sábado, 19 de dezembro de 2009

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte III


2. A PROFISSÃO DE POETA

Os registros históricos consultados durante a evolução do trabalho não descartam o fato de a poesia ter sido a única fonte de ocupação e, possivelmente, de renda de muitos poetas ao longo da história humana. Na Grécia antiga, os poetas alcançavam fama e fortuna nas disputas promovidas em festivais religiosos, patrocinados freqüentemente pelo governo da época, principalmente em períodos de agitação política ou ameaça externa para distrair a população, conforme pude verificar.

Embora a poesia tenha sido mais valorizada como arte pelos primeiros literatos, nota-se que os grandes poetas da antigüidade - sem menosprezar os talentos de cada poeta em particular - buscavam a independência financeira e aliavam-na ao gosto pela literatura e dramaticidade interpretadas através do teatro, o que poderia servir, inclusive, como forma de entreter grande parte da população sempre descontente com os seus governantes, motivo pelo qual os próprios faziam questão de estimular a constante realização dos eventos e premiar os vencedores dos concursos.

Apesar da importância na antigüidade, a poesia nunca pôde ser reconhecida oficialmente em qualquer civilização ou cultura como profissão propriamente dita e sempre ficou rotulada por muitos como literatura, por outros como arte e por tantos outros como poesia mesmo, sendo esta última nem sempre classificada como arte.

Diferente dos primeiros tempos, a história registra que muitos poetas obrigaram-se a viver clandestinamente ou na solidão por conta de suas poesias ditas infames, impróprias ou mesmo como ato puro de rebeldia e afronta aos governantes, e assim acabaram por merecer o repúdio incondicional ao invés do reconhecimento.

Consta que o imperador romano Augusto foi um dos grandes incentivadores e patrocinadores oficiais aos escritores e poetas do seu tempo. Para assessorá-lo, recorria ao rico Caio Mecenas, um de seus amigos mais velhos e íntimos, que exercia o papel de caçador de talentos. Mecenas trouxe para o círculo imperial homens brilhantes de vários níveis da sociedade romana. Os poetas Ovídio e Propércio eram cavaleiros, o historiador Tito Lívio vinha de uma família da Gália Cisalpina, o grande poeta Virgílio era filho de um pequeno agricultor e Horácio nascera de uma família de libertos e todos eles gozavam de boa reputação e segurança financeira.

Para esses homens, o patrocínio do imperador significava status social e conforto, à custa de alguma liberdade intelectual. Augusto certamente gostava quando um de seus protegidos produzia um poema épico para maior glorificação de Roma. Virgílio estava trabalhando numa obra desse tipo quando morreu, em 19 a.C. O poeta deixara ordens para que queimassem o poema, caso não conseguisse completá-lo. O imperador discordou – e o mundo ganhou Eneida.

Os chineses presumiam que um cavalheiro seria capaz de se expressar em verso em qualquer ocasião. A composição poética fazia parte dos concursos para o serviço público no governo Tang e todos os burocratas utilizavam suas habilidade poéticas na celebração de excursões imperiais, eventos auspiciosos ou na partida de autoridades.

Tais ocasiões não encorajavam a originalidade : os chineses admiravam mais o equilíbrio e a capacidade técnica. Até os grandes poetas usavam o verso como outras culturas poderiam usar um diário para registrar as minúcias do dia-a-dia, bem como as epifanias de grande significado. E isso só tornou mais notável a audácia e o lirismo dos principais poetas Tang.

Vladimir Maiakovski foi um dos maiores poetas que a literatura já produziu. Foi membro do partido Socialista e, acusado de escrever manifestos, foi preso por várias vezes, julgado e condenado. Quando saiu da prisão, em 1910, julgava-se incapaz de escrever versos.

Maiakovski pertencia a um grupo denominado futurista. Depois da Revolução de Outubro sua atividade literária tornou-se muito mais intensa, abrangendo quer a poesia, quer o teatro, embora nunca tivesse ganho muito dinheiro com isso, mas sustentava-lhe o ego e a sobrevivência mais moral do que física.

Um dos aspectos mais interessantes desta nova fase na vida do escritor foram os inúmeros recitais de poesia feitos através de toda União Soviética.

Posteriormente, tendo retomado a opção pela literatura, mais precisa mente a poesia, declara :

Vou falar do meu ofício não como mestre, mas como aquele que faz versos. O meu artigo não tem nenhum significado teórico. Falo do meu trabalho, que, no fundo, segundo minhas observações e minha convicção, pouco se distingue do trabalho de outros poetas profissionais ” .

Aliada ao exemplo acima, por muito tempo e ainda hoje a poesia carrega o estigma de ter sido associada ao prazer da bebida, da solidão, das doenças e do sofrimento geral em razão de que muitos poetas desafogavam toda sua mágoa e tristeza nos poemas, o que poder ser comprovado nas mais diferentes correntes e escolas poéticas surgidas a partir da Antigüidade, Idade Média e Contemporânea.

Apesar da dificuldade do reconhecimento da profissão, encontramos muitos autores que se declararam verdadeiros poetas profissionais. Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, mesmo tendo ganhado a vida como funcionário público e jornalista, e alegando ter se dedicado à literatura por prazer, não hesitou em afirmar no prefácio de sua Antologia Poética (1962) :

Hoje estou aposentado nas duas atividades que exerci a vida toda, mas posso considerar-me escritor profissional, pois a fonte do meu principal sustento resulta do fato de escrever e publicar livros, que o público tem recebido com simpatia

Contudo, amargando algumas derrotas na carreira literária que influíram profundamente no estilo de compor sua poesia, desabafa toda sua dificuldade em lidar com as palavras e talvez delas prover o seu sustento, facilmente identificado em parte do poema descrito abaixo (1962 : 182 ) :

O LUTADOR

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
. . .
Lutar com palavras
parece sem fruto.
Não tem carne e sangue
Entretanto, luto.
. . .
Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.

Apesar de muito criticado e ridicularizado quando jovem, por conta do seu poema No meio do caminho, julgado escandaloso pela crítica da época, Drummond conseguiu recuperar-se do trauma e seu poema acabou traduzido para 17 idiomas pelo mundo afora.

Para aqueles que rotularam-no idiota, o tempo foi o único capaz de corrigir a injustiça que pesou sobre seus ombros e suas retinas fatigadas porque, a despeito de todas as descomposturas praticadas contra ele, houveram também os elogios mais entusiásticos, segundo a antologia organizada de sua obra e por estímulos de companheiros de geração e pessoas mais velhas nas quais o poeta depositava inteira confiança.

Ainda no prefácio de sua Antologia Poética (1962), o poeta consolida toda sua intelectualidade e gosto pelo exercício da profissão: “Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade de sua condição” .

A maioria dos grandes poetas, embora movidos pela paixão da arte de escrever, sempre estiveram divididos, haja vista que a profissão de poeta nunca foi capaz de se manter como meio de sustento e alimentar a esperança de ninguém, ao contrário do que ocorreu nos primeiros tempos.

Um exemplo infeliz da tentativa de sobrevivência por meio da poesia foi o caso de Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas brasileiros do início do século XX. Apesar de ter morrido à míngua, o poeta foi reconhecido postumamente após um árduo trabalho de seus amigos e irmão para divulgar sua obra.

Em vida, Augusto dos Anjos amargou todas as incertezas que a profissão de poeta e o desprezo pela sua arte acabaram lhe proporcionando – poesia muito diferente das demais que ganhavam o início do século com o fim do Simbolismo, Parnasianismo e o advento do Modernismo em 1922.

Até os 24 anos, o poeta viveu no Engenho do Pau-d´Arco na Paraíba do Norte, de onde se afastava periodicamente para breves estadas na Paraíba ou no Recife, mas sonhava com a fama e o reconhecimento literário, o que, por conseqüência, poderiam elevar o seu padrão de vida e amenizar os prejuízos financeiros da família.

O Poeta Raquítico ou Doutor Tristeza, como era julgado e conhecido na Paraíba por conta de seus versos fúnebres e amargos, sempre almejou o sucesso através da poesia, embora sustentasse o casamento pelo exercício da profissão paralela de professor. Era advogado também, mas optou pelas letras. Insatisfeito com os proventos ganhos como professor do Liceu Paraibano e pouco valorizado pela imprensa, Augusto dos Anjos resolveu deixar a Paraíba rumo ao Rio de Janeiro onde, supostamente, gozaria de todo prestígio e compensação financeira pelo seu reconhecido mérito, como ele próprio pensou :

No Rio de Janeiro as coisas seriam diferentes. Publicaria, logo à chegada, o seu livro, afirmação de sua personalidade independente, o Eu. Levava algum dinheiro. Não precisaria do auxílio de ninguém nem dependeria de parentes. Faria relações com poetas, escritores e jornalistas, que lhe reconheceriam o talento, e tudo facilitariam ao novo companheiro de letras. Conquistaria, em suma, pelo próprio mérito, todas as posições que almejasse, na imprensa e no magistério”.

Decorrido quase um ano, pouco se havia alterado na vida de Augusto dos Anjos. Conseguiu, apenas, a nomeação de professor substituto de Geografia, Cosmografia e Corografia do Brasil no Ginásio Nacional. A situação do poeta era mais do que precária e os vencimentos insuficientes para cobrir as despesas da família. Perdera o primeiro filho e o parto prematuro indicava todas as dificuldades por que passou. A esperança de sobreviver pela poesia foi morrendo aos poucos e junto com ela o ímpeto do poeta em prosseguir com seus objetivos.

Em carta datada de 11 de setembro de 1991, declara à irmã na Paraíba :

Desempregado, com responsabilidades pesadas a me abarrotarem a alma, vítima de uma desilusão de minha própria terra, tudo isto, como um amálgama negro, engendrou esse silêncio malsinado, que não corresponde absolutamente a uma depressão quantitativa dos afetos à família, tanto por mim estimada. Agora, a nomeação que acabo de receber veio sanear um pouco o meu abalado território cerebral ” .

Para completar a receita do orçamento doméstico, tinha de desdobrar-se em aulas particulares, em bairros diferentes e tornou-se posteriormente agente de companhia de seguros, sem êxito, porém. Era total e absoluta sua incapacidade para ganhar dinheiro.
Teve que se resignar ao ganha-pão de professor. Nenhum editor quisera publicar seus manuscritos poéticos. Acabou por financiar a edição, de parceria com o seu irmão, Odilon.

Um outro poderia acreditar na obra, como um negócio capaz de proporcionar lucros, pelo menos é o que transparece nas cláusulas do contrato firmado por ambos, em reprodução ipisis litteris conforme abaixo :

Cláusula II - “ Fica considerada como despesa de impressão a quantia de cinqüenta mil contos de réis, dispendida com a fotografia de Augusto dos Anjos, a fim da mesma figurar no livro”, e ainda, “Fica considerada como despesa à parte tudo que for gasto com a venda e colocação do livro, cabendo a quem houver feito dita despesa reavê-la, oportunamente ” .

A grande verdade é que, apesar de todo seu talento, cultura e excepcionalidade, Augusto dos Anjos morreu frustrado, pobre e não pôde ver seu grande sonho realizado, a arte da sobrevivência pelo suor da sua poesia. O poeta voou alto, tinha asas possantes, mas era frágil e impotente, sem forças para vencer a realidade da vida, o que lhe causou profundo desânimo com o Rio de Janeiro, ao contrário do que almejava ao sair da Paraíba.

Em 1914 mudou-se para Leopoldina, em Minas Gerais, tendo aceito o cargo de Diretor do Grupo Escolar da cidade com a ajuda de seu cunhado Rômulo Pacheco, ligado à política local. Agarrou-se ao cargo como um náufrago à espera da salvação.

Para sua escrita, porém, o poeta se utilizou de toda sua paixão e obedeceu exclusivamente ao temperamento que lhe coube por dádiva divina. Tal como inúmeros poetas de sua época e de outras, não conseguiu plena realização como poeta de profissão, mas nunca será esquecido, por toda grandeza de sua obra, reconhecida tardiamente nos meios literários. Morreu no mesmo ano em que se mudou para tentar a sorte em Leopoldina, acometido de uma congestão pulmonar, mas deixo aqui nossa homenagem ao grande Poeta Raquítico transcrevendo um de seus formidáveis sonetos, grande pela idéia predominante, pela verdade científica, pelo sentimento doloroso e pela estrutura 1 2 , como diria Órris Soares, amigo do poeta, em elogio feito no ano de 1919 :

LAMENTO DAS COISAS

Triste a escutar, pancada por pancada,
a sucessividade dos segundos,
ouço, em sons subterrâneos, do orbe oriundos,
o choro da Energia abandonada.
É a dor da força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
que, podendo mover milhões de mundos,
jazem ainda na estática do nada !
É o soluço da forma ainda imprecisa . . .
Da transcendência que não se realiza . . .
Da luz que não chegou a ser lampejo . . .
E é, em suma, o subconsciente aí formidando
da Natureza que parou chorando
no rudimentarismo do desejo !

Diferente do que poderia ser, nenhum poeta conseguiu manter-se financeiramente pela própria poesia. Ao exercício da arte de poetar, por necessidade desenfreada da sobrevivência, a grande maioria obrigou-se a associá-la a uma atividade paralela, incondicionalmente, o que não deixa de causar indignação e espanto, uma vez que a poesia sempre esteve presente na cultura de todos os povos e todos sempre fizeram questão de enaltecer seus poetas.

À exceção dos primeiros e de alguns da atualidade, dificilmente encontramos algum registro de poetas que tenham enriquecido ou simplesmente vivido bem por simples exercício de sua poesia.

Sófocles, Horácio, Píndaro, Shakespeare, Auden, João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira ou mesmo Drummond, a despeito de toda a fama e herança cultural acumulada para o bem da humanidade, nunca puderam orgulhar-se da poesia como meio de sobrevivência.

Aos poetas sempre estiveram ligados as demais profissões como embaixador, general, professor, escritor ou mesmo cantor, motivo pelo qual podemos insinuar que a poesia não serve como referência profissional. Atualmente, poucos poetas se dizem felizes e contentes com o tímido reconhecimento do público, traduzido em números.

O exemplo de Augusto dos Anjos no início do século e Mário Quintana falecido há pouco tempo não deixam dúvidas de quanto a poesia é ingrata, mesmo sendo objeto de estudo e avaliação em qualquer escola ou universidade de renome.

Mário Quintana, poeta gaúcho, viveu os últimos dias de sua vida vivendo de favores alheios apesar de sua vasta produção poética. Orides Fontela, poetisa paulista reconhecida pelos críticos como uma das maiores da atualidade brasileira, sofre para pagar as despesas de aluguel e manutenção de um apartamento no centro de São Paulo.

Auden na Inglaterra, Eliot e Emerson nos Estados Unidos, Trakl na Polônia, Petrarca na Itália, Maiakovski na Rússia, Baudelaire e Rimbaud na França, todos eles foram vítimas do mesmo mal e em razão de toda indiferença em vida, gozam hoje de reconhecimento, respeito e consideração da crítica literária, dos estudiosos conscientes que acabaram concluindo a importância da poesia no mundo antigo, medieval e contemporâneo.

O objetivo principal no capítulo ao fazer uma analogia e tentar associar a atividade do poeta à profissão foi demonstrar a contradição que existe no fato do público louvar a poesia em todos os tempos e ao mesmo tempo não possuir o discernimento e a crítica necessária para reverter toda injustiça que os poetas conseguem, na maioria dos casos, postumamente. Assim sucedeu com Augusto dos Anjos, Gregório de Matos Guerra, Shakespeare, Cecília Meireles e Mário Quintana, e os textos consultados não indicam que haja tendência de reversão, para tristeza dos amantes da boa poesia.

Tudo o que constatei durante a execução deste capítulo levou-me a acreditar que a poesia não reconhecida como profissão é uma grande injustiça, difícil de ser corrigida, embora seja obrigação de todos reconhecê-la como arte pura e legítima, confiada somente aos iluminados que ousaram cultivá-la por gosto, paixão e até por necessidade de expor tudo aquilo que os mortais comuns não conseguem.

Talvez seja da natureza do poeta produzir palavras difíceis e dificultar o entendimento, guardar para si mesmo aquilo que apenas ele entende num primeiro piscar de olhos, razão pela qual sua obra seja motivo de estudo e não de riquezas materiais.

Emerson, em Ensaios (1994 : 228) sobre o intelecto, resume o trabalho do poeta e sua perfeita relação com a natureza :

O intelecto precisa ter a mesma perfeição naquilo que apreende e naquilo que produz. Por essa razão, um índice de mercúrio da eficiência intelectual é a percepção da identidade. Falamos com pessoas cultivadas que parecem ser estranhos na natureza. O poeta, cujos versos devem ser esféricos e completos, é alguém que não pode ser enganado pela natureza, não importa qual a máscara de estranheza que ela possa vestir . . . Hermes, Heráclito, Empédocles, Platão, Plotino, Olimpiodoro e o resto têm algo de tão vasto em sua lógica, tão primário em seu pensamento, que parece anteceder a todas as distinções ordinárias da retórica e da literatura, e ser ao mesmo tempo poesia, música, dança, astronomia e matemática ”.
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continua...
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Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Trova LXXXVIII - Tainara Chiossi Martins (Caixas do Sul – RS)


Fonte:
Escola Municipal Fermino Ferronatto – 5a. Série do Ensino Fundamental

Trova vencedora do Concurso da União Brasileira de Trovadores de Caxias do Sul, 2007.

I Encontro Nacional de Poesias de São Fidélis/RJ (Sonetos Vencedores)


1º LUGAR Edmar Japiassú Maia (Rio de Janeiro/RJ) MEU BERÇO

Pesa-me o tempo… mas, com galhardia
prossigo a caminhada e não me abato,
que um fidelense não se abate ao fato
de ter que exercitar a valentia…

Pesa-me o tempo… e cada vez mais grato
à Cidade Poema e à poesia,
unindo as duas numa simetria,
descrevo São Fidélis num retrato:

O Paraíba acolhes no teu seio,
e o carinho dos filhos é o esteio
que alavanca o progresso em teu avanço…

Pesa-me o tempo… e aguento os meus cansaços,
por saber que, na estafa dos meus passos,
São Fidélis é o berço em que descanso!

2º LUGAR Hegel Pontes (Juiz de Fora/MG) SÃO FIDÉLIS

De São Fidélis guardo a ressonância
De pássaros cantando nas capoeiras;
No olhar conservo as flores das primeiras
Primaveras perdidas na distância…

Toucou-me um dia a incontrolável ânsia
De procurar caminho e abrir porteiras,
Deixando para trás velhas mangueiras
Que encheram de doçura a minha infância.

Comércio, indústria, o campo verde, o açude…
Cidade Poema, te esquecer não pude,
Porque, mesmo partindo da cidade,

Como carro-de-boi que geme e chora,
Eu vou levando pela vida afora
A colheita indelével da saudade!

3º LUGAR Wanda de Paula Mourthé (Belo Horizonte/MG) ENCANTOS DA MATRIZ

Homens de fé, ao mesmo tempo artistas,
trazendo na alma o gênio italiano,
Frei Victório e Frei Ângelo, idealistas,
edificaram, em labor insano,

num mutirão de crenças sincretistas
de índios, escravos, brancos - mano a mano-
uma igreja, com traços vanguardistas,
por influência do padrão romano.

A seu redor, nasce a "Cidade Poema";
hoje é Matriz e da cidade emblema,
onde inspirados poetas tecem rima.

E em São Fidélis, plena de beleza,
completando as doações da natureza,
nasceu do gênio humano a obra-prima

MENÇÃO HONROSA Odir Milanez da Cunha (João Pessoa/PB) SÃO FIDÉLIS - CIDADE POEMA

Pertences dos Puris e Coroados,
contemplativa forma de estesia,
São Fidélis, dois séculos passados,
alenta a natureza de poesia.

Junto à Serra do Mar, nos encostados,
faz com montes e matas parceria
para o tanto dos cantos encantados,
em completa e total sinestesia.

Bicentenária igreja, rios, pontes,
florestas onde floram hamamélis,
onde a fauna fareja novas fontes.

Festiva gente, festejadas frontes
da Cidade Poema, São Fidélis!
Cedendo à Serra novos horizontes!

Hegel Pontes (Juiz de Fora/MG) SÃO FIDÉLIS

Cidade poema, tu não és somente
Um recanto de esplêndida beleza,
Fruto de tua rica natureza
E também do labor de tua gente.

Não é apenas a visão presente
De tudo que compõe tua grandeza:
Jardins e monumentos, e a surpresa
Que a cada passo o visitante sente…

São Fidélis, tu és a extraordinária
Imagem da Matriz bicentenária,
Testemunha de sua trajetória.

Ela é o ontem que acena ao amanhã
E que se eleva como guardiã
De tua longa e luminosa história.

José Antonio Jacob (Muriaé/MG) SÃO FIDÉLIS - CIDADE POEMA

No véu de luz que encobre nosso dia
O céu de São Fidélis se abre em cor,
Amanhecendo as ruas de alegria,
Recompensando o amor com mais amor.

No outeiro da Matriz a Ave-Maria
Comove o dia, e o sol que se vai pôr,
Qual poeta solitário e sonhador,
Curva-se ao poente e escreve uma elegia.

Eis a “Cidade Poema” esplendorosa,
Que em vesperais, de canto, verso e prosa,
Adianta um sorriso e uma mágoa adia...

Pois que esta terra, filha da Harmonia,
Que inspira ao poeta a lira primorosa,
É o Paraíso eterno da Poesia!

Rodolpho Abbud (Nova Friburgo/RJ) HISTÓRIA SACRA

Sobem frades capuchinhos o rio,
para encontrar os índios Coroados,
enfrentando um imenso desafio,
de conviver, em paz, sob seus cuidados…

Surge a cidade e, aos poucos, do vazio,
a igreja, a praça, as casas, os sobrados…
e no trabalho, dia e noite a fio,
os pelourinhos foram recusados!

O povo não aceita a escravidão
e antes mesmo da Lei da Abolição,
em São Fidélis é quebrada a algema!

Livre de escravos, a cidade cresce
e, desde então, celebra e canta em prece,
a história de uma "Cidade Poema"

Sérgio Bernardo (Nova Friburgo/RJ) TRANSMUTAÇÃO

Que cidade forjou a tez do povo
com vermelhas, com negras e alvas peles?
Que lugar honra o antigo e busca o novo?
Ao passar diz o vento - São Fidélis…

A que sítio com árvores me movo
buscando a orquídea, a folha da hamamélis?
Em que terra com versos me comovo?
Recita o Paraíba - São Fidélis…

No norte, em tempos de sumir nos longes,
que igreja foi erguida por três monges?
_ Foi São Fidélis!, Deus acusa.

São Fidélis… Mais lindo dos reinados
e o berço de puris e coroados,
De cidade Poema… virou musa!

Douglas Siviotti de Alcântara (Rio de Janeiro/RJ) POVO POETA

Cidade Poema na terra escrita
Traçada na serra de longa data
Por vale, por rios e até cascata
És tu, São Fidélis, a mais bonita

Cidade Poema quem te recita?
Serão os teus morros e tua mata?
Será essa gente que a ti é grata?
Talvez esse povo que te visita

Cidade Poema, quem te abençoa?
Quem faz os teus versos assim sutis?
Que leio nos ventos e na garoa

Transcritos nos montes e na Matriz
Cidade Serena na vida boa!
Tu és o poema que o povo diz.

Cristina Oliveira Chaves (Estados Unidos) BICENTENÁRIO
Duzentos anos fazem a grandeza,
da "Cidade Poema" em sua verdade
povo de bardos em preciosidade
puros de coração e de nobreza!

São Fidélis, um povo de beleza,
chegam poetas de qualquer idade,
celebram com amor essa cidade
exemplo de constância e de firmeza.

E os seus sinos repicam bem profundo,
seus duzentos anos de construção,
não só de sua Igreja Majestosa.

Também de muitos bardos, para o mundo,
que são dessa Cidade o coração
fazendo-a bem mais bela e mais Formosa!

Fonte:
Site Alma de Poeta. http://www.sardenbergpoesias.com.br/

Carlos Drummond de Andrade (Viagem a Paris)

Paris Antiga feita a mão em óleo sobre tela
- Ouvi dizer que vai a Paris.
- Exato.
- A negócio?
- Não.
- Turista?
- Não.
- Missão política reservada?
- Não.
- Tão secreta assim?
- Não.
- Se não sou indiscreto...transa de amor?
- Não.
- Está muito misterioso.
- Não.
- Como não? Saúde, talvez.
- Não.
- Compreendo que não queira alarmar...
- Não.
- Busca apenas repouso.
- Não
- Fugir do trabalho, então.
- Não.
- Capricho do momento.
- Não.
- Tantos não devem significar um sim.
- Não.
- Significam sim. Vou repetir as hipóteses.
- Não.
- Temos pela frente uma indústria nova, de vulto.
- Não.
- De qualquer maneira, é financiamento internacional.
- Não.
- Então a coisa está ficando preta.
- Não.
- Está preta, e há jogadas que só em Paris.
- Não.
- Percebe-se alguma coisa no ar.
- Não.
- Não dá para perceber, mas há.
- Não.
- Mas pode haver a qualquer momento.
- Não.
- Nem hipótese?
- Não.
- Nenhuma nuvem distante, muito distante mesmo?
- Não.
- No ano que vem?
- Não.
- Ouvi mal?
- Não.
- Sendo assim, é segredo pessoal?
- Não.
- O coração é quem dita a viagem... eu sei.
- Não.
- Sim, sim. Pode confessar.
- Não.
- Hoje em dia essas coisas são públicas. Dão até cartaz.
- Não.
- Sei que não precisa disso, mas...
- Não.
- Por que não? Está com medo da imprensa?
- Não.
- Receia perder a situação social?
- Não.
- A situação financeira?
- Não.
- Política?
- Não
- Pois olhe, melhor é preparar o ambiente.
- Não.
- Claro que sim. Insinuar mudança em sua vida.
- Não.
- Discretamente.
- Não.
- De leve, só uma pincelada. Deixe comigo.
- Não.
- Não abro manchete nem boto aquela foto em duas colunas, aquela bacana, lembra?
- Não.
- Só cinco linhas.
- Não.
- Duas.
- Não.
- Mas tenho de dizer alguma coisa.
- Não.
- O senhor é notícia.
- Não.
- Pode dizer que não, mas é sim.
- Não.
- Puxa vida, o senhor hoje está medonho. Resolveu responder não a tudo que é pergunta minha?
- Não.
- Ah, é? Então vamos recomeçar: o senhor vai a Paris?
- Vou.
- E que é que vai fazer em Paris?
- Ver.
- Ver o quê?
- O Último Tango em Paris.
- E por que é que não me disse isso logo, homem de Deus?
- Você não me perguntou, por que eu havia de responder?

Fonte:
- Pintura = http://www.lemarchand.com

Marici Bross (Album de Poesias de Poetas del Mundo)


CRESCER

Vê amor
Você é tudo o que quero
É a vida, que aos poucos
entra pela terra seca

Levando a colheita
Por que a vida
recolhe, farta, abundante
enchendo a alma

de puro néctar
fluído da vida
desenvolvida

Enche, os campos verdejantes
Com sua fartura extrema
A saciar, a fome
dos que dela, necessitam
E em sua, abundante fartura
Saciam, os campos da vida.
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CALMARIA

Sinto a suavidade da noite
Um querer muito calmo
Um querer de coisa boa
Um querer de você.

Olho as velas , acesas, cada qual.
Com seu significado.
Transmitem calma,
Transmitem amor,
Transmitem você,

Você que tanto amo
Você que tanto me quer

A calma invade o ambiente
Você chega de mansinho
Me abraça gostoso
E eu me encaixo todinha
Em teus braços de amor!
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AMAR, LEVITAR.

Amor, amar, voar...
Um levitar gostoso,
Um levitar de amor.
Tão bom quanto amar e viver.

Entre carícias e carinhos
É bom navegar
Em ondas de amor levitar
E em teu coração
Me abrigar

Com certeza, amor seguro
É amor de verdade
É amor que prevalece
Para toda uma vida.
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MULHER BRASILEIRA

Tal qual a flor
Tens o frescor das matas
Explosão de beleza

Teu viver é vida
Vida de amor
Vida de luz.
És o esplendor
Desta Terra Brasileira

Mulher de fibra
Mulher de todas as cores
Mulher de todas as raças
Mulher desta Terra Brasileira!

És a miscigenação de raças
És o resultado desta
Fusão, tão Brasileira
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RUMO AS ESTRELAS

Navegar, navegar.
Por espaços desconhecidos
Navegar com emoção
Nesta aventura desejada.

Estamos a navegar
Por este espaço sideral
Onde vislumbramos
Nossa terra que é azul...

Um azul intenso,
Toca nossa alma.
Nós possuindo.
Nós invadindo,
Com muita emoção.

Navegamos, rumo as estrelas.
Neste ir apaixonado
Onde nosso coração e nossa alma
Nós emociona, nos transporta
A este tão sonhado
Espaço Sideral!
====================
Sobre a Poetisa

Marici Bross (1942 – 2007)

Nasceu em São Paulo, Capital. Teve um simples e muito ligado a natureza onde se refugiava sempre que pudesse. Apaixonada por flores as cultivava em seu apto. de forma muito satisfatória. Hobbies: fotografia, música, leitura, suas poesias e suas esculturas. Adorava colecionar relógios de todos os tamanhos e formas. Divorciada com uma filha de nome Vivian que é solteira e morava consigo.

Foi diretora, administradora e implantadora de métodos e técnicas de ensino de colégios, bem como em tempo anterior secretaria de procuradoria jurídica.


Fontes:
http://www.locurapoetica.com/
http://www.poetasdelmundo.com
http://www.maricibross.com

Silas Correa Leite (O Piá que Entregava Trouxas de Roupas Lavadas)


"As lágrimas são as palavras da alma" Joaquin Setanti

Acharam o piá quase morto de frio. Estava com uma grave pneumonia. Olhos castanhos, murchos, fundos, tristes. Chorava, copiosamente, de ressentimento, talvez. E as lágrimas em sua face com amarelão, como se estavam - por um anjo! por um anjo! - de alguma estranha forma congeladas; dando ao seu rosto pueril a sofrência de uma paleta de amargura e dor terminal. O policial Dito Lima, num fusca que mais parecia uma imagem de garrafa de crush itinerante, tinha subido a rua 24 de Outubro, ali, na altura do Clube Atlético Fronteira, perto da hora do inicio Missa do Galo, e vira o menino com um vazio saco de farinha de trigo usado na mão direita, como se segurasse uma roseira de tristices. Vira, em passant, por acaso, de vereda mesmo. Depois, precisando atender a um chamado do Vereador Chico Preto para um forfé suspeito nas imediações da malha férrea da Estação Sorocabana de Itararé, passou novamente na esquina ali pertinho, e, de través, com o rabo do olho captou de novo o guri e talvez já passasse da meia noite. Encafifou. Será o impossível? Um alarme divinal tocou em seu instinto. Só por Deus. Parou o fusca da policia e foi ver o que estava acontecendo. Sacou o desboque: o menino pobrezinho ardia em febre, murcho, trêmulo, se não fosse socorrido a tempo certamente que iria morrer. Era Natal em Itararé, Cidade Poema. Dezembro de um tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça.

O piá era filho da Dona Lena. Levava e trazia rotineiramente as trouxas de roupas que a mãe lavava pra fora, precocemente ajudando como podia em casa. Trazia as pesadas trouxas de roupas sujas dos ricos, depois levava tudo de novo, roupa limpinha, fervida em água de bica (o chafariz do Bairro Velho), sabão de cinzas e anil, passada com os vincos certinhos, e que entregava direitinho, trazendo os minguados tostões pra suprir a familia grande e pobre, da carente periferia sociedade anônima de Itararé, pois o pai estava doente, os irmãos menores padecendo, por meses, mal-e-mal e sempre uma rotineira e rala sopa de fubá com couve rasgada. Havia carestia no Brasil, anos sessenta, os clientes ricos minguando, o já parco pagamento dos afazeres da mãe dedicada, entre o tanque e o quarador, entre o fogão de lenha e os filhos com amarelão. A Dona Lena confiava naquele primogênito, era o maior, dizia até que o bendito era abençoado por Deus. Gastava um minuto de prece com os outros filh
os, nas demoradas orações, mas, com aquele seu protegido era meia hora, precisava investir no menino, tinha fé nele.

Algo doente, Dona Lena, mesmo assim batalhou até de madrugada, fervendo as roupas no latão velho de óleo de algodão, sobre uma lajota com fogo no quintal de laranjeira pesteada. Depois, passou a ferro que era de brasas, com sacrifício, mas ela contava com mais aquele serviço, tinha planejado, ternura de mãe. A despensa estava vazia fazia tempo. Sopa de fubá com couve rasgada, polenta maleixa, aqui e ali, banana frita, uns ovos que mal davam prum bolo mixuruca de banana-caturra e olhe lá. O céu por testemunha. Se o Dr Aderaldo mandasse mais uma quantia de roupa, se apressaria em entregar depressinha o serviço, pra ter mais uns cobres que melhorassem a bóia de natal, talvez desse até para comprar algumas tubainas de limão do Vilela, ou mesmo algum doce de cidra pros filhos queridos, tão precisados. Instruiu o piá Thiago que, entregando as trouxas de roupas limpas, recebesse e passasse no Seu Vitorino, fizesse algumas compras, deu uma listinha, feijão-jalo, tomate, óleo, açúcar
cristal. E também trouxesse a nova renca de roupas sujas pra ela poder adiantar bem o serviço, varando a noite preciso fosse, talvez entregando no dia seguinte, mesmo tendo que ferver as roupas de madrugada, mas, ao final do dia de natal entregaria tudo pronto e receberia a paga costumeira para melhorar a bóia em casa. Coração de mãe. Capricharia nos torresmos, cuques, tortas de lágrimas. Confiava no guri. Bem instruído, ele foi levar as pesadas trouxas, como se carregasse o mundão sem porteiras sobre os ombros miúdos.

Entregou, recebeu, viu que era pouco o que pagavam pelo trabalho, mas atenderia à solicitação da querida Mãe. Mas, quando perguntou da nova porção de roupa suja da casa do Dr Aderaldo, foi informado de que não estavam mais interessados no serviço, contratariam empregada barata a preço melhor e que ainda faria tudo, depois, estavam para entrar de férias, iriam pra Iguape, litoral. O menino ficou estacado. Mal deram um tiau seco e sem graça que fosse, fecharam a porta da casa rica na cara azeda dele, e Thiago ficou ali, encostado na enorme porta de cedro e imbuia cheirosa, chorando suas lágrimas, quase beijando a parede, quase mesmo batendo de novo e pedindo pelo amor de Deus, mais uma leva de roupa suja, mais uma porção de serviço, a casa precisava, a mãe contava com aquilo, que fizessem uma caridade. Era Natal e ele estava detravessado. Sensível. Cismou. Reinou. Não voltaria pra casa. Não voltaria nunca mais. Não com as mãos vazias. Não ele. Não daquele jeito.

Ficaria ali. Estava mesmo com tosse de cachorro, a mãe disse, o peito chiara na madrugada fria do dia anterior, um dezembro chuvoso e friorento em Itararé. Se morresse ali, não daria desgosto de dizer pra mãe que não teria mais roupa pra lavar daquela ultima casa freguesa, ou que iria apertar mais a pobreza em sua casa humilde. Sim, ficaria ali, achariam o corpo, dariam o dinheiro pra mãe, ela o abençoaria, "vá com Deus meu curumim, vá morar no céu, piá". Ele não tinha coragem. A mãe pedira. A mãe contava com mais uma lavada pelo menos, naqueles tempos de carestia. Pelo menos morrendo, no jantar daquela noite sobraria mais da rala sopa de fubá com couve rasgada pros irmãos, para as adoradas irmãs, para a mãe adorável que andava dodói da angina, pro pai que estava de cama com úlcera varicosa e assim era impedido de trabalhar. Ali Thiago ficou entrevado, coração transido, alma aflita, mordido de dor. Só por Deus. Entardeceu, anoiteceu. Sobre a beirada da porta da frente da mansão do Dr Aderaldo Martins Mello, na Rua 24 de Outubro, um pacote de renúncias. Foi quando o policial Dito Lima o achou sem querer e salvou a sua vida, pois a morte já fora avisada que uma alma pura de Itararé estava para ser levada para muito além do vale da sombra da morte...

Na Santa Casa de Misericórdia de Itararé foi uma correria danada, um forfé sem igual, o menino coitadinho para morrer; cobraram doações de sangue, labutaram, uma enfermeira conhecia a familia, foram avisar Dona Lena, o filho achado em petição de desconsolo estava morrendo em frente a casa do doutor rico, a mãe preocupada pensava mesmo em chamar a policia, ia dar parte na cadeia, perguntaram então do porque o menino que entregava roupa não quisera mais voltar pra casa, como ele ainda em tratamento emergencial, talvez entre o pesadelo e o sonho, falara, repetira, suando, descorçoado, determinado, em febre-terçã, preferindo morrer do que não ter como ajudar a mãe prover o lar.

O Dr. Jonas de Alencar chorou muito depois que o pensou com presteza, mandou trazerem capado do sitio e que doassem pra família junto com farnel de milho verde e manta de charque, entre grãos e tulhas de frutas como laranja-pêra, abacate-manteiga, manga-sapatinho, alguns lambaris salgados também. O enfermeiro Nicanor correu no Armazém do Vereador Tico comprar fiado uma boa cesta básica pra doar como se fosse o seu abençoado presente de natal pra família. Todos no hospital, doadores, serviçais, visitantes, curiosos, gente de coração de ouro de Itararé, cavalheiros como os reis magos, foram acudir aquela família humilde em petição de miséria. Muito além de ouro, incenso e mirra, há o amor, pois o amor é a mão que balança o berço da humanidade, e a esperança é a inteligência da vida.

Nunca tiveram um mês tão farto naquela casa de tabuinhas, com todos finalmente comendo do bom e do melhor, até que a mãe arrumou freguesia nove e farta, o pai arrumou emprego de acendedor de lampiões de gás de Itararé, o menino Thiago ficou sendo respeitado pelos seus colegas do primário no Grupo Escolar Tomé Teixeira, e quando algum piá maroteiro de rua, com quem joga bola de capotão agora, de ki-chute encardido no pé, pergunta porque ele não quis voltar pra casa, ele enche os olhos de lágrimas, abaixa a cabeça, se assunta e não diz nada. Fica encruado.

Não, não se apruma numa conversa fiada que seja. Sabe só pra ele que dentro do seu coração, de alguma maneira que inventou de inventar, sentiu uma estrela amarela de Natal alumiando, e ele queria aquela bendita luz, aquele dourado celeste de esperança, para enfeitar a choupana humilde de sua morada na descalça periferia cor-de-rosa de Itararé.

Sentiu que, talvez porque fosse Natal, mesmo morrendo de frio, de alguma maneira seus familiares não morreriam de fome, pois, algum anjo de pertinho do Menino Jesus do presépio, em sua fé e defesa, operaria o que o pastor João Vera da igreja chamaria de um "Milagre".

Conto da Série "Eram os Itarareenses Astronautas?"

Fonte: http://www.paralerepensar.com.br

João Luiz do Couto (Lançamento do livro "O Elefante que não sabia escovar os dentes")

Fonte: Colaboração da Editora Giostri

Pablo Diego (Lançamento do Livro "Mamãe, o papai sumiu!")

Fonte: Colaboração da Editora Giostri

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

I Encontro Nacional de Poesias de São Fidélis/RJ (Trovas Vencedoras)

Igreja de São Fidélis
1º LUGAR

São Fidélis…Glória extrema…
Sempre linda aos olhos meus…
Se és a Cidade Poema,
por certo o poeta é Deus!
Sérgio Bernardo (Nova Friburgo)

2° LUGAR

Retornei, minha Cidade
Poema, que acolhe e abraça…
Vejo rostos de saudade
me sorrindo em cada praça…
José Valdez de Castro Moura (Pindamonhangaba/SP)

3º LUGAR
Do Senhor o diadema
tinha uma estrela faltante;
criou-se a Cidade Poema:
nele incrustou-se um brilhante.
Sérgio Amaral Silva (Guarujá/SP)

MENÇÃO HONROSA

Cidade Poema, eu queria,
já que a fonte não se esgota,
beber o encanto e a poesia
que até de seu nome brota.
Hegel Pontes (Juiz de Fora/MG)

Cidade Poema ensina
que em seu solo se cultua
um soneto em cada esquina…
uma trova em cada rua…
Arlindo Tadeu Hagen (Belo Horizonte/MG)

Cá, nos mares de Iracema,
eu me propus a cantar
esta Cidade Poema
que canta a Serra do Mar!
Francisco José Pessoa (Fortaleza/CE)

Deus, com perfeição suprema,
Criou e deu formosura
à tela "Cidade - Poema",
que o Paraíba emoldura.
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba/PR)

Voltei à minha Cidade
Poema dos sonhos meus,
porque a saudade me invade.
Volto para os braços teus…
José Moreira Monteiro (Bom Jardim/RJ)

Mesmo sem o "Engenho e Arte"
de um Camões, não fujo ao TEMA!
Pois quem me inspira…faz parte
desta "CIDADE POEMA"!!!
Maria Madalena Ferreira (Magé/RJ)

"Cidade Poema" tem,
em sua história, esplendor,
por "sempre" ninar alguém,
em berço de trovador!...
Roberto Tchepelentyky (São Paulo)
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Fonte:
Site Alma de Poeta. http://www.sardenbergpoesias.com.br/

Herman Lima (Alma Bárbara)


A Leão de Vasconcelos

Pois foi assim, meu amo. Nesse tempo, nós andávamos pelo sertão, a serviço do coronel Feitosa, do Iço, por via de uns negócios de política. O Pedro, o patrão deve estar lembrado dele. Negro famanaz, vivedor como trinta, baixo e grosso como um toro de aroeira, com uns beiços revirados, e umas ventas rombudas, como amassadas de murro. Contador de quantos casos de amor e de briga ouvi neste mundo, toda cabocla ele dizia que podia possuir, não achava homem que o fizesse voltar atrás. E, a propósito, deixe contar-lhe.

Uma noite de lua, num forró de casamento, lá na Barreira Preta, no Aracati, quando ainda era, a bem dizer, meninote, o Pedro, encontrando a Ritinha da Venância, uma morena de papoco, falou pra cabeça dela, e foram os dois passear de bote, escondidos, no lagamar confronte. No princípio, o negro ainda se lembrou dos remos, e remou até o meio do rio. O rio estava uma prata. No brejal escuro das margens, berrava a saparia do inverno, assim, zôôôm... Só de longe em longe, um vulto de pescador aparecia, tarrafeando nos baixios. E a cabocla, na proa, olhando o lume do luar tremer nas águas, cantava como uma sereia encantada, dessas que tentam os marinheiros no alto mar. Depois, o negro pegou a se queixar dos braços, descansou os remos atravessados na beirada do barco, e foi sentar-se mais a moça. E tantas coisas fez e achou, meu amo, que quando sentiu foram as pancadas do mar no casco da canoa. Num pulo, deixando a morena quase desmaiada no fundo do bote, o Pedro atirou-se para os remos. Mas, qual. Logo que o barco entrou nas ondas, os remos tinham rolado na água. De forma que o preto botou as mãos na cabeça, assuntando, porque o caso estava mesmo feio. Mirando o céu, ele viu, pelo Cruzeiro grande, que havia de ser meia-noite, pelo menos. Nessa hora, naquelas alturas, só Deus com um gancho lhe podia valer. Assim, não assuntou muito tempo, e tratou de espertar a mulata. Mandou que ela se despisse e fizesse uma trouxa da roupa, que ele amarrou nas costas. E, tomando a pobre nos braços, atirou-se ao mar, nadou até a praia. Como a moça não podia voltar pro baile, por via da distância e das roupas ensopadas de água, o negro achou melhor levá-la pra casa de uma tia, que morava ali perto, no Fortim. No dia seguinte, toda a gente sabia do acontecido. O Pedro mesmo não negou o passeio. E a Ritinha, assim, caiu na boca do mundo. Mas, daí a uns tempos, como a mulata era mesmo um mimozinho deveras, não tardou em acender uma paixão de louco no coração de um cabra fornido, passador de gado nos sertões do Limoeiro, que andava há coisa de três semanas por ali. Quando o Pedro viu o cabra todo derretido pela Ritinha, tratou de ajudar-lhe o xodó, enquanto preparava a pobrezinha, dando de um tudo a ela. Até umas bichas de ouro, em forma de meia lua, ele deu.

Mas, aí, como sempre, não faltou um malvado, que foi contar o passeio do rio ao boiadeiro. Mas o cabra, que estava mesmo de beiço pela morena, desprezou a conversa, ainda disse o diabo ao intrigante. Pra encurtar a história, o homem casou sempre com a Ritinha. Pois o Pedro, um dia, meteu na cabeça que devia contar-lhe tudo, e contou.

– E ele?

– Pra lhe falar verdade, meu amo, eu não acreditei muito no que o negro me disse a respeito. Mas ele jurou pela fé em Deus, fazendo cruz na boca, que o outro não fez coisíssima nenhuma. O certo é que uma feita, conversando muito distraído, o preto me falou numa sentença sofrida na cadeia do Aracati; e, num domingo, quando nos banhávamos no açude do João Lopes, na Fortaleza, descobri, lá nele, aqui, embaixo da pá, um risco de faca de dois palmos. Quando lhe mostrei aquilo, o Pedro fechou a cara, disse de mau modo que não era nada, tinha sido uma chifrada de marruá, no tempo dele menino. Deus me perdoe, patrão, mas ó me parece que ali andava obra do cabra da Ritinha, e ninguém me tira da idéia que o Pedro tenha feito alguma a ele.

Mas, bom. Como ia dizendo, o caso foi assim. Nós tínhamos chegado no Crato, numa quinta-feira, devendo voltar na outra semana. Quando foi no domingo, como não tivesse serviço, arreamos os cavalos de manhãzinha e nos atiramos no mundo, cada qual no seu rumo. Eu tombei pra venda do Zé Bacurau, onde fiquei até a boca da noite, mais uns freteiros de folga, numa partida de – vinte-e-um, que me limpou os cobres. Na volta, chegando em casa, já com a lua de fora, encontrei o Pedro estirado na tipóia, com uma ponta de mata-rato no queixo. Quando me viu, o preto fez ar de alegria, foi logo dizendo que tinha uma história pra contar. Aí, eu fui coar um gole de café com rapadura, e bebi pelo pires, soprando, danado, pra ouvir o negro. Porque o diabo do homem, patrão, sabia mesmo enrabichar a gente com as falas. Com pouco, eu estava outra vez junto dele, na minha rede, mascando minha felpa de mapinguim. E, metido na tipóia, com um pé no chão pra dar o balanço, o Pedro contou que tinha ido pras bandas do Salgado, chegando num ponto em que foi preciso romper o mato, pra alcançar o rio. A manhã estava bonita, não havia hora melhor para um banho. E já ele tinha desapeado, quando avistou, mais pra cima um pedaço, uma cabocla novinha, nuazinha, trepada numa pedra, mirando-se na água serena que passava. Vendo que a mulatinha não tinha dado por ele, o negro, muito de manso, prendeu o cavalo num buritizeiro, e foi rastejando, rastejando, pelo mato, num piso de sussuarana, até que topou com as roupas da moça escondidas numas moitas. O preto logo assentou um plano. Mais que depressa, agarrou nos vestidos e de repente apareceu à morena. A pobrezinha, como se tivesse visto o Maligno, soltou um grito tamanho, e mergulhou como pecapara assustada. O rio aí já era de nado. Com pouco mais, adiante, ela botou a cabecinha de fora, olhando muito agoniada, sem saber o que fazer. Enquanto o Pedro, muito bem sentado na ribanceira, mostrava-lhe as roupas, rindo para ela, e chamando-lhe quantos nomes de amor sabia. E disse que não tivesse medo, viesse buscar os paninhos, que ele não lhe fazia mal, queria só um beijo dela dado assim nua como estava. Isso ele dizia, meu amo, mas só dos dentes pra fora. Deus me perdoe. Pois alguém acredita que o negro não tivesse má tenção, armando aquele mundéu à coitadinha? No mais, o patrão faça de contas que era ele numa hora dessas, e veja lá se tinha coragem de resistir... Pois a verdade é que a mulatinha pareceu adivinhar os desejos do preto, e desatou a chorar, disposta a morrer, mais antes do que se apresentar despida a ele. Nessa idéia, fez o pelo-sinal, e se soltou no rio. Aí, o Pedro mediu toda a ruindade da ação que estava praticando, e sentiu os olhos cheios de água, com pena e dó da criança. Atirando as roupas no chão, despiu a camisa, e jogou-se na correnteza. A moça, nesse tempo, já ia longe, enrolada nos cabelos, arrastada pelo rio. O negro mergulhou, e nadando por baixo da água, como um peixe, foi tomar fôlego já nos calcanhares da cabocla. Com duas braçadas mais, emparelhou com ela, e, agarrando-a pela cintura, nadou com força pra terra, como tinha feito com a outra, lá no Aracati.

Garanto, meu amo, que o negro, me contando isso, ficava ainda com os olhos afogados de pranto, como quem atravessa a fumaça de um incêndio... Coisas do coração, moço, mas não é? Pois, quando vinha trazendo a moça pro seco, apertando contra o peito aquele corpinho novo, macio e cheiroso, que nem uma fruta do mato, o preto me disse que só sentia uma bondade tão grande, uma pena tão esquisita, como se fosse Nossa Senhora que ele tivesse salvado das águas. Acredite se quiser, meu patrão, mas o negro botou a caboclinha na beira do rio, com o mesmo amor de uma mãe, deitando o filhinho na rede. Quando viu que ele não lhe fazia maldade, a mulata descruzou os braços que escondiam o peito tentador, e num jeito de onça enrolou-se toda nas roupas. Aí, o Pedro enfiou a camisa, e foi-s’embora, sem mesmo olhar pra trás.

No fim da semana, estávamos de viagem. Tínhamos deixado o Crato de madrugada, no segundo canto do galo. Os cavalos eram bons, bralhadores famosos, de forma que às onze horas tínhamos tirado oito léguas. Aí, fizemos uma parada, pro almoço, na sombra de uma oiticica verde, que ficava mesmo cobrindo a picada. Os animais ali por perto babujavam o capinzinho da vereda. Acabando de comer meu bocado de paçoca e rapadura, fiz da carona travesseiro, e me deitei no chão, disposto a dormir um minutozinho. A mata, nessa hora, estava quieta, que nem capela vazia. Só se ouvia o chio-chio de uma cigarra cantadeira nas folhas e um ou outro sopro de venta dos cavalos cansados, roendo a erva. Ainda me lembro que estava dorme-não-dorme, quando o Pedro, que também tinha acabado de almoçar, levantou-se bocejando e se afastou pela estrada. Não sei dizer se tive tempo de dormir um cochilo, quando de repente um berro medonho encheu todo o mato. Num instante, me vi de pé, correndo como um doido, no rastro do negro, que fui achar pouco adiante, agarrado com um cabra moço e entroncado, como um mourão. Pelos modos, meu camarada tinha sido atacado de surpresa, nem teve tempo de se defender. E, antes de sair de meu assombro, o curiboca recuou num pulo, com os olhos relampeando, como uma onça acuada, e uma faca que era isto, encarnada de sangue, no punho. O Pedro se bambeou, com as mãos na barriga, como quem sofria uma grande dor. Aí, acudi com meu punhal desembainhado, e avistei uma coisa, patrão, que me tirou o sono muitas noites. O negro tinha levado uma estocada no vão do umbigo, que era mesmo uma barbaridade, as tripas tinham espocado, pois assim mesmo, quase de cócoras, procurando agüentar os bofes que escorriam para o chão, o preto arrancou a garrucha do quarto, e – ah! negro bom mesmo na hora! – levou um pé adiante, fazendo mira no assassino. Quando viu a arma alumiando, o cabra atirou-se pra cima dele, batendo o queixo que nem caititu furioso, mas já o tiro tinha estrondado por aquele sertão a fora. Aí, o homem deu um salto para o ar, como cabrito assustado, e caiu de bruços na estrada, sem bulir. Vendo-o derrubado, corri para o Pedro, que também tinha rolado na areia. Tomei a cabeça dele nas mãos, quis ver se ainda o levantava. Mas o pobre pegou a revirar os olhos, gemendo como doente de “puxado” no inverno. Só teve tempo de chegar a boca no meu ouvido, e disse, apontando o outro: – “É o irmão daquela diaba!”. – A cabeça pendeu pra trás, o corpo amoleceu nos meus braços. Estava morto, meu patrão!

Por causa disto, tive de andar no mato, fugido como cangaceiro, dois anos e tanto. Hoje, ninguém fala mais no caso, posso estar por aqui, sem medo. Mas, pra acabar a história direito, voltando uma vez no Crato, todo barbado e diferente, pra não me conhecerem, soube que o assassino do Pedro era um irmão da mulatinha do rio. Um comboieiro tinha encontrado os dois corpos na estrada, galopou como um doido até a cidade, e tudo se descobriu.

Já vê, meu amo, que não serviu de nada a boa ação do preto, não tocando num cabelo da morena. Se ele tivesse feito mal a ela, talvez que nem a descarada contasse o caso aos parentes. Como o pobre a tratou como uma santa do altar, achou bom vingar-se.

Mulheres?!... Pode crer, patrão. Uma tira pelas outras. E é tudo uma pouca vergonha.

(Extraído de Tigipió, 7ª ed. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1976)

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: d’a Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza: Imprence, 2008.

Herman Lima (1897 – 1981)



Herman Lima nasceu no dia 11 de maio de 1897, na cidade de Fortaleza (CE). Autodidata, fez apenas o curso primário. Ainda jovem interessa-se pelo desenho, tendo alguns deles publicados em “O Malho” e na revista “Fon-Fon”, e, também, três caricaturas em capas de “O Tico-Tico”.

Em 1915, começa a escrever contos, sendo que alguns foram publicados na citada “Fon-Fon” e na Revista do Brasil, em São Paulo.

Trabalhou na Fotografia 01 – sem, em Fortaleza, sendo mais tarde auxiliar da estrada de rodagem de Aracati a Morada Nova. De volta à capital do Estado, foi escriturário da Delegacia Fiscal, transferindo-se, em 1922, para repartição congênere em Salvador, Bahia, onde se diplomaria em Medicina.

Em 1924, publica “Tigipió”, de contos regionais do Ceará, tendo sido agraciado com o Prêmio Academia Brasileira de Letras.

Forma-se em medicina e vai clinicar no interior da Bahia, na região de Lavras Diamantinas, em Lençóis.

Vai morar no Rio de Janeiro, em 1931, e no ano seguinte publica o romance “Garimpos”, que posteriormente (1939) foi traduzido para o espanhol por Benjamin de Garay. Casa-se com Annette Cathalá Loureiro, com quem tem sete filhos, em 1933.

É nomeado auxiliar de gabinete do Presidente Getúlio Vargas, ocupando-se de sua correspondência particular. De 1933 a 37 foi auxiliar da Presidência da República.

Muda-se para Londres, Inglaterra, em 1937, após ter sido designado para a Delegacia do Tesouro Brasileiro, naquela cidade.

Em 1940, retorna ao Rio de Janeiro e, no ano seguinte, publica “Na Ilha de John Bull”, com impressões sobre aquele país.

“Outros céus, outros mares” é publicado em 1942, também ganhador do Prêmio Academia Brasileira de Letras.

Faz traduções de diversos textos de autores estrangeiros. Durante sua permanência na Europa voltara a se interessar pelas artes plásticas e, principalmente, pela caricatura, ao tomar contato com as revistas especializadas francesas e inglesas.

Voltando para o Brasil, em 1945 começa e estudar e pesquisar o desenho satírico no nosso país, publicando então inúmeros trabalhos sobre este assunto em jornais e revistas e três álbuns ilustrados: “Rui e a caricatura” (1949), “J. Carlos” (1950) e “Roteiro da Bahia” (1953).

Trabalha na Biblioteca Nacional, em 1954, na Divisão de Obras Raras, onde conhece o precioso acervo dos periódicos brasileiros ilustrados.

Em 1961, publica “Domingos Olímpio.

Em 1963, após 20 anos de trabalho exaustivo de pesquisa, publica “História da Caricatura no Brasil”, em 4 volumes, tendo recebido os prêmios Fernando Chinaglia (melhor livro do ano), Centro Cultural Brasil-Israel de S. Paulo (melhor ensaio do triênio 1960-1963), Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (melhor ensaio do ano).

Nos anos seguintes publica: “Poeira do Tempo” (1967); “Olegário Mariano” (1968), e “Afonso Arinos” (1970). É agraciado com a Medalha de Ouro José de Alencar, do Governo do Ceará, em 1974.

No ano seguinte, recebe o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra.

Morre, no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho de 1981.

Fonte:
http://contosbrasileiros.blogspot.com/
– “Outros céus, outros mares - Exposição comemorativa do centenário de Herman Lima”, RJ: Edições Casa de Rui Barbosa / Ministério da Cultura, 1997. (folheto),

Siomara Reis Teixeira (Album dos Poetas del Mundo)


QUANDO O POETA NASCE

Sentir-se só!
Momento derradeiro
Em que o dom grita primeiro
E a alma do poeta nasce!
Inspiração!
Papel, tinta, caneta na mão.
Nada é o que parece,
Senta-se e pouco a pouco
Ela surge, a idéia cresce!
Encorpa-se, se faz lírica, lúdica.
É como entoar uma prece
E enfim, um belo poema, aparece.

INSANIDADE

E retraio em mim a chama acessa
Na obscuridade da imensidão,
Sou tua sim, sou tua presa
Gostando assim desta paixão!

E enlaço teu abraço no cansaço,
Buscando a paz neste remanso
E neste amor de vida e morte me desfaço,
Sorrio ao infinito e não me canso.

Voando ao vento difuso da saudade,
Insanamente sofre o coração
O amargor de nossa insanidade.

Somente um solitário na aflição
Enlouquece pelas horas da maldade,
Querendo transformar a dor, numa canção!

POETA...

Que sonha, que ama, que clama
E com letras que aos poucos trama
Transforma palavras em versos
E com primazia, os chama, poesia...

IDILIO

Teu abraço no abraço que aperta e aperta
Transportando bruscamente
Com teu corpo que se esvai continuamente
Elegendo meu corpo como porta aberta.

E abre a boca com a boca que se abre,
Com a língua para a língua que se suga
E no romper do esplendor e nessa fuga,
Os dois corpos no idílio como um sabre.

Embriaga com perfume esse amor
E carrega para a dança e se dança,
Num frêmito ciciante com imenso ardor,
Nessa valsa longa e que nunca cansa.

E o momento de beatitude surge,
No ondular tresmalhado
Do espasmo manso,
Ao florir do sorriso que ressurge
E transcende no langor infindo, o remanso.

QUISERA EU SER ASSIM

Quisera eu ser assim,
Com a espiritualidade em mim...
E na grandiosidade d’alma
Desprezar os prazeres terrenos,
Soerguer toda esta vida com calma,
Esquecer todo o profano
Lembrando somente do Ser Humano!
Quisera eu ser assim,
O doar-me sem pensar tanto em mim
E lembrar que aqui do meu lado,
No flagelo, no desamor,
Pessoas vivem com dissabor...
Quisera eu ser assim,
Receber o chamado Crístico
Aqui dentro do coração
E desempenhar um trabalho,
Que não seja somente um atalho,
Mas que sendo vigoroso, forte e pungente,
Traga a alegria a muita gente!
E nesta jornada plena de emoção
De entrega e satisfação,
Sem que haja a menor intenção,
Que seja pura, inteira, amiga, altaneira
E dar minhas mãos aos meus irmãos,
Nesta necessidade emergente
Que brota de dentro do meu coração!

AMO ESTE POVO

Amo este povo
Sou terra, sou chão.
Sobre mim exercem
Fascinação!
É o canto dos pássaros
Em mensagens de paz.
É a vida que passa,
Homem branco voraz.
Invasores em festa!
Chora, Pacha Mama
Muito pouco lhes resta...
Os verdadeiros donos,
Destas lindas florestas.
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Siomara Reis Teixeira (1965)


Siomara de Cássia Reis Teixeira nasceu em União da Vitória - PR, em 9 de abril de 1965.

Cresceu e foi educada em Porto União - SC, as chamadas cidades Gêmeas do Iguaçu, rio que banha a cidade, em formato de ferradura, em vista aérea. Como sua família materna é oriunda do Rio Grande do Sul, costuma dizer, com orgulho, que tem um pé nos três estados do Sul. Possui várias descendências, entre elas o negro, o índio, o ucraniano, o italiano e o português. E fala em conversas divertidas, que faz parte do verdadeiro povo brasileiro.

Vinda de uma família culturalmente privilegiada, com histórico de poetas, escritores e artistas plásticos, começou sua carreira literária muito jovem, com apenas 11 anos de idade. Nesta época já compunha fábulas no colégio onde estudava, o Colégio São José, em Porto União e, seu professor de português, Professor Juck, relutava em acreditar que uma menina tão jovem tivesse tanta capacidade na escrita, no vocabulário, na dissertação, na concordância, na regência verbal e acima de tudo, na imaginação.

Sempre com sua veia artística latente, cantou no coral da sra. Djanira Pasqualin, coral este, de crianças entre 10 a 15 anos, expressivo e famoso na época em todo o estado do Paraná e Santa Catarina. Com sua voz de contralto, ganhou várias medalhas e apresentou-se em canais de televisão. Teve aulas de piano durante quatro anos e fez cursos de desenho e pintura.

Domina a língua inglesa e é apaixonada por fotografia, tendo cursos de especialização na área. Mas foi na poesia, inerente em seu ser sonhador, apaixonado, romântico e profundamente social e humano, que encontrou sua verdadeira identidade.

Siomara costuma dizer que o poeta nasce poeta. Ele não se faz poeta. É dom, maldição e acima de tudo, missão. Este é seu principal jargão, tal a necessidade que tem em escrever, 'É como o respirar, mesmo sem o desejar', como escreveu em uma de suas poesias. Suas poesias...Suas filhas, costuma ressaltar.

Cronista, revela em seus textos, um profundo sentido humanitário e social. Procura despertar em seus leitores a real necessidade da fraternidade, da doação, da mudança lenta e gradual do sistema financeiro e especulativo do mundo materialista. É uma função, uma obrigação de quem tem o dom da expressão, através da arte e consegue atingir várias camadas sociais, enfatiza.

Siomara também descreve com primazia o universo feminino, suas aflições, seu cotidiano, sonhos, desejos, amores, segredos, conflitos. Tem três filhos, os quais diz serem suas pérolas preciosas, suas Reais Poesias. Xamanista por convicção, vive hoje em Curitiba, onde é Empresária, Fisioterapeuta, Cronista, Educadora nas disciplinas de Biologia, Química e Física. Mas acima de tudo e por tudo, Siomara é Poeta, pois nasceu assim.

Fonte:
Poetas del Mundo
http://www.poetasdelmundo.com/paises_america.asp?IDPaises=128

Olga Fonseca (Album de Poetas Del Mundo)

O AQUÁRIO

Que a vida seja
como no aquário
ou no oceano...
O espaço que se ocupa
pouco importa...
Liberdade é questão interior...

Que seja então,
Sempre límpido
E sempre claro...
no oceano ou no aquário!

ALTERNATIVA

Alter ego
Ego alto
Vasto Ego
Ego Visto
nativa do lugar
ou lugar de seu nativo
Alterno-me
no jogo de criar
Vários jeitos de viver
E assim poder pensar
pra poder amar
E amar como ser pensante!

Alternar
Palavra já diz...
Sou sempre dois pólos
Pode se assim dizer:
Pode ser assim
Mas também pode ser assado...
Talvez seja um sim
mas cabe bem o não...
Vou me intercalando
Nos personagens
que me dei...
Alternativa é a chance
que fazer sempre diferente
as coisas que quero repetir...
Tendo a chance de mudar
Ou quem sabe não!
Depende de escolha...

É a dúvida
entre o meu certo e
meu errado...
É o limite da minha realidade
e fantasia do meu ser...
É diferença entre o ser e o estar
Entre o colocar e o tirar...
Entre o dar e receber...
É a razoável dúvida
entre a loucura e
a sanidade.
Jamais ponte do meio,
logo que os extremos
são tão excitantes...
Sendo que ambas se conjugam
e se completam por estarem...
Interna Ativas
Inteira Ativas
Impera Ativas
Diz[ss]er Ativas
Lider Ativas
E se nunca baseia em ser
Somente uma simples
Alternativa!

BRUXA

Na supremacia de ser,
o que nem sempre sou...
Te fiz crer
Que te encanto,
quando quero
e o quanto desejo...
Tal qual uma bruxa,
Que de poção em poção,
Sustenta um coração!
E com isso
Me esgoto,
Me abalo,
Me irrito...
E calo no peito,
Um tanto sem rumo,
Um tanto sem jeito...
Os desejos de te fazer
Um dia quem sabe
Me amar!

COMPLEMENTO

Mas seja lá o que bem define,
Mais correto ou mais certeiro,
mas o certo,
é que busco
em ti tal complemento,
Na vida teu retoque sem igual...
Me faz sentir inteira e por inteiro...
No auge da loucura,
Vem espantosa lucidez
Com teu toque de ternura...
E no ato de amar,
faz sintonia com energia de raiz
Renovando o conceito que
meu corpo teme sempre
de em seus braços se 'acabar',
derreter ou desmanchar!

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Olga Fonseca

Sou uma pessoa comum, nascida e criada em Londrina/PR [sou pé-vermelho, com muito orgulho] onde moro até hoje... Tenho 52 anos e posso dizer que bem vividos e talvez sofridos... e este sofrimento que me faz às vezes, me dar ao luxo de me sentir poeta...

Sou na verdade professora, é o que realmente me realiza, é o ensinar, é a parte de mim que se doa a cada instante que me coloco como educadora aprendiz, e é onde posso divulgar um pouco esta minha veia poética... Levando aos pequenos que tanto amo, um pouco de poesia através de livros, poetas e poetisas, e através das páginas do site do Grupo Luna & Amigos e do site pessoal da minha grande amiga Delasnieve Daspet.

De vez em quando a inspiração vem e eu escrevo como em meus poemas que aqui estão…

Fonte:
Poetas del Mundo
http://www.poetasdelmundo.com/paises_america.asp?IDPaises=128

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XXII



CAPÍTULO VII

ALGUNS CONTOS DE PERRAULT


I — Introdução

Perrault, depois do êxito de Pele de Burro, pensou em transcrever Les contes de la mère l’Oye; suas fontes nos são desconhecidas mas os motivos existem numa literatura coletiva, talvez criada pelo produto inconsciente da imaginação proveniente de fontes multo antigas.

Se o texto age por encantamento, descobre também um sentido que ultrapassa a simples moralidade devida a Perrault, que aliás se desinteressou pelas fontes iniciais. Bacon escreve: “Confesso simplesmente que desde sua origem as fábulas antigas foram alegóricas e encerravam lições importantes”.

1. — Valor do conto

Ora, encontramos de novo o mesmo repertório de contos — com seus temas iniciais semelhantes — em cada país e em cada latitude; essa migração prova um ritual unicamente acessível aos iniciados. Mas essas palavras de encantamento, forma de uma magia vinda até nos Evangelhos, não são apenas simbólicas. Além das cerimônias iniciáticas, o conto interpreta a vida e as tradições regionais. Por suas virtudes místicas, o encanto dessas ficções não pode ser nem pueril nem grotesco. E é preciso abandonar nossa atitude racional de homens que querem ser instruídos e inteligentes para desfrutar o sabor desses contos que nos lembram a alvorada de nossa infância.

2. — Tese solarista

Despertou grande interesse a tese solarista de B. Busson. Barba-Azul é uma alegoria do sol que mata cada dia a Aurora, sua nova esposa. A Aurora é curiosa; ela penetra por toda parte. Mas no aposento proibido estará encerrado o trovão; a Aurora é libertada por dois cavaleiros, os Açvins do Rig-Veda, os dois crepúsculos. O Pequeno Polegar relacionar-se-ia com os sete raios do alvorecer. André Lefevre, Frédéric Dillaye compartilham essa opinião. Na mitologia antiga podemos encontrar o sol com o seu emblema de chaves.

Porém, Barba-Azul pode ser Saturno em luta com o novo ano, sua nova esposa; contudo as pesquisas para justificar a significação do número 7 conduzem a outras interpretações cujo caráter esotérico não poderia nos escapar.

3. — Valor do algarismo 7

Se as sete esposas de Barba-Azul, ou os sete irmãos do Pequeno Polegar, as sete fadas da Bela Adormecida no Bosque, as sete filhas do papão, as sete mulheres do gigante podem se assemelhar aos sete dias da semana, o valor desse número é extraordinário. Encontramos as sete solenidades do Judaísmo, os sete ramos do Castiçal de ouro, os sete filhos de Macabeu, enquanto que Tóbis é o sétimo esposo de Sara. O Espírito Santo tem sete dons, a Virgem, sete dores, o evangelho sete demônios e sete anjos planetários. Temos ainda os sete sacramentos, os sete diáconos, os sete selos do Apocalipse, os sete pecados mortais, as sete virtudes, as sete cores do raio luminoso, as sete notas musicais, as sete maravilhas do mundo. Para Anne Osmont cada um dos sete planetas do Pater se aplica a um dos planetas que compõem a antiga astrologia enquanto que para os hindus a terra se dividia em sete planetas.

Sete seria o símbolo da vida eterna, da ação e da evolução; a própria iniciação tem sete graus. Esse algarismo, que se liga a três e onze, é ainda encontrado numerosas vezes.

4. — Simbolismo

O conto — que se reúne à lenda pela transformação do seu tema — reflete, no que concerne sua interpretação, a moda intelectual do dia. Os heróis podem personificar fenômenos naturais, mitos meteorológicos, usos cotidianos de todos os povos. O internacionalismo desses contos nos conduz a pensar numa transmissão oral. Os presentes das fadas podem constituir ritos de aniversários e Pele de Burro torna-se uma rainha de carnaval. Se voltarmos às nossas origens poderemos encontrar novamente o frescor da nossa alma de criança, e assim, num mundo deformado, evoluem esses heróis dotados pela natureza; mesmo sendo os personagens minúsculos, podem realizar grandes feitos pela sua coragem e pelos benefícios da iniciação. Os animais são bons e os próprios objetos tornam-se atributos do poder; o boné torna invisível, o bastão invencível e a sandália é o signo da velocidade.

Este simbolismo dos objetos é discernível na água de Juvência, nas beberagens de imortalidade e o herói, para alcançar um estado superior, põe-se à busca de um objeto que pode ser um objeto mágico, um tesouro, uma noiva. Na história de Gata Borralheira o herói busca a luz e os três vestidos cósmicos (céu, lua e sol) participam da vida universal.

O conto representa um mundo sobrenatural no estado de pureza; não mais se ocupa do sentido literal e chega até o absurdo para se preocupar apenas com um simbolismo bastante aparente. O ouro torna-se o emblema da energia solar e os cabelos, símbolos da vida, são de ouro. A Bela Helena, assim como Pele de Burro assemelham-se a Aquiles- e Ménégal.

Os contos, apólogos religiosos, ensinam, a moderação de nossos desejos na aceitação da nossa condição. (Les souhaits ridicules, Griselidis) (Os desejos ridículos), mas são também uma evasão. Em vista da credulidade popular receber mal o desaparecimento do herói e criar uma lenda que o faz reviver desde o dia da sua morte, alguns desses personagens imaginários podem reviver; da mesma forma como nunca se admitiu a morte de Joana d’Arc, de Napoleão ou de Hitler, não se pode admitir a morte de heróis dotados de qualidades excepcionais.

É por isso que os contos divertem e instruem ao mesmo tempo.

5. — Os predecessores de Perrault

Esses contos de tradições antigas, “memórias coletivas”, como diz Guenon, foram compilados por vários autores.

Antes da publicação dos contos de Perrault (1697), outras compilações já existiam. Citaremos apenas as mais importantes, sendo as variantes particulares anotadas no seguinte estudo esquemático. Antes de tudo é a engenhosa reunião de contos que parecem engendrar uns e outros: o livro de Mil e uma noites.

Antes dos Contes du Perroquet (Contos do Papagaio), os Contes du Vampire (Contos do Vampiro), o compêndio mais antigo é o Pantchatantra que se havia multiplicado na forma ocidental do Roman des sept sages (Romance dos sete sábios) e na forma árabe no Le livre de Kabile et Dimna.

Entre os que tomaram a dianteira de Perrault notemos o Decameron de Bocáccio, Les nuits de Straparole e o Pentameron de Basile. Perrault e em seguida Mme d’Aulnoy, adaptaram essas ficções ao gosto do público francês. Walter Scott fez o mesmo na Inglaterra, os irmãos Grimm na Alemanha, Afanasieff na Rússia e Asblörnsen na Noruega.
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continua...

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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Flávia Vasconcelos (Jornalismo Literário)


O que é Jornalismo Literário

As chamadas grandes reportagens mesclam características da narrativa literária, da história e do texto jornalístico. Elas fazem parte do jornalismo literário. Livros como Rota 66, de Caco Barcellos, filmes como Todos os homens do presidente e especiais televisivos como Globo Repórter, inserem o público em um mundo muitas vezes desconhecido, temido ou distante; contam a história de maneira romanceada, quase lúdica em alguns casos, prendendo a atenção e distanciando-se dos padrões de jornalismo aos quais estamos acostumados.

Em 1960 os Estados Unidos observaram o surgimento de uma nova maneira de fazer jornalismo. Cansados das matérias desinteressantes e factuais, os jornalistas decidem sair de suas redações e inovar, apurar a fundo um fato, fazer muitas entrevistas, pesquisar em arquivos, percorrer grandes distâncias, levantar dados, “imergir” na história e narrá-la com o uso de recursos e ferramentas da ficção. A grande reportagem pode explicitar em seu conteúdo as impressões de quem a fez e da mesma forma que fazemos ao relatar para amigos como foi à última viagem que fizemos; ou seja, quais foram nossas impressões sobre as pessoas e o lugar visitado, o que lá aconteceu, etc.

Também no Brasil tivemos repórteres dispostos a quebrar antigas regras e “mergulhar” em tempo integral em suas matérias. A produção dessa “dualidade” do jornalismo e todos os seus desdobramentos culturais é importante tanto para o dia-a-dia quanto para o futuro, uma vez que denunciam ou tornam públicos acontecimentos contemporâneos, como é o caso das reportagens sobre as drogas feitas por Tim Lopes, que foi assassinado de maneira brutal por traficantes em 2002, ou como uma descrição detalhada de acontecimentos relevantes da nossa história.

Nos dias de hoje, principalmente no Brasil, esse ramo do jornalismo vem se minguando e, quando respira, restringe-se à mídia televisiva. Essas matérias ocupam muito espaço, um espaço redacional cada vez mais rarefeito em todos os grandes jornais, e há cada vez menos repórteres dispostos a encarar o desafio de entrar de cabeça num só assunto, esquecer tudo o mais para, no fim, ter o prazer de contar uma boa história.
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Nós fazemos Jornalismo Literário
(por Flávia Vasconcelos)

Leitor, aqui nós fazemos jornalismo literário.

Isso porque nós respeitamos o seu direito de ter acesso a informações de qualidade, sem economia de detalhes sobre o fato.

Fazemos jornalismo literário porque nós não somos jornalistas-robôs, destituídos dos cinco sentidos, sem experiências de vida e, muito menos, sem capacidade de observação do meio que nos cerca.

Nós somos, assim como você, seres humanos e, por isso, compactuamos com a ideia do jornalista Raimundo Pereira, editor da Revista Retratos do Brasil e profissional atuante da imprensa alternativa, quando, em 1981, escreveu no último editorial do saudoso Jornal Movimento que a afirmação sobre o jornalista ser um técnico, se não da neutralidade ao menos da objetividade, não passa de um mito. Nós somos profissionais de carne, osso, sentimento e racionalidade.

Ao contrário do que a “grande massa jornalística” pensa, o jornalismo literário não é utopia, ficção, romantismo e nem é feito por escritores. É feito por jornalistas profissionais e pode sim ser a realidade dos jornais diários, revistas e sites jornalísticos, a exemplo do nosso.

Escrever com estímulo e detalhamento do fato, humanizando os envolvidos, descrevendo características do espaço físico, das pessoas, transportando o leitor para o acontecimento é também jornalismo e é isso que o jornalista literário faz.

Que mal há em enriquecer o texto? Que mal há em misturar literatura com jornalismo? Nenhum. Ao contrário, é uma oportunidade dada ao leitor de se informar melhor e enriquecer-se junto, tanto no vocabulário quanto na formação da opinião sobre o fato.

Leitor, o que você acharia de ler no jornal que você compra todos os dias, uma matéria sobre o jogo de futebol do seu time favorito que, além de informar o placar da partida, descrevesse a torcida, incluísse as paródias musicais inventadas na arquibancada e que fazem o maior sucesso, além dos “gritos de guerra”, com exclamações e tudo mais que fosse necessário para transmitir a empolgação do momento? Que falasse das cores e sons que compuseram o cenário do jogo, escolhesse personagens, tanto da torcida como entre aqueles que estavam lá trabalhando, vendendo churrasquinho e falasse rapidamente de cada um? Descrevesse as expressões dos torcedores, ou do técnico, no momento do gol ou da perda dele? Humanizasse mais os jogadores e falasse um pouco da trajetória daquele que mais se destaca, ou de onde ele veio?

Isso serviria para permitir que aquele que não esteve no estádio, percebesse o que foi vivido lá e também para aquele que esteve, pudesse reviver a experiência. Além de fazer com que você leitor, se reconhecesse no que foi escrito, já que seria um texto de um ser humano para outro e não de um burocrata da notícia para uma vítima dessa “burocracia”. A sua realidade estaria ali descrita e, assim, você poderia se sentir mais em casa e confiante de que o jornal registra o que você vive.

A nossa sociedade, baseada na selvageria da formalidade e do conservadorismo estrangeiro, desvaloriza a sensibilidade, encarando-a como passatempo. Como brincadeira.

Dizem que o jornal diário não tem espaço para o jornalista literário, por conta do tamanho dos textos. Sabe o que dizem mais, leitor? Que você não iria gostar desse tipo de texto completo, original, atrativo, divertido e aprofundado, pois você se contenta com as migalhas da informação, colhidas no texto frio e curto, seja no impresso ou on-line. Eles respondem por você, sem nem lhe oferecer uma oportunidade de experimentação.
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Fontes:
- http://www.coladaweb.com
- http://aqueimaroupa.com.br

Folclore de Portugal – Distrito de Leiria (Lenda do Milagre de Nazaré)


Lenda do Milagre da Nazaré

Esta lenda remonta ao ano de 1180, quando D. Sancho I liderava a reconquista do Alentejo e do Algarve e D. Fuas Roupinho, seu cavaleiro, defrontava os mouros em Porto de Mós, fazendo prisioneiros o rei Gamir e a sua filha. Tempos mais tarde, o rei mouro morreu e a jovem princesa inconsolável quis conhecer melhor o Deus dos cristãos e, sobretudo, a Mãe desse Deus. D. Fuas Roupinho levou-a conhecer a imagem de Nossa Senhora da Nazaré que ele venerava e deixou-a perto da imagem enquanto foi caçar.

Montava D. Fuas Roupinho o seu cavalo quando vê passar um vulto negro e estranho. Pensando ser um veado, perseguiu-o e o animal em desafio passa por ele uma e outra vez, o que desperta mais ainda o seu desejo de o apanhar. A perseguição torna-se feroz até que quando está prestes a apanhá-lo o cavalo pára junto a um precipício, mesmo sobre o mar. O cavalo empina-se desesperado e o veado desfaz-se em fumo. D. Fuas Roupinho clama por Nossa Senhora da Nazaré e cavalo e cavaleiro salvam-se, ficando as patas traseiras gravadas no rochedo, marca essa que ainda hoje existe.

D. Fuas Roupinho corre para junto da Virgem a agradecer a proteção e promete levar a imagem para o local do milagre. Mais tarde, mandou construir a capela da Nossa Senhora da Nazaré nesse mesmo local que ficou a ser conhecido por Memória, em homenagem ao extraordinário milagre que salvou este herói português.

Lenda da Nazaré

A lenda da imagem de Nossa Senhora da Nazaré remonta a tempos antigos quando o monge grego Ciríaco fugiu com ela para Belém de Judá e a entregou a S. Jerónimo, que por sua vez a enviou a Santo Agostinho, que por sua vez a entregou ao Mosteiro de Cauliniana, a doze quilometros de Mérida. Foi aqui que puseram à imagem o nome de Nossa Senhora da Nazaré por ter vindo da cidade Natal da Virgem. Quando os mouros derrotaram os cristãos obrigando o rei Rodrigo a fugir para Mérida, este levou consigo a imagem mas não se sentindo aí seguro fugiu de novo na companhia do abade Frei Romano que possuía uma preciosa caixa de relíquias que tinha pertencido a Santo Agostinho.

Chegaram os dois fugitivos mais mortos do que vivos ao sítio da Pederneira, hoje chamado da Nazaré, na costa do Atlântico, onde decidiram separar-se. Rodrigo instalou-se no monte de S. Bartolomeu e Frei Romano no monte fronteiriço, combinando comunicarem-se por intermédio das fogueiras que acendiam à noite. Uma noite a fogueira de Frei Romano não se acendeu e Rodrigo foi encontrar o seu companheiro morto. Apavorado, foge com a imagem e a caixa de relíquias para ir morrer perto de Viseu. A imagem e a caixa de relíquias foram encontradas por uns pastores em 1179.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

Imagem = http://am-oeste.pt

Célia Musilli (Pilha Poética )


LEMBRANÇA QUASE CHINESA

Nos dias felizes, quando eu caminhava com Chofu-sa, as arrobas levadas ao mercado pareciam leves.
Eu pensava:”Com meu amor crio asas”.
Então, Chofu-sa foi embora e descobri que eram pedras as plumas da minha imaginação…

SABEDORIA QUASE CHINESA

se alguém não te alimenta
inventa
uma manhã de sol
fruta fresca
chá de hortelã
pra despertar a alma
com calma
porque o dia apenas começa
e o amor não combina com pressa

SEGUNDO VOO

este silêncio que atravessa o dia
parece uma borboleta muda
as dúvidas são delicadas...

Fonte:
http://sensiveldesafio.zip.ne
t

Ronaldo Correia de Brito (Eufrásia Meneses)


– Sentada estou. É aqui que me vêem todas as tardes e me imaginam a esperar a noite. O que mais esperaria além da passagem da claridade? A hora em que me trancarei no meu quarto à espreita de um visitante que rondará a casa e que nem sei se é real ou se urdido pela minha fatigada solidão? Meu marido é incerto no vir, e todos o sabem. Pressentem que anoiteço e, se passam à minha porta, me perguntam: “Esperando a noitinha, dona Eufrásia?”. Mas o que me trará a noite além de um vento frio e de um silêncio fundo? O cheiro de carne apodrecida do gado morto neste ano de seca, um bater de portas que se fecham, o balido de ovelhas se aconchegando, o fungar das vacas prenhes, o estalar das brasas que se apagam no fogão.

Meu filho dorme ao lado, numa rede alva e cheirosa. Ouço o seu respirar leve e tenho a certeza de que está vivo. Habitamos este universo de ausências: ele dormindo, eu acordada. Atrás de nós, uma casa nos ata ao mundo. É imensa, caiada de branco, com portas e janelas ocupando o cansaço de um dia em abri-las e fechá-las. Fechada, a casa lacra a alegria dos seus antigos donos, seus retratos nas paredes, selas gastas, metais azinhavrados, telhado alto que a pucumã vestiu. Ela julga e condena os nossos atos, pela antiga moral de seus senhores, de quem meu marido é herdeiro. Assim, se penso no casual nome de outro, o estrangeiro que me olhou com mansidão, ela me escuta pensar e depois, nos meus sonhos, grita-me com todas as suas vozes. Sou escrava destas paredes, prisioneira de pessoas mortas há anos que, agora, se nutrem de mim. Abarcada pelo calçadão alto, onde me sento e olho a eterna paisagem: o curral, as lajes do riacho, a curta estrada, a capoeira, os roçados, as casas dos moradores. Envolvendo tudo, um silêncio e um céu azul sem nuvens, que o vento nem toca. E longe, onde não enxergo, a terra de onde vim.

Já é quase noite. Meu marido e seus vaqueiros tangeram o gado até o curral e voltaram a campear reses desgarradas. Trouxeram as ovelhas, com seus chocalhinhos tinindo e uma nuvem mansa de lã e poeira. Os animais estão magros e famintos. Também os homens. O sol queima e requeima as doze horas do dia e, à noite, um vento morno e cortante bebe a última gota d’água do nosso corpo. Já somos garranchos secos, quebradiços, inflamáveis. Basta que nos olhem para ardermos numa chama brilhante e fugaz, que logo é cinza.

Minhas veias guardam um resto de vida, alimento do meu marido. Ele deita sobre mim, funga, rosna, machuca-me sem me olhar no rosto. Depois cai para o lado. Contemplo o telhado e toco, com as pontas dos dedos, o sêmen morno que molha o lençol.

Não sei como escapar. São tantos os anos e há este filho doce, que repousa na rede. De tardezinha, nos debruçamos na janela e vemos o gado que chega. As vacas mugem, os touros andam lentos. O sol se avermelha, morrendo. É tudo tão triste que choramos, eu e ele. Ensino-lhe o pranto e a saudade. O pai ensina-lhe a dureza e a coragem. Quero este filho só para mim. Fazê-lo ao meu modo é a maior vingança contra meu marido, que me trouxe para cá, terras de Sulidão, onde o galo só canta uma vez a cada madrugada.

É verdade que vim com as minhas pernas, que não fui forçada. Deixei o verde Paraí da minha mãe, onde meu pai descansa morto. Se fecho os olhos agora, vejo os canaviais ondulando e sinto o cheiro da rapadura. Nem sei como os meus pés despregaram de lá. Não consigo recompor o passo, na ligeireza que foi tudo. Um tio me levou para ser professora no Cameçá, a dez léguas de onde nasci. Ficaria por uns tempos na casa dos Meneses, que antes habitavam o Sulidão. Chegados há pouco na nova propriedade, o contato de pessoas civilizadas tinha-lhes imposto a necessidade de conhecer as letras. Meus alunos seriam os filhos: cinco mulheres e nove homens. Os velhos não se dariam a tais vexames.

Uma revoada de aves de arribação me acorda das lembranças. A África acolherá esses pássaros que abandonam o sertão. Se ficam aqui, morrem de fome e de sede. Voam num comprido manto, estendido no céu. Nós ficaremos, chupando a última gota d’água das pedras, lendo no sol, todos os dias, nossa sentença.

Um vaqueiro passa. Um galho de aroeira rasgou-lhe o couro do gibão e do braço. Vão à procura de mastruço para acalmar a ferida. A fome enerva o gado e os homens não conseguiram juntar os garrotes e os touros. Ouço-o dizer que o meu marido está nervoso e ameaçou de morte um chamado João Menandro, o de outras paragens. Desentendera-se. Meu marido, afeito ao mando, quer passar por cima de quem lhe esbarra na frente. Ou terá pressentido o que nenhum gesto meu jamais revelou? Tremo e mostro ao homem um canto do quintal onde poderá achar a sua meizinha. Ele me agradece, parece querer dizer outra coisa, porém cala e me olha com pena. Todos me olham assim. Se passam na minha porta, tiram o chapéu, desejam-me boa-hora e seguem em frente. Apesar dos anos passados, vêem-me como estrangeira. É difícil o caminho que leva aos seus corações. Gostarão de mim, tão silenciosa e distante? Suspeitarão dos meus ocultos sentimentos? Procuro a resposta no vaqueiro e, quando vai embora, se despede num brusco balançar de cabeça.

No começo tentei amar esta terra e sua gente. Trazia a minha fresca alegria, banhada de novo nas fontes do Paraí. Mas aqui o sol queima forte e somos bebidos até a última gota. Seca, deixei de bater às portas e me recolhi ao labirinto da casa, onde continuo esperando. Os homens são o sol abrasante, vistos de dia, ocultos de noite. Na casa dos Meneses, fiquei o tempo de me apaixonar por Davi, meu futuro marido, e de ensinar aos alunos as primeiras letras. Fui tratada a açúcar, enquanto os outros comiam rapadura. Tempo de corredores escuros. Conheci a força dos abraços do meu marido, o ímpeto do seu desejo, e cedi. E aqueci minha alma de mulher e nem perguntei pelo amor. Só ardia. Deixei-lhe a mão solta, o membro sem freios. Cavalgada, retornei à casa da minha mãe e esperei o dia do casamento. Dançamos os três dias de festa, viemos para este seco Sulidão. Esta casa fora abandonada por seus antigos donos, mas aguardava o peso cruel das suas presenças. Coube-nos perpetuar neste sertão uma herança de estirpe, sólida como as pedras do calçadão alto.

Meu filho, mexendo-se na rede, traz-me de volta à casa. Está tudo escuro e terei de acender os candeeiros. Numa noite como esta, passou correndo um lobo-guará. Meu marido deu tiros, mas não o acertou. Falou-se sobre o lobo por muitos dias. São os acontecimentos desta terra. Vivo de silêncio e de lembranças. Às vezes, quando não quero sonhar, penso em nomes de pássaros, retardando a hora em que terei de me trancar a ferrolhos. Procuro esquecer um tropel que ronda a minha janela, todas as noites em que me deito só. É a hora de decidir? Ouço um respirar que não é o meu. A noite é um lençol que cobre a fadiga dos homens. Dominada pelo cansaço, adio mais uma vez a minha escolha. A realidade de uma lâmina de faca, guardada sob o travesseiro, lembra-me o instante em que poderei cortar o sono e cavar a vida.

Um vaqueiro vem me avisar que meu marido não retornará esta noite. Celebram uma festa perto daqui. Vieram músicos e mulheres de longe. Na madrugada, ainda se ouvirão os gritos de prazer e as notas perdidas de uma música que não conseguirei identificar. O homem me oferece a companhia de uma filha sua e eu agradeço. Diz-me que a briga entre meu marido e o que veio de longe deixou no ar uma sentença de morte. A noite poderá trazer surpresas e eu devo me recolher cedo. Estou só. Não há pai, nem há mãe, nem sorriso de irmãos. Só a casa espreita, querendo me tragar.

João Menandro é um nome que se confunde com o meu sonho. Haverá mesmo, lá fora na noite, alguém que me aguarda, ou o meu desejo inventou esse ser? A noite interminável me cansa e penso em apressar o desfecho de tudo. Não há tempo para contemplar passiva o mundo morrendo em volta. A mão se endurece ao toque da lâmina que o travesseiro esconde. Meu marido retornará sonolento. O outro virá até minha janela. Eu me olharei num espelho. Chegará sim, a madrugada. Aquela que poderá ser a última, ou a primeira.

(Extraído de Faca)

Fontes: - MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: d’a Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza: Imprence, 2008. - Imagem = http://rossi.blog.uol.com.br