não viestes..., onde estavas?
Não respondas, eu sei...
Estavas junto aos anjos.

Te esperei... e quanto te esperei!...
Não perguntarei onde estavas,
Pois sei, estavas junto aos anjos
Esperando a hora de vires,
Mas será que é essa a hora?!
Quanto te esperei!... esperei...

Somente agora os anjos a deixas vir,
Deixarás os céus com anjos tristonhos
E me fará feliz!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

RAFAEL DOS SANTOS BARROS
Pernambuco


As Mãos de Vitalino

Vitalino com mãos sujas e santas
modelava em barro os nordestinos
e transportava a dor e os desatinos
para os bonecos tantas vezes, tantas.

Bonecos mudos, quantas vezes quantas,
Minha alma cega por meus olhos viu?
A tua dor meu coração sentiu
no canto triste que ainda hoje cantas.

Soprou a vida num boneco mudo
que sem falar, assim, dizia tudo
dos nordestinos, dos desatinos seus,

advertência dos que nascem pobres
pelas mãos rudes que ficaram nobres,
abençoadas pelas mãos de Deus.
================
Vitalino Pereira da Silva nasceu no dia 10 de julho de 1909, no Sítio Campos, em Caruaru, Pernambuco. Seu pai, humilde lavrador, preparava o forno para queimar peças de cerâmica que sua mãe fazia, para melhorar o orçamento familiar. E sua mãe, artesã, preparava o barro que ia buscar nas margens do Rio Ipojuca. Depois, sem usar o torno, ia fazendo peças de cerâmica utilitária, que vendia na feira. Levava a cerâmica nos caçuás (cestos grandes) colocados nas cangalhas do jegue (burrico). Com apenas seis anos (1915), Vitalino iniciou-se na arte do artesanato de barro. O material que ele usava para as suas peças era o massapê, que retirava da vazante do Rio Ipojuca e transportava em balaios para casa. O barro era molhado e deixado em um depósito por dois dias para ser curtido, sendo então amassado e modelado. As peças eram cozidas em forno circular, construído ao ar livre, atrás da casa.

Sua capacidade criadora se desenvolveu de tal maneira que acabou se tornando o maior ceramista popular do Brasil.  No início, a aplicação da cor nos bonecos era feita com barro de diferentes tons — tauá, vermelho, branco. Depois, Vitalino passou a usar produtos industriais na pintura dos seus bonecos. As peças da primeira fase não possuíam marca de autoria. Posteriormente, o artista passou a assinalar com lápis e tinta preta as iniciais V.P.S., no reverso da base dos grandes grupos, e, a partir de 1947, começou a utilizar o carimbo, também de barro, com as mesmas iniciais V.P.S., adotando, em 1949, o seu nome de batismo. Casado com Joana Maria da Conceição, teve 18 filhos e, destes, somente cinco viveram até a idade adulta. Dono de um grande talento musical, aprendeu a tocar pífano (espécie de flauta sem claves e com sete furos) e, com apenas 15 anos, montou sua própria banda, a Zabumba Vitalino.

Mestre Vitalino morreu de varíola aos 20 de janeiro de 1963 A partir dessa época, os bonecos de barro de Vitalino ganharam fama como obras de arte e passaram a percorrer o Brasil e o mundo. Sua produção é estimada em cerca de 130 peças, que são cuidadosamente reproduzidas pela família. (Fonte: http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=908)

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DIANA CAMARGO
São Sepé/RS


É Tempo de Primavera

É tempo de primavera...
De flores e cores por todos os cantos
Pássaros em bandos que revoam seus cios
E cantam frenéticos no encanto da amada.
É tempo de primavera...
Que leva pra longe os dias sombrios
E traz numa brisa o cheiro suave
Das belas floradas dos grandes ipês.
É tempo de primavera
Da vida que brota por todos os lados
Beija-flores alegres multicoloridos
De flores em flores em busca do néctar.
É tempo de primavera...
E a vida é mais leve nas ruas e parques
Sorrisos estampam os rostos alegres
Parece que o sol fica mais radiante.
É tempo de primavera!
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MARILENE BORBA
Osório/RS


Inspiração de Um Poeta
     
Quisera ser a água
de uma fonte cristalina.
Quisera ser uma flor, o sol, as estrelas
que o poeta ilumina
a fazer um verso, dois, vários...
e vibrar com uma poesia, com um poema
que fale de amor, de alegria, de paz,
de acalanto
e até de desencanto,
pois o poeta também sente dor.
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Quadra Humorística

Quem fala de mim, quem fala?
Quem fala de mim, quem é?
É algum chinelo velho
que não me serve no pé.
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JUSSÁRA C. GODINHO
Caxias do Sul/RS

Nascimento e Morte de um Rio
 
Nasci sereno
manso e cristalino
por entre os verdes
doce vale menino

Cresci robusto
forte e valente
e fui andando
emocionando gente

Atravessei cidades
quase poderoso
mas tanta maldade
Deixou-me horroroso

Os lixões, lixos, lixinhos
Deixaram-me malcheiroso
afogaram meus peixinhos
Não sou mais um rio garboso
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LÍGIA ANTUNES LEIVAS
Pelotas/RS


De dor ou de amor...

Somos presença fugidia
Somos ao mesmo tempo
solidão e multidão
desapego e rebeldia;
- E o próximo minuto?
...total imprevisão:
- De amor ou de dor?
Apenas de perplexidade
ante a perenidade
...momentânea...
desse apenas
   segundo
cheio de eternidade
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ANTÔNIO ROBERTO FERNANDES
São Fidélis/RJ, 1945 – 2008, Campos dos Goytacazes/RJ


Emoção

Quando não há mais nada a ser falado,
quando os olhares não se cruzam mais,
é hora de se ver que há algo errado
nos relacionamentos conjugais.

Já não importa aí quem é culpado,
nada resolvem cenas passionais
nem simpatias contra o mau-olhado
ou conselheiros matrimoniais.

É o fim. Pronto. Acabou. Não tem mais jeito.
Se, de emoção, um dia ardeu o peito
que dela reste uma lembrança boa.

Não se deve é fechar-se numa esfera,
sem ver que pode estar à nossa espera
outra emoção no olhar de outra pessoa.
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LUCAS COZZA BRUNO
São Paulo/SP


Retrato do Passado

Memórias que nunca
vão ser esquecidas,
memórias que
marcam histórias;
histórias que
são tesouros e insucessos,
registros que
não se apagam
como os que trazem sorte:
os trevos de quatro folhas.
Nunca me esquecerei
das histórias felizes,
onde tive grandes conquistas,
vidas impressas
e reveladas
numa folha de papel
que nunca serão
deixadas de mão...
...ou melhor, da memória.
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REGINA BERTOCCELLI
São Paulo/SP


Rondel:
Através da vidraça

 
Através da vidraça vejo o céu nublado
e os respingos da chuva na calçada.
Sozinha, penso no meu amado
com a alma angustiada.

Em breve virá a madrugada
e muito já terei chorado.
Através da vidraça vejo o céu nublado
e os respingos da chuva na calçada.

Sopra um vento forte e gelado
que estremece a janela molhada.
Com o coração triste e encarcerado
repouso minh'alma extenuada.
Através da vidraça vejo o céu nublado...
=============
Rondel é uma variação do francês “Rondeau” (plural = rondeaux). É um poema de estrutura rígida, composto sempre por duas quadras e uma quintilha, de modo que os dois primeiros versos da primeira quadra repitam-se no final da segunda, e o primeiro verso da primeira quadra feche a quintilha e, conseqüentemente, o poema. As rimas podem seguir, também, uma estrutura fixa, do tipo ABAB BAAB ABABA, mas a métrica é livre (o dicionário Houaiss diz: “(...) sem esquema fixo de rima ou de metro”.

Quanto às suas origens, remontam ao período medieval. O rondel possui uma clara semelhança com a “bailada” galego-portuguesa e com a balada provençal, ambas medievais. Especula-se, ainda, sobre sua possível origem latino-medieval, dada a existência de rondéis latinos, e também se tem pensado que se trata de forma popular adaptada às modas da corte.

É um termo também usado na música clássica (rondó) e designa um movimento no qual um tema é repetido periodicamente, com ou sem modificações, no padrão A B A C A D, etc., onde A é o tema recorrente e B, C, D, etc. são temas ou desenvolvimentos diversos.

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NELCI MELLO
Maringá/PR


Construção

Construí minha morte.
O ingênuo faz o dia, a vida, o futuro.
Que futuro?
Nascituros condenados. Todos.
Só a morte é perene e bela, quando construída.
Despedi-me a cada aurora, a cada tarde, na poesia à mesa.
Mesmo no silêncio, despedi-me a cada instante.
Contei da minha morte pelos olhos deitados sobre ti
E te amei até morrer.
- Bela morte – a Construída.

(Poesia agraciada com Menção Honrosa no concurso Servir com Arte - 2008, da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência do Estado do Paraná)
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MESSODY RAMIRO BENOLIEL
Rio de Janeiro/RJ


Inveja
maltrata
enruguece
somente
invejosos
contumazes
= = = = = = = = =
Aldravia trata-se de um poema sintético, capaz de inverter ideias correntes de que a poesia está num beco sem saída. Essa forma nova demonstra uma via de saída para a poesia – aldravia. O Poema é constituído numa linométrica de até 06 (seis) palavras-verso. Esse limite de 06 palavras se dá de forma aleatória, porém preocupada com a produção de um poema que condense significação com um mínimo de palavras, conforme o espírito poundiano de poesia, sem que isso signifique extremo esforço para sua elaboração.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

NEMÉSIO PRATA CRISÓSTOMO
Fortaleza/CE


Quem me dera acontecer
por um só dia ser rei,
em versos imprimiria
um real decreto-lei:
que caia "Chuvas de Versos",
pra saciar os mais dispersos
corações da nossa grei!
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GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP,  1890 – 1969,  São Paulo/SP


Haicai:
Mocidade


Do beiral da casa
(telhas novas, vermelhas!)
vai-se embora uma asa.
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RACHEL RABELO
Pernambuco


Ser tão sertão

No trajeto vislumbro tais belezas
das paisagens de luz deste sertão,
que são típicas desta região
completando meu ser de sutilezas.

O teu povo traduz as realezas
conquistadas nas artes da paixão,
na poesia que vem do coração
retratando histórias e certezas.

Lá teu sol nasce já metrificado
vem na chuva um canto ritmado
entoando os ensaios da natura;

tua noite tem brilho diferente
que envolve num manto transparente
as sementes da arte e da cultura!
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BELMIRO BRAGA
Vargem Grande/MG, 1870 – 1937, Juiz de Fora/MG


Epigrama

– Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna,
ao falar, de instante a instante,
vai esmurrando a tribuna.
E quem o conhece, sente,
por mais ingênuo e simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório.
= = = = = = = = =
Epigrama (do Grego, literalmente, "sobre-escrever"), é uma composição poética breve que expressa um único pensamento principal, festivo ou satírico, de forma engenhosa.
O Epigrama foi criado na Grécia Clássica e, como o significado do termo indica, era uma inscrição que se punha sobre um objeto - uma estátua ou uma tumba, por exemplo.
Os epigramas sobre as tumbas formaram uma classe à parte e se denominaram Epitáfios ou Epicédios, designando um poema engenhoso que tinha a característica de ser breve, para poder passar por rótulo ou inscrição.
A maioria dos epigramas gregos pode ser encontrada na Antologia Palatina. Além dos gregos, destacaram-se na composição de epigramas os romanos Catulo e Marco Valerio Marcial.  (Fonte: Wikipedia)

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EFIGÊNIA COUTINHO
Balneário Camboriú/SC


Meu Gato

Meu gato é uma tentação,
Fez em meu coração seu ninho
Deixando-me sentir toda magia
Do seu amor em plena energia,
Aplacando minha sofreguidão,
Ele vem sempre de mansinho,
Com seu olhar me encantando,
Com seus pelos macios me acarinhando,
Arrancando de mim muito tesão.
Que gato mais manhoso!
Se em seu trabalho se estressa,
Comigo muda de opinião,
Pois eu vou mais que depressa,
Faço-lhe um carinho bem gostoso,
Sossegando o seu coração.
Assim tudo vira uma folia,
Quando o meu gatinho chega,
Em meu colo ele se aconchega
E de afagos me extasia!
Ó meu Gatinho!...
Como eu adoro seu carinho!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

ALEXANDRE O’NEILL
(Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill de Bulhões)
Lisboa/Portugal, 1924 - 1986


Cão
 
Cão passageiro, cão estrito,
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara-lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado,
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
De remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, cão tétrico, maldito,
A desfazer-se num ganido,
A refazer-se num latido,
Cão disparado: cão aqui,
Cão além, e sempre cão.
Cão amarrado, preso a um fio de cheiro,
Cão a esburgar o osso
Essencial do dia a dia,
Cão estouvado de alegria,
Cão formal de poesia,
Cão-sonêto de ão-ão bem martelado,
Cão moldo de pancada
E condoído do dono,
Cão: esfera do sono,
Cão de pura invenção, cão pré-fabricado,
Cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,
Cão de olhos que afligem,
Cão-problema…
Sai depressa, ó cão, deste poema!
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

MARCOS ASSUMPÇÃO
Niterói/RJ


A Mágica Que Existe Em Você
 
 Não é preciso mágica pra pensar
Pra descobrir que nenhuma força
É maior do que pensar só em coisas boas,
E que nada é melhor que abrir a janela
Todos os dias e dizer pro mundo
Que acreditar em sonhos sempre.
 
Vale a pena.
Não é preciso mágica pra ter coragem
Pra descobrir que ela tá guardada
Dentro de cada um de nós
E que espantar seus medos e incertezas,
Bater no peito e dizer
Que o mundo lá fora te espera,
Também vale a pena.
 
Não é preciso mágica pra ter um coração
Pra descobrir que o que bate dentro do peito
É a esperança e o amor
E que só eles podem mudar
O mundo e nos fazer sonhar
Porque o sonho é a mágica
Que existe em nós.
 
Não é preciso mágica , basta abrir os olhos
E enxergar dentro de você.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

JOÃO BATISTA DOS SANTOS
Ubiratã/PR


Se o final for hoje e,
suas palavras não voltarem,
leve as recordações sublimes,
que o passado maquinou aos dias…

Leve os beijos suaves,
que na loucura de amar,
ficaram para as noites,
queimando como brasas,
se acendendo a todo instante…

Se o final for hoje,
não se esqueça de meu corpo
que te esperava nas tardes,
que os domingos encantaram…

Se o final for hoje,
olhe para o céu azul.
Talvez lá eu passe,
acenando-te com minha mão!

Deixarei cair lágrimas,
que o nosso amor reservou,
finalizando na canção da tarde…
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

CONSTÂNCIO ALVES
Salvador/BA, 1862 – 1933, Rio de Janeiro/RJ


Epitáfio

Quando ele exalou sua alma,
quem estava perto, se quis
levar aos olhos o lenço,
levou o lenço ao nariz.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Guy de Maupassant (O Ferrolho)


Os quatro copos diante dos convivas conservavam-se agora meio cheios, o que indica geralmente que os convivas o estão de todo. Começava-se a falar sem escutar as respostas, cada qual se ocupava apenas de si, e as vozes alteravam-se, os gestos exuberantes, os olhos brilhantes. Era um jantar de solteirões, de velhos solteirões endurecidos. Tinham eles fundado aquele jantar periódico uns vinte anos atrás, intitulando-o “O celibato”.

Eram, nessa altura, catorze, bem resolvidos que permaneceram solteiros. Restavam agora apenas quatro. Três estavam mortos, e os outros sete casados. Esses quatro aguentavam-se; e observavam escrupulosamente, tanto quanto as suas forças permitiam, as regras estabelecidas no começo dessa curiosa associação. Tinham jurado desviar do que se chama o bom caminho todas as mulheres que pudessem, especialmente as dos amigos mais íntimos. De maneira que, mal um deles abandonava a sociedade para fundar família, tinha o cuidado de se zangar irremediavelmente com todos os seus companheiros. Deviam, também, em cada jantar, confessar-se, contar, com todos os pormenores, todos os nomes, todos os mais precisos esclarecimentos, as suas últimas aventuras. Daí, essa espécie de rifão familiar entre eles: “Mentir como um celibatário.”

Professavam, além disso, o mais completo desprezo pela Mulher, a quem consideravam “animal de prazer”. Citavam, a cada momento, Schopenhauer, o seu deus; reclamavam o restabelecimento dos haréns e das rodas, tinham mandado bordar nas toalhas e nos guardanapos, que serviam para o jantar do Celibato, esse preceito antigo: Mulier, perpetuus infans e, por baixo, o verso de Alfred de Vigny: A mulher, criança doente e doze vezes impura!

De modo que, à força de desprezarem as mulheres, não pensavam noutra coisa, só para elas viviam, dedicavam-lhes todos os seus esforços, todos os seus desejos. Aqueles que tinham casado chamavam-lhes velhos gaiteiros, faziam troça e temiam-nos. Era no momento do champanhe que deviam principiar as confidências no jantar do Celibato. Nesse dia, os velhos... — porque já estavam velhos e quanto mais envelheciam mais surpreendentes aventuras contavam... — os velhos foram inesgotáveis. Cada um dos quatro, nesse último mês, tinha seduzido, pelo menos, uma mulher por dia; e que mulheres! As mais novas, as mais fidalgas, as mais ricas, as mais belas!

Tendo terminado as suas narrativas, um deles, aquele que, tendo falado primeiro, escutara depois os outros, levantou-se:

— Agora que acabamos com as mentiras, proponho-me contar-lhes, não a minha última, mas a primeira aventura da minha vida; a minha primeira queda (porque foi uma queda) nos braços de uma mulher. Oh! não lhes quero narrar o meu... como dizer-lhes?... a minha iniciação, não. “O primeiro fosso transposto... (digo fosso figurativamente), não tem nada de interessante. É realmente lamacento, e um homem sai de lá um pouco sujo, com uma encantadora ilusão de menos, um vago nojo, uma pontinha de tristeza. Essa realidade do amor, a primeira vez que se lhe toca, repugna um pouco; sonhava-se bem outra, mais delicada, mais fina. Fica-nos uma sensação moral e física de repugnância, como quando tocamos por acaso em coisas pegajosas e não temos água para nos lavarmos. Por mais que se esfregue, a imundice fica.” Fica, mas como nos habituamos, e depressa! Se habitua! Entretanto... entretanto, pela minha parte, sempre lamentei não ter podido dar conselhos ao Criador no momento em que ele organizou esta coisa. O que teria eu imaginado? Não o sei ao certo; mas creio que a teria disposto de outra forma. Havia de procurar alguma combinação mais decente e mais poética; sim, mais poética.

“Acho que o Padre Eterno se mostrou realmente muito... muito... naturalista. Faltou-lhe a poesia na sua invenção.

“Ora pois, o que eu lhes quero contar é a minha primeira mulher de sociedade, a primeira mulher de sociedade que seduzi. Porque, ao princípio, somos nós que nos deixamos apanhar, enquanto depois... sucede o mesmo.

“Era uma amiga de minha mãe, mulher aliás encantadora. Criaturas dessas, quando são castas, é geralmente por estupidez, e quando lhes dá para o amor, são furiosas. Acusam-nos de as corrompermos! Uma coisa assim... Com elas, é sempre a lebre que principia e nunca o caçador. Oh! bem sei que não dão mostras de se mexer, mas mexem-se; fazem de nós quanto querem sem o parecer; e depois acusam-nos de as termos perdido, desonrado; aviltado, sei lá!

“Aquela de quem falo sentia seguramente um furioso desejo de se fazer aviltar por mim. Teria trinta e cinco anos; eu apenas contava vinte e dois. Pensava tanto em a seduzir como em me fazer frade. Um dia, pois, como a visitasse e visse espantado como estava vestida, um roupão consideravelmente aberto, aberto como a porta de igreja quando toca para a missa, pegou-me na mão, apertou-a, vocês sabem, apertou-a como elas apertam em tais momentos — e com um sorriso meio estático, suspirando profundamente, disse-me: “Oh! Não olhe para mim desse modo, meu filho!”

“Pus-me mais vermelho que um pimentão e ainda mais tímido que de costume, naturalmente. Bem desejava sair dali, mas ela segurava-me a mão, e com firmeza... Colocou-a sobre o seu peito, um peito abundante, e disse-me:

“Veja, veja como o meu coração palpita.” E era verdade, ele batia. Eu começava a fechar a mão, mas não sabia como fazer aquilo nem por onde principiar. Mudei depois.

“Como eu continuasse com a mão sobre o seio dela, com a outra mão a segurar o chapéu, e continuasse a olhá-la com um sorriso confuso, um sorrir apalermado, um sorriso de medo, ela endireitou-se de repente e, num tom irritado: “Oh! O que faz, jovem, é indecente e mal-educado.” Retirei a mão bem depressa, deixei de sorrir e balbuciei umas desculpas, e levantei-me, e saí atordoado, de cabeça perdida.

“Mas tinha sido apanhado, sonhei com ela. Achava-a encantadora, adormeci, imaginei que a amava, que a tinha amado sempre, e decidi ser empreendedor até à temeridade.

“Quando a voltei a ver, ela teve para mim um pequeno sorriso de soslaio. Oh! Como esse pequeno sorriso me perturbou! E o seu aperto de mão foi longo, de uma insistência significativa.

“A partir desse dia fiz-lhe a corte, ao que parece. Ela, pelo menos, afirmou-me depois que eu a tinha seduzido, atraído, desonrado, com um raro maquiavelismo, uma habilidade consumada, uma perseverança de matemático e velhacarias perversas.

“Mas uma coisa me perturbava estranhamente. Em que lugar se realizaria o meu triunfo? Eu vivia com a família, e a minha família, nesse ponto, mostrava-se intransigente. Eu não tinha a audácia necessária para transpor, com uma mulher pelo braço, uma porta de hotel em pleno dia; não sabia a quem pedir conselho.

“Ora, a minha amiga, conversando jovialmente comigo, afirmou-me que todo o rapaz devia ter um quarto na cidade. Nós habitávamos em Paris. Foi um raio de luz; aluguei um quarto, e ela foi lá.

“Foi lá num dia de novembro. Essa visita, que eu quisera adiar, perturbou-me muito porque não tinha lume. E não tinha lume porque a chaminé estava entupida. Justamente na véspera tinha eu feito uma cena ao senhorio, antigo negociante, e ele prometera-me vir pessoalmente com o limpa-chaminés, dentro de dois dias, para examinar atentamente as obras que havia para fazer.

“Apenas ela entrou, eu declarei-lhe: “Não tenho lume, porque a chaminé está entupida.” Ela nem deu mostras de me escutar, balbuciou: “Não faz mal, tenho-o eu...” E como eu ficasse surpreendido, ela calou-se, toda confusa; depois, continuou: “já nem sei o que digo... estou louca... perco a cabeça... Que faço eu, Senhor? Porque vim eu aqui, infeliz? Oh, que vergonha! Que vergonha!...” E atirou-se, soluçando, nos meus braços.

“Acreditei nos seus remorsos e jurei-lhe que a respeitaria. Então, ela atirou-se-me aos pés, gemendo: “Mas não vês que te amo, que me venceste, que me enlouqueceste!

“Julguei oportuno começar logo as hostilidades. Mas ela estremeceu, levantou-se, fugiu até um armário para se esconder, exclamando: “Oh! Não olhes para mim, não, não! Envergonho-me à luz do dia. Se tu ao menos me não visses, se estivéssemos às escuras, de noite ambos... Que pesadelo! Oh! A luz do dia!”

“Corri para a janela, fechei as portadas, cruzei os cortinados, pendurei um sobretudo numa fenda de luz que passava ainda; depois, com as mãos estendidas para não tropeçar nas cadeiras, o coração palpitante, procurei-a, encontrei-a.

“Foi uma nova viagem, a dois, às apalpadelas, os lábios unidos, para o outro canto, onde era a minha cama. Não íamos a direito, decerto, porque encontrei primeiro o fogão, depois a cômoda, depois, enfim, o que procurávamos

“Esqueci então tudo, num êxtase frenético. Foi uma hora de loucura, de arrebatamento, de sobre-humana loucura; depois, tendo-nos invadido uma deliciosa lassidão, adormecemos nos braços um do outro.

“E sonhei. Mas eis que em sonho me pareceu que me chamavam, que gritavam por socorro; depois, recebi uma pancada violenta; abri os olhos!...

“Oh!... o sol poente, vermelho, magnífico, entrava de roldão pela minha janela escancarada, parecia olhar-nos da linha do horizonte, iluminava com um clarão de apoteose o meu leito tumultuoso, e deitado sobre ele uma mulher desvairada, que gritava, esbravejava, contorcia-se, agitava-se de pés e mãos para agarrar uma ponta de lençol, um pedaço de cortina, qualquer coisa, enquanto de pé no meio do quarto, atarantados, lado a lado, o meu senhorio, de sobrecasaca, acompanhado pelo porteiro e por um limpa-chaminés preto como o diabo, nos contemplavam estupefatos.

“Ergui-me furioso, prestes a saltar-lhe ao pescoço, e gritei: “Que fazem vocês aqui, com mil raios?”

“O limpa-chaminés, perdido de riso, deixou cair a folha de ferro que levava na mão. O porteiro parecia aparvalhado; e o senhorio balbuciou: “Mas, senhor, nós vínhamos... vínhamos... por causa da chaminé.” Berrei: “Desapareçam, com mil diabos!”

“Ele então tirou o chapéu com ar confuso e polido e, saindo recuando, murmurou: “Perdão, senhor, queira desculpar; se eu soubesse que o incomodava, não vinha. O porteiro afirmou-me que o senhor tinha saído. Queira desculpar.” E partiram.

“Desde então, meus amigos, não fecho nunca as janelas, mas verifico sempre as fechaduras.”
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
Conto publicado originalmente em 1882.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 19

 

Mia Couto (Homem no leito)


Lázaro está no leito de morte. No quarto se obscurecem muitos familiares. O velho tio está sobre a esteira sem roupa, mais despido que um sapo. Passaram dias de coma, sem comer, sem beber. Apenas lhe entornam, de vez em quando, uma tanta água. Não bebe pela boca, bebe pelo corpo. Assim dizem os fúnebres acompanhantes.

Nessa tarde, porém, o moribundo ergue a mão, num aceno de lenço murcho.

- Está a chamar!

Os parentes se aproximam, curiosos. O moribundo mantém-se de olhos fechados. Agora respira com mais peito. Começa a balbuciar, quase insonoro.

— Está a falar! Calem-se...

Debruçam se sobre o leito para melhor escutar. A voz dele vai ganhando contornos.

— Dois, dois pássaros.. .

Os presentes se entreolham. Dois pássaros? O homem está a delirar. Uma das mulheres entoa um choro. Uns se alarmam: visões de ave não trazem boas novas.

— Calem, não façam barulho. Estou a falar...

Era o moribundo, mais ciente e ordenoso. Já todo instalado na voz, prosseguiu:

— Me entraram dois pássaros nos olhos.

Os familiares estranharam. Houve quem gargalhasse. Mas o receio dominou: afinal, o tio falava de olhos fechados. E houve quem recriminasse:

— Lázaro, pá! Não brinca conosco. Nós estamos aqui, nas lágrimas.

— Estou a falar.

Ouvissem-no, então. Porque, segundo dizia, dois pássaros o tinham levado, ele subira em asas, voara de sonhar, se azulara por nuvens e alturas.

— Andei por lá, estes dias, sabem que eu vi?

Ninguém respondeu. Tio Lázaro falava sempre de olhos fechados. Mas mesmo antes, em saúde e vida, ele cerrava os olhos quando palavreava.

— Vi pedras. Há pedras lá no céu, pedras de cores, cores redondas. E vi mais. Vi ovos de montanha.

Mais risos.

— São ovos de onde nascem as montanhas.

Lázaro agarra o braço de um dos filhos e aperta o com força. O filho faz um esgar e, a chorar, avisa os outros:

— Ele está a me aleijar!

O moço, aflito, roga para que os mais velhos intervenham. Mas é Lázaro quem mais se ouve:

— Escutam bem. Eu não quero que vocês me enterrem aqui.

As respostas são confusas. Uns dizem: você não vai morrer, papá. Outros perguntam: Mas aqui onde?

— Aqui na terra da terra.

Alguns risos, deflagrações de nervos. O braço do doente se ergue, apontando os céus.

— Há um lugar para vocês me enterrarem lá.

— Fazemos tudo que está no seu desejo. Mas não abre os olhos, pai?

— Não posso, filha.

— É que comprime o peito ouvir o senhor assim. Abra os olhos, lhe peço.

— Não posso. Senão saem os pássaros e eu logo acabo de vez.

De repente, parece que o peito lhe estancou. Morreu? Não. Uma mão lhe força as pálpebras, abrindo os olhos. Ainda alguém tentou evitar aquele gesto. Tarde demais. Pois, no instante, deflagram duas manchas brancas que emergem do rosto. Os familiares se espantam: se trata do não ver da morte? Pela janela se escapam aquelas brevíssimas visões, cegas e luminosas dançarinas.

O homem, todos estão crentes, se definitivou. Contudo, a sua mão está tensa, encerrando um misterioso quê. Abrem lhe com firmeza os dedos. Tomba uma pedra negra que se quebra em casca. Parece um ovo. E, de dentro desse vazio, começa a emergir uma montanha.

Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) L


NOSSA LUA!

(Dedicada a Poetisa Maria Lua)

MOTE:
Saturno tem trinta e uma;
Friburgo, uma lua apenas...
Vantagem dele?...Nenhuma:
- A nossa vale centenas!
A. A. de Assis
Maringá/PR

GLOSA:

Saturno tem trinta e uma
luas lindas, ao redor,
mas nunca encontrei alguma
melhor que a nossa...melhor!

Em nossa bela cidade:
Friburgo, uma lua apenas...
mas nos dá felicidade
com suas luzes serenas!

Muitas luas, meio à bruma
tem Saturno, com certeza...
Vantagem dele?...Nenhuma:
a nossa tem mais beleza!

Com sorriso de mulher
e perfume de açucenas
é mais do que outra qualquer...
A nossa vale centenas!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

CADEIRA DE RODA...

MOTE:
A dor em mim, virou moda,
mas sofrer não me faz medo;
minha cadeira de roda
pra mim, já virou brinquedo.
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

GLOSA:
A dor em mim, virou moda,
mas eu já me acostumei,
já mais nada me incomoda,
minha cruz, eu aceitei!

Sofro bastante, é verdade,
mas sofrer não me faz medo;
alcanço a felicidade,
mudando, da vida, o enredo!

Lancei, então, a antimoda
para quem não pode andar...
Minha cadeira de roda
já sabe onde me levar!

É bem fácil ser feliz!
Espalhem o meu segredo:
Não ter o que, um dia, quis,
pra mim, já virou brinquedo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

QUE VALE?

MOTE:
No mundo de crenças mortas,
que vale Deus escrever
correto, por linhas tortas,
se os homens não sabem ler?
Arlindo Tahagen
Juiz de Fora/MG

GLOSA:

No mundo de crenças mortas,
onde a fé, não mais existe,
fecham-se todas as portas
e tudo fica mais triste!

Se o que impera é a insensatez,
que vale Deus escrever,
com saber e lucidez,
se as palavras vão morrer?

És humano e não te importas
com tudo que fala, Deus,
correto, por linhas tortas,
nos ensinamentos seus!

E a humanidade sem luz,
segue o rumo, sem saber,
que é bem mais pesada a cruz
se os homens não sabem ler!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

OUVIR ESTRELAS

MOTE:
Eu quisera ouvir estrelas,
ter ouvidos pra escutá-las,
ser poeta pra entendê-las
e trovador para amá-las!
Delcy Canalles
Porto Alegre/RS

GLOSA:

Eu quisera ouvir estrelas,
também, poder enxergá-las,
tendo olhos para vê-las
e mãos para acariciá-las!

Seria grande a emoção
ter ouvidos pra escutá-las,
e ao ouvir linda canção
continuar a apreciá-las!

Nesse meu céu, poder tê-las,
me faz feliz de verdade,
ser poeta pra entendê-las
me traz mais felicidade!

Desejo tudo isso, sim,
para em meus versos, cantá-las
ser um bom poeta, enfim
e trovador para amá-las!
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

FALANDO DE DEUS…

MOTE:
Vejo a mata, o céu, o monte,
a fauna, a flora, o poente,
e o cantarolar da fonte
falando de Deus com a gente.
Fernando Vasconcelos
Diamantina/MG, 1937 – 2010, Ponta Grossa/PR

GLOSA:

Vejo a mata, o céu, o monte,
vejo o Sol, fazendo o dia
e a noite sendo uma ponte
por onde passa a alegria!

Vejo as praias, vejo as dunas,
a fauna, a flora, o poente,
que são quais belas fortunas,
que Deus nos dá de presente!

É lindo ouvir no horizonte
uma canção do Universo,
e o cantarolar da fonte
parece a rima de um verso!

Essas belezas, pressinto,
numa emoção comovente,
que estão falando, eu as sinto,
falando de Deus com a gente.

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XXVI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. Junho de 2005.

Irmãos Grimm (Os duendes)


Um sapateiro tinha ficado muito pobre, sem que lhe coubesse a culpa. E por fim só lhe restava um pedaço de couro, para um único par de sapatos. Cortou-o à noite, a fim de aprontá-lo na manhã seguinte e, como tinha a consciência tranquila, deitou-se calmamente, fez as sua orações e adormeceu.

No outro dia, depois da prece matinal, quando ia sentar-se para iniciar o trabalho, viu os sapatos, prontinhos, em cima da mesa. Ficou assombrado, sem encontrar explicação para aquilo. Tomou-os na mão e examinou-os cuidadosamente. Haviam sido feitos com tal capricho, sem nenhum ponto errado, que pareciam uma verdadeira obra de arte.

Logo depois entrou um freguês e, como os sapatos lhe agradassem muito, pagou mais por eles. Com esse dinheiro, o sapateiro pode comprar couro para dois pares. Cortou-os à noite, disposto a trabalhar neles no dia seguinte. Mas não foi preciso: ao levantar-se, lá estavam eles, prontinhos da silva. E também não faltaram os compradores, que lhe deram dinheiro suficiente para que adquirisse couro para quatro pares. Também a esses ele encontrou terminados no outro dia. E assim continuou acontecendo. O calçado que cortava à noite, encontrava concluído na manhã seguinte. Começou a ter boa renda e, por fim, tornou-se um homem rico.

Certa noite, pouco antes do Natal, o sapateiro, que já havia cortado o couro para o próximo dia, antes de deitar-se, disse à mulher:

- Que tal se esta noite ficássemos acordados para ver quem nos presta tão grande auxílio?

A mulher concordou e foi acender uma vela. Depois o casal escondeu-se num canto da sala, atrás de umas roupas ali penduradas.

Ao soar a meia-noite, apareceram dois ágeis e graciosos homenzinhos, muito pequeninos e sem roupa alguma, que se sentaram à mesa do sapateiro. Apanharam todo o couro cortado e, com seus dedinhos, se puseram a costurar, bater e puxar e foi com tanta ligeireza que o sapateiro, assombrado, mal podia acreditar nos seus olhos. Não cessaram até que tudo estivesse pronto e depois desapareceram rapidamente.

No dia seguinte, a mulher disse:

-  Os anõezinhos nos tornaram ricos e devemos mostrar-lhes a nossa gratidão. Com certeza sentem muito frio, andando assim nuzinhos, sem nada em cima do corpo. Sabes de uma coisa? Farei para cada um deles uma camisinha, um casaco, colete e calça, e um par de meias de tricô. Tu poderás fazer-lhes uns sapatos.

Ao que lhe respondeu o homem:

– Parece-me boa ideia!

E, à noite. em vez de couro cortado, puseram os presentes sobre a mesa; depois esconderam-se para ver o que fariam os homenzinhos.

À meia-noite chegaram eles, saltitando, e logo se dispuseram a começar  o trabalho. Quando porém, em vez de couro cortado, encontraram as graciosas peças de roupas, ficaram no princípio admirados, mas logo mostraram imensa alegria. Vestiram-se com incrível rapidez e, alisando as roupas no corpo, puseram-se a cantar:

Não somos rapazes bonitos e elegantes?
Por que continuarmos sapateiros como antes?

Depois saltaram e dançaram, brincando em cima de cadeiras e bancos. Por fim saíram dançando porta fora. Desse dia em diante, nunca mais apareceram. Mas o sapateiro viveu bem pelo resto de sua vida e sempre teve sorte em todos os negócios que fez.

Jaqueline Machado (A Casa dos Espíritos)


Quanto vive o homem afinal? Vive mil anos ou um só? Vive uma semana ou vários séculos? Por quanto tempo morre o homem? O que significa para sempre?

É com essa instigante epígrafe que se dá o início da obra "A Casa dos Espíritos" da chilena Isabel Allende.

A trama trata sobre as trajetórias de duas famílias que formam os pilares da história. O primeiro pilar é a abastada e importante família Del Valle, de Severo e Nívea (que significa neve). Somos apresentados à família Del Valle quando Severo e Nívea se sentam em uma igreja sufocante com seus onze filhos vivos e ouvem o sermão cheio de fogo e enxofre de um padre.

Severo, o pai, aspirante a político, e a mãe, Nívea, lutavam pelo direito ao voto das mulheres. A família Del Valle tem lugar de destaque na sociedade. Eles têm duas filhas: Rosa, a imaculada, com os cabelos verdes, e Clara, que era uma clarividente que se comunicava com o outro mundo, e anotava suas memórias em cadernos.

No outro pilar, a família Trueba, a viúva Ester e os filhos Esteban e Férula se unem para unir Esteban e Clara para formar uma nova família que habitará a grande casa da esquina, no chamado Bairro Alto, onde viviam os afortunados da sociedade,

A casa dos espíritos é uma trama que mistura realidade, espiritualidade e fantasia.

A realidade é demonstrada ao reclamar as desigualdades perturbadoras da sociedade. E o eterno equilibrar-se entre as coisas do mundo físico representada pela rudez e materialismo do fazendeiro Esteban, e as coisas do espírito, representadas pelas intuições e clarividências de Clara, principalmente, depois, ao se tornarem um casal. E a fantasia surge mágica no aspecto físico de Rosa: a bela! Que possuía uma beleza perturbadora, parecia ter sido feita de uma matéria diferente da raça humana. Quando nasceu, a parteira deu um grito de espanto, Rosa era branca, lisa, como uma boneca de porcelana, com o cabelo verde e os olhos amarelos. A criatura mais linda desde os tempos do pecado original, disse a parteira se benzendo.

Ao crescer, a beleza acentuou-se ainda mais. Quando moça, sua pele azulada, os cabelos amarelos, os gestos silenciosos, ofereciam-lhe uma graça marítima, tinha qualquer coisa de peixe... Parecia um ser mitológico. E o cachorro da família, Barrabás, que ao crescer, agigantou-se, também faz alusão à fantasia do livro.

Se violência e atividade são traços masculinos, gentileza e passividade são traços femininos, “A Casa dos Espíritos” mostra que isso não significa que os homens realizam coisas e mudam fatos. Pelo contrário, as mulheres na “Casa dos Espíritos” efetuam mudanças mais duradouras e drásticas do que qualquer um dos homens. Ao passo em que os homens lideram revoluções que derrubam governos, os dons femininos promovem feitos mais duradouros.

A Casa dos Espíritos é uma obra que nos faz refletir sobre o tempo e suas dimensões, sobre o que é finito ou infinito, sobre o que é corpo, o que é espírito, sobre o que é capaz de desassociar o que é magia, do que é real. Será que nos reinos universais, os conceitos de bom e ruim existem?

Na minha humilde opinião aliada à febre do meu inquietante sentir, diz... Todos os tipos de reinos e vidas existem, e suas energias habitam em nós, senão, jamais seriam imagináveis. Só é possível imaginar o que existiu, existe ou existirá... Os olhos da alma não podem imaginar o que de fato é desconhecido...

Fonte:
Texto enviado pela autora.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro da Mouraria


Urbe antiga, povoada pelo mouros escorraçados pela conquista cristã da cidade. A Mouraria é um labirinto de ruas que sobem da Praça do Martim Moniz em direção ao Castelo de São Jorge. Tão estreitas que, por vezes, o sol apenas consegue espreitar com esforço.

Tão antigo como a nacionalidade, o bairro da Mouraria, após a conquista de Lisboa, em 1147, por D. Afonso Henriques, foi o local escolhido para albergar os mouros que se mantiveram na cidade. Era um território próprio que formava um núcleo populacional afastado dos cristãos. Mas antes da vitória dos cruzados, toda aquela zona era formada por hortas e terras de cultivo.

Os mouros dedicavam-se ao fabrico de azeite e à olaria, ofícios de que restam ainda alguns vestígios, como os velhos lagares. No reinado de D. Manuel l, com a expulsão dos mouros e dos judeus, uma parte do bairro alojou populações cristãs, formando-se assim uma Mouraria a que podemos chamar aristocrática, onde se incluem o Coleginho – o primeiro colégio jesuíta do mundo - a Igreja de São Lourenço e o Palácio da Rosa.

O bairro ganhou má fama quando os marginais e as prostitutas passaram a ser frequentadores assíduos. Como, em regra, uns e outros se dedicavam ao fado, acabou por nascer a fama de que a Mouraria, o fado “canalha”, as cenas de facada e malandragem estavam ligadas por uma espécie de “cordão umbilical”.

Não é possível falar da Mouraria e da Rua do Capelão sem recordar a Severa, célebre fadista que ali morou e morreu com apenas 26 anos de idade.

O labirinto de ruas que compunha a parte baixa da Mouraria desapareceu na primeira metade do século XX, dando lugar ao espaço que é hoje o Largo de Martins Moniz. Com elas desapareceram: a antiga Igreja Paroquial, o Palácio do Marquês do Alegrete e o respectivo Arco.

O Grupo Desportivo da Mouraria, fundado em 1 de Maio de 1936, e que se transformou numa das mais populares e castiças coletividades de Lisboa, organiza a marcha da Mouraria. Neste grupo, em tempos chamado os "Leões da Mouraria", pratica-se luta greco-romana, ginástica, boxe, futebol e tênis de mesa. A coletividade continua a ter como principais objetivos promover o desporto e a cultura. E, neste último caso, o expoente máximo são as sessões na famosa “Catedral do Fado Vadio”.
 
MARCHA DA MOURARIA
(Boêmia e Fadista)

Letra de Ester Jesus Correia
Música de José Manuel Jesus


Em todos os bairros de Lisboa,
O amanhecer
É fonte da nossa inspiração,
Mas Mouraria
Tu és o verso
Sempre perfeito da nossa canção.

Da guia até às olarias
Gente boa,
Um bairro que acorda a sorrir
És mouraria
És de Lisboa
És sempre dança
E a noite a cair.

Salta a fogueira
Dança a marcha e canta o fado,
Convida um beijo
É noite de Santo António.
Tenho um desejo
De acender um balão, pois então!
E de fazer amor
Sempre a teu lado.

Salta a fogueira
Dança a marcha e canta o fado,
Convida um beijo
É noite de Santo António.
Tenho o desejo
De acender um balão, pois então!
No meio do arraial.

Janelas abertas pra ver
A marcha passar,
As quadras com um sabro bairrista
Saem dos cravos
Dos mangericos
Feitas de sonho, grito de um fadista.

A boemia é sina de viver
Na mouraria,
Lisboa de voz sentida e quente
É uma chama
É um alento
É madrugada
De um povo que sente.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Vanice Zimmerman (Tela de Versos) 10: Primavera

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 69


Rascunhos de ideias e pensares podem render um livro. Quando então idealizei as croniquinhas, na semana anterior à explosão do pandemônio (pandemia), não imaginava que o "meximento" dos pensamentos poderia originar tanto papel em forma de rascunho.

Há pouco, revolvendo estes alfarrábios recentes, escritos diários, lampejos de abertura ou fechamento do texto, é que vi que a vida é um caudal imenso, um rio caudaloso que nos faz navegar por tantos fatos, histórias, estórias, viveres de que não nos damos conta, e que engrossam - como os rascunhos - a vida de cada um.

A boa verdade é que devemos cuidar do nosso caudal, fazendo com que dias-vida não sejam corrompidos, poluídos, desprezados tantas vezes, pelas intempéries do pensamento, pelos descasos do dia a dia, pelo pouco caso pela vida.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Nilto Maciel (Como Um Sol Que Explode)


Todo dia Abelardo seguia os passos de Camilo. Porque quase nunca este se encontrava com Maria no mesmo lugar. Um dia Camilo perguntou se Abelardo gostava de sofrer. Ficou mudo e se afastou do irmão. Não sabia explicar por que necessitava ver, de perto e sempre, aquelas cenas animalescas. Mordia os lábios, arregalava os olhos e estremecia. Talvez devesse apresentar-se no momento do êxtase do casal e interromper aquela sem-vergonhice. Não, não tinha coragem para nada na vida. Um covarde, um medroso.

Certa vez não precisou seguir Camilo. No dia anterior ouvira, por três vezes, Maria e o namorado se despedirem assim: “Amanhã na ponte”. Saiu de casa antes do irmão. Escondido, viu a moça chegar. As águas do rio corriam lerdamente. Os mosquitos voavam e ziniam. E Camilo não aparecia. Maria olhava para os lados, sentava-se, andava e resmungava: “Amanhã na ponte. Ou amanhã na fonte? Na ponte, na fonte”. Olhos arregalados na direção da amada, Abelardo mordia os lábios. Por que Camilo não chegava? Talvez perdido na fonte. E Maria já se preparava para partir. Oh! não partisse. Prometia-lhe mil beijos, carícias de mãos, um abraço imensurável e o amor mais ardente. Porém ela sumiu entre as folhagens, feito uma fada, e ele gemente, os lábios em sangue e o corpo todo em chamas.

Em outro desencontro do casal, porém na fonte do Riacho do Marco, deu-se de Maria não aparecer. O chiado das águas parecia cantar: “espera, amor, já vou, já vou”. E Camilo sossegado, assobiando e às vezes rindo. Súbito levantou-se do chão e caminhou em direção aos olhos arregalados de seu irmão. “Por que você me segue todo dia?” O sol já não queimava tanto e os passarinhos voavam ao redor das árvores. “Enquanto você quer sofrer, eu quero me livrar do sofrimento”.

Abelardo pedia desculpas, perdão. Só faltava ajoelhar aos pés do irmão. “Você ama mesmo Maria? Por que não luta por ela? Eu não a amo, meu irmão. E ela tem piedade de mim. Ninguém me ama. Papai? Meu genitor. Mamãe? Minha genitora. Nunca me quiseram. Como você é diferente. E você sabe disso. Você é o filhinho predileto deles”.

Camilo convidou Abelardo a sentarem-se. E retirou um revólver da cintura. Pretendia matar Maria e, em seguida, se matar. Sua história acabaria ali, naquela fonte. Maria não seria de mais ninguém, sobretudo de Abelardo. No entanto, havia mudado de ideia. Não haveria mais mortes. Ou poderia acontecer apenas uma morte.

Apanhou de novo a arma e girou o tambor cinco vezes, retirando cinco balas. “Você já ouviu falar de roleta-russa?” E propôs: primeiro o irmão, depois ele. Uma tentativa para cada um. Se Abelardo não morresse, ele apontaria a arma para a própria cabeça. E Maria seria do irmão. A entrega dela a Abelardo se daria no dia seguinte àquele, ali mesmo na fonte. Camilo ficaria atrás da moita, enquanto o irmão se apresentaria à moça. Falaria de seu amor por ela e de seu conhecimento dos encontros dela com Camilo. Se ela oferecesse resistência, ele prometeria contar para toda a cidade as sem-vergonhices dos dois. O pai dela a enxotaria de casa e todo homem daria mil réis por uma horinha de cama com ela. Nem Getúlio Vargas a salvaria da desonra. Convencida, Maria se deitaria no capim, e o próprio Abelardo retiraria suas vestes. No melhor momento da cena, Camilo surgiria do mato. E ela não teria mais como voltar para ele.

No horizonte a luz vermelha do sol se misturava ao verde da serra. Os pássaros piavam melodicamente nas árvores. Abelardo mordeu os lábios, fechou os olhos e levou o cano da arma à própria cabeça.

E deu-se um estampido como o de um sol que explode.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 16


A luz da fé, não se apaga,
por ser chama do Senhor!
Ela brilha e se propaga
até nas cinzas do amor!
= = = = = = = = =

Chuva fina, noite calma,
e ao lado da solidão,
há mais saudade em minha alma
que gotas d'água no chão!
= = = = = = = = =

Como imaginar, supor,
num sentido mais profundo,
que um vírus sem cara e cor
mudasse a cara do mundo?!...
= = = = = = = = =

Como quem pedem socorro,
famintas e seminuas,
lá se vão descendo o morro
mais crianças pelas ruas!
= = = = = = = = =

Depois que a tarde declina
e o véu da noite aparece,
Deus põe na prece divina
a luz da divina prece!
= = = = = = = = =

Descobri que alguns queixumes
das ondas sempre a chorar,
é porque sentem ciúmes
das rochas beijando o mar!
= = = = = = = = =

Em meio a uma luta intensa,
contra a ausência, o que me importa,
é ver que tua presença
puxou o trinco da porta!
= = = = = = = = =

É muito bom, que se saiba,
que neste mundo de ateus,
não há reino, que não caiba
nas conchas das mãos de Deus!
= = = = = = = = =

Escondi, no olhar aflito,
a dor, do instante do adeus!.,.
Mas vi, no olhar do infinito,
a aflição dos olhos meus!
= = = = = = = = =

Na face, as crateras curvas,
que os anos todos nos dão...
São trilhas das águas turvas
por onde as mágoas se vão!
= = = = = = = = =

Na intenção de protegê-las
de alguém que possa alcançá-las,
Deus pôs distante as estrelas
para o poeta exaltá-las!
= = = = = = = = =

Na ampulheta desta vida,
o tempo crava as esporas,
e apressa a própria batida
dos passos cruéis das horas!
= = = = = = = = =

Na velhice, não se esqueça,
dos mimos que o tempo traz;
Quanto mais branca a cabeça
mais brilha o branco da paz!
= = = = = = = = =

Na vida há tantos hiatos,
reticências e deslizes
que às vezes, meus próprios atos,
nem sempre são tão felizes!
= = = = = = = = =

Nossas mãos, já bem velhinhas,
pelo tempo, castigadas...
Carregam nas entrelinhas
nossa infância de mãos dadas!
= = = = = = = = =

Nem sempre a aurora é de luz;
porque vejo em todo canto,
criança arrastando a cruz
da dor, da fome e do pranto!
= = = = = = = = =

No espaço entre duas fendas,
uma aranha fiandeira
fez duas redes de rendas;
a dela e a da companheira!
= = = = = = = = =

Numa dor desesperada,
no porto, o moleque arteiro,
viu que o mar trouxe a jangada
mas não trouxe o jangadeiro!
= = = = = = = = =

Ó, tempo, atrevido e mudo,
por que finge que não passa?
Mas passou e apagou tudo
que escrevi no chão da praça!
= = = = = = = = =

Por que prender na gaiola
um sabiá inocente,
se o canto dele consola
o pranto dele e o da gente?!...
= = = = = = = = =

Quando o amor nos faz trapaça,
é qual duna que se alteia,
que cada vento que passa
muda o bordado da areia!
= = = = = = = = =

Que voltes logo, eu te peço;
pois, teu lugar no meu ninho
a espera do teu regresso,
cansou de ficar sozinho!
= = = = = = = = =

Rendeira, tu tens por lema
ser campeã nas contendas,
tecendo um lindo poema
com versos feitos de rendas!
= = = = = = = = =

Se o teu adeus, ainda dói,
já tanto tempo depois...
É, que a distância, ainda rói
o que restou de nós dois!
= = = = = = = = =

Vi naquela cruz aflita
me acenando entre os escombros,
que aquela cruz tão bonita
fotografava os meus ombros!
= = = = = = = = =
Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Mariza Lira (A festa do Natal no folclore do Brasil) – parte 2, final


Daí muitos desses folguedos de Natal serem tão variáveis. E não se pense que essa variabilidade ou o modo de se apresentar esse ou aquele auto é criação nossa. Entre os povos cristãos da Europa nós os vamos encontrar em variantes bem semelhantes.

No Brasil há bailes pastoris tradicionais como o do Marujo, o do Meirinho, o da Lavadeira, o do Elmano, os dos Quatro Pastores, o da Catarina, o do Velho Terêncio e tantos que seria quase impossível enumerá-los, muitos deles são fragmentos e adaptações de outros tantos de procedência peninsular.

É preciso compreender que esses autos e bailes pastoris não variam apenas de estado para estado, cidade ou lugar, mas até de ano para ano.

Isso porque o povo que os apresenta, não os cria originalmente, presencia-os, observa-os em qualquer lugar, em qualquer época e, só então, apresenta-os com características suas ao seu feitio.

Cumpre, pois, aos mais instruídos recolhê-los e sem deturparem as características regionais, reconstitui-los isentos de erros e lacunas que só nos viriam diminuir.

É o caso do Auto das Pastoras 24 de Dezembro, coligido em Pernambuco, sua terra natal, pela mestre musicóloga Ceição Barros Barreto que o apresentou, ao público, lindamente reconstituído.

Os grupos pastoris percorrem as ruas durante as noites festivas, parando diante das casas previamente avisadas. Ao canto do pedido de licença, as portas se abrem de par em par. O grupo festivo entra e desenvolve o poema musicado.

Melo Morais Filho, o grande cultor de nossas tradições, durante algum tempo organizou interessantes grupos de pastoras, para festejar o ciclo do Natal. De sua residência em São Cristóvão partia o grupo alegrando as ruas do então aristocrático bairro, visitando as residências amigas que o recebiam festivamente. A jornada terminava, com o bumba-meu-boi.

Esse brinquedo natalino é uma perfeita amálgama de reminiscências.

A principal figura é o boi, arcabouço de pau, grosseiramente coberto, escondendo um homem, cujos movimentos, marcha e cabeçadas são semelhantes aos do boi. A cabeça ou é de papelão ou é uma caveira autêntica, revestida de qualquer maneira, deixando respontar os chifres do animal. O vaqueiro, caracterizado como os nossos caboclos sertanejos, traz o agulhão, vara comprida com um ferrão na ponta, com que tange o boi.

Há personagens vários como o rei, com coroa de latão; o secretário, pomposamente vestido; o doutor; a Catarina; o padre; o Mateus; negro escravo; o capitão do mato. lembrança da escravidão: o Sebastião; o Arrequinho, corruptela de Arlequim; pastoras, negros, índios e outros mais.

O cavalo-marinho, o mestre Domingos, a cobra verde, o sapo, o diabo são personagens variáveis. O grupo é guiado pelo Mateus, em alguns pontos confundido com o vaqueiro, que vai gritando: Eh! Boi. Eh! Boi. Nas casas e lugares previamente marcados o bumba-meu-boi desenvolve o poema até que o animal cai inanimado. O vaqueiro então grita dramaticamente: O meu boi morreu, quem matou meu boi?

Enquanto o médico e o mágico pretendem reanimá-lo o vaqueiro vai cantando uma versalhada referente do exame do boi até que o médico inicia o testamento ou partilha do boi, mais ou menos neste estilo:

A rabada
É pra rapaziada;
O mocotó
É pro seu Jacó;
Um pé e a mão
É pra seu capitão;
A tripa de cima
É pra minha prima;
A tripa de baixo
É pro seu Camacho;
Os panos do figo (fígado)
É pra meus amigos;
E o bofe
É pro regabofe;
A ponta do janeiro
Pra fazê um tabaqueiro;
A testa do boi
É pra vocês doi;
O rim
Eu quero pra mim;
E a tripa gaiteira
É pras moças solteiras.

E assim improvisando rimas, vai o doutor distribuindo as diversas partes do boi até que ele ressuscita. Acaba a representação com a despedida em coro:

Retirada, meu bem retirada.
Acabou-se a nossa função;
Não tenho mais alegria
Nem também consolação.

Bateu asas, cantou o galo,
Quando o Salvador nasceu,
Cantam anjos nas alturas,
Glória in excelsis Deo!


O testamento do boi, partilha simulada entre os presentes, nada mais é que a comunhão simbólica usada em todas as religiões. A partilha faz desaparecer a culpa. A ressurreição do boi representa a remissão geral.

O auto do bumba-meu-boi, ingênuo divertimento popular, é a expressão singela dos antigos rituais de sacrifício. Por toda a parte, do solar a choupana a mesma alegria sadia e pura na noite de Natal.

Nessa noite nos lares não faltava a ceia — ou melhor — consoada. Nelas figuravam as guloseimas típicas; rabanadas ou fatias do céu, bolo de Natal, castanhas, nozes, amêndoas, avelãs, passas, figos secos, tâmaras, canjiquinhas, bolos de bacalhau, um mundo de coisas gostosas. À meia noite abria-se o vinho, a champagne, todos bebiam e se congratulavam desejando Bom-Natal, Boas-Festas.

Em muitas casas havia bailes e era hábito também os seresteiros percorrerem as ruas fazendo serenatas.

Esse costume de desejar Boas Festas, que hoje usamos, foi legado pagão, que as mais antigas civilizações nos deixaram. As congratulações com troca de presentes, festas com cantos e danças eram usadas pela volta da primavera, marcando o início das colheitas, conforme encontramos na mitologia.

Os gregos conservaram a tradição transmitindo-a aos romanos. Os primeiros cristãos adaptaram a usança à sua data magna — o Natal de Jesus. Desde então é o mesmo entusiasmo por essa época festiva.

Nos bons tempos as casas se enchiam de forasteiros. As cidades, as vilas e mesmo os lugarejos se movimentavam. As vitrinas e os mostruários das lojas transbordavam de novidades, presentes de toda a espécie, "festas" que uns davam aos outros, tradição que o encarecimento da vida está fazendo desaparecer.

Dar festas era quase que uma obrigação. Cada um a cumpria de acordo com suas posses. Os "senhores" abastados não trepidavam em oferecer de festas um escravo prestimoso ou uma crioula chibante. Desde as vésperas de Natal os escravos cruzavam as ruas levando festas "que meu sinhô mandô, desejando Bom Natal e Boa Saídas e Melhores Entradas". E eram presentes de valor: baixelas e faqueiros de prata, jarrões da China, animais de montaria, leitões, perus, joias, perfumes, flores. Até os escravos gozavam regalias excepcionais nesse dia. Ganhavam roupa nova, tinham licença para ir à missa do galo, recebiam uns cobres e assim gozavam a folga à "tripa forra".

As crianças eram surpreendidas, pela manhã, com as meias de brinquedos nos sapatinhos e não davam sossego à família com os apitos, gaitas e chocalhos. Mas, as meias e o Papai Noel de importação europeia, são relativamente recentes e variam nos diversos pontos do Brasil conforme a influência imigratória.

Os caixeiros das velhas casas comerciais, que antigamente permaneciam abertas até às dez horas da noite, dormiam nas lojas, às vezes sobre os balcões e tinham poucas saídas anuais. Pelo Natal puxavam das velhas arcas ou dos baús de folha, a roupa de "ver a Deus e à Joana", como se dizia então, calçavam sapatos rinchadores e saiam a tirar o "pó do lodo" ao menos naquela noite. As casas comerciais presenteavam os fregueses com caixotes de vinhos, champagne, presuntos, caixas de passas e outros brindes caros. Os mais modestos enviavam folhinhas de cromos coloridos com a respectiva propaganda da casa.

Os jornais enchiam-se de cartões de boas-festas, que os amigos desejavam entre si, os negociantes e as casas comerciais, faziam anúncios espetaculares de suas especialidades.

Assim era o Natal de outros tempos.

Fonte:
Mariza Lira. "A festa do Natal no folclore do Brasil". Diário de Minas. Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1951. In Jangada Brasil, dezembro 2010 - Ano XIII - nº 143 – Edição Especial de Natal

Concursos de Trovas com Inscrições Abertas para 2023


I JOGOS FLORAIS DE IRATI - PR

Prazo: 28 de fevereiro de 2023.

Âmbitos Estadual, Nacional/Internacional: Paraná, Brasil e demais países de língua portuguesa.  

Trovas líricas ou filosóficas.

Máximo de 02 (duas) trovas inéditas

Categoria Veterano: (em todos os âmbitos)
tema: Pedra  

Categoria Novo Trovador: (em todos os âmbitos)
tema: Rocha

Humorísticas: (em todos os âmbitos e categorias, sem distinção)
tema: Cascalho

A palavra tema ou cognato devem obrigatoriamente constar do corpo da trova.

Por e-mail, para todos os âmbitos e categorias: O inscrito deverá enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o tema, âmbito e a categoria pela qual concorre o trovador, bem como nome, endereço, telefones e e-mail. Não serão aceitos anexos.

Âmbito Nacional/internacional em todos os temas e categorias, as trovas deverão ser encaminhadas para a fiel depositária:

olgaagulhon@hotmail.com

Âmbito estadual em todos os temas e categorias, as trovas deverão ser encaminhadas para o fiel depositário:

jersonbrito.pvh@gmail.com

Prazo: 28/02/2023.

Serão concedidos Diplomas e medalhas aos classificados.

A premiação será remetida via postal para o classificado que não puder comparecer na data aprazada para seu recebimento.

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1º CONCURSO DE TROVAS  DE SÃO PAULO

Prazo =31 de março de 2023

Até 02 (duas) Trovas inéditas por tema para todos os âmbitos e modalidades.

Lírica ou filosófica (L/F)

Nacional / Internacional (Veteranos)
Tema: RESILIÊNCIA

Fiel Depositária – Regina Rinaldi

E-mail – reginarinalditrovadora@gmail.com
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Nacional / Internacional (Novos Trovadores)
Tema: RENASCER

Fiel Depositária – Regina Rinaldi
E-mail – reginarinalditrovadora@gmail.com
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Estadual (Veteranos)
Tema: PERSISTIR

Fiel Depositário – Jerson Brito
E-mail - jersonbrito.pvh@gmail.com
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Estadual (Novos Trovadores)
Tema: RESGATAR

Fiel Depositário – Jerson Brito
E-mail - jersonbrito.pvh@gmail.com
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Municipal (Estudantil)
Tema: JOVEM/JUVENTUDE

Fiel Depositário – Alberto Valença Lima
E-mail - concursoubtestudantil2022@gmail.com
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Preenchimento do email:

Assunto do e-mail: "1º Concurso de Trovas da UBT São Paulo"

Acima das trovas colocar o âmbito, o tema e a categoria

Abaixo das trovas colocar nome, endereço completo, e-mail e telefone com o ddd.

NÃO ANEXAR ARQUIVO.

Para o Concurso Municipal (só para estudantes do Município de São Paulo – SP), deverá ser acrescentado aos dados acima, o nome do colégio e o do(a) professor(a) de português da(o)  participante.

Prazo =31.03.2023
******************
Obs:
Trabalhos com palavras de baixo calão, pejorativas, preconceituosas, ofensivas, em qualquer contexto, serão automaticamente desclassificadas.

Não serão aceitas trovas escritas em caixa alta nem iniciando os versos com letra maiúscula, exceto o verso inicial ou em algum caso que justifique a maiúscula.

Só se aceitam rimas perfeitas.

Diplomas aos classificados de cada tema/categoria. Os diplomas serão entregues em solenidade de entrega a ser anunciada futuramente. Aqueles que não puderem comparecer, poderão enviar representante, devidamente autorizado ou receber seu diploma por e-mail.
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XVIII Concurso de Trovas de Maranguape/CE

Prazo: 31 de março de 2023.

A palavra deve obrigatoriamente constar no corpo da trova.

Âmbito Nacional/Internacional:

Uma (1) trova por tema

Novo Trovador:
Paz (L/F)

Enviar para
fiel depositário – Gutemberg Liberato

e-mail: ubt.ceara@gmail.com
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Veterano:
Gratidão (L/F).

Enviar para
fiel depositário – Gutemberg Liberato

e-mail: ubt.ceara@gmail.com
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Âmbito Estadual:

Duas trovas por tema

Sem distinção de categoria
Atitude (s) (L/F);

Enviar para
fiel depositário – Gutemberg Liberato

e-mail: ubt.ceara@gmail.com
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Acima das trovas colocar o âmbito, o tema e a categoria (Novo Trovador ou Veterano)

Abaixo das trovas colocar nome, endereço completo, e-mail e telefone com o ddd.

NÃO ANEXAR ARQUIVO.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Nélio Bessant (Caderno de Trovas) 8

 

Antonio Brás Constante (Uns erram e outros perdem)


Há algum tempo atrás escrevi uma frase que dizia: “ninguém cometeu maior erro do que aquele que errou ao fazer tudo errado”. Frase estranha, com palavras esquisitas, que não soou legal, coisa mesmo de biruta. Nestes últimos dias, porém, a tal frase voltou as minhas lembranças, trazida por minha eterna professora, que certamente também dá aulas para você, sendo conhecida como VIDA.

Dona vida, educadora severa, que puxa as orelhas de quem quiser. Castiga e põe de joelhos, faz até marmanjo chorar. Com ela não tem rebeldia. Se alguém tentar matar aula, morre no mesmo dia. Mas ela, em sua essência, não pode ser taxada com alcunha de malvada, pois antes de reprovar qualquer vivente, ainda lhes dá a chance de fazerem um exame... De consciência (e é exatamente aí que tantos desperdiçam suas oportunidades de acertar aquilo que está errado).

Ela se reflete em ações, frutos de nossas próprias avaliações, onde até mesmo uma frase citada no início do primeiro parágrafo, ganha um sentido mais adequado. Uma frase, renascida talvez de um fato. Algo que em um mundo nada perfeito seria perfeitamente normal, mas que em nosso universo ainda gera decepção. Vou lhes dar como exemplo uma premiação.

Imagine que você possui um dom. Algo que lhe permite transformar tinta através do pincel em desenhos no papel. Agora imagine este seu talento levando-o a participar de um concurso em forma de salão, voltado para este tipo de exposição. Você envia suas obras e é agraciado com a notícia de que um de seus trabalhos foi contemplado, teve menção honrosa, bastando ir ao evento cultural para receber a recompensa por este ato de proeza.

Você então chega ao local da premiação, que ficaria algumas dezenas de quilômetros de sua morada, mas que poderia ser em outro estado, quem sabe outro país. O fato é que você vai até lá prestigiar o evento. Participa da cerimônia de entrega das premiações, recebendo do próprio patrono da imprensa da cidade (onde tudo foi organizado), o seu troféu e um certificado.

O artista, não cabe em si de tão maravilhado, mostra o troféu aos amigos, abre um espaço de honra em sua estante para coloca-lo. Sente-se, sobretudo, valorizado por esta conquista. Então toca o telefone, a voz do outro lado da linha, inicia a conversa se identificando e tecendo elogios ao artista, para enfim informar-lhe que terá de devolver o troféu recebido. Foi tudo um engano. Aceite um pedido de desculpas, por telefone, e assim que puder volte até nossa cidade trazendo aquilo que há poucas noites recebeu, para que possamos entregar a outro artista algo que você achava ser seu. Tudo muito discreto e informal. Por favor, não nos leve a mal, ainda é seu o certificado. Apenas iremos alterar sua foto em nosso site, para sumir com os vestígios deste erro brutal...

Erros acontecem, e são como dominós em fila que caem. Está é uma das lições que aprendemos nesta vida. Afinal, quem nunca errou, cometendo um erro ainda maior ao fazer tudo errado?

(Texto dedicado ao amigo Zé Gadis).

Fonte:
http://abrasc.blogspot.com/

Fernando Pessoa (Caravelas da Poesia) XLVIII


NEM O BEM NEM O MAL DEFINE O MUNDO
 
Nem o bem nem o mal define o mundo.
Alheio ao bem e ao mal, do céu profundo
Suposto, o Fado que chamamos Deus
Rege nem bem nem mal a terra e os céus.

Rimos, choramos através da vida.
Uma coisa é uma cara contraída
E a outra uma água com um leve sal.
E o Fado fada alheio ao bem e ao mal.
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NESTA GRANDE OSCILAÇÃO
 
Nesta grande oscilação
Entre crer e mal descrer
Transtorna-se o coração
Cheio de nada saber;

E, alheado do que sabe
Por não saber o que é,
Só um instante lhe cabe,
Que é o reconhecer a fé -

A fé, que os astros conhecem
Porque é a aranha que está
Na teia, que todos tecem,
E é a vida que antes há.
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NESTA VIDA, EM QUE SOU MEU SONO
 
Nesta vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me  encontro quando de mim fujo.

Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhasse
A Presença Real sob disfarce
Da minha alma presente sem intento.
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NO CÉU DA NOITE QUE COMEÇA
 
No céu da noite que começa
Nuvens de um vago negro brando
Numa ramagem pouco espessa
Vão no ocidente tresmalhando.

Aos sonhos que não sei me entrego
Sem nada procurar sentir
E estou em mim como  em sossego,
Pra sono falta-me dormir.

Deixei atrás nas horas ralas
Caídas uma outra ilusão
Não volto atrás a procurá-las,
Já estão formigas onde estão.
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NO FIM DA CHUVA E DO VENTO
 
No Fim da chuva e do vento
Voltou ao céu que voltou
A lua, e o luar cinzento
De novo, branco, azulou.

Pela imensa 'stelação
Do céu dobrado e profundo,
Os meus pensamentos vão
Buscando sentir o mundo.

Mas perdem-se como uma onda
E o sentimento não sonda
O que o pensamento vale
Que importa? Tantos pensaram
Como penso e pensarei.
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NO MEU SONHO ESTIOLARAM
 
No meu sonho estiolaram
As maravilhas de ali,
No meu coração secaram
As lágrimas que sofri.

Mas os que amei não acharam
Quem  eu era, se era em si,
E a sombra veio e notaram
Quem fui e nunca senti.
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NOS JARDINS MUNICIPAIS
 
Nos jardins municipais
As flores também são flores.
Assim, na vida e no mais,
Que a vida é de estupores,

Podemos todos ser nossos
E fluir como quem somos.
Quando a casa é só destroços
É que a fruta é dó de gomos.
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O ABISMO É O MURO QUE TENHO
 
O abismo é o muro que tenho
Ser eu não tem um tamanho.
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O AMOR É QUE É ESSENCIAL
 
O amor é que é essencial.
O sexo é só um acidente.
Pode ser igual
Ou diferente.
O homem não é um animal:
É uma carne inteligente,
Embora às vezes doente.
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O AMOR
 
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…

Marcos Rey (Celebridades instantâneas)


Talk shows servem até para vender espanador giratório a pilha


Hoje em dia quem aparece num talk show dá uma pisada no hall da fama. Sai da sombra do anonimato. É como se o próprio Deus acendesse um spotlight. Aproveite, chegou a sua vez de brilhar!

Houve época em que nem escrevendo Os sertões se alcançava de pronto a celebridade. Carlos Drummond de Andrade, pouco chegado à autopromoção, apenas se tornou conhecido – não lido – pelo público já nos finais oitenta anos. Lima Barreto, o romancista de Clara dos Anjos, só passou a ser mencionado com maior frequência para eliminar a confusão que se fazia entre seu nome e o do cineasta Lima Barreto. Van Gogh, mesmo decepando a orelha para presentear uma namoradinha, ato romântico e original, permaneceu na obscuridade até o fim da vida e sem vender um único quadro.

As portas do sucesso atualmente são mais acessíveis. Podem ser transpostas em minutos. Chamam-se talk shows ou, em linguagem bárbara, programas de entrevistas na televisão. Segundo acabo de ler, chegam a vinte, apresentados em quase todas as emissoras, diariamente e nos mais diversos horários. É um gênero de espetáculo de baixo custo porque os entrevistados, doidos para aparecer no vídeo, naturalmente não cobram nada. Pelo contrário, muitos até pagariam.

Quem tem necessidade urgente de se promover, lançar produtos ou aparecer na telinha para provar que ainda não morreu – estou vivo e atuante, gente! – visita infalivelmente todos os programas do naipe. Nada mais eficiente para ser reconhecido na rua e em toda parte. Gente que nunca viu o entrevistado o cumprimenta com um largo olá. Os mais ousados arriscam: “O senhor estava ótimo ontem no Jô”.

Eu também tenho talento, preciso apenas de uma oportunidade para me destacar. É o sonho de muitos. E onde aparecer, para milhões e ao mesmo tempo, senão na televisão? Figurar nos talk shows é o único jeito de ficar conhecido instantaneamente e poder vender o seu peixe. Foi o que declarou o dono de um restaurante de frutos do mar...

Para os desconhecidos, conseguir ser programado num talk depende de relacionamento e boa dose de paciência. Uns esperam meses. Para os já conhecidos, mais preocupados em manter certa popularidade, é até relativamente fácil. O difícil é fazer cara convincente de que está no programa de seu querido entrevistador, preferido entre todos. E morrendo de saudade. Este, por seu turno, tem de fazer a cara certa de que se trata de uma entrevista exclusiva, única, fingindo ignorar que o convidado já compareceu no mínimo a três emissoras na mesma semana. Ontem mesmo esteve no programa do seu concorrente, aquele fofoqueiro, aquele vaidosão, aquele...

Quando o entrevistado, mesmo ignorado pela mídia, cai no agrado do auditório, o referido peixe está vendido. Lembro o espevitado autor de um espanador giratório a pilha, de duvidosa utilidade. O público adorou à primeira vista o curioso inventor: foi no seu papo solto, riu o quanto pôde. E aplaudiu frenético. Soube-se que vendeu milhares de espanadores giratórios, encalhados há anos.

Uma entrevista bem-sucedida resolve. O homem que promovia o reconstituinte leite de jacaré foi até bisado. Há também os que não querem vender nada, interessados somente na divulgação da imagem, na satisfação do ego. O conceito de muita gente dá saltos andinos após um cara a cara com Marília Gabriela ou um tapa no microfone do Jô.

Torno a lembrar Van Gogh, em vida o mais joão-ninguém dos gênios, o durango e biruta que pintava telas que hoje valem dezenas de milhões de dólares. Theo, o mano e protetor, após a dramática amputação, para salvar Vincent certamente recorreria aos programas de entrevistas, a última chance de sucesso artístico e equilíbrio mental.

Antes de exibir seus girassóis, talvez perguntassem ao pintor:

– Não querendo interromper e já interrompendo, o que você fez com a sua orelha?

Ou aprovassem:

– Sem orelha você fica uma gracinha, Van.

Ou se arrepiassem a ponto de não fazer a entrevista:

– Nossas estrelas comerciais entram agora e depois a gente volta.

Fonte:
Marcos Rey. Crônicas para jovens. Global, 2015. Edição digital.

Mariza Lira (A festa do Natal no folclore do Brasil) – parte 1


O ciclo das festas de Natal vai de 24 de dezembro até o dia 6 de janeiro, dia de Reis, mas os preparativos começam muito antes. Essa festa tradicional que desde o alvorecer da Idade Média se vem filtrando através das gerações, chegou ao Brasil trazida pelas primeiras levas de colonizadores lusos.

A festa de Natal propriamente dita abrange a missa que é rezada à meia-noite e segundo se diz, o povo a chamou de "missa do galo", porque a essa hora é que os galos começam a cantar. Há ainda os presépios e os autos pastoris.

A noite de Natal também é conhecida, no Brasil, como "noite santa". E o maior atrativo da "noite santa", para os católicos é a missa do galo, que se realiza em quase todas as paróquias do país. Não é que o santo ofício não seja assistido pelos fiéis com toda a religiosidade, mas, a saída e o regresso da missa é que constituíam o encanto dos namorados e o divertimento dos gaiatos.

Antigamente nos coretos que se armavam nos adros das igrejas, a filarmônica local, a "charanga", como se diz por aí, alegrava o povo tocando músicas ruidosas. Os namorados dos velhos tempos aproveitavam a confusão para um piscado de olho significativo, um sorriso cheio de promessas e alguns, mais ousados, ao aperto de mão, ao beliscãozinho, que antigamente se usava, ou mesmo a uma ligeira jura de amor. Os gaiatos na confusão da saída amarravam as pontas dos xales das rotundas "carolas", isto é, das velhotas igrejeiras, prendiam com alfinetes, duas a duas, as saias das negras ou punham rabos nos fraques e sobrecasacas dos senhores austeros. As vitimas quando se apercebiam do ridículo, quase sempre mostravam o seu desagrado energicamente e os mais irritados ameaçavam "céus e terra". Os pândegos de longe gozavam as reações das vítimas. Os valentões e capoeiras, "por dá cá aquela palha", trocavam tabefes e rasteiras, mas tudo não passava de "um susto e uma carreira", como se dizia então.

Depois da missa era quase que uma obrigação a visita aos presépios, fossem eles armados nas igrejas ou em qualquer casa particular. A ideia de reproduzir a cena de Belém, partiu de São Francisco de Assis, que em 1223 armou o primeiro presépio com pessoas e animais verdadeiros desenvolvendo cenas reais. E agradou de tal modo a ideia, a todo o mundo católico, que, desde então, o hábito de se armarem presépios pelo Natal, espalhou-se por toda a Europa cristã.

Em Portugal, segundo frei Luiz dos Santos, o primeiro presépio foi armado no convento das Terras do Salvador, em Lisboa, também com personagens e animais verdadeiros.

No Brasil desde o século XVI, se armam presépios na Bahia, Rio e em Pernambuco, onde o primeiro foi devido à iniciativa do franscicano Frei Gaspar de Santo Antônio.

Há uma antiga descrição em verso , feita pelo poeta baiano Joaquim Serra da qual se conclui que os presépios do passado pouco diferem dos presépios do presente:

Céu de estrelinhas douradas,
Estrelas de papelão:
Brancas nuvens fabricadas
De plumagem de algodão!
Anjos soltos pelos ares,
Peixes saindo dos mares,
Feras chegando d'além.
Marcha tudo, e vem na frente
Os Reis Magos do Oriente
Em demanda de Belém!

E está a Lapa; o Menino
Nas palhas deitado
Com um sorriso de alegria,
Todo doçura e amor!
Contempla o quadro divino
São José ajoelhado,
E a santíssima Maria
De Jericó meiga flor


Ao presépio o povo ligou uma superstição. Está generalizada em todo o Brasil a crença de que quem arma presépio um Natal tem que fazer durante sete anos para alcançar as bênçãos de Deus e se não o fizer tudo andará para trás.

Ingênuas crendices do povo.

No Rio antigo ficou registrado, nas velhas crônicas, o presépio do cônego Felipe, na ladeira da Madre de Deus; era tão completo e tão suntuoso que era honrado com a visita de dom João VI.

Não menos famoso foram os do convento da Ajuda e da ladeira de Santo Antônio.

Outro presépio, citado pelos cronistas antigos foi o do Barros, carpinteiro estabelecido com uma oficina, à rua dos Ciganos, hoje Constituição.

Sempre houve espalhados aqui e ali, nos vários pontos da cidade, presépios que o povo visitava com religiosidade e encantamento.

Muito popular foi um armado numa casa modesta da rua Ana Néri, próximo à matriz de Nossa Senhora da Luz. Era uma cenografia ingenuamente pitoresca, mas com movimentação elétrica, ao som dos discos passados em vitrola. O povo afluía a ele de todos os pontos da cidade.

Os autos pastoris foram introduzidos em Portugal, em 1502, no reinado de dom Manuel. A rainha dona Beatriz encomendara ao poeta Gil Vicente, um auto pastoril para festejar o nascimento do príncipe dom João. A câmara da rainha foi transformada num presépio e o príncipe profanamente comparado ao Menino Jesus.

Anos após chegavam ao Brasil os autos pastoris. Informa Serafim Leite que um dos primeiros autos representados no Brasil foi a Écloga Pastoril, exibida em Pernambuco, em 1574. Essa festividade teve o máximo esplendor no norte a leste do Brasil e ainda constitui aí a nota tradicional mais pitoresca.

Adquirindo feição própria e variável nos vários estados do Brasil, esses autos natalinos tomaram denominações diversas; autos ou bailes pastoris; pastoras ou pastoris; cheganças e reisados; marujadas; fandangos da barca.

Revivendo uma reminiscência pagã, no norte, centro e leste do país, o mais típico desses autos é o bumba-meu-boi, havendo variantes como o boi-bumbá e outros. Na região do São Francisco há o "rancho da burrinha", como devem haver outros festejos desse tipo, com outras denominações, espalhadas por esse Brasil afora.

É interessante observar que enquanto o auto das pastoras e pastorinhas conserva o aspecto geral da primitiva pureza e ingenuidade, os pastoris, o bumba meu boi e suas variantes tornaram-se um tanto profanos e até com acentuado sabor livre, de acordo com o feitio do organizador e o meio donde surgiu.

Nos autos das pastoras o argumento gira em torno do nascimento de Jesus, enquanto que nos pastoris, no bumba-meu-boi e seus congêneres, prende-se ao tema da morte e ressurreição. Nas cheganças e marujadas o motivo principal é a luta entre mouros e cristãos.

Todos eles são constituídos de monólogos, diálogos declamados, canções, duetos, coreografia numa dramatização conhecida, tradicional mesmo ou organizados por apreciadores do divertimento.
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Continua…
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Mariza Lira (Maria Luísa Lira de Araújo Lima), folclorista e musicóloga, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 17/7/1899, e faleceu na mesma cidade, em 4/9/1971. Diplomada pela Escola Normal, do então Distrito Federal, foi diretora de escola técnica secundária do Rio de Janeiro e membro da Comissão Nacional de Folclore.

Uma das pioneiras dos estudos da música popular urbana, vinculou seus conhecimentos musicais a uma abordagem sociológica, como ilustram seus artigos para a Revista de música popular (1955-1956), do Rio de Janeiro.

Além de numerosa produção jornalística no campo folclórico, publicou Brasil sonoro, Rio de Janeiro, 1938; Chiquinha Gonzaga, Rio de Janeiro, 1938; Cânticos militares, Rio de Janeiro, 1943; Migalhas folclóricas, Rio de Janeiro, 1951; Achegas para a história do folclore no Brasil, Rio de Janeiro, 1953; História do Hino Nacional Brasileiro, Rio de Janeiro, 1954; Calendário folclórico do Distrito Federal, Rio de Janeiro, 1956.


Fontes:
Mariza Lira. "A festa do Natal no folclore do Brasil". Diário de Minas. Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1951. In Jangada Brasil, dezembro 2010 - Ano XIII - nº 143 – Edição Especial de Natal

Enciclopédia da Música Brasileira. SP: Art Editora e Publifolha. 1998.