sábado, 5 de outubro de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 40

 

José Feldman (O Último Passeio)

Na pequena cidade de Vila Esperança, onde as ruas eram adornadas por flores e o canto dos pássaros ecoava pela manhã, viviam dois idosos, Dona Dora e Seu Domingues. Ambos eram conhecidos por sua amizade sincera e pela companhia de seus fiéis cães: Mel, uma labradora de pelagem dourada, e Pingo, um vira-lata esperto e brincalhão.

Com o passar dos anos, a vida trouxe desafios a Dona Dora, que perdeu seu marido recentemente, e a Seu Domingues, que lutava contra a solidão e a tristeza. Em um dia nublado, enquanto caminhavam juntos com seus cães, o ar parecia pesado, como se a cidade também carregasse suas dores.

Enquanto conversavam, Mel e Pingo, em sua inocência canina, começaram a brincar. De repente, os cães correram em direção a um parque abandonado, onde uma densa neblina se formou. Curiosos, os idosos seguiram seus animais.

Ao entrarem no parque, foram surpreendidos por um cenário mágico. As árvores, cobertas de flores brilhantes que nunca tinham visto, dançavam suavemente ao vento. O ar estava impregnado de um perfume doce, e uma luz suave parecia emanar do chão.

“É como se estivéssemos em outro mundo”, disse Dona Dora, maravilhada.

“Talvez seja”, respondeu Seu Domingues, com um sorriso. “Um lugar onde podemos deixar nossas preocupações para trás.”

Enquanto exploravam, encontraram um banco antigo, coberto de musgo. Sentaram-se, e a magia do lugar começou a trabalhar. As memórias de seus amores perdidos e de suas lutas começaram a se dissipar, como a neblina ao sol. Eles riram, contaram histórias de suas juventudes e, pela primeira vez em muito tempo, sentiram-se leves.

De repente, Mel e Pingo começaram a ladrar em direção a uma árvore gigante. Ao se aproximarem, notaram que a árvore tinha uma porta entre suas raízes. A curiosidade falou mais alto, e os quatro entraram.

Dentro, encontraram um mundo de possibilidades. Havia trilhas que levavam a diversas paisagens: campos floridos, montanhas majestosas e riachos cristalinos. Cada passo que davam parecia rejuvenescê-los, e seus corações, outrora pesados, agora pulsavam de alegria.

“Olhe, Dora! Vamos escalar aquela montanha!” exclamou Seu Domingues, com o entusiasmo de um jovem.

E assim, entre risadas e corridas, os dois idosos enfrentaram a montanha, desafiando seus limites. Enquanto escalavam, seus cães os seguiam, como guardiões da felicidade recém-descoberta.

No topo, a vista era deslumbrante. O sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e rosa. Dona Dora e Seu Domingues, ofegantes, sentaram-se e contemplaram a beleza ao redor. Ali, no ápice, perceberam que as dificuldades da vida eram apenas montanhas a serem superadas.

“Não importa a idade, Dora. Sempre podemos encontrar novos começos”, disse Seu Domingues, olhando nos olhos dela.

“Sim, Domingues. A vida pode ser mágica, mesmo depois de tantas tempestades”, respondeu ela, com um sorriso.

Quando decidiram voltar, a neblina do parque os envolveu novamente, e em um instante, estavam de volta à realidade. Contudo, algo havia mudado. A tristeza que os acompanhava havia se dissipado, e a amizade e a esperança floresceram em seus corações.

Dali em diante, Dona Dora e Seu Domingues continuaram a passear juntos, agora com um novo olhar sobre a vida. As memórias de sua aventura mágica os inspiraram a enfrentar os desafios do dia a dia, sempre com um sorriso, acompanhados de Mel e Pingo, que, sem saber, foram os verdadeiros guias para a superação de seus obstáculos.

E assim, na pequena Vila Esperança, a vida continuou, cheia de cores e possibilidades, mesmo para aqueles que já haviam vivido tanto.
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Estrutura do Conto acima: 

Introdução
Apresentação dos personagens: Dona Dora e Seu Domingues, dois idosos amigos.

Contexto
A vida cotidiana em Vila Esperança e os desafios enfrentados por eles.

Desenvolvimento
Os idosos caminham com seus cães, Mel e Pingo.

A atmosfera pesada da tristeza é introduzida.

Os cães levam os idosos a um parque abandonado, onde encontram uma realidade mágica.

Clímax
Descoberta do banco antigo e a transformação emocional dos personagens.

A entrada na árvore mágica, que os transporta a um mundo de novas possibilidades.

Aventura
Exploração de paisagens mágicas e superação de desafios, como a escalada de uma montanha.

Momentos de alegria e rejuvenescimento.

Conclusão
Reflexão no topo da montanha sobre a vida e a superação de obstáculos.

Retorno à realidade, mas com uma nova perspectiva.

A continuação das caminhadas e o fortalecimento da amizade.

LIÇÕES TRANSMITIDAS AO LEITOR

1. Superação de Obstáculos
A vida pode apresentar desafios difíceis, mas é possível superá-los com coragem e apoio mútuo.

2. Valorização das Relações
A amizade e o apoio entre pessoas são fundamentais para enfrentar momentos difíceis. Conexões emocionais podem trazer conforto e alegria.

3. Redescoberta da Alegria
Mesmo após perdas e tristezas, é possível redescobrir a alegria e a magia da vida, basta estar aberto a novas experiências.

4. Importância do Presente
A história enfatiza viver o momento presente e aproveitar as pequenas oportunidades de felicidade que surgem no dia a dia.

5. Transformação e Crescimento Pessoal
Através da experiência compartilhada, os personagens se transformam, mostrando que o crescimento pessoal pode ocorrer em qualquer fase da vida.

6. O Valor da Curiosidade
A curiosidade e a disposição para explorar o desconhecido podem levar a descobertas valiosas e experiências enriquecedoras.

Fonte:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024

Dicas de escrita (O Conto Fantástico)


O conto fantástico é uma forma literária que se distingue por introduzir elementos sobrenaturais ou inexplicáveis em cenários aparentemente realistas. Sua origem remonta a tradições orais e contos folclóricos, mas sua consolidação como gênero literário ocorreu principalmente a partir do século XIX.

Origens

As histórias fantásticas têm raízes em mitos e lendas que tentavam explicar fenômenos naturais ou a condição humana. Contos como "A Menina dos Fósforos", de Hans Christian Andersen, exemplificam essa tradição.

O romantismo, no início do século XIX, trouxe uma nova valorização do sobrenatural e do irracional. Autores como Edgar Allan Poe e Mary Shelley exploraram o fantástico em suas obras, criando atmosferas sombrias e personagens atormentados.

Edgar Allan Poe, considerado um dos mestres do conto fantástico, introduziu elementos de horror psicológico e mistério. Sua obra "O Corvo" e contos como "O Gato Preto" destacam o uso da atmosfera e da introspecção.

H. P. Lovecraft, na primeira metade do século XX, Lovecraft desenvolveu o que se conhece como "horror cósmico", onde a insignificância do ser humano frente a forças superiores é central. Seus contos, como "O Chamado de Cthulhu", são marcos do gênero.

Jorge Luis Borges trouxe uma abordagem metafísica ao conto fantástico, entrelaçando realidades e ficções. Seus labirintos narrativos e jogos de espelho, como em "A Biblioteca de Babel", desafiam a lógica e a linearidade.

Clarice Lispector incorporou elementos fantásticos em sua prosa introspectiva, explorando a subjetividade e a condição humana, como em "A Paixão Segundo G.H.".

Angela Carter, com uma perspectiva feminista, reimaginou contos de fadas e mitos, trazendo uma nova dimensão ao fantástico em obras como "A Companhia de Lobos".

CARACTERÍSTICAS

Ambiguidade: O fantástico geralmente apresenta uma linha tênue entre o real e o sobrenatural, deixando o leitor em dúvida sobre a natureza dos eventos.

Atmosfera: O ambiente é crucial; uma atmosfera de mistério e tensão é frequentemente criada por meio de descrições vívidas e detalhes sensoriais.

Personagens Complexos: Os protagonistas frequentemente enfrentam dilemas internos e crises existenciais, refletindo suas inseguranças e medos.

Quebra da Lógica: Elementos irracionais ou impossíveis são integrados à narrativa, desafiando as expectativas do leitor e a lógica convencional.

Exploração da Subjetividade: Muitas vezes, o conto fantástico mergulha na psicologia dos personagens, explorando seus desejos, medos e traumas.

O conto fantástico é um gênero rico e multifacetado, que evoluiu ao longo dos séculos e continua a cativar leitores e escritores. Suas características únicas e sua capacidade de questionar a realidade fazem dele uma forma de arte literária sempre atual e provocativa. Autores contemporâneos continuam a explorar suas possibilidades, garantindo que o fantástico permaneça relevante na literatura moderna.

CARACTERÍSTICAS COMPARADAS A OUTROS GÊNEROS

O conto fantástico possui características distintas que o diferenciam de outros gêneros literários. Essas características tornam o conto fantástico um gênero único e provocativo, permitindo que autores explorem o inexplicável e o irracional de maneiras que desafiam a percepção do leitor. Essa liberdade criativa é um dos aspectos mais atraentes do fantástico em comparação com outros gêneros literários.

Aqui estão as principais características do conto fantástico em comparação com outros gêneros:

1. Elementos Sobrenaturais

Fantástico: Introduz elementos sobrenaturais ou inexplicáveis em um cenário cotidiano, desafiando a lógica. A busca por entender quem somos, muitas vezes através de experiências sobrenaturais ou transformações.

Realismo: Foca em eventos plausíveis e cotidianos, sem a presença do sobrenatural.

2. Ambiguidade

Fantástico: Cria incerteza sobre a veracidade dos eventos, deixando o leitor em dúvida quanto à realidade.

Ficção Científica: Geralmente estabelece regras claras sobre seu universo, com explicações lógicas para os fenômenos.

3. Atmosfera

Fantástico: Utiliza uma atmosfera de mistério e tensão, frequentemente com descrições vívidas que evocam sensações de estranhamento.

Narrativa Realista: Foca em uma ambientação familiar e reconhecível, com menos ênfase na criação de uma atmosfera de suspense.

4. Personagens e Psicologia

Fantástico: Personagens frequentemente enfrentam dilemas internos e crises existenciais, refletindo sobre suas identidades e medos. A exploração de medos primordiais, como o medo da morte, da solidão ou do desconhecido, muitas vezes personificados em criaturas ou situações fantásticas.

Literatura de Aventura: Foca mais na ação e no desenvolvimento da trama do que na profundidade psicológica dos personagens.

5. Quebra da Lógica

Fantástico: Aceita a irracionalidade como parte da narrativa, permitindo que eventos impossíveis ocorram.

Gêneros como o Realismo Mágico: Embora também misturem o real e o fantástico, geralmente mantêm uma lógica interna que explica as ocorrências extraordinárias.

6. Exploração de Temas Filosóficos

Fantástico: Muitas vezes aborda questões existenciais, como a natureza da realidade e a condição humana.

Romance Histórico: Foca em eventos e contextos históricos, com menos ênfase em questões filosóficas profundas.

7. Estrutura Narrativa

Fantástico: Pode adotar estruturas narrativas não lineares ou fragmentadas, refletindo a confusão e o estranhamento. A manipulação do tempo, com narrativas que desafiam a linearidade ou exploram memórias distorcidas.

Ficção Tradicional: Geralmente segue uma estrutura mais linear e previsível.

Esses temas ajudam a dar profundidade às narrativas fantásticas, permitindo que os autores abordem questões existenciais e sociais de maneira única e provocativa.
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AUTORES PRINCIPAIS

Vários autores são reconhecidos por explorar temas recorrentes no conto fantástico. Aqui estão alguns deles, junto com suas contribuições:

1. Edgar Allan Poe
Temas: Medo, identidade, alienação.
Obras: "O Corvo", "O Gato Preto".

2. H. P. Lovecraft
Temas: O desconhecido, medo, insignificância humana.
Obras: "O Chamado de Cthulhu", "A Cor que Caiu do Céu".

3. Jorge Luis Borges
Temas: Realidade e ilusão, tempo e memória.
Obras: "A Biblioteca de Babel", "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam".

4. Clarice Lispector
Temas: Identidade, alienação, autoconhecimento.
Obras: "A Paixão Segundo G.H.", "A Hora da Estrela".

5. Angela Carter
Temas: Crítica social, transformação, o sobrenatural.
Obras: "A Companhia de Lobos", "O Conto da Aia".

6. Franz Kafka
Temas: Alienação, identidade, transformação.
Obras: "A Metamorfose", "O Processo".

7. Italo Calvino
Temas: Realidade e ilusão, o sobrenatural.
Obras: "As Cidades Invisíveis", "Se um Viajante numa Noite de Inverno".

8. Shirley Jackson
Temas: Medo, isolamento, crítica social.
Obras: "A Assombração da Casa da Colina", "A Loteria".

9. Ray Bradbury
Temas: O desconhecido, crítica social, tempo.
Obras: "As Crônicas Marcianas", "Fahrenheit 451".

10. Neil Gaiman
Temas: O sobrenatural, identidade, transformação.
Obras: "Deuses Americanos", "O Oceano no Fim do Caminho".
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COMO ESCREVER UM CONTO FANTÁSTICO

Escrever um conto fantástico envolve uma mistura de criatividade e estrutura. Aqui estão algumas etapas e dicas para te ajudar:

1. Escolha um Tema
Pense em temas universais, como identidade, medo, ou transformação. O que você quer explorar?

2. Crie um Mundo Fantástico
Desenvolva um cenário que desafie a lógica do mundo real. Pode ser um lugar mágico, uma dimensão alternativa ou uma versão distorcida da realidade.

3. Personagens Cativantes
Crie personagens com profundidade. Eles podem ser humanos, criaturas fantásticas ou até mesmo objetos animados. Dê a eles motivações e conflitos internos.

4. Introduza Elementos Sobrenaturais
Incorpore fenômenos inexplicáveis ou mágicos. Isso pode ser um objeto poderoso, uma criatura mítica ou uma habilidade sobrenatural.

5. Crie um Conflito
Todo conto precisa de um conflito. Pode ser interno (um dilema pessoal) ou externo (um antagonista ou uma força que ameaça o mundo).

6. Ambiguidade e Mistério
Mantenha um tom de incerteza. O leitor deve se questionar sobre a realidade dos eventos. Isso adiciona profundidade e provoca reflexão.

7. Desenvolva a Narrativa
Estruture a história em três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão. Apresente o cenário, desenvolva o conflito e, finalmente, resolva a trama.

8. Explore Temas Profundos
Use a fantasia como uma metáfora para questões existenciais, emocionais ou sociais. Isso dá peso à sua narrativa.

9. Revise e Edite
Após escrever o primeiro rascunho, revise. Verifique a coerência da história, o desenvolvimento dos personagens e a fluidez da narrativa.

10. Leia Referências
Leia contos fantásticos de autores consagrados. Isso ajudará a entender diferentes estilos e abordagens dentro do gênero.

Dicas Adicionais:

Use Descrições Vivas: Evite generalizações. Descreva os sentidos (visão, som, cheiro) para criar uma atmosfera envolvente.

Mantenha o Ritmo: Equilibre cenas de ação com momentos de reflexão.

Inspire-se em Mitos e Lendas: Muitas histórias fantásticas têm raízes em mitologias. Isso pode fornecer uma base rica para sua narrativa.

Fonte: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Poe.  Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Vereda da Poesia = 125 =


Semi-Soneto de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Saudade (1)
 
Na sombra do passado, a saudade, 
vagueia como um sonho que não vem, 
percorre em cada canto, a verdade 
de amores que se foram, um desdém. 

Nos olhos, a memória faz-se mar, 
um vasto horizonte que não cede, 
e em cada onda, um suspiro a pesar, 
na areia da lembrança que se mede. 

Mas há beleza na dor que se sente, 
um doce amargo que nos traz calor, 
na saudade, o amor é presente, 

transforma a dor em eterna flor. 
E mesmo na tristeza, é envolvente, 
pois sempre se recorda um grande amor.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Ele trouxe ao seu rebanho
muito amor e muita luz.
Barqueiro de um barco estranho,
talhado em forma de cruz!
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Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

De - sen - velhecer

Desenvelheço toda vez que me retoco
E a maquiagem que me dou, não me desmente,
Ela é o presente de um passado que eu evoco,
Quando meu foco é viver mais intensamente.

Rejuvenesço quando pinto meus cabelos
Mas alguns pelos denunciam minha idade,
Minha saudade nunca cede aos meus apelos...
Sem atropelos, chega com suavidade.

É impressionante essa leveza cristalina
Que as retinas não contêm, quando algum pranto
Faz meu encanto mais feliz dobrar a esquina,
Mas me deixar algumas notas de acalanto.

Que bom cantar... toda canção tem o poder
De me fazer amar o tempo em que a poesia
Sempre se alia à energia de viver
E compreender o meu amor com alegria.

Minto e desminto minha dor mais escondida
E enquanto há vida num canto da solidão,
A pulsação do meu amor sempre revida,
Quando, atrevida, a dor convida-me à razão.

Desenvelheço ao zombar do meu espelho,
Quando um joelho me impede de levantar...
O meu olhar vê, nos meus olhos, o fedelho
Que eu sempre fui, vendo um espelho se quebrar.

Sorrir me leva ao que me enleva e me abençoa,
Minha alma voa, pois é preciso sonhar
E para amar é só criar um sonho à toa,
Pois é tão boa a sensação de não chorar.

Rejuvenesço, eu mereço este momento
De ver o vento expondo as pétalas no ar,
Pois toda vez que o vento cria outro rebento,
Eu polinizo um novo tempo em meu olhar.
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Trova  Premiada em Irati/PR, 2023
MARIA EUNICE SILVA DE LACERDA 
Toledo / PR

Para todos no garimpo, 
eu gritei: Pepita de ouro! 
Deixei o achado, bem limpo. 
Era cascalho, o tesouro.
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Soneto de 
JOSÉ MARIA GOULART DE ANDRADE 
Maceió/AL, 1881 – 1936, Rio de Janeiro/RJ

Soneto

Nave de catedral esta alma: — Nela
Outrora silenciosa, ressuscito
Por ti, a adoração de estranho mito...
E o hinário soa, o incenso se enovela!

Enche-a toda de clarões aquela
Macia luz que nos teus olhos fito,
Quando me vês, em teu altar, contrito,
Queimando o coração que se desvela...

Novo surto de vida ora me invade,
E esta alma, quase fria, quase morta,
Vibra de novo em comoção fecunda!

Tão penetrado estou nesta verdade,
Como o silêncio quando um grito o corta,
E a escuridade quando a luz a inunda!
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Trova Popular

Triste sou, triste me vejo     
sem a tua companhia;       
tão triste, que nem me lembro
se alegre fui algum dia.  
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Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha / ES

Prelúdio 5

O céu, a terra, o mar,
tornaram-se-me
tão incomuns;
tão pequeninos;
tão sem destinos,
como se tivessem perdido a cor.

Foi depois que vi
e senti,
a luz dos meus olhos
grudada nos olhos
do teu amor!...
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Trova de
NÁDIA ELISA SANCHES HUGUENIN
Nova Friburgo/RJ (1946 – 2008)

Em busca da liberdade
propus fugir dos teus braços,
e, por castigo, a saudade
aprisionou-me em seus laços.
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Poema de
CRIS ANVAGO
Lisboa/ Portugal

O teu encanto

Tudo em ti é beleza
mesmo nas horas de tristeza
és um ser simples e natural
Fazes tudo com paixão
Tens uma força visceral
que me arranca o coração
Já não és só poema és canção!

Deslumbras quem te conhece e,
sem saberes, até parece que és tu
que todos queres conhecer

Tens ímã no sorriso
e a luz nos teus olhos
são botões de rosa
que espalhas aos molhos
pelos que por ti passam
nem tens noção do bem que fazes
e, quando te elogiam
ficas sem saber qual a razão

Quando falas, as tuas palavras
são gotas de água fresca
que caem em cascata
refrescam a mente mais sombria

Tu nunca és noite és sempre dia

Sempre motivas quem se cruza contigo
És conselho sem saber e abrigo
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Trova de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Areias

Areias do meu tempo de criança
é mais do que saudade... é só doçura...,
é algo que me alegra com lembrança
que não se apaga mais, nem desfigura!

Os casarões por toda a vizinhança,
recordavam os tempos de fartura...
Seu povo, apesar da vida mansa,
sonhava com evolução futura...

E foi assim, que após setenta anos
de a ter deixado, com meus desenganos,
fui revê-la e... qual minha surpresa!

Enquanto fiquei velho e já alquebrado...
Areias remoçou por todo lado
e está quase vibrante. E uma beleza!
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Trova do 
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ (1916 -1977) Santos/SP

Estrela do céu que eu fito,
se ela agora te fitar,
fala do amor infinito
que eu lhe mando neste olhar ...
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Poema de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Nado Interior

No espelho do poema
eu me reflito
metáfora de mim:
anjo & demônio

Diante do poema
eu me desnudo:
retrato em preto & branco
do que sou

No ventre do poema
eu me traduzo
diluído em palavra:
imagem & som

No escuro do poema
eu me procuro
e encontro sempre alguém
que jamais fui

Nos braços do poema
eu desfaleço
e acordo renovado:
seiva & flor.
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Trova Funerária Cigana

Como as aves que vagueiam
no seio da noite escura,
assim serão meus suspiros
sobre a tua sepultura.
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Soneto de 
EZEQUIAS DA ROCHA
Major Izidoro/ AL

O elogio de nós três 

Eu sou tu. Tu és eu. Nós dois, portanto,
somos, seremos uma só pessoa,
de forma que, quando algo te magoa
meu coração magoa-se outro tanto.

Se está cheia de um céu tua alma boa,
que ri se rio, ou chora com o meu pranto,
a vida é para mim um doce encanto,'
- um paraíso o peito me povoa.

E todas essas coisas que sentimos,
nosso Fernando, em quem nos confundimos,
sente-as , mais do que nós, logo depois;

é que o nosso bom filho, sem defeito,
perfeito como tu, como eu, perfeito,
é a soma certa, exata, de nós dois.
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Trova Hispânica de
CARMEN PATIÑO FERNÁNDEZ
La Coruña/ Espanha

Si mas que a nadie te quiero,
desgráname tu sonrisa,
sabes que de amor me muero.
Tráeme de tu mar la brisa...
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Poema de 
SONINHA PORTO
(Sônia Maria Ferraresi)
Cruz Alta/RS

Redesenhos

Deitada na fina malha
que aquece o corpo
redesenho a noite e você
marcados por carícias revoltas
envoltos no fogo do desejo

são apenas suaves lembranças
que me invadem e padeço
porque a elas falta o ardor
falta olhos para perceber.
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Trova de
ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Por ser da lista, o primeiro,
jamais entendi por que,
conquistei o mundo inteiro,
mas não conquistei você...
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Soneto de
FRANCISCO NEVES DE MACEDO
Natal/RN, 1948 – 2012

…E o amor se fez soneto

Sono esquecido, a acolho, nos meus braços,
ouço o teu respirar, lindo, ofegante,
nos seus carinhos, mil beijos e amassos,
instante lindo, não mais que um instante!

Tomo-te, assim, vasculho teus espaços,
orgasmos loucos, sonhos fascinantes!
Por tudo que fizemos, os cansaços,
se fazem adrenalina nos amantes.

Respiração… A voz que enleva a gente,
agora se faz terna, mas, ardente.
Voz que em louco prazer se faz dueto.

Onde estiver, é certo estar presente,
cada suspiro, que trará na mente,
este momento, que se fez soneto!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Da formiga ao boi colosso,
dando um chega no bacana:
– Por sorte sua, seu moço,
eu sou vegetariana!
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Soneto de
DARLY O. BARROS
São Francisco do Sul/SC, 1941 - 2021, São Paulo/SP

Estrela cadente

O palco é o céu que a vista descortina
em seu passeio, quando, de repente,
depara-se com bela bailarina,
a deslizar, esguia, reluzente…

A lua, por um palmo de cortina,
também a espia e então, infelizmente,
desaparece a etérea peregrina
que já não baila mais, à minha frente…

Para onde foi? Que fim levou a estrela?
indago de mim mesmo, sem revê-la,
frustrado e, além de tudo, arrependido

por não lhe ter de todo deslumbrado
com ela e a perfeição do seu bailado
feito, naquele instante, o meu pedido…
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Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Sofre e perdoa sem grito,
o mal que de alguém se emana,
que há outro Alguém no Infinito,
maior que a maldade humana!
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Hino de 
Ibititá/BA

Salve Ibititá, terra querida
Do tupi é teu nome derivado
Amada, abençoada toda vida
Suspenso num rochedo empolgado

Avante, Ibititá, para o progresso
Que o seu sucesso medra o teu vigor
Que o grande arquiteto do Universo
A ilumine, oh Nosso Senhor

Brava gente de sangue forte
Benquista terra, amado torrão
Tu és linda do sul ao norte
Extensa plaga, belo rincão

Salve, Ibititá, salve bandeira
Içada num mastro em apogeu
Tremulando alegre e altaneira
Acenando para o filho teu

Rochedo é o teu nome primitivo
Nenhum cativo aqui jamais passou
Liberdade e amor é o lenitivo
De um povo que na paz te consagrou

Unidos, festejemos sua história
Coesos, marchemos fielmente
Com um grito clamando em sua glória
Viva sempre, sempre alegremente.
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Trova Humorística de 
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA
São Paulo/SP

Uma receita eu preparo,
e um gato me desanima
chega perto… apura o faro…
e joga areia por cima.
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Poema de 
ALCI SANTOS VIVAS AMADO
Mimoso do Sul/ES

Será que sou trovador?

Será que sou trovador?
Se papel e lápis na mão
eu na hora da inspiração
não anotar, fica no peito uma dor.

E se anotar... dias depois
O delinear encontrar…
Fico em dúvida ao repor:
Será eu, dessa trova o autor?
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Trova premiada em Irati/PR – 2023
ALBANO BRACHT
Toledo / PR

Num conceito soberano,
toda pedra tem valor.
É, porém, o ser humano,
a joia do Criador.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A andorinha e a filomela*

Progne, a andorinha singela,
Foi ter, deixando a cidade,
A um bosque onde habitava a Filomela.
«Irmã, diz Progne, estimo vê-la bem.
Há mil anos talvez, oh! que saudade!

Desde a Trácia, que não a vê ninguém.
Pensa acaso em ficar
Neste ermo triste? — Ah! onde o encontrar
Mais grato? — Pois o encanto
Do teu divino canto
Vais consagrá-lo aos brutos animais
Ou aos rudes campónios? Ermos tais
Não são para talentos como o teu.
Volta para a cidade,
Onde luzem tuas graças imortais.
Além de que, desse feroz Tereu,
Que num ermo violou tua beldade,
Não vem este ermo a afronta recordar-te?

— Oh! não! — a Filomela respondeu.
Não! é a lembrança dessa injúria acerba
O que me impede, irmã, de acompanhar-te...
A presença dos homens a exacerba!»
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* Filomela = nome poético do rouxinol.