sábado, 14 de janeiro de 2023

Isabel Furini (Teatro)


As joias brilhavam mais que outras vezes. Os olhos dos espectadores do teatro fugiam do palco para olhá-la. Ela estava lá, sentada, firme, ereta, no camarote principal, os olhos fixos nos bailarinos. Nada poderia distrair a sua atenção, voltada toda para a representação de "O lago dos cisnes" do compositor russo Tchaikovsky.

A joias brilhavam fazendo um contrate estranho com as rugas incrustadas como cicatrizes no rosto. Eram rugas na testa, no canto dos olhos, nas bochechas. Um sem fim de paisagens desenhado nesse rosto idoso. Cadê a beleza? Perguntava-se cada vez que se olhava no espelho do quarto luxuoso. Cadê? Perguntou esse mesmo dia enquanto se observava no espelho oval da sala. Seu corpo ainda estava firme, magro, seu olhar era arrogante, tão arrogante quanto a sua postura, mas as rugas... essas rugas... denotavam a octogenária aristocrática cujo corpo não havia cedido ao passo do tempo. Não curvava os ombros, não descia a cabeça, nem o olhar, suas costas não formavam corcunda ao sentar-se. Tinha a postura arrogante de seus ancestrais. A senhora condessa não se reclinava na cadeira como outras senhoras de sua idade. Ela tinha orgulho, apesar da doença seu aspecto era digno. Não seria a hemodiálise que tiraria o seu orgulho, que prejudicaria a sua postura. Mas, as rugas... sim, as rugas chamavam a atenção. Por isso colocara as joias mais preciosas que havia herdado de sua avó.

As joias brilhavam e algo dentro dela ia se apagando aos poucos. Morrendo aos poucos. Um cisne na penumbra do teatro. Mais um cisne quieto, imóvel. Só quando sua acompanhante murmurou no seu ouvido: “- O balé terminou, é hora de voltar para casa.” Tocando-a levemente, a cabeça da senhora condessa caiu de lado. E o corpo inclinou-se para frente reverenciando a morte.

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