terça-feira, 18 de maio de 2010

Vera Iris Paternostro (O Escritor na TV: a arte de falar)



Em termos gerais, autoridades e políticos não podem deixar de levar em consideração suas aparições nos Telejornais - o poder desses programas obriga-os a terem uma preocupação a mais, e constante, nas suas atitudes do dia-a-dia.

Em termos gerais, também, autoridades e políticos estão despreparados para aproveitar o potencial de credibilidade que uma participação (entrevista coletiva, fala, presença, etc.) em um Telejornal pode conferir.

Uma presença marcante dentro de uma espaço (matéria) nos Telejornais pode se traduzir em pontos positivos, índices de aceitação e (porque não?) em mudança de opinião do telespectador. Por outro lado, a presença evasiva e inconsistente pode prejudicar mais do que a ausência no espaço dos Telejornais. É, como se diz: "faca de dois gumes" e mais até, porque a Televisão trabalha como som e imagem simultaneamente e, sem dúvida, faz deles o seu grande trunfo.

A câmera e o microfone despertam, quase sempre, uma certa insegurança no entrevistado, na medida em que ele, entrevistado, terá o rosto e a voz gravados na fita de vídeo que irá no ar. além disso, câmera e microfone revelam com uma nitidez incomparável o desempenho do entrevistado e o desenvolvimento do raciocínio no momento de explicar um fato ou tomar uma posição. Todos sabemos que as pessoas, em geral, se preocupam com suas aparições em público, e isto fica muito mais evidente no caso da Televisão.

Os nossos Telejornais têm por regra da espaço limitado às falas dos entrevistados. Diz-se que, nos telejornais americanos se um entrevistado não consegue dar seu recado em 15 segundos, ele vai ser, inevitavelmente, "cortado" da matéria ou terá sua resposta "editada", para ficar dentro do limite. Nos nossos Telejornais, esses espaço é um pouco maior - entre 20 a 40 segundos. em casos excepcionais pode ficar acima desse limite. de qualquer forma, uma fala para TV requer uma duração ideal, onde o entrevistado deve esgotar o seu assunto, com começo, meio e fim.

O que se nota, constantemente, é que nem sempre isso acontece e, na maioria das vezes, o próprio entrevistado se esquece disso. Não é um detalhe: é um fundamento básico para que a sua fala seja aceita e principalmente, assimilada pelo telespectador. Com certeza, fazer-se entender deve ser o principal objetivo de quem falar para a TV!

Falar na televisão - e se fazer entender - não é um bicho de sete cabeças. Mas é, muitas vezes, cruel e fatal. A força, a emoção, o conteúdo, a hesitação, o nervosismo, a verdade e a mentira se ampliam e repercutem de forma dinâmica e excepcional.

Não existe uma fórmula mágica para se encontrar a forma de dizer o que se tem para falar. O que existe - e pode ser relacionado - são algumas determinações de como dizer, numa tentativa de readaptar os conceitos preconcebidos de cada um. Assim, vejamos:

O que não é bom:
• - falar difícil, rebuscado ("moradores sob a égide dos traficantes").
• - começar a entrevista com evasivas (hesitar).
• - não concluir o raciocínio.
• - falar sem definições.
• - usar termos técnicos ("meso e microdrenagem").
• - usar termos específicos do meio de trabalho ("o crime tem sempre um móvel").
• - ser redundante - repetir a mesma idéia de forma diferente.
• - falas longas, com muitos exemplos e "vírgulas".
• - cometer erros gramaticais.
• - usar gírias e/ou palavras estrangeiras.
• - usar frases de efeito (chavões).
• - ser demagogo (tentar "enrolar" o telespectador).
• - ler algum papel-lembrete enquanto fala.
• - falar de forma irreverente.
• - falar de forma autoritária ("prendo e arrebento").
• - abaixar o olhar enquanto fala.
• - deixar o olhar perdido.
• - "falar sem parar", emendando frases e assuntos.
• - usar palavras de sentido duplo ("havia infiltrações na Polícia").
• - inflamar-se, exagerar nos gestos e nas expressões do rosto.
• - perder-se em considerações - iniciais e finais - além do tema principal.

O que é bom:

• - usar palavras simples, readaptar o vocabulário.
• - usar a linguagem coloquial, de conversa.
• - falar com clareza e objetividade.
• - ser conciso e sintético.
• - usar a forma direta.
• - ser acessível.
• concluir o pensamento.
• - aproveitar a entrevista para se tornar próximo do telespectador.
• - falar no que acredita para passar credibilidade e confiança.
• - ter conhecimento do que está falando.
• - falas curtas e abrangentes (esgotar o tema em pouco tempo).
• - olhar para a câmera (e não para o microfone) para a qual está falando - eventualmente olhar para o repórter. Se tiver mais do que uma câmera, procurar olhar um pouco para cada uma - pois cada uma representa um telespectador diferente.
• - falar todas as palavras com todas as letras (não comer palavras e principalmente final da frase).
• - terminar a fala e permanecer olhando para a câmera por alguns poucos segundos a mais.
• - usar termos preciso (exatos) para definir alguma coisa.
• - criar interesse no que está falando.
• - ser prudente (não falar além do que deve).
• - manter a postura.
• - justificar o ponto principal mas não se alongar em argumentações.
• - estar atento à pergunta do repórter.
• - se posicionar com clareza, quando tiver que fazê-lo.
• - usar comparações que possam ajudar a esclarecer (evitar confundir o telespectador).
• - transmitir informações consistentes.
• - criar empatia com o público.
• - ser contundente, quando necessário.
• - demonstrar com o olhar o que está sentindo.
• - falar com firmeza.
• - usar um tom de voz adequado (não falar para dentro, baixinho, como se estivesse resmungando).
• - procurar se sentir à vontade diante da câmera e do microfone.

Vale ressaltar que o hábito tornará o entrevistado mais familiarizado com a Televisão. E, vale lembrar que tudo que vai ao ar na TV é efêmero, é esquecido muito rapidamente por quem assiste - até por causa das próprias características de imediatismo e contemporaneidade do veículo. Mas, a presença no espaço dos Telejornais pode ter rendimento máximo quanto mais se assimilar os meios e os métodos. A presença no espaço dos Telejornais pode ser infinita, enquanto dure...

Fonte
Portal do Espirito. http://www.espirito.org.br/

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Arneyde T. Marcheschi (Brincando com os Sonhos)


Escrevendo em desalinho
rebusco no pensamentos
historias minhas com você
que ficaram escritas nas estrelas.
Fragmentos prateados de sonhos
perdidos no infinito da alma
confunde-se com a saudade
nesse labirinto que é o coração
Me perco nas curvas das estradas
no meio de jardins e praças
mergulhando nas nuvens
em busca do meu castelo dourado.
Revivo os dias ,as noites de
intensa magia, paixão e sedução
que vivemos lado a lado
Como num carrossel os sonhos
se perdem em meio a melodias
sustenidos e bemóis
rodopiam sobre minha mente
e vão pousar suavemente nos cometas..
Sonhos do ontem, do hoje
que permeiam minha vida
são como estrelas matutinas
que deixam seus rastos prateados
no meio da via láctea
no meio de mim mesma.

Fontes:
http://blig.ig.com.br/acmpalavrasversos/

Folclore Português : Distrito de Coimbra (Lenda do Milagre das Rosas)



Esta é uma das mais conhecidas lendas portuguesas que enaltece a bondade da rainha D. Isabel para com todos os seus súbditos, a quem levava esmolas e palavras de consolo.

Conta a história que um nobre despeitado informou o rei D. Dinis que a rainha gastava demais nas obras das igrejas, doações a conventos, esmolas e outras acções de caridade e convenceu-o a por fim a estes excessos. O rei decidiu surpreender a rainha numa manhã em que esta se dirigia com o seu séquito às obras de Santa Clara e à distribuição habitual de esmolas e reparou que ela procurava disfarçar o que levava no regaço.

Interrogada por D. Dinis, a rainha informou que ia ornamentar os altares do mosteiro ao que o rei insistiu que tinha sido informado que a rainha tinha desobedecido às suas proibições, levando dinheiro aos pobres. De repente e mais confiante D. Isabel respondeu:

"Enganais-vos, Real Senhor. O que levo no meu regaço são rosas..."

O rei irritado acusou-a de estar a mentir: como poderia ela ter rosas em Janeiro? Obrigou-a, então, a revelar o conteúdo do regaço.

A rainha Isabel mostrou perante os olhos espantados de todos o belíssimo ramo de rosas que guardava sob o manto. O rei ficou sem palavras, convencido que estava perante um fenômeno sobrenatural e acabou por pedir perdão à rainha que prosseguiu na sua intenção de ir levar as esmolas. A notícia do milagre correu a cidade de Coimbra e o povo proclamou santa a rainha Isabel de Portugal.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt
IMagem = http://cafecomhistoria.zip.net

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte I



1. No princípio era o “ai”

Onde e quando os nossos ancestrais começaram a falar? Sabe-se lá... O certo é que o primeiro Adão e a primeira Eva já nasceram equipados de um aparelho fonador que lhes permitiria articular palavras. Nasceram dotados também de inteligência e criatividade. Nasceram, enfim, com aquilo que se convencionou chamar de “competência” para o “desempenho” da comunicação através da “linguagem”. Vai daí que um dia, em algum lugar, um deles emitiu o primeiro sinal significante, muito provavelmente uma interjeição; um “ai” talvez, indicativo de prazer ou de dor. Depois do “ai”, deve ter murmurado o “ei”, o “ih”, o “oh”, o “ui”... E Evas e Adões passaram a dar nome às coisas: fruto, peixe, pombo, água (os substantivos) – na língua deles, claro; e a dar nome às qualidades: grande, pequeno, doce, amargo (os adjetivos); e a dar nome às ações: andar, subir, pescar, comer (os verbos). Depois inventaram os conectivos, e formaram frases, e mais frases, e outras mais. E nunca mais pararam de tagarelar.

Sabe-se, porém, que as comunidades primitivas eram nômades: esgotadas as fontes de alimento numa região, mudavam-se dali e formavam novas aldeias. Sabe-se também que o “crescei e multiplicai-vos” foi sempre levado muito a sério; e não é difícil deduzir que as famílias, multiplicando-se, acabavam se dispersando: um grupo ia para o norte, outro para o sul, e assim por diante. Não havendo meios de transporte e comunicação, as novas comunidades perdiam o contato umas com as outras.

Com isso, a suposta língua original (se é que houve uma só) foi aos poucos se transformando. Cada novo agrupamento criou novas palavras, alterou a pronúncia de outras, e de mudança em mudança o mundo chegou a ter, em determinado momento da história, algo em torno de 10 mil línguas. Hoje, segundo dados recentes, 2.796 línguas são ainda faladas na Terra (além de não se sabe quantos dialetos). As línguas dividem-se em 12 grandes famílias. O português pertence à família indo-europeia, juntamente com o francês, o espanhol, o italiano, o romeno, o alemão, o escandinavo, o inglês, o russo, e vários outros idiomas, entre os quais também o sânscrito, o grego e o latim.

Entretanto, graças aos atuais recursos de comunicação e transporte, as distâncias estão sendo anuladas, e a tendência é inverter-se a babel. Além disso, a própria dinâmica da vida moderna impõe a existência de uma língua universal. Houve tempo em que de certa forma esse papel foi cumprido pelo latim. Muitos ainda acreditam ser possível fazer do esperanto o idioma geral. Mas o que se percebe mesmo é o inglês tomando conta do planeta. Dentro de mais uns 30 anos, gostemos ou não, todos os povos serão bilíngues: cada habitante de cada lugarinho da aldeia global usará sua língua nativa para falar com os íntimos... e a língua universal para conversar com o restante do mundo...

Fontes:
- A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010.
- Imagem = http://g1.globo.com

Euclides Bandeira (Poesias Escolhidas)


PREDILETO

É o tipo que me encanta, o louro. De relance
Nos enche de ouro fluido as pupilas surpresas...
Não Esse, para aflar as emoções burguesas,
Que anêmico flavesce idílios em romance.


É o flamante, o galhardos.. O louro de proezas
Ruivas ao sol, chispando áscuas, raios, nuance,
Que eletriza e que cega! O louro, enfim, que avance
Ao supremo fulgor de pupilas acesas!

Freme-se ao vê-lo; há nervo, há vibração, há francas
Aleluias de luz! — labaredas de sândalo
A se evolar... No azul umas volutas brancas...

— Por tudo isso eu o quero e por ser tão escol
O ouro que te esplendora, ó Rúbia! ó flor de escândalo!
Ainda me tremem na alma umas réstias de sol...

AUSÊNCIA

Recresce, arpoante e funda, a saudade cruel.
Corri ela foi meu sol, partiu minha risada!
Cada dia que passa é uma gota de fel
que se me infiltra na alma e a põe envenenada.

Mais larga a ausência, mais a lembrança dourada
resplandece, espertando emoções em tropel:
o riso, o gesto, a voz; boca a boca soldada,
os seus beijos febris que eram de fogo e mel...

Claro perfil de luz, louro encanto irradiando
o revérbero astral de flavescente véu
que dourava o meu sonho e o verso decadente.

Onde estás? interrogo. E a mágoa cresce quando
sinto tudo em silêncio em torno. .. O próprio céu
misterioso e azul, como os olhos da Ausente...

Fontes:
Péricles Eugênio da Silva Ramos. Poesia Simbolista (Antologia). São Paulo: Melhoramentos, 1965.

Euclides Bandeira (1877 – 1948)


Nascido em Curitiba, em 22 de novembro de 1877, Euclides da Mota Bandeira e Silva cursou a Escola Militar da Praia Vermelha, da qual foi desligado por motivo da sedição de 1895. Fez-se então jornalista em seu Estado, e colaborou nas várias revistas do simbolismo paranaense. Euclides Bandeira faleceu em Curitiba, no ano de 1948.

Um dos patronos do Centro Paranaense de Letras — ao lado de Emiliano Perneta, e só isso bastaria para mostrar a alta consideração que merece na sua terra natal — é Euclides Bandeira.

Dele assegurava Emiliano Perneta, em 1903, que fazia "o verso de hoje, com esse vago olor de simbolismo, com esse rebuscamento raro e torturante, com essa loucura de perfeição inatingível"...

BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

Heréticos, Curitiba, 1901;
Ditirambos (com pseudônimo), Curitiba, 1901;
Velhas Páginas, Curitiba, 1903;
Versos Piegas (com pseudônimo), Curitiba, 1903;
Ouropéis, Curitiba, 1906, e Prediletos (poesias escolhidas), Curitiba, Tip. da liscola de A. Artilïccs, 1940.

Raimundo Carrero (Escritor só existe quando publica?)



Não adianta: é o olhar do público que faz uma obra existir

Gaveta de escritor vive entulhada. Isto é, gaveta no sentido tradicional, porque há hoje um arquivo no computador que revela as inquietações, indecisões e acertos de quem ainda espera escrever – ou já escreveu, quem sabe? - uma obra-prima louvada, aclamada, respeitada. Há exemplos históricos de grandes autores que permaneceram anônimos em vida e foram celebrados depois de mortos. É o caso de Kafka. Em vida, publicou apenas um livro – A metamorfose – e pediu ao amigo Max Broad que queimasse os romances, novelas e contos que havia guardado. É claro que ele não atendeu.

Outros escrevem diários que, na verdade, são anotações de leituras, críticas de filme, conversas e, por que não?, insultos. Muitos vêm a público, no caso de Leite Filho, por exemplo, e outros ficam nas gavetas até que sejam transformados em diários. Não foi assim com Pedro Nava. Ele redigiu cadernos inteiros e só depois de 60 anos é que começou a transformá-los em romances. Ou memórias. Aplaudidas e consagradas. E existem aqueles que no fim da vida rasgam tudo, jogam fora ou tocam fogo. Poderia, então, ser chamado de autor aquele que escreve no silêncio da madrugada e depois esconde, alimentando a solidão? Só é autor aquele que publica? A resposta para todos esses casos é positiva: todos são autores, escritores, escrevinhadores. O exercício da escrita independe de divulgação. Mesmo quando não há leitores ou se o leitor exclusivo está ali sempre por perto – a esposa, um filho, um amigo.

No tempo do mimeógrafo, ou até da xérox ,era bem difícil publicar. O ineditismo tornava-se sempre muito grande. O lendário Teatro Popular do Nordeste, de Hermilo Borba Filho, reunia, nos anos 1960, muitos e muitos poetas para espetáculos, recitais, apresentações, mas a maioria era formada de inéditos. Precisavam do teatro e do restaurante para a divulgação dos seus textos políticos, sobretudo. Os tímidos permaneciam silenciosos e, é claro, silenciados. Às vezes pelo medo da exposição, às vezes pela questão política. Muitos deles escreveram centenas de páginas, ardiam de desejo para mostrá-las. Ficavam bêbados, marcavam horário para declamações e sumiam. Sumiam sempre. Ainda hoje esperam por oportunidade.

De uns anos para cá, surgiu a figura do blogueiro – aquele que faz anotações e artigos, além de contos, digamos, breves novelas, que são lidas por milhares e nunca, jamais, chegam a se transformar num livro. Livro? O que é isso mesmo? Ainda que exista o livro de papel, capa , ilustrações, orelhas e tudo, outras formas tecnológicas estão surgindo: o e-book, por exemplo. Editado, o livro eletrônico abre uma dificuldade: para entrar na Academia Brasileira é preciso que o escritor tenha publicado, pelo menos, um livro. E agora? Livro eletrônico é livro mesmo ou apenas um produto técnico, sem possibilidade de julgamento?

Escritor sofre!

Fonte:
Pernambuco. Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado. n. 46

Folclore Indigena (Irapuru, o Flautista)


Certo jovem, não muito belo, era admirado e desejado por todas as moças de sua tribo por tocar flauta maravilhosamente bem. Deram-lhe então o nome de Catuboré, (flauta encantada).

Entre elas, a bela Mainá conseguiu o seu amor; casar-se-iam durante a primavera. Certo dia, já próximo do grande dia, Catuboré foi à pesca e de lá não mais voltou. Saindo a tribo inteira à sua procura, encontraram-no sem vida à sombra de uma árvore, mordido por uma cobra venenosa.

Sepultaram-no no próprio local. Mainá, desconsolada, passava várias horas a chorar sua grande perda.

A alma de Catuboré, sentindo o sofrimento de sua noiva, lamentava-se profundamente pelo seu infortúnio. Não podendo encontrar paz pediu ajuda ao Deus Tupã. Este então transformou a alma do jovem no pássaro Irapuru, que mesmo com escassa beleza possui um canto maravilhoso, semelhante ao som da flauta, para alegrar a alma de Mainá.

O cantar do Irapuru ainda hoje contagia com seu amor os outros pássaros e todos os seres da Natureza.

Fontes:
Covil do Orc
- Imagem = http://edukbr.com.br

domingo, 16 de maio de 2010

Antonio Carlos Teixeira Pinto (Niterói em Trovas)


Eu não consigo, alvorada,
de forma alguma entendê-la:
A cada flor despertada,
ter de morrer uma estrela.

Preso o cinzel ao cotoco
de braço que lhe restava,
o grande Artista barroco
morria... enquanto criava!

Quem pelas costas me agride
não terá duras respostas,
pois meu único revide
é de novo dar-lhe as costas!

Tinha no olhar tanto brilho,
tal força nos firmes passos,
que não carregava um filho:
- levava o mundo em seus braços!...

Não pude conter o riso,
quando ouvi que um deputado
tinha o crânio ainda mais liso
que bolso de aposentado.

Depois de muitas andanças,
de percorrer tantos portos,
vou recolhendo esperanças,
para ancorar sonhos mortos!

Não posso culpar a vida,
se meu sonho se perdeu...
Mas ... como achar a saída...
se o labirinto sou eu?

De certa caça ele guarda
saudosa recordação,
pois, hoje, a sua espingarda
aponta só para o chão!

Se tu jamais foste minha,
se nunca fui teu, também,
posso ir só, que irás sozinha...
ninguém perde o que não tem!

No verão, a magricela
vai à praia e diz-se a tal...
Mesmo um "palito"... e banguela,
só usa "fio dental"!

É o outono !... A amendoeira
em breve estará despida.
- Também, de certa maneira,
vou me despindo da vida !

Não dou revide ao seu gesto,
por esta simples razão:
- pesa bem mais que o protesto
a leveza do perdão!

Mantém-te sempre disposto
para o trabalho. Aproveita,
porque o suor do teu rosto
fará crescer a colheita!

Luiz Otávio, eu me lembro...
Friburgo em maio, como era:
- jamais esperou setembro,
para entrar na primavera !

Luiz Otávio... um instante.
Em que ponto estarei certo:
- Tu não moras tão distante,
ou o céu ficou mais perto ?!

Só vendo, no dia a dia,
as discussões que forjamos...
Mas, quando volta a harmonia,
meu Deus, como nos amamos!

Que saudade da zoeira
que a criançada fazia...
Harmonia verdadeira
era aquela ... e eu não sabia!

Pode a cultura ser vasta
e, no entanto, nada ser.
Saber - por saber - não basta:
Cumpre aplicar-se o saber!

Em busca de uma paixão,
Mergulhei no mar da vida,
e hoje até minha ilusão
está desaparecida!...

Minha mãe não teve escola,
sempre a lutar, noite e dia,
mas a vida lhe deu cola
de toda a sabedoria!

Pode a cultura ser vasta
e, no entanto, nada ser.
Saber - por saber - não basta:
Cumpre aplicar-se o saber!

O saber sempre busquei,
e, nessa ingente escalada,
quanto mais pensam que eu sei,
mas eu sei que não sei nada...

Faltou-me talvez coragem,
e, por medo de chorar,
não abri sua mensagem.
- E ela queria voltar...

Em Friburgo, a natureza
Reflete, no seu perfil,
A majestosa beleza
Da Suíça, no Brasil!

A noivinha vaporosa
fita o noivo e se atordoa:
- De um pijama cor-de-rosa
não vai sair coisa boa..."

Chega o casal ao hotel ...
Em pauta - extenso programa.
E a noiva: -É lua-de-mel;
sem essa de pôr pijama!"

"- Minha vida é um livro aberto!"
diz ela, abrindo o pijama.
E o maridão, muito esperto:
- Eu adoro ler na cama!"

Ao voltar antes da hora,
acha a mulher se benzendo...
nem percebe que, lá fora,
seu pijama sai correndo!

Nossas letras iniciais,
no centro de teu coração,
também são restos mortais
de um carcomido portão!

O abandono era patente,
no abraço da solidão:
- duas voltas de corrente
num velho e tosco portão...

Era aqui! Lembro-me bem...
Ainda é o mesmo portão.
"Cuidado! Vem vindo alguém"
-E eu soltava sua mão!

Olho o portão ... vejo as horas
nem sei há quanto te espero,
ansioso - porque demoras,
sofrendo - porque te quero!

Seu adeus, naquela hora,
revelou-a para mim:
- quem quer de fato ir embora
não bate o portão assim!...

Durante o pagode inteiro,
foi aquele repeteco:
ela - agitando o pandeiro;
e eu atrás... no reco-reco!

Num pagode, ao se vingar,
Colou na sogra o lembrete:
"Se acaso o bumbo estourar,
podem baixar-me o cacete!"

Num pagode, já manhã,
a tal louraça , desnuda,
provocou: "Segura o tchan"
Ih ! Foi um deus-nos-acuda!

A velha zombou da estafa,
no pagode que houve aqui,
mas, na dança-da-garrafa,
só rebolou na UTI...

Quando o pagode abafou
a ladainha da missa,
um fiel esbravejou:
- Por Deus que eu chamo a "puliça"!

Nosso amor é um retrocesso,
pelo orgulho que nos cega:
- eu desejo... mas não peço;
ela quer... mas não se entrega.

Numerólogo incomum,
a todo instante alardeia
ser o maior "um-sete-um"
que passou pela cadeia...

O regime é semi-aberto
um modelo de prisão...
- Gente! Ali, quem for esperto,
não deixa a cadeia, não!

Cumprida a pena, o coitado,
cuja mulher é bem feia,
suplicava ao delegado:
-"Deixa eu ficar na cadeia!"

Passou na cadeia um mês...
E, com saudades da cela,
veste-se, hoje, de escocês
e pôs grade na janela.

A cadeia é moderninha,
mas, segundo o carcereiro,
se é pra ladrão de galinha,
devia ter mais poleiro.

Minha mão trêmula, erguida,
o dilema em cada face,
acenava, em despedida,
pedindo que ela voltasse!

No meu dilema componho
o temor de outros fracassos :
- Não sei se a levo no sonho,
ou se a carrego em meus braços !

Como dói estar sujeito
ao dilema que me assalta
ter que expulsar do meu peito
quem ao meu peito faz falta !

Do meu dilema sorrias,
tornando sombras em luz,
mas os braços que me abrias
eram mesmo a minha cruz!

Eu creio que ninguém vai
no meu dilema dar jeito,
pois a lágrima que cai
está vazando é do peito !

Para escolher meu caminho,
não houve dilema algum;
senti pedras, muito espinho,
mas, no amor, isso é comum!

Do seu dilema infeliz
as consequencias recolho,
que eu fui apenas um xis,
na indecisão de uma escolha !

Eis o dilema que aflora,
ante esse amor, que não nego:
sigo a razão - vou-me embora,
ou o coração - e me entrego...

Quando os sonhos são pequenos,
não resta dilema algum;
tu foste um amor a menos,
e eu fui apenas mais um.

Eu trouxe tanta saudade,
tanta saudade deixei,
que há um dilema de verdade:
será que eu vim, ou fiquei ?!

O boêmio está coberto
da mais perfeita razão:
- a saudade anda por perto,
quando escuta um violão!...

Assumo, cabeça erguida,
qualquer vitoria ou fracasso,
porque, no curso da vida,
o destino... eu mesmo traço!

Num enterro de segunda
Houve tanta confusão
que uma parte de Raimunda
foi por fora do caixão...

Aceito a tua vitória,
mas, amargando o revés,
jamais te darei a glória
de me curvar a teus pés!

Enfrentando a escuridão
eu li, à luz de lanterna,
que o beco não dava mão.
Mas... como! Dava até perna!

Fonte:
UBT Juiz de Fora/MG
Foto = Praia de Icarai, em Niterói

Artur de Azevedo (De Cima para Baixo)



Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria. Este, como se movido por uma pilha elétrica, poucos instantes depois estava em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão.

— Estou furioso! — exclamou o conselheiro; — por sua causa passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador!

— Por minha causa? — perguntou o diretor-geral, abrindo muito os olhos e batendo no peito.

— O senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado!

— Que me está dizendo, Excelentíssimo?...

E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida:

— É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi...

— É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o seu oficial-de-gabinete!

Dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu:

— Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial. Ouvi palavras tão desagradáveis, proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade, que dei a minha demissão...

— Oh!...

— Sua Majestade não a aceitou...

— Naturalmente! Fez Sua Majestade muito bem.

— Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado.

— Peço mil perdões a Vossa Excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. — O acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que não se reproduzam fatos desta natureza.

O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo:

— Bom! mande reformar essa porcaria!

* * *

O diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras. Chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3ª seção, que o encontrou fulo de cólera.

— Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Ministro!

— Por minha causa?

— O senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado! — E atirou-lhe o papel, que caiu no chão.

O chefe da 3ª seção apanhou-o, atônito. Depois de se certificar do erro, balbuciou:

— Queira Vossa Senhoria desculpar-me, Sr. Diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e tudo tão urgente!...

— O Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si!

— Não era caso para tanto.

— Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta!

— Eu... Vossa Senhoria...

— Não o suspendo. Limito-me a fazer-lhe uma advertência, de acordo com o regulamento.

— Eu... Vossa Senhoria...

— Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria!

* * *

O chefe da 3ª seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto:

— Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. diretor-geral!

— Por minha causa?

— O senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado!

E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense.

— Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês. Limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! O que eu teria ouvido, se o Sr. diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração!

— O expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi...

— Ainda o confessa!

— Fiei-me em que o Sr. chefe passasse os olhos...

— Cale-se!... Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!...

— Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta...

— Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!...

* * *

O amanuense obedeceu. Acabado o serviço, tocou a campainha e apareceu um contínuo.

— Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe da seção!

— Por minha causa?

— Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa, o que me levou a omitir o nome do nomeado.

— Foi porque...

— Não se desculpe! Você é um contínuo muito relaxado! Se o chefe não me considerasse tanto, eu estaria suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se!

— Mas...

— Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz. Eu poderia queixar-me de você!...

* * *

O contínuo saiu dali, e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da Secretaria.

— Estou furioso! Por sua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas!

— Por minha causa?

— Sim. Quando te mandei ontem buscar na portaria aquele papel imperial, por que te demoraste tanto?

— Porque...

— Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes? Porque, no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro, estás no olho da rua. Serventes não faltam!...

O preto não redargüiu.

* * *

O pobre diabo não tinha ninguém abaixo de si, em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois do jantar, sem vontade, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremento pontapé no seu cão.

O mísero animal, que vinha alegre dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés.

O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe da seção, pelo diretor-geral e pelo ministro!...

Fonte:
Maravilhas do conto humorístico. SP: Cultrix, 1961.

Ademir Demarchi (Livro de Poesias)


NIETZSCHE POR UM ÁTIMO

nietzsche por um átimo
do alto da escarpa mirando as pedras
encobertas pela névoa
mais uma vez desgarrou-se do mundo
e sentiu-se pegureiro de nuvens
pastando no ar do abismo

tal como ele, o pastor lá embaixo
sentado na grama mas com o olhar
atravessado etéreo seus pequenos animais,
teve deles a visão de serem nuvens,
pequenas nuvens no pasto ôntico e ótico

ORIENTE PRÓXIMO

após a senha a sanha do prover vizir
e suas mônadas páginas nômades
o deserto eternamente móvel
eletroniza-se nos grãos/bits de areia
miragens informacionais
dunas moventes de dados gélidos
oásis-sites
cameloe-mails
cimitarras in time
incenses tolos
vestais virtuais
e sedutores portais

O HIPOGRIFO SOBRE O TÚMULO

o hipogrifo súbito agitou as asas
alçando vôo de sobre o túmulo
em direção ao céu desejando-o seu

abaixo de seu corpo, apontando pelas garras
uma imensa calma de lápide
vasta manta no horizonte visto e vasto

não aceita a sina de triste monumento
voando tenta libertar-se de seu jugo de ornamento

determinado em vão em vôo persiste
imagem que paira presa sobre outra ampliada
imantando todos os túmulos num único espanto

A RÃ DE BASHÔ

velha lagoa cristalizada
de bashô salta a rã
na paisagem estilhaçada

AMAZÔNIA
in memoriam

descansa em paz
no chão
e nos móveis da sala

MISSA

morto presente
vivos ausentes

POR ENTRE OS TÚMULOS

passeio
distraído
por entre os túmulos

às vezes noto perdido
alguém que carrega
o próprio corpo
por sobre os ossos
de todos os mortos

AFINAL, MAIS UM NEGÓCIO

o homem
é o único animal
que armazena seus mortos

e faz disso um negócio
======

Fontes:
Demarchi, Ademir. Passeios na floresta. Porto Alegre: Ébilis, 2008
Demarchi, Ademir. Os mortos na sala de jantar. Santos, SP: Realejo Livros & Edições, 2007

Ademir Demarchi (1960)


Ademir Demarchi nasceu em Maringá, em 7 de abril de 1960, e reside em Santos há 15 anos, onde trabalha como redator.

Formado em Letras/Francês, com Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1997), foi editor da revista Babel, de poesia, crítica e tradução, com seis números publicados de 2000 a 2004.

É autor de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do PR, 2002); Volúpias (poemas, Florianópolis: Editora Semprelo, 1990); Espelhos incessantes (“livro de artista” com poemas do autor e gravuras de Denise Helena Corá, edição dos autores, Santos: 1993; exposto no Museu da Gravura em Curitiba no mesmo ano); Janelas para lugar nenhum (poemas, com linoleogravuras de Edgar Cliquet, edição dos autores, Santos: 1993; lançamento feito em Curitiba, no Museu da Gravura, no mesmo ano).

Além desses trabalhos, o autor tem também poemas, artigos e ensaios publicados nos livros Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná; 18 Poetas Catarinenses – A mais nova geração deles (ed. e org. Fábio Brüggemann, FCC Edições/Editora Semprelo, 1991); Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e Passeios na Floresta (Editora Éblis, Porto Alegre, 2008).

Publica também em periódicos como Literatura e Sociedade (São Paulo, USP); Medusa (Curitiba); Coyote (São Paulo), Oroboro (Curitiba), Jornal do Brasil/Idéias; Rascunho (Curitiba); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos); Sebastião (São Paulo); Los Rollos del Mar Muerto (Buenos Aires, Argentina) e sites, entre eles, as revistas eletrônicas Germina, Agulha, El Artefacto Literario, Tanto e Critério.

Fonte:
http://cdeassis.wordpress.com/

sábado, 15 de maio de 2010

Trova 146 - Lothar Bazanella (São Paulo)

Glória Marreiros (Livro de Poesias)

Pintura de J. P. Martins Barata
E DEPOIS DO AMANHÃ?

E depois do amanhã, que se aproxima
em laudes que transmitem minhas rezas,
talvez que eu veja estrelas sempre acesas
na extrema-unção do brilho que me anima…

E seja um campo santo, noutro clima,
onde as palavras se ouçam, sempre ilesas,
e com sons que tilintam sobre as mesas
que citam o sabor da minha rima.

Há esperança, incerteza, no futuro
do meu sonho, que aspira por ser puro
nas cores dum matiz que esmoreceu…

há-de fazer-se luz na minha treva
e o céu dirá ao sol para que escreva
que, depois do amanhã, existo Eu!
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POEMA DOS SONHOS

Olhando o teu rosto, senti que veneras
o sonho perfeito da vida que tenho.
Comandas minha alma, contigo sustenho
os tons anilados que inventam quimeras.

Tapaste os meus seios com mãos de outras eras,
beijaste os meus lábios com força e empenho,
com âmbar e tinta fizeste o desenho
que embala meu corpo com mil primaveras.

E trazes nas veias poder, sedução,
a raça dum povo que tem coração
e crê que a esperança jamais é perdida.

Eu vi que tu eras o elo perfeito
que abraça este rio que corre em teu peito,
poema dos sonhos, que são minha vida!
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DIGNO EXEMPLO
Dedicado aos meus AMIGOS: Drª Maria José Fraqueza e Sr. Rui Fraqueza nas suas Bodas de Ouro. (24 de Janeiro de 2010)

Venero o vosso exemplo, a vossa luz,
e sinto-me pequena, ante a grandeza
do vosso imenso amor e da pureza
que faz lembrar a paz que há em Jesus.

Foi há cinquenta anos. Faz-se jus
à Zezinha e ao Rui que, com firmeza,
puseram suas vidas sobre a mesa,
onde um círio aceso inda reluz.

O céu desceu à terra neste dia,
com lírios de louvor e de magia
e os anjos ajoelham com fervor.

Desfolho o vosso livro, onde contemplo
o sonho de seguir o vosso exemplo,
mas não sei se consigo tanto amor!...
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SONHANDO NATAL

Criança parida do ventre que tenho
tu guardas no peito pedaços de amor,
canções de luar desprovidas de cor,
e beijos que falam na dor que sustenho..

Suplicas Natal com ternura e empenho;
e queres de mim o poder do calor
que exala esperança, emitindo o fulgor
da chama atiçada p’la cruz do meu lenho.

Se um dia soubesses o quanto te amei…
as lágrimas soltas, tombadas, sem lei,
caindo no rosto, formando um caudal…

Dirias: que mãe é ter sempre um sacrário
aberto ao amor, desfiado em rosário,
com filhos lá dentro, sonhando Natal.
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TESTAMENTO

Minha alma morreu. E deixou-me sem trono.
Não teve suspiros de alguém a chorar,
coberta com laivos da luz do luar,
e ungida com óleos das chuvas de Outono.

Eu vi-a partir nas memórias dum sono
profundo e submerso em procelas de mar,
sedenta do fogo que emerge dum lar
que faz da paixão meretriz, sem ter dono.

Agora, sozinha, no átrio do espanto,
apenas matéria me envolve este pranto
que agita pedaços de amor e tormento.

Eu fui ao notário, que às vezes me acalma,
fiel dos haveres que tinha minha alma,
mas ele me disse: Não há testamento!
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ÚLTIMO SONETO

Não forces o soneto, a emoção.
Deixa que saia livre, em fantasia.
A espera, lentamente, o acaricia
como à mais rara flor, ‘inda em botão.

Deixa nascer o sol da inspiração,
abre as asas da alma, em euforia,
e voa sobre o céu que te inebria,
depois, deixa falar o coração.

Teu último soneto será mar
e terra sobre a luz do teu olhar,
no fogo que, em mim, nunca esmoreceu.

Falará de amor, ódio, de vaidade,
da dor e sofrimento que te invade,
no fim, fala da escrava que sou eu!
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A CASA

Desmoronou-se, em dor, aquela casa
que parecia ser antiga e forte.
Agora, ali, prostrada à sua sorte
agoniza no gelo onde se abrasa...

Quem passa não se importa que ela jaza
por terra, espezinhada pela morte.
Ninguém recorda a linha do seu porte,
deixá-la, assim, tombada em campa rasa.

Dos alicerces gritam vozes de alma,
em febril tempestade que se acalma,
querem saber do corpo que era seu.

Agora está no chão, eu sempre soube
que era frágil, erguida só de adobe,
a casa... sombra e cinza que sou eu.
===============

CONCLUSÃO

Eu procurei o mundo, ao desvario,
na ânsia de encontrá-lo num poema.
Queria que ele fosse a vida, o tema,
a correr no meu peito, como um rio.

Queria-o majestoso, amplo de brio,
anunciando a luz, clara e suprema,
duma paz duradoira, aonde o lema
fosse amor, saciando o meu vazio.

Nesta minha procura desmedida,
teci sonhos e ninhos sobre a vida,
para amparar a dor, em manhã calma…

Mas quando o sol se fez uma ilusão,
cheguei, por fim, à dúctil conclusão
que o mundo trago-o eu dentro da alma!

Fonte:
Varanda das Estrelícias

Glória Marreiros



GLÓRIA MARREIROS, de seu nome completo Maria da Glória Duarte Marreiros José, nasceu em Monchique/Portugal, onde passou a infância e parte da sua juventude, tendo fixado residência em Portimão já há alguns anos.

Filha do conhecido poeta popular monchiquense Inácio Marreiros, foi ainda na infância que a sua inspiração poética se revelou.

A sua sensibilidade apurada encontrou na prática da religião católica a satisfação de se devotar ao serviço dos outros. Foi catequista e, pelas suas qualidades de liderança e de facilidade de comunicação, desempenhou as funções de Presidente da Ação Católica em Monchique.

Em 1988 publicou o seu primeiro livro, ROCHEDO DE SOLIDÃO, que logo recebeu os maiores encómios da crítica dos jornais “Jornal de Arganil”, “Postal do Algarve”, “A Voz de Olhão”, “Algarve Região” e “Folha do Domingo”.

Em 1991 começou a colaborar em jornais. Do Algarve, nos “Vila de Estômbar” e “Postal do Algarve”; de Lisboa, no jornal nacional “Poetas & Trovadores” e na conhecida revista “Turis Moda”, aparecendo com trabalhos seus ao lado de nomes famosos, como Dr. Alberto João Jardim, Dr. Mota Amaral, Engº Kruz Abecassis, Engº Aguiar de Carvalho, Engº Carlos Pimenta, Elísio Neves, Francisco Camilo, Dr. Barroso da Fonte e João Leal.

Tem participado em muitos Encontros de Poesia, em diversas partes do País. Poemas seus estão incluídos em diversas Antologias, entre elas, IV e V ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA Contemporânea, ANTOLOGIA DA POESIA FEMININA ALGARVIA e colectâneas, como POETA É O POVO nº 1, da Algarve em Foco Editora, POETA É O POVO nº 2, da APPA, MÃOS DADAS, da Editorial Poetas & Trovadores, COLECTÂNEA DE POESIA, do INATEL (1995), POETAS MAIÚSCULOS, do “Jornal da Amadora”, etc.

Foi autora da letra de uma das canções premiadas no III Festival da Canção Juvenil das Festas de Santa Catarina, na Praia da Rocha, tendo sido convidada no ano seguinte para fazer parte do júri desse Festival. Foi também membro do júri do VIII Festival Internacional da Canção Infantil, organizado pela Junta de Freguesia de Portimão, em 1992.

Publicou mais livros de poesia: DANÇAR NA TEMPESTADE, em 1993, EMBALAR A MÁGOA, em 1996, SILÊNCIO DO RISO (1998), TERRA DE NINGUÉM, em 2004, COLAR DE PÉROLAS, em 2006 (Prêmio Literário Paul Harris-2006), EMOÇÕES EM TERRA DOCE, em 2008, e BAILADOS SECRETOS EM NOITES DE LUZ, em 2009. David Mourão Ferreira fez um elogio manuscrito num dos seus sonetos.

Deu entrevistas em rádios sobre a sua obra poética e obteve, por todo o País, várias centenas de prêmios literários em Jogos Florais, nas modalidades de Crônica, Ensaio, Conto e Poesia. Prefaciou vários livros.

É membro da Associação dos Jornalistas e Escritores do Algarve e da Academia Antero Nobre.

Fonte:
Varanda das Estrelícias

Aparecido Raimundo de Souza (Mãe)


(Minha mãe, para mim, é e sempre será o Maior Amor Espiritual (Caderno de Segredos).

Dia das Mães desfilam poetas de todos os cantos do Brasil que homenagearam as suas mães. Vamos começar pela encantadora Silviah Carvalho (de Curitiba, no Paraná) que escreveu estas palavras simples, mas de significado profundo para a Autora de seus dias:

“... Mãe, nome semelhante ao amor,
um “erre” a mais, um “til” que sobrou,
hoje no seu dia, todos se levantam para uma homenagem;
mas poucos, na verdade, lhe direcionam o merecido valor,
como o vento sibilando nas folhas em cálida aragem...

Seu amor, Mãe, é universal – não existe nada igual.
Defende sua prole pondo em risco a própria vida,
ao tempo que nutre um sentimento diferente - chega a ser magistral.
Nos seus braços nenhum filho deixa de ter guarida
e aquele carinho do fundo da alma – único, especial.

Mãe de muitas mães – igualmente querida,
todo dia deveria ser seu, porque nos legou a vida...
E, junto, o respeito, a obediência, o amor e cuidado.
Para nós, seus filhos, o melhor tesouro guardado,
Não deveria, jamais, permanecer no tempo, esquecida.

Sua nobreza – vejo estampado em seu semblante,
sei que o seu amor é acima de tudo mais importante.
Não importa aonde cada um de nós esteja como eu, agora, afastada, distante,
Mas sei - me sente aí, como se estivesse ao seu lado!

Ainda que por todos incompreendida,
Maltratada pela vida e também por quem gerou,
Seu coração grandioso o perdão sempre espalhou...
Ah, mãe, se não fosse por você, o que seria da nossa lida?

Deixo aqui, mãe amada, estas palavras simples, como uma canção,
da sua filha (e dos demais), ainda que não esteja ninguém sentado à sua volta.
Amor, mãe, nem sempre é se fazer presente – ou melhor é se sentir ausente, carente...
Vivendo esse agora nas batidas descompassadas do seu coração:
no fundo, mãezinha fica mais forte e pujante, o calor da emoção!...”;

Esta poesia pode ser vista em “Recanto das letras” (www.silviah.net).
***

A baiana Neuzamaria Kerner também se faz presente e verseja:

“... Ao nascer
a mãe o recebe nos braços
e lhe é dito:
- Tome, é teu, mas cuidado que vôa!
A mãe abrirá os braços
o cobrirá com abraços
e suas asas crescerão.
O menino passarinho passará a pássaro adulto
e voará,
mesmo sem salvo conduto.
Pensará que é pássaro-gigante e
dono do mundo quer se tornar.
Continuará voando
aquém e além dos mares
sozinho ou em pares
e a mãe sempre o aguardando
sempre orando em sua solidão
sem saber se seu passarinho
voltará um dia, ou não”

(do livro “Fragmentos de Cristal” Neuzamaria Kerner).
***

“Optar por um filho é decidir em dado momento ter o seu coração caminhando fora do corpo para sempre”.
(Elisabeth Stone citada por David Cruz Vitória Espírito Santo, em seu livro Fragmentos – Crônicas e Sonetos).
**

Ser mãe

1
Quando todos te condenarem
quando ninguém te escutar,
ela te escuta e perdoa,
por ser mãe – é perdoar!
2
Quando todos te abandonarem
e ninguém te queira ver,
ela te segue e procura
pois ser mãe – é compreender!
3
Quando todos te negarem
um pão, um beijo, um olhar,
ela te ampara e acarinha
por ser mãe – sempre é se dar!
(José Guilherme de Araujo Jorge, do Estado do Acre)
***
Mãe

A oração que eu rezo,
todos os dias,
ao acordar...

Suave
presença,
idílio constante,
no meu caminhar...

Mãe,
minha estrela guia,
a maior alegria
meu doce sonhar!...

Meu futuro,
meu agora,
minha luz brilhante no escuro,
meu anjo eterno, a me guiar

Fontes:
Colaboração do Autor
- Desenho: Maurício de Souza

Conte a sua história no projeto Ler é Bom, Experimente!



Nasce o Blog do Ler é Bom, Experimente! no ano em que o projeto comemora dez anos e cem mil alunos participantes.

Nos muitos anos do projeto “Ler é Bom, Experimente!”, várias são as manifestações de professores e estudantes narrando como foi a sua participação no projeto. Essas experiências e acontecimentos agora podem ser relatados no Blog do projeto que nasce com a proposta de troca de conhecimentos entre alunos, professores e demais pessoas envolvidas com o projeto.

Esse espaço na WEB será um canal de informação e discussões de temas abordados nas obras e ações de incentivo à leitura, aplicadas nas escolas. Local de compartilhamento de histórias interessantes que ocorreram na sua escola, casa, na sua vida, por conta do projeto Ler é Bom, Experimente!.

O Blog do “Ler é Bom, Experimente!” nasce tendo como primeiro tópico a abertura de espaço para que você professor e o seu aluno contem como foi a sua participação, as atividades desenvolvidas e o resultado no estímulo à leitura.

Com o tópico "Conte a sua história no projeto Ler é Bom, Experimente!" queremos saber a sua história, como aluno e professor, e torná-la conhecida para outros participantes do projeto e visitantes do blog.

O espaço é seu! Participe e estimule o seu aluno a participar, contando a sua história no projeto, comentando sobre os tópicos ou textos de outros participantes.

O endereço do blog é: www.lerebomexperimente.com.br/blog

Fonte:
Colaboração de Laé de Souza

Anonimo (O Homem, seu Cavalo e seu Cachorro)



Um homem, seu cavalo e seu cão, caminhavam por uma estrada.

Depois de muito caminhar, esse homem se deu conta de que ele, seu cavalo e seu cão haviam morrido num acidente.

Às vezes os mortos levam tempo para se dar conta de sua nova condição... A caminhada era muito longa, morro acima, o sol era forte e eles ficaram suados e com muita sede.

Precisavam desesperadamente de água.

Numa curva do caminho, avistaram um portão todo magnífico, todo de mármore, que conduzia a uma praça calçada com blocos de ouro, no centro na qual havia uma fonte de onde jorrava água cristalina.

O caminhante dirigiu-se ao homem que numa guarita, guardava a entrada.

- Bom dia, ele disse.
- Bom dia, respondeu o homem.
- Que lugar é este, tão lindo? ele perguntou.
- Isto aqui é o céu, foi a resposta..
- Que bom que nós chegamos ao céu, estamos com muita sede, disse o homem.
- O senhor pode entrar e beber água à vontade, disse o guarda, indicando-lhe a fonte.
- Meu cavalo e meu cachorro também estão com sede.
- Lamento muito, disse o guarda. Aqui não se permite a entrada de animais.

O homem ficou muito desapontado porque sua sede era grande. Mas ele não beberia, deixando seus amigos com sede.

Assim, prosseguiu seu caminho. Depois de muito caminharem morro acima, com sede e cansaço multiplicados, ele chegou a um sítio, cuja entrada era marcada por uma porteira velha semi-aberta. A porteira se abria para um caminho de terra, com árvores dos dois lados que lhe faziam sombra.

A sombra de uma das árvores, um homem estava deitado, cabeça coberta com um chapéu, parecia que estava dormindo:

- Bom dia, disse o caminhante.
- Bom dia, disse o homem.
- Estamos com muita sede, eu, meu cavalo e meu cachorro.
- Há uma fonte naquelas pedras, disse o homem e indicando o lugar. Podem beber à vontade.

O homem, o cavalo e o cachorro foram até a fonte e mataram a sede.

- Muito obrigado, ele disse ao sair.
- Voltem quando quiserem, respondeu o homem.
- A propósito, disse o caminhante, qual é o nome deste lugar?
- Céu, respondeu o homem.
- Céu?
- Mas o homem na guarita ao lado do portão de mármore disse que lá era o céu!
- Aquilo não é o céu, aquilo é o inferno.

O caminhante ficou perplexo.

- Mas então, disse ele, essa informação falsa deve causar grandes confusões.
- De forma alguma, respondeu o homem. Na verdade, eles nos fazem um grande favor. Porque lá ficam aqueles que são capazes de abandonar até seus melhores amigos...

Fontes:
- http://www.bilibio.com.br/mensagem/51/O+Homem+seu+Cavalo+e+seu+Cachorro.html
- Desenho de autoria de Berega.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Maria do Carmo Ferreira (Retrato Falado)


(para o Targos, in memoriam)

Cachorrinho peralta
de onde vem você
sem fada-madrinha
sem anjo-da-guarda
sem estrela-guia
sem breve & brevê?

Cachorrinho pernalta
tipo S.R.D.
mais pra vira-lata
que pra pequinês
e a cauda emplumada
em chapéu tirolês.

Cachorrinho pintado
a dedo a pincel
preto branco preto.
Onde a tinta acaba
como sobrancelhas
dois pingos de mel.

Cachorrinho da breca
treloso malcriado
travesso fujão.
Tão sem cerimônia
me abanando o rabo.
Tão sem proteção.

Cachorrinho frajola
todo serelepe
sem isto de medo.
Num salamaleque
saltou da coleira
mais ágil que coelho.

Cachorrinho risonho
como aconteceu?
Não foi de verdade
(nem passa por sonho)
foi tão de repente
(mentira, eu abono!)

que você morreu!

Fonte:
"Jogos Florais & Animais" (livro infantil de poemas) in http://www.blocosonline.com.br/sites_pessoais/sites/lm/cao/lmcpo05.htm

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Martha Medeiros (Saudade)

Fonte:
Foto e montagem de José Feldman

Raduan Nassar (Aí pelas Três da Tarde)


(para José Carlos Abbate)

Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares a sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo "ciao" ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o decoro (o seu decoro, está claro), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome em seguida no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobrem a boca com a mão enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado) e se achegue depois, com cuidado e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá ao fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa em que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.

Fonte:
NASSAR, Raduan. "Menina a caminho", Companhia das Letras - São Paulo, 1997.

Raduan Nassar (1935)



Raduan Nassar nasceu em 27 de novembro de 1935, em Pindorama, cidade do interior do Estado de São Paulo, filho de João Nassar e Chafika Cassis. Seus pais haviam se casado em 1919 na aldeia de Ibel-Saki, no sul do Líbano e em 1920 imigraram para o Brasil. Seu pai junta-se a parentes que já estavam aqui e se inicia no ramo do comércio, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Em 1921 mudam-se para a cidade de Itajobi, no Estado de São Paulo.

Mudam-se, em 1923, para Pindorama, cidade vizinha de Itajobi, e lá seu pai abre uma venda, que posteriormente seria transformada em uma loja de tecidos, a Casa Nassar.

Pelas mãos da parteira Rosa Conca, na casa da família em Pindorama (esquina da Rua 15 de Novembro com 1º. de Maio), nasce Raduan, sétimo filho de João e Chafika (antes, haviam nascido Violeta, Rosa, Norma, Uydad, Raja e Rames; depois viriam Rauf, Leila e Diva — todos ainda vivos.

Em 1943 o autor inicia seus estudos no Grupo Escolar de Pindorama. Expansivo e de ótima memória, Raduan é freqüentemente chamado para recitar poesias nas datas comemorativas, mesmo com sua dificuldade em pronunciar corretamente o "r" fraco. Segundo ele, neste ano tem "uma das melhores alegrias da infância" de que se lembra, ao ganhar um casal de galinhas-de-angola do pai.

Torna-se coroinha em 1946, após dois anos do início de sua fase de fervor religioso que o levava a ir à missa todos os dias para comungar. Neste ano, sentado na varanda de sua casa, livra-se definitivamente do "trauma" do "r" fraco, ao tentar decorar o Hino à Bandeira (cantando inúmeras vezes o verso "Salve lindo pendão da esperança").

No ano seguinte inicia o curso ginasial na vizinha cidade de Catanduva e começa a trabalhar com o pai. Para facilitar a ida dos filhos à escola, João Nassar muda-se com a família para Catanduva em 1949. Nesta época Raduan tem uma coleção de pombas — que foram citadas em seu romance Lavoura Arcaica — que acabará deixando em Pindorama quando da mudança.

Em 1950, durante uma aula na quarta série do ginásio, Raduan sofre a primeira das sete convulsões que sofreria nos dois dias seguintes. O diagnóstico alarmista e incorreto de um médico — que chegou a mandar isolar sua casa — seus pais decidem levá-lo para São Paulo em um avião-ambulância. Lá é tratado por um neurologista, tendo retornado da crise com amnésia parcial e passa a ter um comportamento introvertido. Debilitado, não consegue concluir o ano letivo.

No ano seguinte reinicia seus estudos, tendo como professora de português sua irmã Rosa. Orientado por ela, começa a ler clássicos brasileiros como parte do currículo escolar. Com sua assistência também, faz consideráveis progressos no aprendizado da língua, em âmbito familiar.

Em 1952 inicia o curso científico em Catanduva, ao mesmo tempo em que começa a criar peixes em um tanque que ele mesmo constrói no quintal de casa.

Buscando sempre facilitar a vida escolar dos filhos, João Nassar resolve transferir-se para São Paulo, em 1953. A família se instala no bairro de Pinheiros, zona oeste da capital paulista, na Rua Teodoro Sampaio, 2.173. No mesmo local, João Nassar abre um armarinho, o Bazar 13, que anos depois viria a se tornar uma empresa comercial de expressão naquela cidade. Raduan trabalha ao lado do pai durante o dia e conclui o segundo ano do científico no curso noturno do Instituto de Educação Fernão Dias Pais, situado também em Pinheiros.

No ano seguinte troca o científico pelo curso clássico, mais voltado para a área de Ciências Humanas, e conclui o colegial na mesma escola.

Em 1955 ingressa ao mesmo tempo na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e no curso de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). No segundo semestre abandona o curso de Letras. No curso noturno de Direito, conhece Hamilton Trevisan, procedente de Sorocaba (SP), e com aspirações literárias.

No segundo ano, Trevisan apresenta o escritor a Modesto Carone, outro sorocabano, que acabara de ingressar na Faculdade de Direito. Modesto também tinha projetos definidos no terreno da literatura. Como Raduan já começasse a manifestar suas primeiras preocupações nesta área, as conversas entre os três passam a ser dominadas por temas literários.

Em 1957 Raduan ingressa no curso de Filosofia da USP. Era o sexto entre os irmãos a freqüentar a mesma faculdade. Na Faculdade de Direito conhece José Carlos Abbate, um paulistano que acabaria se tornando um de seus melhores interlocutores. Inseparável, o grupo de quatro amigos começa a se encontrar com regularidade na Biblioteca Mário de Andrade e na biblioteca da Faculdade de Direito, onde discute autores e obras e faz boa parte de suas leituras. Também se tornam comuns as noitadas em salões de snooker e bares do centro velho da cidade.

No ano de 1958 interrompe praticamente o curso de Filosofia ao restringir sua freqüência a uma disciplina (Sociologia). No ano seguinte, decidido a dedicar-se integralmente à literatura, abandona o curso de Direito (estava no último ano) e atende só com trabalhos ao curso de Estética na Faculdade de Filosofia.

Falece João Nassar, em 1960, após oito anos de enfermidade. No ano seguinte o escritor desliga-se dos negócios da família. Escreve o conto "Menina a caminho". Viaja para Matane, no Canadá francês, onde viviam duas tias, irmãs de seu pai. De lá segue como imigrante para os Estados Unidos, onde permanece por apenas dois meses.

De volta ao Brasil, em 1962, retoma o curso de Filosofia. Reaproxima-se dos irmãos, com quem passa a ter ótimo diálogo, muito embora lhes fale de seus projetos literários.

Concluído o curso de Filosofia, em 1963, no ano seguinte viaja para Lüneburg, interior da Alemanha Ocidental, a fim de estudar alemão. Através de cartas de amigos e de familiares, toma conhecimento do golpe militar de 31 de março. Comunica ao Departamento de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP sua decisão de não assumir a assistência da cadeira de Psicologia Educacional no campus de São José do Rio Preto daquela instituição. Ao mesmo tempo, abandona o curso de alemão e decide voltar para o Brasil. Antes disso vai ao Líbano e conhece a aldeia de seus pais.

Começa, em 1965, na Chácara Tapiti, em Cotia, São Paulo, a se dedicar à criação de coelhos. Ernst Weber, que mais tarde se dedicaria, como ele, ao jornalismo, era seu sócio. No ano seguinte Raduan passa a presidir a Associação Brasileira de Criadores de Coelho, ocasião em que promove uma concorrida exposição de coelhos e pássaros no Parque da Água Branca. Continua, no entanto, a se encontrar com o grupo de amigos da Faculdade de Direito, na casa de Hamilton Trevisan, onde discutem política e literatura.

Em mutação constante, encerra a criação de coelhos e funda, com os irmãos, em 1967, o Jornal do Bairro, contando com a participação ativa de José Carlos Abbate, que era o redator-chefe da publicação, e de Ernst Weber, então iniciando sua carreira no jornalismo. Apesar de regional, o jornal dedicava parte de seu espaço a textos referentes à política nacional e internacional.

O escritor faz, em 1968, as primeiras anotações para o futuro romance Lavoura arcaica. Dois anos depois escreve a primeira versão da novela Um copo de cólera e os contos O ventre seco e Hoje de madrugada.

Em 1971 morre sua mãe, Chafika, segundo ele "criadora de mão cheia" de galinhas e perus. Dela lhe veio o gosto por criação de animais. Apesar de não ter fé religiosa, participa em 1972 da leitura comentada que a família faz do Novo Testamento. As reuniões semanais para este fim se entendem ao longo de quase todo o ano. Ao mesmo tempo, ele retoma as leituras do Velho Testamento e do Alcorão (esta iniciada em 1968). A preocupação com temas religiosos irá mais tarde se refletir de modo acentuado em Lavoura arcaica. Escreve Aí pelas três da tarde, que sai como matéria no Jornal de Bairro e anos depois aparecerá republicado como conto em outros veículos.

Em 1973 conhece a professora Heidrun Brückner, do Departamento de Línguas Germânicas da USP, que viria a se tornar sua companheira.

No ano seguinte, por discordar da mudança editorial no Jornal de Bairro, deixa em abril a direção do semanário, que tirava 160 mil exemplares por edição. Sem alternativa imediata, começa a escrever Lavoura arcaica, trabalhando dez horas por dia, até concluí-lo, em outubro. Seu irmão Raja, formado em direito e licenciado em filosofia, é o primeiro leitor dos originais. À revelia de Raduan, Raja tira duas cópias do romance e decide passá-las para amigos. Uma dessas cópias acaba chegando às mãos de Dante Moreira Leite, ex-professor de Raduan na Faculdade de Filosofia, que encaminha os originais à Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro.

Em 1975, com a ajuda financeira do autor, a José Olympio publica Lavoura arcaica.

O livro ganha, em 1976, o prêmio Coelho Neto para romance, da Academia Brasileira de Letras, cuja comissão julgadora tinha como relator o crítico e ensaísta Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde). Recebe, ainda, o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (na categoria de Revelação de Autor) e Menção Honrosa e também Revelação de Autor da Associação Paulista de Críticos de Arte — APCA.

Em 1978 a Livraria Cultura Editoria, de São Paulo, publica Um copo de cólera. A novela recebe o prêmio Ficção da APCA.

Em 1982 sai a edição espanhola de Lavoura arcaica, pela editora Alfaguara, de Madri. Segunda edição do mesmo livro pela Nova Fronteira, do Rio de Janeiro.

A Editora Gallimard, da França, lança Lavoura arcaica e Um copo de cólera num só volume, em 1984. A segunda edição de Um copo de cólera é publicada em São Paulo pela Editora Brasiliense (a 3a. edição sairia em 1985 e a 4a. em 1987). Raduan compra a Fazenda Lagoa do Sino, em Buri, sudeste do Estado de São Paulo e passa a se dedicar integralmente à produção rural. Morre o amigo Hamilton Trevisan, cujo livro de contos, O bonde da filosofia, seria publicado em março de 1985 pela Global Editora, de São Paulo. Numa entrevista ao "Folhetim", suplemento do jornal Folha de São Paulo, Raduan deixa claro que abandonou a literatura: no mesmo número, o jornal publica o conto O ventre seco.

Em 1987 a editora Suhrkamp lança o livro Lateinamerikaner über Europa, uma coletânea de ensaios e depoimentos de escritores latino-americanos sobre a Europa, organizada por Curt Meyer-Clason, que inclui A corrente do esforço humano, de Raduan Nassar.

A revista espanhola El Paseante publica, em 1988, os contos Aí pelas três da tarde e O ventre seco (o primeiro seria publicado ainda na Folha de São Paulo em1989 e o segundo, também neste ano no Jornal do Brasil).

Sai a terceira edição de Lavoura arcaica, em 1989, pela Companhia das Letras, de São Paulo, hoje em sua quarta reimpressão.

Em 1991 é publicada pela Suhrkamp, de Frankfurt, a edição alemã de Um copo de cólera. A segunda edição sai neste mesmo ano.

1992 marca a quinta edição de Um copo de cólera, pela Companhia das Letras, de São Paulo, hoje em sua segunda reimpressão.

Comemorando os 500 títulos da Companhia das Letras, é feita uma edição não-comercial de Menina a caminho.

José Castello, jornalista voltado para livros e autores, teve publicado em 1999 o livro "Inventário das Sombras" (Editora Record - Rio de Janeiro, pág.173), no qual traça o perfil de diversos escritores. Autor de "O Poeta da Paixão", "O Homem sem Alma", "Na Cobertura de Rubem Braga" e "Uma Geografia Poética", assim vê o escritor Raduan Nassar (parte):
(...)
Atrás da máscara
"Nós buscamos outras realidades porque não sabemos
como desfrutar da nossa; e saímos de dentro de nós mesmos
pelo desejo de saber como é o nosso interior."

Montaigne

Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da literatura para criar galinhas. Trocou a criação estética, que é complexa e desregrada, pela mecânica suave da avicultura, e parece muito satisfeito com isso, tanto que, resistindo a todos os apelos, se recusa a voltar atrás em sua decisão. Meteu-se assim em uma situação embaraçosa na qual o exterior (a figura do escritor) e o interior (o ato de escrever) se confundem, armadilha em que, de modo mais discreto, todos os escritores de alguma forma estão presos, e que não chega a configurar uma escolha, mas um destino. Raduan abandonou a ordem do verbo, que está sempre contaminada pelo vazio e pelo espanto, para retornar à ordem natural dos animais, que é mais silenciosa, mas também mais previsível. Ovos, poedeiras, rações, pequenas pestes podem ser controlados; a escrita, não.

O sucesso de seus dois primeiros livros, Lavoura arcaica e Um copo de cólera, parece ter excedido em muito aquilo que Raduan esperava de si, e, ultrapassado pela própria obra, ele tomou a decisão de recuar. O sucesso, em seu caso, tornou-se uma carga: ele é aquele que não suporta vencer e, assim que a vitória se configura, precisa fracassar para se tornar menos infeliz. Restou a sombra de algo intolerável, a literatura, que, vista sem as pompas da reputação e da fama, tem a aparência de uma emboscada. Escrever não é só seguir uma rotina, manter-se atento e cumprir as regras dos manuais.

Mas por que terá Raduan, ao tomar a decisão de abandonar a literatura, conservado para si a imagem de escritor? Por que terá resolvido ser um homem com duas sombras — uma do escritor consagrado, outra do sujeito que desistiu de ser escritor? Raduan não é um Rimbaud, que, ao resolver que a escrita não o interessava mais, virou a página de sua biografia e, trocando de máscara, foi viver como um mercenário na África. Ao contrário, mesmo desistindo da literatura, ele não deixou de se apresentar, quase obstinadamente, como um escritor militante. Raduan é, ninguém tem dúvida, um grande escritor. Por isso, a solução que deu a seu impasse chega a parecer, às vezes, mentirosa. Quem estará dizendo a verdade: o Raduan que desistiu da literatura e se tornou só um homem silencioso com suas galinhas, ou o Raduan que, mesmo sem escrever, insiste em se ver como um escritor?" (...)

OBRAS DO AUTOR
1. Editadas em livro:
- Lavoura arcaica (romance), 1975
- Um copo de cólera (novela), 1978
- Um copo de cólera / Lavoura arcaica, 1980
- Menina a caminho (conto), 1994
2. Em periódicos nacionais e estrangeiros:
- Aí pelas três da tarde (conto), Jornal de Bairro, São Paulo, 16/02/72
- idem, El Paseante, Madri, Siruela, dez. 1988
- idem, Folha de São Paulo, São Paulo, 21/01/89
- O ventre seco (conto), Folha de São Paulo, São Paulo, 16/12/84
- idem, El Paseante, Madri, Siruela, dez. 1988
- idem, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18/03/89
- Eustáquio Gomes - Notas à margem de Um copo de cólera (ensaio), in —, Ensaios Mínimos, Pontes/Editora da Univ.Estadual de Campinas UNICAMP, 1988.
- Afrânio Coutinho e J. Galante Sousa - Enciclopédia de LiteraturaBrasileira, Oficina Literária Afrânio Coutinho, Rio de Janeiro, 1990
- Brésil: Les belles étrangéres, Paris, Ministère de la Culture et de la Communication, 1987
- La Literature Brésilienne, Paris, L'o&il de la Lettre Groupment de Libraries, 1987
CINEMA:
- Um copo de cólera. Roteiro. Por Aluizio Abranches e Flávio R. Tambelllini, 1995.
- Lavoura Arcaica. Direção e roteiro de Luiz Fernando Carvalho, estrelado por Seltom Mello, Leonardo Medeiros, Simone Spoladore, Raul Cortez e Juliana Carneiro da Cunha. Fotografia de Walter Carvalho. Trilha sonora:Marco Antônio Guimarães. Prêmios: Melhor Contribuição Artística - Festival de Montreal - Canadá - 2001; Prêmio Especial de Júri: Festival de Biarritz - 2001; Prêmio do Público: 25a. Mostra BR de Cinema - São Paulo - 2001; Prêmio Ministério da Cultura - Festival Rio-BR 2001.
Fontes:
- José Castelo - Inventário das Sombras , Editora Record, Rio de Janeiro, 1999, "Atrás da Máscara"
– Cadernos de Literatura Brasileira. Instituto Moreira Salles. Edição 2. Setembro dr 1996.
– Retrato: Revista Veja. 30 de julho de 1997.

Raduan Nassar (O escritor em Xeque)



Entrevista concedida à Revista Veja, em 30 de julho de 1997.

É um caso curioso, o do escritor paulista Raduan Nassar. Há 21 anos ele tenta fugir da literatura, mas de tempo em tempo acaba enrolado em relançamentos, homenagens e leituras públicas de obras suas. Foi o que aconteceu nos últimos meses. Autor de apenas dois livros, o romance Lavoura Arcaica e a novela Um Copo de Cólera, além de alguns contos publicados aqui e acolá, Nassar, fazendeiro de profissão, é venerado pela crítica literária como um dos melhores escritores brasileiros. A unanimidade a favor é tanta que ninguém percebeu que a ligeira recaída do autor, o conto "Mãozinhas de seda", escrito no ano passado, não é nada mais do que uma "molecagem", como ele próprio o define. Antes de viajar para o Oriente Médio, em companhia do diretor Luiz Fernando Carvalho, que prepara um filme baseado em Lavoura Arcaica, Nassar concordou em falar a VEJA, superando a sua aversão a entrevistas. Ele reafirma que não pretende voltar à literatura e aproveita para verter seu copo de cólera sobre essa tal modernidade.

Veja -- O brasileiro é essencialmente caipira, como acredita o presidente Fernando Henrique Cardoso?

Nassar -- O brasileiro em geral não sei, que não sou sociólogo, mas posso falar de mim. Me sinto caipira se acontece de eu entrar num shopping. Me sinto caipira diante da parafernália eletrônica. Me sinto caipira diante da desenvoltura urbana de certos cidadãos, uma desenvoltura que literalmente me faz mal. Me sinto caipira diante da progressiva impessoalidade nas relações humanas. Me sinto caipira porque sou contra o desperdício e contra essa nova mania do usa-e-joga-fora. Tenho um amigo que vive me dizendo que, se é para ter rádio, eu deveria trocar o meu. Então, também sou caipira por ainda gostar de rádio e por ter o rádio que sempre tive. Agora, se eu disser que não dispenso logo cedo uma boa horinha de música caipira, aí já vão dizer que, se não sou o Jararaca, sou então o Ratinho. Pensando bem, acho que sou o Jararaca. Seja quem eu for, que fique bem claro que me lixo para essa entidade que se identifica com o que está aí e que porta o elegante nome de "homem moderno", que mais parece griffe de moda. Mesmo quando se tranca no banheiro, esse homem está sempre de celular no ouvido, o que é o fim da picada. Aproveito para repetir o que o Carlos Drummond de Andrade disse há uns quinze anos nestas mesmas páginas amarelas: isso não é civilização, isso é uma porcaria!

Veja -- Por que o senhor voltou a publicar e está aparecendo em público?

Nassar -- Meu nome vem circulando nos últimos meses, mas isso não quer dizer que eu tenha voltado a escrever. Literatura para mim é coisa do passado. Não acredito que se possa recuperar aquele impulso vital que leva alguém a mergulhar de cabeça numa atividade. Depois que se perde isso, a gente tem mais é que cair fora. Não se faz literatura para valer com paixão requentada. Mesmo a literatura mais pessimista, aquela que afirma que o nosso mundo é o pior dos mundos, acaba até se desmentindo pelo entusiasmo com que se expressa. Já disseram que a voz sem entusiasmo jamais será ouvida.

Veja -- Mas o seu conto "Mãozinhas de seda" foi escrito no ano passado.

Nassar -- Aquilo foi uma molecagem.

Veja -- Por quê?

Nassar -- Uma molecagem contra mim mesmo, pois dá seqüência à minha inequívoca vocação para o suicídio autoral, como já disseram. No momento em que o seu trabalho está sendo divulgado como nunca, publicar um texto como esse é o mesmo que fazer um esparramo com o ventilador. A hipocrisia de intelectuais, a troca de favores entre eles, o comércio de prestígio, tudo isso não acontece só no Brasil. Não revelei nada de novo em "Mãozinhas de seda", só registrei o que é consenso entre os próprios intelectuais. Os mais inseguros e suscetíveis ficaram ouriçados, começaram a achar que a coisa é com eles, mas o texto não tem endereço certo, não tem CEP, nem nada.

Veja -- Mas não há notícia de crítica ruim a um livro seu. É bom ser unanimidade?

Nassar -- Duvido dessa suposta unanimidade dos críticos. Devem existir inúmeros leitores que não gostam dos meus livros.

Veja -- O que o senhor acha da crítica literária brasileira atual?

Nassar -- Não sei se as gerações de críticos anteriores foram tão melhores, como dizem. Às vezes penso que a crítica literária seria dispensável. Já aconteceu de eu ler autores incensados por críticos de peso e me sentir um completo débil mental por não conseguir enxergar tudo aquilo que eles viram. Acho impressionante essa capacidade de construir edifícios teóricos sobre o nada. Devemos tirar o chapéu para tanta imaginação. A crítica talvez seja importante para divulgar obras que poderiam passar despercebidas, embora a duração de certos livros dependa muito mais do boca-a-boca de leitores anônimos qualificados.

Veja -- As panelinhas literárias fazem parte do jogo ou dá para evitá-las?

Nassar -- Nunca participei de panelinhas, e prefiro não falar nada sobre o seu comportamento. Me limito a lembrar que a Rua Aurora dos velhos tempos em São Paulo, clássica por seus bordéis, seria um templo em comparação a elas.

Veja -- O fato de ter abandonado a literatura não o teria transformado em um personagem fascinante?

Nassar -- Abandonei o curso científico e pulei para o clássico, abandonei um curso de letras na universidade, o curso de direito no último ano, a empresa familiar assim que meu pai faleceu. Abandonei ainda uma criação de coelhos, o jornalismo e outras coisas mais. Tudo somado, só levei a pecha de inconstante. Por que só quando abandonei a literatura eu teria me transformado em personagem fascinante? Não é esquisito?

Veja -- O senhor se sente mitificado pelos críticos?

Nassar -- Quem sabe? O que posso dizer com certeza é que exercício crítico e mitificação não deveriam andar juntos, embora boa parte dos críticos empregue toda sua vida e energia na construção de mitos. É um processo que vem de longe e termina nas escolas. Os autores que constam dos currículos escolares acabam desumanizados, são transformados em pequenos deuses. O resultado disso é que o próprio ato de escrever é sacralizado, quando escrever é uma atividade como qualquer outra. Pessoalmente, fui vítima desse ensino da literatura nas escolas. Tanto que fiz segredo para minha família até as vésperas de eu ser publicado -- tinha receio de que me tomassem por pretensioso. Isso sem falar do massacre que a gente sofria nas livrarias. Era eu entrar numa livraria para achar que não teria nada a acrescentar à montanha de coisas que já tinham sido ditas, o que chegava a me levar a pensar em desistir dos meus objetivos literários. Eu não me dava conta então de que escrever tem muito a ver com história pessoal, muito a ver com exorcizar condicionamentos, fantasmas, demônios e sabe-se lá mais o quê. Nesse sentido, escrever é uma atividade incomparavelmente mais acessível e eficiente do que um divã de psicanalista. Acho até que parei de escrever porque me dei alta na auto-análise que fazia.

Veja -- Como a literatura deveria ser ensinada nas escolas?

Nassar -- Não sei, só desconfio de que ela não deveria ser ensinada como vem sendo. De um modo geral, acho que os professores transferem para os alunos gostos e critérios pessoais, o que acaba formando um rebanho destinado a adorar certos nomes. Talvez se devesse treinar o aluno a pensar com a própria cabeça, a ser ele mesmo na sua relação com as leituras -- supondo-se, é claro, que o professor também conseguisse pensar com sua própria cabeça.

Veja -- Qual a função da literatura hoje, se é que ela tem alguma?

Nassar -- Para quem faz, seria se ocupar em fazer. Para quem lê, se ocupar em ler. As duas ocupações seriam bons recursos para ludibriar a existência, o que não é pouco, sobretudo se se tratar de uma literatura portadora de reflexão sobre a vida. Escritores e leitores de uma literatura assim corresponderiam à parte da espécie que não consegue se ajustar a esse mundo. Uns e outros sairiam da sua solidão na medida em que a leitura promoveria um encontro entre eles. Agora, do ponto de vista de uma função social mais ampla, não consigo enxergar nada com clareza. Pode até ser uma grande inutilidade.

Veja -- O senhor vai ao cinema e ao teatro?

Nassar -- Há muitos anos não vou ao cinema e nem me lembro da última vez que fui ao teatro. Em parte por preguiça, mas sobretudo porque perdi o interesse. Não me faz falta. Acontece de eu ver um filminho em vídeo, mas é raro, e gosto quando vejo. Acho que existe uma oferta exagerada do que chamam de bens culturais. Como as informações passam por produto de maior valor no mercado, isso explica por que existe tanta gente de língua de fora atrás de um grande número delas. Me pergunto se as pessoas são mais felizes assim. Torço para que sejam.

Veja -- E televisão?

Nassar -- Vejo um bocado de TV, talvez por comodismo. Assisto a telejornais e acompanho novelas. No momento, estou começando a engatar em A Indomada. Vi Renascer, por exemplo, com muito interesse. Seu autor, Benedito Ruy Barbosa, se não estivesse na televisão, suponho que estaria escrevendo romances. Boa parte dos bons ficcionistas está hoje na televisão. Curto muito o trabalho de atores, e o Brasil tem alguns excelentes. Falar do Raul Cortez, como Berdinazi em O Rei do Gado, é incorrer num lugar-comum. Gosto também do trabalho daquele jovem, o Selton Mello, que teve seu melhor desempenho em Tropicaliente, com momentos antológicos. Agora, como televisão, o que mais me pegou nesses últimos tempos foi o Brasil Legal, da Regina Casé. A zorra das suas reportagens acaba em um milagre incrivelmente saboroso.

Veja -- Qual foi o último livro que o senhor leu?

Nassar -- Ficou difícil ler alguma coisa nos últimos anos por causa da diarréia antidiscursiva que acabou atacando também a prosa. É uma palavra solta aqui, é outra sem qualquer nexo lá, uma poesia que uma hora é pintura, aí não já não é mais pintura, é música, é eletrônica, é o escambau. Confesso que não tenho recursos e nem paciência. Fico até me perguntando se esses poetas imaginam que o leitor deve se debruçar a vida toda sobre o que eles fazem, para poder sacar alguma coisa. Me pergunto também se não existiria algo de comum entre essa moda antidiscursiva e subnutrição mental. Continuo pensando que as palavras, como os indivíduos, só ganham força quando se organizam ao lado de outras. Mas o desmanche não vem acontecendo só na literatura e nas oficinas de carros roubados.

Veja -- Onde mais?

Nassar -- De uns anos para cá, o mundo perdeu a graça. Depois do desmanche do Leste Europeu, andaram inclusive espalhando por aí que a História também foi desmanchada. Parece que literatura e contexto político nunca andaram tão sintonizados, é desmanche para tudo quanto é lado. Desmanche de estatais, desmanche de amizades, de linguagem. Por sinal, tem poeta vestido com macacão e mecânico de oficina lendo Joyce. Ficou difícil apostar em utopias, acho mesmo que no mundo todo só se pode falar em geléia geral. Mas desconfio de que o motor da História vai se acelerar logo mais com convulsões pela sobrevivência. Afinal, este mundo não foi criado por um deus bondoso, o deus bondoso só reina de fachada -- um mundo como o nosso só pode ser obra exclusiva do capeta.

Veja -- O senhor é um produtor rural insatisfeito?

Nassar -- Não há como não me sentir insatisfeito. Fala-se muito na falta de uma política agrícola, mas tudo não passou de papo-furado até agora. Na minha opinião, a questão agrícola brasileira só será encaminhada quando for alterada a relação entre setor urbano e setor rural. O setor urbano está montado no setor rural, e de nada adiantaria uma reforma agrária sem corrigir essa distorção. Um exemplo: para beber em poucos minutos uma Coca-Cola, o produtor rural precisaria desembolsar o equivalente a 10 metros quadrados de terra. É isso mesmo: na região da minha fazenda, 1 metro quadrado de terra sai por 10 centavos. Passei a converter também em sacos de milho os valores de produtos e serviços urbanos. Você precisa de trinta sacos de milho de 60 quilos para pagar uma consulta médica de meia hora. A conversão que venho fazendo na minha vida pessoal se tornou tão obsessiva que, se vou ao dentista, logo vejo nele um pé de milho. Para não falar das margens de lucro da grande indústria e da atuação do setor financeiro. Mas vamos parar por aqui que acabo saindo do sério.

Veja -- O que o senhor gosta de fazer nas horas vagas?

Nassar -- Gostar, gostar para valer, eu gosto mesmo é de dormir. Dormir é a melhor coisa deste mundo. Nem leitura, nem diversão, nem uma boa mesa, nada se compara. Sexo então é fichinha perto. É um momento de magia quando você, só cansaço, cansaço da pesada, deita o seu corpo e a sua cabeça numa cama e num travesseiro. Ensaio, prosa, poesia, modernidade, tudo isso vai para o brejo quando você escorrega gostosamente da vigília para o sono. É o nirvana!

Veja -- E entre um nirvana e outro, o que haveria para fazer?

Nassar -- Há duas velhas sugestões. "Cultivar o seu próprio jardim", que é a do Voltaire, cínica e pessimista. E a sugestão do poeta Jorge de Lima, fervorosa e otimista: "Há sempre um copo de mar para um homem navegar". No fundo, são dois trapaceiros, pois as alternativas são ilusórias, em qualquer dos casos a gente acaba entrando pelo cano. Bom mesmo é dormir.

Fonte:
Revista Veja. Editora Abril. 30 de julho de 1997.