segunda-feira, 26 de setembro de 2011

França Júnior (Meia Hora de Cinismo)


Comédia em um Ato

(Representada sempre com extraordinário sucesso em todos os teatros do Rio de Janeiro e Estados do Brasil.)

Nota do Autor:
A Quem Ler

Duas palavras sobre aquelles que, na noite de 17 de Julho de 1861, tanto contribuíram para o bom acolhimento, e feliz successo de minha primeira composição.

Apresentando-me pela primeira vez perante uma platéa intelligente e ilustrada, dependia todo o meu futuro de artistas poderosos e eminentes, que podessem com o seu talento supprir o que a penna me negára.

Era assim que, depositando todas as minhas esperanças no Sr. Furtado Coelho e na Sr.a D. Eugênia Câmara, e nos Sr.s. Leal, Peregrino, Henrique e Joaquim Câmara, não fui iludido; e os applausos que obteve a “Meia Hora de Cynismo” vierão confirmar mais uma vez o talento brilhante dos dous primeiros artistas, e o merecimento dos outros.

Exceptuando o Sr. Furtado Coelho e a Sra. D. Eugênia Câmara, artistas superiores à todos os elogios, sem offender o merecimento dos outros, eu destacarei do grupo o Sr. Leal, que na parte de Frederico fez quanto pode fazer um actor de talento e dedicação pela arte. Oxalá receba sempre o Sr. Leal as lições d’aquelle que tanto tem contribuído para melhorar o theatro de S. Paulo, e o seu nome será em breve uma glória para o nosso palco.

O Sr. Peregrino, posto que lhe tocasse um papel de pequena importância, deixou comtudo entrever a habilidade de que é dotado.

Os Srs. Henrique e Joaquim Câmara identificarão-se perfeitamente com os typos que concebi.

Com taes soldados a victoria é certa.

Personagens Atores

Nogueira, estudante do segundo ano F. Coelho
Frederico, estudante de preparatórios Leal
Neves, estudante do terceiro ano Henrique
Macedo, dito do quarto ano Peregrino
Jacó, negociante J. Camara
Trindade, calouro Eugênia Camara
Um Oficial de Justiça não há registro

A cena passa-se em São Paulo – Atualidade.

Ato Único

O teatro representa o quarto de Trindade; ao fundo uma porta aberta e uma janela; duas portas laterais. Junto à janela um cabide com alguma roupa em desordem, uma estante com livros encostada à parede do fundo. À direita um piano, uma mesa no centro como livros espalhados, e a à esquerda uma cama com os lençóis e um cobertor encarnado em desalinho. Cadeiras, etc, etc.

Cena I
(Ao subir o pano ouve-se dentro uma gritaria infernal, na qual devem sobressair as palavras: ó calouro, ó burro, ó ladrão de galinha, ó desfrutável, etc.)

Trindade, só

Trindade (Entrando furioso pela porta do fundo.) – Berra, canalha!...Miseráveis!...Infames que assentam e desmoralizar um homem, qualquer que seja o lugar em que se ache. (Pausa: mudando de tom.) São gaiatices do Senhor Nogueira. (Voltando-se para a platéia.) Os senhores acham isto bonito? Quase todos os senhores são veteranos, pois bem; coloquem-se na minha posição, e façam idéia com que cara passa um homem pela rua sacudido por uma vaia com esta que acabo de tomar! Todas as janelas se abriram, milhares de caras às gargalhadas gritavam na minha passagem, ó burro, ó desfrutável, ó ladrão de galinhas!...Ora, senhores, chamarem burro a mim que fiz há dias uma sabatina brilhante em Direito Natural, sim, senhores, (Com expressão.) uma sabatina brilhante, brilhantíssima. Ao apelo de meu nome marcharei majestoso para o banco augusto dos eleitos, e então pela primeira vez elevei minha voz eloqüente no sagrado recinto do templo da ciência. Os senhores não foram à feijoada? Pois não sabem o que perderam. Mas ah! Qual não foi a minha desesperação, quando, depois dos parabéns e abraços dos meus colegas, vejo-me cercado nos gerais da Academia por um grupo de segundanistas que, atochando-me um barrete vermelho na cabeça, obrigaram-me a correr pelo Largo à guise de uma vítima do Santo-Ofício! Julguei-me no meio de uma horda de selvagens, de Cafres, de Hotetontes, de Antropófagos, sim, de Antropófagos, porque estava vendo a hora em que me comiam, em que me devoravam! Quis resistir; porém quatro valentes piúvas, e milhares de punhos fechados que surdiram como por encanto do grupo negro que e cercava, embargaram-me a voz na garganta, e então pela primeira vez em minha vida tremi; tremi, não o nego, mas foi de raiva. (Indo à porta do fundo, e falando para fora.) Hão de me pagar, miseráveis; hei de lhes mostrar que não se desmoraliza um homem impunemente.

Berra, canalha, que eu hei de a cacete
Rachar a cabeça de algum valentão,
Pregarem uma vaia, domingo, na rua
Num homem como eu que já tem posição!

Infames! Eu juro que a minha vingança
Cruel e terrível tremenda há de ser,
Quão pode um calouro ferido em seus brios
Eu juro, canalha, que em breve hão de ver.

Berra, canalha, que eu hei de a cacete
Rachar a cabeça de algum valentão,
Pregarem uma vaia, domingo, na rua
Num homem como eu que já tem posição!

Do sangue beber-lhes, de acre vingança.

Mas ah! Agora é que me lembro que ainda não almocei...(Puxando o relógio e vendo as horas.) Bem; ainda falta um quarto para as onze: hoje é domingo, e meus companheiros não almoçam senão lá para o meio-dia; provavelmente ainda estão dormindo, vou acordá-los. (Vai sair pela porta do lado direito na mesma ocasião em que entra Nogueira pela porta do fundo, olha meio atrapalhado para Nogueira, que ri às gargalhadas na ocasião em que ele sai.)

Cena II
Nogueira, só

Nogueira (Fumando um cigarro.) – Que impagável calouro! É pior do que uma barrica de pólvora inglesa. Não se me dá de apostar que se ele pilhasse uma pistola fazia-me alguma gracinha. Mas, coitado! Prescindindo do desfrute e de todas essas suceptibilidades próprias da posição que ocupa, é uma bela alma; fornece-me todos os dias cigarros, e ontem levou a bondade ao ponto de pagar-me um bilhete de platéia. Mas onde está essa gente? (Virando-se para a porta do lado direito.) Ó Macedo! (Voltando-se para o lado esquerdo.) Ó Frederico!

Cena III
O Mesmo, Frederico e Macedo

Macedo (De dentro.) – O que queres?

Nogueira – Vamos à prosa. (Macedo e Frederico entram pela porta do lado direito.)

Frederico (Palitando os dentes.) – Desconheci agora a tua voz: pensei que fosse o Araújo.

Macedo (Deitando-se na cama, também palitando os dentes.) – O que há de novo por aí, Nogueira?

Nogueira – O que há de novo? Pois vocês não sabem?

Macedo – Se soubéssemos não te perguntaríamos.

Nogueira (Sentando-se.) – Pois bem; vou contar-lhes. Há pouco estava eu na janela do meu quarto com o Albuquerque, o Inácio, o Martins, e mais uns quatro ou cinco colegas do Neves, que vão todas as manhãs filar-lhe o café de máquina, quando vejo sair do Largo do pelourinho, e dobrar a Rua da Glória a impagabilíssima figura do Trindade. O homem, apenas avistou-nos, veio cambaleando e tropeçando em quanta pedra encontrava pelo caminho. Descrever então o que se passou é impossível! Insensivelmente seguro em uma lata de folha que tinha debaixo de minha mesa...(Mudando de tom.) Mas entre parêntesis, vocês já almoçaram?

Frederico – Não nos vês de palito?

Nogueira (Rindo às gargalhadas.) – Que pagode: faço idéia como não estará o Trindade furioso.

Frederico e Macedo (Admirados.) – Pelo quê?

Nogueira – Pela tremendíssima hipótese de almoço que vocês lhe pregaram. O homem hoje faz um assassinato.

Frederico – O almoço estava marcado para as dez e meia horas; ele chegou depois da hora, a culpa não é nossa: queixe-se de si.

Macedo – Ora, o que é uma hipótese de almoço? Console-se comigo que já tenho tomado muitas de almoço, jantar e chá.

Frederico (Sentando-se em uma extremidade da cama em que se acha Macedo.) – Se eu contar a vocês o que se passou comigo há quatro anos, talvez não me acreditem. Estava eu nesse tempo no colégio do João Carlos, e estudava alguns preparatórios que me restavam para largar a maldita casca de bicho, casca que até hoje ainda possuo, e julgo possuirei per omnia saecula saeculorum, se Deus me der vida e saúde, quando em um belo sábado, saindo do colégio, deliberei lá não voltar senão daí a uma semana; por outra, resolvi ficar na pândega para entregar-me aos doces prazeres de uma tacada de bilhar no Lefebre, e respirar o ar puro e livre das ruas que eu só via aos domingos e dias santos. Mas desgraçadamente meus cálculos falharam, pois meti-me na noite em que saí do colégio em um malfadado lansquenet, e perdi, ainda me lembro com grande dor, uns magros dez mil réis com que procurava satisfazer todos os meus sonhos e ambições de cascabulho. Saí da tal casa leve como uma pena, sem um real no bolso, disposto já a vagar pelas ruas até que rompesse a aurora, quando encontrei-me com o Martins.

Nogueira – Quem? O Martins que é hoje meu colega?

Frederico – Mas, como ia dizendo, encontrei-me com o Martins, e conto-lhe imediatamente o ocorrido; ele solta uma risada, e diz-me que se achava nas mesmas condições, isto é, sem dinheiro, mas que entretanto morava já há dois dias (note-se que o Martins também estava fugido do colégio.) em uma casa que um estudante do 4º ano tinha deixado alugada nas férias. Introduzimo-nos na tal casa, e aí (Ah! Nem sei como o conte) passamos quatro dias a pêssegos verdes, que e ceroulas colhíamos com as nossas próprias mãos de um rafado pessegueiro que havia no quintal, como outrora a boa mãe Eva no estado primitivo colhia os frutos da árvore proibida. No quarto dia eu estava mais magro que um canivete do Capitão, e o Martins foi transportado para o colégio, por ordem do correspondente, com uma tremenda inflamação de intestinos. (Riem-se todos às gargalhadas.)

Nogueira – A poesia da nossa vida consiste nesses belos episódios. (Para Macedo.) Ó Macedo, dá-me um cigarro.

Macedo (Tirando um cigarro do bolso, e atirando para Nogueira.) – Tome, e sem exemplo. Na Rua de São Gonçalo há muito bons: mande comprar.

Nogueira (Prepara o cigarro, e tirando uma caixa de fósforos de cima da mesa, acende-o) Não duvido: porém eu prefiro os teus. (Mudando de tom.) Silêncio, que se não me engano aí vem o Trindade.

Cena IV
Os Mesmos e Trindade

(À entrada de Trindade todos olham para o teto, palitando os dentes. Trindade fica por algum tempo mudo, e para disfarçar a sua perturbação, segura em um livro que se acha em cima da mesa. Frederico, Nogueira e Macedo procuram abafar o riso.)

Nogueira (Dirigindo-se a Trindade.) – Bom dia, doutor.

Trindade – O senhor é bem ordinário, tão ordinário que não me abaixo a responder-lhe; e se não fosse atender à consideração de achar-se o senhor em meu quarto, já há muito lhe teria quebrado uma cadeira nas costas.

Nogueira – O doutor está realmente queimado! Quer que lhe vá buscar um copo com água? Sans façon, sem cerimônia.

Trindade – Senhor Nogueira, Senhor Nogueira, não me insulte que eu hoje perco-me.

Nogueira – Que mal lhe fiz eu, doutorzinho? Dar-se-á caso que, sem o saber, lhe tenha invadido a esfera jurídica?

Trindade – O senhor ainda se atreve a perguntar-me que mal me tem feito? Quando em plena rua se insulta um homem e o desmoralizam só pelo simples fato de se achar ele ainda no princípio de sua carreira; quando chama-se a um homem de burro e ladrão de galinhas, sem que ele tenha ainda revelado estupidez, nem atacado galinheiro de casa alguma, é preciso ter sangue de barata, Senhor Nogueira, para não calcar um miserável deste a pés, e encher-lhe a cara de bofetadas. (Avançando para Nogueira.)

Nogueira (Pondo uma cadeira de permeio.) – Não quer sentar-se, doutor?

Trindade – Miserável!

Frederico – Deixa-te de queimações estúpidas, Trindade, o Nogueira não tem culpa da hipótese que tomaste.

Trindade – Também você, sô gaiatão, quer divertir-se á minha custa? Vamos lá, não tem mais nada para dizer? Ora, que eu seja nesta casa debicado até por um bicho! Olhem por favor para aquela cara.

Frederico – Não é lá das piores, não é das mais feias.

Trindade – O senhor acha que eu sou o palito cá da casa?

Nogueira (Para os dois.) – Psica, psica: segura Minerva, (Para Trindade.) Pega Turbante. (Para Frederico.) Psica, psica.

Trindade – Psica, sô miserável, diz-se aos cães e cão é você que vem aqui todos os dias filar cigarros e mendigar muitas vezes objeções de Eclesiástico ao Macedo, para fazer, além de tudo, um papel ridículo na sabatina. Eu sou calouro, é verdade, porém a primeira vez que falei em público, não desonrei o meu nome nem salpiquei de lama a ilustre classe a que pertenço. Vá perguntar aos colegas que figura fez o Trindade na sabatina outro dia? E eles todos responderão – É a primeira que tem aparecido até o presente.

Frederico e Nogueira (Tocam o bitu e gritam.) – Viva o Trindade! Viva! Viva!

Macedo (Segurando no braço de Trindade, procura levá-lo para fora do quarto.) – Vai-te embora, Trindade, que tu estás te prestando à vista aqui destes senhores. (Apontando para a platéia.)

Nogueira – Deixa o calouro, Macedo, agora é que ele está começando a ficar impagável.

Trindade – Eu vou, Senhor Macedo, e acredite que se não quebro as ventas deste patife (Apontando para Nogueira.) é em consideração ao senhor. (Indo à direita.) Ó moleque, quando estes senhores saírem fecha a porta do meu quarto. (À parte.) Hei de acabar com o tal pagode.

Frederico (A Nogueira.) – Vamos para o meu quarto, antes que o Trindade quebre-nos as ventas. Além disso eu tenho que te falar.(Frederico e Nogueira saem pela porta da esquerda.)

Trindade (À parte.) – Já tenho minha resolução formada, hoje mesmo ponho-me no olho da rua, e ficarei livre dessas amolações contínuas. (Sai pela porta do fundo.)

Cena V
Macedo, só

Macedo – É hoje o dia em que tem de vencer-se essa maldita letra, e até o presente não sei o que fazer, não tenho um real, e nem sei mesmo onde buscar dinheiro para satisfazer esse compromisso de honra. Concordo que deixei-me arrastar por alguns momentos nesse turbilhão de loucuras que se me apresentou, sem pensar, nem refletir; porém quando a minha honra e o meu crédito podiam prejudicar-se, a razão falou mais alto, e então fugi. Não querendo comprometer a minha dignidade, assinei essa letra e não posso pagá-la. Oh! Malditos sejam todos esses credores! (Sai pela direita.)

Cena VI
Neves, só

Neves (Entrando pela porta do fundo, fumando um cigarro, com as mãos no bolso do chambre, passei por algum tempo distraído pela cena, senta-se em uma cadeira, e diz pausadamente.) – Que cinismo! (Sai lentamente pela porta da direita.)

Cena VII
Nogueira e Frederico (Entrando pela esquerda.)

Frederico – É o que te digo, Nogueira, hoje vence-se uma letra que o Jacó obrigou o Macedo a assinar – está portanto realmente encalacrado. Aquele maldito verdugo é capaz de fazer-lhe alguma, e eu antevejo um resultado bem funesto em tudo isso.

Nogueira – Deixa o negócio por minha conta, e verás como se trata um credor de estudante. Acredita, Frederico; um credor de estudante é o animal mais covarde que pisa o solo de São Paulo: com quatro gritos e meio abranda-se e humilha-se como o mais inocente cordeirinho. E então este que foge de um estudante atrevido, como o diabo da cruz! Além disso o Macedo é filho-família, e em face da nossa legislação não é responsável pelas dívidas que contrai; se quiser pagar é somente para salvar a sua dignidade.

Frederico – E tu sabes qual é a Ordenação que trata disso para lermos ao Jacó, quando ele vier?

Nogueira – Não, porém é o mesmo: improvisa-se qualquer Ordenação, e ele engolirá a pílula com a mesma facilidade com que qualquer de nós engole uma das do Etchecoin. Deixa o negócio por minha conta e verás.

Frederico – Não faças alguma das tuas costumadas pagodeiras, que podes comprometer o Macedo. Eu falo-te com experiência; estou aqui há mais tempo que tu, e em uma ocasião quase fui fazer companhia ao Taborda por uma brincadeira desse gênero.

Nogueira – Por falar em Taborda: lembras-te daquela noite em que o Vilares foi encontrado pela patrulha nos degraus da Igreja da Sé mais bêbado do que um marinheiro inglês em terra, e que daí foi levado em braços para a cadeia?

Frederico – Se me lembro! Nessa noite tomei eu uma carraspana de conhaque que deu-me para quebrar quantos lampiões encontrava pelas ruas. É que a claridade me fazia mal.

Nogueira – O pagode não termina aí: o melhor foi sair o Vilares no dia seguinte pelo Largo da Cadeia de chambre e gorro bordado. Com que cara amarrotada vinha o pobre coitado; isso, porém não o impedia de marchar avante e pretensioso como um sultão. Está hoje formado, casado, e dizem que é um excelente pai de família.

Frederico – Ó tempora! Ó mores! Que belos tempos! (Suspirando.) Tens aí...

Nogueira – Um cigarro? Ia te fazer o mesmo pedido.

Frederico – Pois deixa de ser filante, que é coisa muito ridícula.

Nogueira – Qual, isto é boato espalhado pelos vinagres. Mas, mudando de assunto, já sabes por quem o Trindade está solenemente apaixonado?

Frederico (Sentando-se na cadeira.) – É moléstia de cabeça, não faças caso.

Nogueira – Não, é real: é pela filha do Juca do Braz. Passa por lá todas as tardes, e é raro o dia que não venha para casa meio triste e meio alegre.

Frederico – Explica-te.

Nogueira – Alegre, porque vê a bela, e triste, porque lhe dão vaias. A vaia parte da casa do Martins, e amanhã convido-te para apreciarmos de lá o pagode. É uma paixão de Otelo!

Frederico – Qual, isto é um gracejo teu, porque realmente a Desdemonda é uma lambisgóia.

Nogueira – É uma paixão diabólica que o levou à loucura de empenhar um fraque! Isto deu lugar a que o Martins parodiasse esta poesia do Furtado Coelho – Quero fugir-te, mas não posso, ó virgem.

Frederico – E sabes a paródia?

Nogueira - Lá vai (Sentando-se ao piano.) – Quando pretendem vocês mandar levar este piano lá para a casa? Vocês souberam mandar buscá-lo para o pagode, mas...

Frederico – Recita a poesia, e deixa-te de maçadas.

Nogueira (Acompanhando o recitativo.)

Quero fugir-te, mas não posso, ó fraque,
Ah! Sou levad pela onça ingrata!
Quero fugir-te, mas fatal ataque
Me lança em terra, me desgraça e mata!

Lançado ao prego és meu vedado pomo,
Ninguém no mundo minha dor compreende,
Quero fugir-te, quero, sim, mas como?

Para enganar-me digo muitas vezes,
Que és velho, infame que é loucura amar-te:
Então me lembro que não há dois meses,
Que eu fui à casa do Fresneau buscar-te.

Oh! Quantas vezes eu passava as horas,
Mirando as graças de teu talhe airoso,
Hoje perdido para mim tu choras,
Pendido ao prego, ferrugento, idoso.

Fraque querido...

(Representando.) – Ó diabo, não me lembro do resto.

Frederico – Bravo, bonito, sim senhor.

Cena VIII
Os Mesmos e Neves

Neves (Entrando pela direita.) – Que cinismo! Meus senhores, estou-os cumprimentando. (Tira do bolso um canivete e, deitando-se na cama, começa a aparar as unhas.)

Frederico – Que furioso cínico! É capaz de levar todo o dia ali naquela cama, aparando unhas,e contando as tábuas do teto. Em São Paulo há duas classes de vadios: uns que, parecendo ter o do da ubiqüidade,s e apresentam em toda a parte, em bailes, teatros, festas de igreja, leilões do Joly, novenas, etc, menos na Academia; outros que, inimigos do progresso e da atividade, passam onde deixam à vontade crescer o abdômen. Tu pertences à primeira seita, e cá o senhor, que está deitado, à última.

Nogueira – Fechaste a porta do meu quarto quando saíste, Neves?

Neves (Pausadamente) – Sim, fechei. (Muda de posição na cama.)

Frederico – Tens um companheiro de casa assaz divertido!

Nogueira – Há dias que não diz uma palavra; no entretanto é o homem que mais aprecia uma prosa, deitado em uma boa cama, já se sabe, sem nada dizer, mas pronto para tudo ouvir. E sabes qual é a especialidade de prosa que ele mais aprecia?

Frederico – Sem dúvida caçada de veados ou cruzamento de raças de cavalo?

Nogueira – Nada, coisa mais séria; é a tese das teses – a vida alheia. Respeita-o como uma das primeiras rabecas de São Paulo: toca admiravelmente variações sobre motivos de qualquer tema; tem arcadas de Paganini. Também não respeita ninguém: é um verdadeiro pagão!

Frederico – E qual é o sistema da rabequeação que ele mais aprecia? Sim, porque há diversos sistemas de rabequear.

Neves – Falem mais alto que eu também vim para a prosa.

Nogueira – Falamos dos diversos sistemas de rabequeação, e o Frederico tem a palavra.

Frederico (Em atitude magistral.) – Pois, meus amigos, pela experiência que tenho, atrevo-me a oferecer-lhes uma brilhante preleção sobre este assunto. Querem?

Nogueira – Sim, venha lá isso.

Neves – Topo.

Frederico (Com dignidade cômica.) – Há sujeitos que rabequeiam de uma maneira insinuativa: eu me explico melhor – há sujeitos, por exemplo, que nas suas arcadas dizem: “O Nogueira é um tratante, um canalha, um miserável, um caloteiro, mas no entretanto é bom moço, cumpre as suas obrigações, tem boa alma, toma regularmente a sua carraspana, por divertimento, já se vê, desmoraliza-se em lugares públicos, mas não é mau rapaz, tem bons sentimentos”. Este é o sistema aristocrático, rabeca de salão, e que tem grande número de sectários. O segundo é o sistema dos ronhas. O ronha é o homem que exerce a ronha. A ronha pode-se estender a todos os atos humanos: assim é, por exemplo, ronha o beato ou o hipócrita que, acabando de bater nos peitos na igreja, vem cá fora entregar-se religiosamente às delícias de Cápua. Parece-me que não há estudantes dessa natureza; no entretanto, se é que há, sou de opinião que andem de mantilha para se distinguir dos outros. Mas a ronha, aplicada especialmente à hipótese vertente, é um certo desprezo e mesmo rancor que alguns sujeitos parecem afetar em uma prosa de vida alheia, mas que entretanto extasiam-se às mais pequenas notas de instrumento divino, como o poeta se expande diante do belo. Estes entram somente de ouvido, e são tantos os sectários como os admiradores do Padre Pereira.

Nogueira – A comparação é mesmo de bicho.

Frederico – Não me interrompa. O terceiro sistema é o dos que falam mal de tudo e de todos e não encontram nos homens senão defeitos: é o exclusivismo, e peca como todos os sistemas exclusivistas.

Nogueira – É o sistema do Neves.

Frederico – Justamente.

Neves – Não tanto.

Frederico – O quarto sistema é o dos que rabequeiam por mero passatempo, para suavizar as horas de cinismo. É este o sistema que quase todos nós seguimos, é o menos nocivo, e o que produz menos males, porque não é o ódio nem o rancor que preside a prosa, mas apenas um desejo de pagode. Tais são, senhores, as observações que tenho colhido de minha longa vida de bicho, e que procurarei ir aperfeiçoando com o correr dos tempos.

Nogueira – Bravo! Falas com a experiência de um velho: és um alcorão; entretanto esqueces o sistema dos mitras, que tecem os maiores panegíricos a um sujeito pela frente e por detrás não são rabecas, são rabecões.

Frederico – Cada dia aparecem novos sistemas, e eu ultimamente não estou muito a par do progresso da ciência, porque os credores não me deixam pôr o nariz na rua.

Neves – Vocês estão muito cínicos.

Nogueira (Rindo-se.) – Este desgraçado ainda acaba tocando realejo para se distrair.

Frederico – Ó Neves! Diz alguma coisa para animar a prosa: estás mesmo de neve.

Neves – Vocês estão estupidamente cínicos: eu me retiro. (Levanta-se da cama e sai pela porta do fundo.)

Frederico – Ó Neves! Amanhã aparece mais cedo para prosearmos. (Nogueira e Frederico riem-se às gargalhadas.)

Cena IX
Frederico, Nogueira e Trindade

Trindade (Entrando com dois negros, aponta para as canastras.) – Rapaz , segura ali. (Virando-se para o outro negro.) – Rapaz, ajuda ali teu parceiro. Irra! Hoje acaba-se o pagode, mudo-me, e está tudo decidido.

Nogueira (Para Frederico.) – É preciso abrandarmos o homem. O Macedo, quando souber que fui eu a causa da mudança do calouro, queima-se comigo, e eu não estou para indispor-me com ele. Não quero ser o ponto de discórdia desta casa. Vou fazer as pazes com o calouro. (Para Trindade, batendo-lhe no ombro.) Não sejas criança, Trindade, foi uma brincadeira própria de rapazes.

Trindade – Vá-se embora, senhor, não me aborreça.

Frederico – Você também cavaqueia com qualquer coisa, encordoa por uma bagatela.

Trindade – Pois é qualquer coisa, é bagatela ser um homem constantemente amolado, não poder dizer uma palavra que não lhe respondam com quatro gargalhadas não poder sair à rua sob pena de lhe gritarem: ó burro, ó sandeu, ó calouro? Isto é bonito? É próprio de moços decentes e civilizados que freqüentam os bancos de uma Academia?

Nogueira – Concordo com tudo que quiseres; mas dá-me um abraço e façamos as pazes. (Trindade deixa-se abraçar um pouco friamente.) Manda os pretos embora, e continua a viver com os teus companheiros que te estimam como um bom menino que és. Deixa-te de criançadas, e viva a pândega!

Trindade – Pois bem, se juram doravante tratar-me como um companheiro de casa, e não como um cão, fico.

Nogueira e Frederico – Juramos.

Trindade (Virando-se para os negros.) – Ponham-se fora. (Os negros saem.)

Nogueira (Abraçando a Trindade.) – Viva a conciliação! Se tivéssemos uma boa garrafa de vinho, poderíamos tornar mais solene este tratado de paz.

Trindade – Se prometem cumprir o juramento, isso é o que menos custa. Tenho ali na canastra duas garrafas de vinho que me restaram do pagode que dei no dia de minha sabatina...

Nogueira (À parte.) – Sempre desfrutável.

Frederico (À parte.) – Lá vem a sabatina.

Trindade (Continuando.) – E podemos esvaziá-las.

Frederico e Nogueira – Prometemos.

Nogueira – Eu ainda levo a minha promessa mais longe: prometo que de hoje em diante serei o teu mais fiel e dedicado amigo.(À parte.) Ó mágico poder do vinho.

Trindade – Pois bem, viva a rapaziada e vamos à pândega. (Enquanto Trindade tiras as garrafas da canastra, Frederico e Nogueira fazem-lhe gaifonas pelas costas.) Aqui estão, rapaziada. (Dá uma garrafa a Nogueira e fica com a outra.)

Cena X
Os mesmos e Macedo

Macedo (À parte.) – Aproxima-se o momento fatal: é quase meio-dia, e o verdugo não tarda a aparecer. (Reparando para o grupo.) Pois quê, já fizeram as pazes?

Nogueira – Não há copos nem saca-rolha.

Frederico – Saca-rolha há um aqui em cima da mesa. (Tira o saca-rolha e dá a Nogueira.) Quanto a copos dispensa-se perfeitamente, podemos beber pela garrafa – é mais clássico.

Trindade – Está dito, vai-se ao gargalo. (Recebe o saca-rolha e abre a garrafa.)

Nogueira – Viva o Trindade. (Bebe.)

Frederico (Tirando-lhe a garrafa.) – Alto frente: ainda não bebi. À saúde de sua brilhante sabatina, Senhor Trindade. (Vira a garrafa.)

Trindade – Meus senhores, um brinde: à saúde da emancipação do primeiranista, e à morte de todos esses prejuízos acadêmicos que herdamos da velha Coimbra. À saúde de todas aquelas por quem nossos corações palpitam.

Nogueira (Para Frederico.) – Percebo. A filha do Juca do Braz.

Trindade – Viva a mocidade inteligente e briosa que abandonando, que abandonando, que...

Frederico (À parte.) – Temos cabeleira.

Nogueira – Não se engasgue, dê-me o caroço.

Trindade - ...as afeições mais caras, o lar doméstico e a terra que lhe deu o ser, vêm, longe de tudo isso, conquistar os louros que engrinaldaram a fronte de Homero, Tasso, Petrarca, Dante e Camões que, cantando as ações heróicas dos Lusitanos, enxergava um horizonte de glórias no futuro.

Frederico – E assim mesmo não via pouco; olhe que tinha só um olho.

Nogueira – Pelo menos assim o diz a história.

Trindade (Pulando em cima da cadeira com entusiasmo.) – Vou arrematar este brinde, senhores, bebendo à saúde daquelas idéias que mais se harmonizam com o estado de perfectibilidade e civilização dos povos: à saúde das idéias republicanas. (Vira a garrafa toda.)

Viva o Porto,
Viva o Madeira,
Não é tolice
Uma cabeleira.

(Todos, menos Macedo.)

Viva o Porto,
Viva o Madeira,
Não é tolice
Uma cabeleira.

Nogueira (À parte.) – O vinho já começa a fazer efeito antes de tempo. (Para Trindade.) Passa-me a garrafa.

Trindade (Descendo da cadeira.) – Já não há mais nada. (Vira a garrafa de boca para baixo.)

Macedo (Que durante esse tempo passeia pensativo.) – Entretanto esqueceram-se de mim.

Nogueira – Pois também estás hoje tão cínico! Não sei o que tens.

Trindade (Mal podendo suster-se em pé.) – Que diabo, anda-me tudo à roda...o tal vinho é forte. Ó Nogueira, tu estás meio fardado, fala franco. Está-me tudo a andar à roda... Ó Nogueira anda cá, dá-me ali aquela vela para acender um cigarro. (Mete a mão no bolso, e tira da algibeira um lápis que põe na boca, julgando ser um cigarro.) que diabo tem este fumo? (Olhando para o lápis.) Está furado. (Atira o lápis no chão.)

Frederico (Encostando-se à mesa.) – Furada está a tua cabeça.

Nogueira – De que cor é esta linha, Trindade?

Trindade – Que pagode, minha comadre. Vem cá, Mariquinha, não fujas; olha que é teu benzinho quem fala.

Nogueira (Segurando em Macedo, e puxando Frederico.) – Não sejam cínicos, vamos formar aqui uma pândega, e apreciar o Trindade enquanto está impagável. Dance-se o cancan, e viva o pagode.(A orquestra toca a última quadrilha da – Corda Sensível -; Frederico e Nogueira dançam em cancan desesperado, e Trindade sempre cambaleando embrulha-se no cobertor encarnado, trepa em cima da cama, e aí dança um cancan infernal, no meio do qual Jacó aparece no fundo, e o cancan continua.)

Cena XI
Os mesmos e Jacó

Jacó (Entrando.) – Com licença, meus senhores. (Macedo e Frederico escondem-se na porta da esquerda. Nogueira pára espantado, olhando para Jacó, obriga-o a valsar pelo meio da cena, e largando-o de repente, atira-o de costas.) É desta maneira (Levantando-se e sacudindo a roupa.) que os senhores recebem as pessoas? (À parte.) Se não viesse buscar dinheiro...é preciso humilhar-me para ver se o pilho. (Alto.) Não sabem dizer se o Senhor Doutor Macedo está em casa?

Nogueira – Julgo que não. O senhor deseja alguma coisa? É sem dúvida dinheiro que vem buscar?

Jacó (Risonho.) – Como o senhor doutor adivinha; é isso mesmo. Vossa Senhoria é muito pitoresco. Vence-se hoje uma letra que o Senhor Doutor Macedo assinou, e eu vim buscar os 300$000 por que ele se obrigou.

Nogueira – Queira sentar-se. (Na ocasião em que Jacó vai sentar-se, Trindade puxa-lhe a cadeira, e atira-o de costas.)

Jacó (Furioso.) – O senhor não me deixará! (À parte.) Este sujeito está bêbado.

Trindade (Batendo-lhe no ombro.) – Excelso vinagrão, eu te saúdo.

Jacó (Risonho.) – Isso é lisonja, senhor doutor.

Nogueira (Vai buscar o violão, e vem sentar-se em cima da mesa ao pé de Jacó.) – Tenha a bondade de explicar-se pausadamente para que eu o entenda.

Jacó – Eu já disse ao que vim. (Nogueira acompanha-lhe a frase a violão.)

Nogueira – Pode continuar.

Jacó – O Senhor Doutor Macedo deve-me já há dois anos 300$000 (Nogueira acompanha-o a violão.) e para garantia dessa dívida pedi-lhe que me assinasse uma letra...(Acompanhamento de violão.) Senhor Doutor, olhe que falo sério: deixe-se de caçoadas. (Acompanhamento de violão.)

Nogueira – Senhor Jacó, tenha a bondade de falar outra vez e repetir o recitativo, para ver como é sonoro este acompanhamento. (Fere o violão.)

Jacó (Levantando-se.) – Eu não vi, aqui para ouvir música, senhor doutor; quando quero vou às retretas.

Nogueira – Está incomodado, Senhor Jacó? A retrete é no fundo do corredor à esquerda. (Indicando a porta da direita.)

Jacó – S ó o que desejo é falar com o Senhor Doutor Macedo. (Acompanhamento.)

Frederico (Para Macedo.) – O Nogueira com aquele debique é capaz de comprometer-te.

Macedo – Haja o que houver eu não apareço.

Nogueira (Continuando a tocar.) – Ora, Senhor Jacó, esqueça-se disso: o Macedo está sem dinheiro, e ainda mesmo que tivesse é filho-família, e não é responsável pelas obrigações que contrai.

Jacó (Furioso.) – Não é responsável, senhor doutor! Não me diga isso: a letra está assinada por ele, e em nome de sua dignidade deve pagá-la.

Trindade (Dando uma encapelação em Jacó.) – Está queimado! Viva o rei dos Vinagres!

Jacó – Olhe que o senhor está me fazendo chegar a mostarda ao nariz. (Faz menção de avançar para Trindade.)

Nogueira (Empurrando-o) – Ponha-se fora.

Frederico (Entrando em cena.) – Fora! Fora! (Trindade dá uma porção de encapelações em Jacó, Nogueira dá-lhe com o violão nas costas, e Frederico ri-se às gargalhadas.)

Macedo (Entrando.) – O homem queima-se e é capaz de fazer alguma.

Jacó (Sai pela porta do fundo aos empurrões, e voltando, pára na porta.) – Isto é um estorpício, é um vandalismo. Por terem força julgam-se uns Rockchilles. Hei de mostrar o que é um negociante ofendido em sua dignidade! Eu já volto acompanhado. (Sai.)

Cena XII
Frederico, Nogueira, Macedo, Trindade e depois Neves

Trindade (Ainda envolvido no cobertor encarnado, deita-se de barriga para baixo em cima da cama.) – Que pagodeira!

Neves (Entrando com toda a fleuma.) – Que algazarra foi esta que vocês fizeram?

Nogueira – Foi uma pequena correção doméstica em um credor.

Macedo – Vocês com o seu pagode acabam de comprometer-me. O homem saiu desesperado.

Frederico – Ele é incapaz de queimar-se: aquilo foi fogo de cavaco.

Nogueira – Eu responsabilizo-me pelo resultado.

Trindade (Levantando-se da cama.) – Esteve riquíssima a pagodeira. Ó Nogueira! Tu viste a cara com que saiu o Jacó? O homem saiu vraiment indignado! Ó Frederico! Passa a garrafa, e vamos beber à saúde do Jacó. Ora esta, homem, quem me vir é capaz de apostar que estou bêbado.

Frederico – Qual, não tens nada: estás somente com um fardão de grande gala.

Macedo (Passeando.) – Vejamos qual é o desfecho desta tragédia.

Nogueira – Eu já te disse que não te maces; deixa correr o negócio por minha conta.

Neves – Mas que diabo de cinismo: eu não os entendo.

Trindade – Nem eu tão pouco, meu amigo.

Nogueira – Pois eu lhes explico, meus amigos. O Macedo deve 300$000 ao Jacó, ele veio cobrá-los, e nós tocâmo-lo a cachações pela porta fora. É uma coisa muito natural, e que nada tem de extraordinário: seria extraordinário se o Macedo pagasse a dívida e o deixasse sair impunemente.

Trindade – Lá isso é; tem toda a razão. Mas que diabo tenho eu que está tudo a andar-me à roda? E esta? Parece-me que tenho tanta gente na minha frente; dar-se-á o caso que e esteja em aula? Ó Araújo! Dá-me o compêndio, e passa-me uma lição que eu estou in albis.

Frederico (Segurando em Trindade e procurando levá-lo para a cama.) – Vai-te deitar, Trindade, que tu estás meio incomodado.

Trindade – Quem? Eu incomodado? Ó Frederico! Não me insultes; olha, eu vou aqui à república vizinha, e vê só a certeza com que ando. (Vai cambaleando para o fundo da cena, e encontrando-se com Jacó, que entra com um oficial de justiça, atira-o ao chão.)

Cena XIII
Os mesmos, Jacó e um Oficial de Justiça

Jacó- Não há dúvida – este sujeito está tocado.

Trindade – Levante-se, que eu não brigo com homem deitado.

Jacó (Levantando-se.) – Pois, meus senhores agora espero obter um melhor resultado, porque trouxe uma boa carta de recomendação de pessoa influente, a quem os senhores não podem deixar de servir. (Tira do bolso uma citação, e entrega a Macedo.)

Macedo (Lendo.) – É uma citação; eis o desfecho terrível que eu esperava de tudo isso.

Nogueira – Uma citação!

Jacó – Quando vim pela primeira vez já a tinha comigo; pois sabia perfeitamente que o Senhor Macedo havia de esquivar-se ao pagamento da dívida; porém o acolhimento benévolo que aquele senhor (Apontando para Trindade.) prodigalizou-me e obrigou-me a ir pedir o auxílio da justiça para fazer valer o meu direito: é a razão por que volto agora com este senhor.

Macedo – E julga o senhor que vem fazer valer o seu direito quando usa de uma infâmia?

Frederico (Batendo o pé.) – Sim, é uma infâmia.

Trindade (Cambaleando para ele, e dando-lhe um arroto na cara.) É um desaforo; é uma vinagreira.

Jacó – Será tudo o que os senhores quiserem.

Nogueira – Pois bem, se eram os seus desígnios comprometer a reputação sem mancha de um moço, fazendo-o comparecer perante uma autoridade por um motivo que o difama e extorquir depois, abrigado à sombra da lei, o dinheiro que lhe roubou, se eram estes os seus desígnios, Senhor Jacó, fique convencido que nunca os realizaria. Eu já volto. (Sai precipitadamente.)

Cena XIV
Trindade, Jacó, Frederico, Macedo, Neves, depois Nogueira

Jacó (À parte.) – Eles todos falam em dignidade, em vinagreira e dizem tudo o que lhes vem à boca, mas quando têm de bater o cobre, vêm com desculpas, quando não dão para atrevidos.

Macedo – Então com que o senhor esperava que eu havia de esquivar-me ao pagamento da dívida? (Com furor.) O senhor é bem ordinário.

Jacó – Ora, senhor doutor, isto não vai a zangar.

Frederico( À parte.) – O que iria fazer o Nogueira em casa?

Trindade – Estes credores são temíveis!

Macedo – É bem triste a minha posição, porém a sua ainda é mais, é degradante. Diga-me, finalmente, Senhor Jacó, o que pretende fazer?

Nogueira (Entrando apressado.) – Coisa nenhuma. (Para Macedo.) Aqui tens o dinheiro que te devo.

Macedo – Dinheiro que me deves?

Nogueira (Em voz baixa.) – Cala-te e aceita. Senhor Jacó, a sua dívida vai ser satisfeita, mas antes de tudo há de ouvir-me. Há ladrões que, embrenhando-se pelas matas, assaltam os viandantes de pistola e faca; há outros que roubam de luva de pelica nos salões da nossa aristocracia, estes têm por campo de batalha uma mesa de jogo; há outros, finalmente, os mais corruptos, que são aqueles que, arrimados a um balcão, roubam com papel, pena e tinta. O senhor faz honra a esta última espécie: é um ladrão e um ladrão muito mais perigoso do que os outros. Dê-me essa letra, documento autêntico de sua infâmia e tome o seu dinheiro. (Tira o dinheiro da mão de Macedo, e esfrega-lhe na cara.)

Jacó – Ora, senhor doutor, não se zangue; deixe-se de brincadeiras.

Macedo (Abraçando Nogueira.) – Obrigado, meu amigo, obrigado. Acabas de provar que tens uma alma grande e generosa, que, no meio dos risos e folguedos próprios da nossa idade, não olvidas esses sentimentos sagrados, que tanto enobrecem o coração do bom amigo. Obrigado, obrigado.

Jacó (Que durante esse tempo está contando o dinheiro.) – Está exato. Agora vamos fazer outra visita. O dia está feliz.

Nogueira – Ponha-se fora. (Todos tocam Jacó pela porta fora.)

Trindade – Viva a pândega! (Cai na cama.)

Neves (Olhando ao redor da cena.) – Que cinismo!

(Toca a orquestra a última quadrilha da Corda Sensível; dançam todos o cancan.)

(Cai o pano.)

Fonte:
FRANÇA JÚNIOR, Joaquim José da. Teatro de França Júnior. Rio de Janeiro : Funarte, 1980. p. 51-73 : Meia hora de cinismo. (Clássicos do Teatro Brasileiro). Texto-base digitalizado por Claudia de Moura Leite Ribeiro – São Paulo/SP

França Júnior (1838 – 1890)


França Júnior (Joaquim José da F. J.), jornalista e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 18 de março de 1838, e faleceu em Poços de Caldas, MG, em 27 de setembro de 1890. É o patrono da Cadeira n. 12 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Urbano Duarte.

Filho de Joaquim José da França e de Mariana Inácia Vitovi Garção da França.

Cursou humanidades no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, e formou-se em direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1862.

Como estudante deu os primeiros passos como autor teatral. De volta ao Rio, estreou no jornalismo no periódico de caricaturas Bazar Volante (1863-67) e como colaborador eventual do Correio Mercantil.

Após exercer a advocacia, reside por um período na Bahia, onde é nomeado secretário de governo do presidente daquela província.

Por volta de 1880 retorna ao Rio de Janeiro e aprende a desenhar com o aquarelista Benno Treidler. Entusiasmado com a descoberta da nova arte, frequenta como assistente a Academia Imperial, onde lecionava Georg Grimm. Desligando-se este da academia, acompanha o mestre que acabara de formar o Grupo Grimm para pintar ao ar livre e ao natural. Mas pouco durou esta ligação com o grupo do paisagista alemão. Concentra-se mais na sua vocação jornalística e literária.

Começou a carreira de dramaturgo em 1861 com duas "comédias de costumes acadêmicos", A república modelo e Meia hora de cinismo, sobre as relações entre um calouro e um grupo de estudantes veteranos. Revelou-se um continuador de Martins Pena. Em 1862, estreou no Ginásio Dramático (RJ) Tipos da atualidade, comédia mais conhecida como O barão de Cutia, graças à extrema popularidade do personagem do mesmo nome, um fazendeiro rico que uma viúva interesseira deseja ardentemente ter por genro. Dando à peça o título "Tipos da atualidade", o comediógrafo faz da mediocridade e do interesse as molas-mestras das relações interpessoais na sociedade fluminense de então. Utilizando-se de enredos aparentemente anedóticos, França Júnior fez de suas comédias pequenas caricaturas de aspectos variados do cotidiano e da família fluminense. Outro alvo de suas comédias é o "estrangeiro", sobretudo o "inglês", e os privilégios que obtém do governo brasileiro, como em O tipo brasileiro e Caiu o ministério, comédias representadas em 1882.

Importante como painel crítico do Rio de Janeiro no fim do século, a obra de França Júnior reforça a tradição cômica do teatro brasileiro e se caracteriza pela agilidade das falas curtas, das peças em um ato, com linguagem coloquial, jogo cênico rápido, ambigüidades e grande noção de ritmo teatral.

Além de comediógrafo, França Júnior foi promotor público e curador da Vara de Órfãos no Rio de Janeiro, secretário do Governo da Província da Bahia e, como jornalista, autor de folhetins bastante populares à época, publicados em O País, O Globo Ilustrado e Correio Mercantil (reunidos em Folhetins, em 1878, com prefácio e coordenação de Alfredo Mariano de Oliveira).

Foi considerado pelos historiadores o principal seguidor de Martins Pena, o que o tornou, cronologicamente, o segundo mais importante autor do teatro brasileiro. Como seu mestre, escreveu para o palco comédias de costumes e sátiras políticas de grande sucesso, algumas hoje infelizmente desaparecidas.

Obras

A República Modelo (1861)
Meia Hora de Cinismo (1862)
Tipos da Atualidade (ou O barão de Cutia) (1862)
Amor com Amor se Paga (1870)
Direito por Linhas Tortas (1870)
O Defeito da Família (1870)
O Tipo Brasileiro (1882)
Como se Fazia um Deputado (1882)
Caiu o Ministério! (1883)
Dois Proveitos em um Saco (1883)
Entrei para o Clube Jácome (1887)
Maldita Parentela (1887)
As Doutoras (1889)
Ingleses na Costa (1889)
Os Candidatos (1889)
A Lotação dos Bondes
Bendito Chapéu
O Carnaval do Rio

As peças de França Júnior foram reunidas em 1980 em O teatro de França Júnior, em dois volumes.

Fontes:
Wikipedia
Academia Brasileira de Letras
Fundação Biblioteca Nacional

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 346)


Uma Trova Nacional

É nos instantes de dor,
ante o teu porte sereno,
que um homem "grande", senhor,
se torna um homem pequeno!...
–ERCY MARIA MARQUES/SP–

Uma Trova Potiguar

Na fauna de estimação
tem bicho como tu és.
Com plumas feito pavão
mas sem olhar para os pés!
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 4º Lugar

Já na idade das fadigas,
pressentindo o ocaso perto,
só as lembranças amigas
vêm povoar meu deserto!
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Uma Trova de Ademar

Ela é quem me faz chorar
desde a minha mocidade.
Sei que vou me aposentar
sendo escravo da saudade.
–Ademar Macedo/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Foi nos passos e compassos
de um tango dançado a dois,
que eu me encontrei em teus braços
para perder-me depois!
–NÁDIA HUGUENIN/RJ–

Simplesmente Poesia


Um Sonho de Vida
–ESTER FIGUEIREDO/RJ–

Lua que me olha à distância
sabe bem da inconstância
deste enamorado coração:
incauto...ansioso...vivendo de ilusão

Busca e não encontra lenitivo...
para esta dor tem motivo
e que só ELE sabe o segredo.

Vou caminhando pela vida
a passos lentos, sem guarida...
Até quando?-Não sei!

Sei apenas que a sorte
não pode driblar a morte
nem o sonho que eu sonhei!

Estrofe do Dia

Não precisa tijolo nem madeira
o alicerce não tem escavação
Jesus cristo segura com a mão
que o poder do eterno é sem canseira
eu viajo pra lá segunda – feira
deus querendo eu já vou pra terminar
se esse prédio chegar a desabar
o nordeste se tora em três pedaço
vou fazer uma casa no espaço
sem de nada da terra precisar.
–CHICO QUELÉ/RN–

Soneto do Dia


Montes Pequeninos
–GILMAR LEITE/PE–
(À poetisa/companheira Rachel Rabelo)

Como as pérolas das ostras delicadas
que residem nas águas cristalinas,
os teus seios são conchas pequeninas
enfeitando tuas formas encantadas.

As auréolas são luzes rodeadas
clareando expressões puras, divinas,
onde os seios são flores campesinas
com orvalhos de cores enfeitadas.

Resplandece nas curvas dos teus seios
o fulgor dos jardins quando estão cheios
dos sutis beija-flores campesinos.

O teu corpo, de formas divinais,
tem cravado dois plácidos cristais,
que são dúlcidos montes pequeninos.

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) IV – Miss Jane; V – Tudo Eter que Vibra


CAPITULO IV
Miss Jane

Na sala de almoço tive uma nova surpresa. Estava lá, e recebeu-nos com gentil sorriso, a mais encantadora criatura que meus olhos ainda viram.

— Minha filha Jane, apresentou-ma o velho.

Como eu esperava tudo, menos encontrar ali uma figura feminina, atrapalhei-me e gaguejei, visto que sou tímido diante das mulheres formosas. Já com as feias, ou velhas, sinto-me desembaraçadíssimo. Mas cabelos louros como aqueles, olhos azuis como aqueles, esbelteza e elegância de porte como as de miss Jane, eram ingredientes fortes demais para que não produzissem a ruptura do meu equilíbrio nervoso. Gaguejei, já disse, e fui logo tropeçando num pé de cadeira, o que muito me vexou, embora não fizesse rir á moça. Esta contenção de sua parte provou-me que eu estava diante de uma criatura finamente educada e generosa.

Correu sem incidentes o almoço, e nada vi nele de misterioso. Pratos simples, servidos em baixela fina, tudo despido dos excessos que caracterizam a mesa dos ricaços amigos de nas menores coisas exibirem o seu dinheiro.

Miss Jane falou ao pai de três filhotes de pintassilgos que encontrara no pomar, num ninho feito de raízes de capim.

— Gosta de pássaros, senhor Ayrton? perguntou-me num gracioso sorriso.

Confesso que eu até ignorava a existência de pássaros no mundo. A minha vida de cidade, no corre-corre das ruas desde menino, sem nunca umas férias passadas no campo, impedia-me de prestar atenção a essas vidinhas aladas, que constituem um dos enlevos dos contemplativos.

— Gosto, sim, senhora, respondi eu, se bem que em matéria de pássaros só me lembre dum periquito vitima duma menina filha lá da firma.

— Pois aprenderá aqui a adora-los. O sabiá que todas as tardes canta numa das laranjeiras do pomar, com certeza já lhe atraiu a atenção. Temos tambem vários outros amiguinhos que de lá não saem, pintassilgos, sanhaços, rolinhas, saíras...

— O senhor Ayrton, interveio o professor, vai ficar aqui conosco. Tem muito que ouvir e aprender. Vou revelar-lhe os segredos da natureza, e tu, Jane, lhe revelarás a poesia. Estes homens da cidade têm a visão muito restrita; o mundo para eles se resume na rua, nas
casas marginais e no torvelinho humano.

— Realmente, professor. A impressão que tive hoje durante o meu passeio pelo campo abriu-me a alma. Verifiquei que o mundo não é só a cidade, e que o centro do universo não é a firma Sá, Pato & Cia., como toda vida supus.

— O mundo, meu caro, é um imenso livro de maravilhas. A parte que o homem já leu chama-se passado; o presente é a página em que está aberto o livro; o futuro são as páginas ainda por cortar. E a uma criatura que nem conhece a página aberta ante os olhos, como o senhor, vou eu revelar o que a ninguém ainda foi revelado: algumas futuras!

Olhei para o professor Benson com ar palerma, porque sempre me apalermava o que ele dizia. Tinha o sábio uma linguagem nova para mim, da qual eu apreendia apenas o sentimento formal, não o sentido intimo. Animei-me, entretanto, a uma frase:

— Miss Jane com certeza conhece também essas páginas futuras.

— Sim, eu e ela, respondeu o professor. Só nós dois, no mundo inteiro e desde que o mundo é mundo, gozamos deste privilegio maravilhoso. Enviuvei muito cedo e minha família está hoje reduzida a Jane. É a minha companheira de analises dos cortes anatômicos do futuro.

"Cortes anatômicos do futuro"... A expressão soou-me como outrora a do senhor Sá quando pela primeira vez me falou em 'lançamento por partidas dobradas", coisa que hoje não ignoro mas que na época me valeu por um "corte anatômico".

Nesse ponto do almoço fez-se notar certa zoada distante vinda não sabia eu de onde.

— Deixaste o cronizador aberto, Jane?

— Sim, meu pai. Deixei-o em marcha para 410 anos de hoje, focalizado para 80.° de latitude N. e 40 de longitude. Experiência ao acaso, pois nem verifiquei onde fica esse ponto.

—Groenlândia. O corte não revelará coisa nenhuma, suponho. Não creio que em 410 anos as condições do mundo se alterem a ponto de haver lá outra vida alem da dos esquimós, ursos e focas.

—Em todo o caso vejamos, disse a moça. Temos tido tantas surpresas...

—Minha filha, senhor Ayrton, possui mais frieza de sábio do que eu. Não perde tempo em formular hipóteses quando tem ao alcance meios de verificar experimentalmente.

Ri-me. Acho que a melhor maneira de figurar numa roda onde se falam coisas acima da nossa compreensão é sorrir para o interlocutor que nos dirige a palavra. Se o riso não engana a ele, engana-nos a nós e livra-nos de uma replica verbal, que sai asneira infalivelmente. De todo o dialogo da filha com o pai só me evocou uma imagem já classificada em meu cérebro a palavra Groenlândia.

Lembrei-me dos meus tempos de geografia e da impressão que me causara a descrição da Terra Verde, ou Groenlândia, feita pelo meu barbudo professor Maneco Lopes. E por associação me vieram à mente ursos brancos, focas, leões marinhos, pinguins, esquimós. Querendo contribuir com uma nota para a conversa, e fingindo entender o que eles haviam dito, arrisquei:

— Não há duvida, a Groenlândia é um caso sério. Uma piririca!

Foi a vez do professor Benson franzir os sobrolhos no gesto clássico da incompreensão. Vi que aquele homem, que sabia tudo e lia o futuro, ignorava alguma coisa do presente — a gíria da cidade, e firmei-me na resolução de dar com a giria em cima dele para vê-lo refranzir a testa muitas vezes.

— Que? indagou o velho sábio.

— Sim, expliquei eu sem erguer os olhos para miss Jane com medo de desnortear. A Groenlândia é um caso, um numero. Quanto o pinguim cisma p'ra cima do peixe e o urso gréla a foca...

Mas o professor Benson cortou-me as vazas.

— Não refletiu nunca, meu caro senhor Ayrton, na oportunidade do silencio? O silencio é sábio, é uma das mais altas formas da sabedoria. Foi silenciando que Jesus deu ao "Que é a verdade?" de Pilatos a única resposta acertada...

— Papai, interveio a moça evidentemente apiedada da minha situação, está aí uma experiência que ainda não fizemos! Involuir a corrente e operar um corte no ano 33, a ver se apanhamos essa cena histórica...

— Realmente é uma ideia, minha filha, e mais curiosa do que o exame da Groenlândia, onde, como diz cá o amigo, o urso gréla a foca...

CAPITULO V
Tudo Éter que Vibra


Saí daquele almoço com as ideias mais desnorteadas do que nunca. Um elemento novo contribuía para isso; miss Jane, criatura singularmente perturbadora, pois, além de agir sobre meus fragílimos nervos como todas as moças bonitas, ainda me tonteava com a sua mentalidade de sábio. De tudo quanto a jovem disse só me ficou claro no espirito a história dos passarinhos do pomar. Até ali pareceu-me uma criatura tal as outras, mas depois do "corte anatômico" tudo se complicou e passei a ve-la qual um misterioso ídolo de divindade dupla, mixto de Afrodite e Minerva.

Depois do almoço levou-me o professor a ver os laboratórios. Atravessei numerosas salas e pavilhões cuja composição entendi menos que a do gabinete. Quanta maquina esquisita, tubos de cristal, ampolas, pilhas elétricas, bobinas, dínamos — extravagâncias de sábio! Eu conhecia varias oficinas mecânicas, mas nelas nunca me tonteava. Tornos, maquinas de cortar e furar, bigornas, martelos automáticos, laminadores, fresas, tudo isso eu via e compreendia, pois apesar de complicados na aparência evidenciavam logo uma função esclarecedora. Mas ali, santo Deus! Que caos! Não consegui entender coisa nenhuma e mesmo depois que o velho sábio mas explicou manda a verdade confessar que fiquei na mesma.

Isto aqui, disse ele na primeira sala, são aparelhos eletro-radioquimicos, na maioria criados ou adaptados por mim e que constituíram o ponto de partida da minha descoberta. Se o amigo Ayrton fosse técnico, eu os explicaria um por um, mas será difícil fazer-me entender por quem não possui uma solida base de ideias científicas. Resumirei dizendo que neste velho laboratório consumi os trinta anos da minha mocidade em pesquisas pacientíssimas, culminantes na construção daquela antena que o amigo lá vê no alto da torre.

Olhei e vi uns fios entrecruzados formando um desenho geométrico.

— Parece uma teia de aranha! murmurei.

— E é de fato uma teia de aranha. A aranha sou eu. Com essa teia apanho a vibração atômica do momento.

— "Vibração atômica do momento"... repeti, fazendo um furioso esforço mental para compreender a novidade.

— Sim. A vida na terra é um movimento de vibração do éter, do átomo, do que quer que seja uno e primário, entende?

— Estou quasi entendendo. Já li um artigo no jornal onde um sábio provava que só há força e matéria, mas que a matéria é força, de modo que os dois elementos são um, como os três da Santíssima Trindade tambem são um, não é isso?

— Mais ou menos. Nomes não vêm ao caso. Força, éter, átomo: denominações arbitrarias de uma coisa una que é o principio, o meio e o fim de tudo. Por comodidade chamarei éter a esse elemento primário. Esse éter vibra e, conforme o grau ou intensidade da vibração, apresenta-se-nos sob formas. A vida, a pedra, a luz, o ar, as árvores, os peixes, a sua pessoa, a firma Sá, Pato & Cia.: modalidades da vibração do éter. Tudo isso foi, é e será apenas éter.

Não pude deixar de sorrir lembrando-me da cara que fariam os senhores Sá, Pato & Cia. se ouvissem as palavras do sábio. Éter, eles...

— Mas não há somente éter no mundo, continuou o mestre. Se só houvesse éter e fosse de sua essência vibrar, a vibração seria uniforme e tornaria impossível a manifestação de formas de vida. Seria o estatismo eterno.

— Sei, um zum-zum, uma zoada de não acabar mais.

— Muito bem, está compreendendo. A vibração do éter, pois, sofreu a interferência... Sabe o que é interferência?

— Uma coisa que se insinua pelo meio; intrometer a colher torta na conversa dos mais velhos deve ser, cientificamente, uma interferência.

— Perfeitamente. Sofreu a interferência do que cá no vocabulário que criei com minha filha chamo — o Interferente. Isto de palavras não tem importancia, como já disse. Só vale a ideia. O Interferente poderá para outros ter o nome de Deus, por exemplo, ou de Vontade. Os filósofos que filosofam com palavras passam a vida a debater qual a melhor palavra a aplicar ao meu Interferente, como se palavras jamais esclarecessem alguma coisa.

— Vai indo muito bem, professor. Há o éter que vibra e há o Interferente que se mete no meio...

— Isso. Interfere e provoca a variação vibratória. Essa variação cria correntes que se chocam umas com as outras, modificam-e se dão origem a todas as formas de vida existentes. A vida, pois, não passa da vibração do éter modificada pela ação do...

— Interferente! concluí, glorioso.

Parece que o professor Benson mudou a ideia que formava de mim. Viu que o discípulo aprendia depressa e, voltando atrás, como se valesse a pena instruí-lo mais a fundo, passou a explicar-me dezenas de coisas do seu laboratório, na intenção de confirmar-me nos princípios que o levaram á dedução da formula: Éter + Interferência = Vida.

Depois que me viu já bem seguro das suas teorias, continuou:

— Preste atenção agora, que este ponto é capital. O interferente não interfere sempre. O Interferente interferiu uma só vez!

Parei um pouco atordoado.

— Espere, doutor. Dê-me tempo de assentar as ideias. O Interferente veio, interferiu e parou de interferir. É isso?

— Perfeitamente. Quebrou a uniformidade da vibração, perturbou o unissonismo...

— O zum-zum!

— ...e desde então o fenômeno vida, que tambem podemos denominar universo, desenvolve-se por si, automaticamente, por determinismo. As coisas vão-se determinando...

— Uma puxa a outra.

— Isso. Uma determina a outra. Daí vem falarem os velhos filósofos em lei da causalidade, "todo efeito tem uma causa", "toda causa produz efeitos", etc.

—Aristóteles. . . ia eu arriscando.

—Deixe Aristóteles em paz. Estamos na determinação universal, e a vida, ou o universo, é para nós o momento consciente desta determinação.

—"Momento consciente"... repeti forçando o cérebro.

—O senhor Ayrton, por exemplo, é um momento consciente da determinação universal ás 13 horas e 14 minutos do dia 3 de janeiro do ano de 1926, aos 22.° e 35' de latitude S. e 35.° e 3' de longitude ocidental do meridiano do Rio de Janeiro.

—Admirável! exclamei com entusiasmo e cheio de orgulho, compreendendo afinal a minha verdadeira significação na vida. Mas o futuro, doutor? Muito mais que a definição científica do que sou, interessam-me as suas visões do futuro.

—Para lá chegar temos que ir por este caminho. Começamos do éter inicial, admitimos a Interferência e estamos na Determinação, que é o que os filósofos chamam presente... O futuro é a Predeterminação.

Franzi os sobrolhos. A palavra era nova para mim e a ideia muito mais. O professor Benson expô-la com luminosa clareza e mostrou-me o maravilhoso do determinismo. Em certo ponto da sua exposição lembrei-me do amigo corretor e da sua comparação do 2 + 2 = 4. Fingi que era minha a imagem e arrisquei:

— Dois mais dois igual a quatro.

O professor Benson entreparou, com a fisionomia radiante. Em seguida estendeu-me a mão.

— Meus parabéns! Vejo que o senhor Ayrton é muito mais inteligente do que a principio supus. Nessa imagem está toda a minha filosofia; 2 + 2 significa o presente; 4 significa o futuro. Mas, assim que escrevemos o presente 2 + 2, o futuro 4 já está predeterminado antes que a mão o transforme em presente lançando-o no papel. Aqui, porém, são tão simples os elementos que o cérebro humano, por si mesmo, ao escrever o 2 + 2, vê imediatamente o futuro 4. Já tudo muda num caso mais complexo, onde em vez de 2 + 2 tenhamos, por exemplo, a Bastilha, Luis 16, Danton, Robespierre, Marat, o clima de França, o ódio da Inglaterra além Mancha, a herança gaulesa combinada com a herança romana, o bilhão de fatores, em suma, que faziam a França de 89. Embora tudo isso predeterminasse o "quatro" Napoleão, esse futuro não poderia ser previsto por nenhum cérebro em virtude da fraqueza do cérebro humano. Pois bem: eu descobri o meio de predeterminar esse futuro — e ve-lo!

— Mas é assombroso, professor! É a mais espantosa descoberta de todos os tempos! exclamei de olhos arregalados. Entretanto, permita-me uma duvida. Se esse futuro ainda não existe, como o pode ver?

— O 4 antes de ser escrito tambem não existe; no entanto o amigo o vê tão claro no presente 2 + 2 que o escreve incontinente.

O argumento calou fundo. Pisquei sete vezes, com a testa fortemente refranzida.

— O futuro não existe, continuou o sábio, mas eu possuo o meio de produzir o momento futuro que desejo.

Tonteando pelo tom categórico daquela afirmativa não ousei duvidar, e estava ainda apalermado com a maravilhosa revelação quando miss Jane apareceu, esplêndida de formosura. Esqueci toda aquela altíssima ciência que já me dava dor de cabeça e regalei os olhos na sua imagem perturbadora. Saudou-me com um gesto amável e disse, dirigindo-se ao
professor:

— Tinha razão, meu pai. Já fiz o corte e lá só vi as eternas brancuras da neve.

E voltando-se para mim:

—Tem aprendido muita coisa, senhor Ayrton?

—Mais que em toda a minha vida, miss Jane, e começo a bendizer o acaso que me fez vitima de um desastre.

—E está tão no começo ainda! Quando entrar no segredo de tudo e puder ver diretamente uns cortes, o seu assombro vai ser ilimitado.

—Já prevejo isso, senhorita, e...

E engasguei-me. Miss Jane olhara-me nos olhos e eu não era criatura que suportasse de frente um olhar assim. Cheguei a corar, creio, o que inda mais aumentou a minha perturbação. Felizmente a boa criatura, vendo que eu me calava, voltou-se para o professor Benson e disse:

— Mas agora, meu pai, tréguas ás revelações. O café está na mesa e com uns bolinhos tentadores que eu mesma fiz. Senhor Ayrton, vamos...
––––––––
continua… VI – O Tempo Artificial

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

domingo, 25 de setembro de 2011

Paraná Trovadoresco

Almirante Tamandaré Meu amor sempre me espera à tarde com um lanchinho, mas eu fico na quimera de tomarmos nosso vinho. HARLEY STOCCHERO Apucarana Cada um tem seu destino! A pedra faz o castelo, o bronze, a máquina e o sino, o ferro faz o martelo. FAHED DAHER Arapongas Cidade dos passarinhos, Arapongas, Paraná. Aqui se constroem ninhos, que a todos acolhem cá! MARIA GRANZOTO Campo Largo Eu curto todo momento e não perco um só segundo. Num minuto em pensamento posso estar em outro mundo! ÁUREO BAIKA Campo Largo tem história ! … Em caminhos de tropeiros, caminhos que abriram glória e foram os verdadeiros !! MIGUEL ANGEL ALMADA Campo Mourão Professor pro atrasadinho, já com fama de mal-vindo: – Por favor, fique quietinho! – Mas, já tem gente dormindo? SINCLAIR POZZA CASEMIRO Castro Saibamos as leis de cor, Façamos do lar um templo, mas nada educa melhor do que o nosso bom exemplo. HILDA KOLLER Contenda Ao professor muito devo, devo ao médico também. Mas o livro é meu enlevo, tudo que sei dele vem. HILDEMAR CARDOSO MOREIRA Curitiba Sempre que ponho em meus versos as coisas do coração, os pensamentos, dispersos, tomam forma de oração! ALDO SILVA JÚNIOR Deus nos deu inteligência, arbítrio e também saber. Não inverta esta sentença: Viva... e deixe-me viver! ANGELO BATISTA Pinheiros ou araucárias, com formas de belas taças dão pinhas extraordinárias e ao pinhão rendemos graças! ARIANE FRANÇA DE SOUZA A mulher, eu sei, confesso, é luxo da natureza... Fruir seu corpo é acesso às loucuras da beleza! APOLLO TABORDA FRANÇA E na escalada da vida tenho uma grande ambição: de ser a amiga escolhida pra te levar pela mão. ARACELI FRIEDRICH Diz um sábio singular este aforismo, a valer: Deus criou o bem e o mal compete à gente escolher. ARGENTINA DE MELLO E SILVA A passarada desperta canta louvores ao dia e a flor se dá por oferta enquanto o fruto anuncia. ANTÔNIO SALOMÃO Para observador atento, sempre há o que ouvir e ver. Mesmo nas vozes do vento, encontrará o que aprender. CAMILO BORGES NETO No comércio, o cidadão, nunca vive sossegado. Quando escapa do ladrão, cai no golpe do fiado. CASSIANO SOUZA ENNES Sol e chuva, distinção, desta Cidade Sorriso sob qualquer condição, me sinto no paraíso!!! CECÍLIA SOUZA ENNES Não seja bobo, sorria das coisas que vê na vida. Faça uma trova por dia, que é saúde garantida. CECILIANO JOSÉ ENNES NETO Ao meu Deus peço um favor, bom presente para o mundo: Um saco cheio de amor, daqueles que não tem fundo! CRISTIANE BORGES BROTTO Salve Ano Novo! Risonho, feliz, tranquilo a chegar! Vem, como meu grande sonho: de a tudo e a todos amar! CYROBA BRAGA RITZMANN Quando deito do teu lado e acordo nos braços teus, viajo no céu estrelado e chego perto de Deus! GILBERTO FERREIRA Explode no firmamento um sol de raro esplendor, espargindo pelo vento, eflúvios de eterno amor! GLYCÍNIA DE FRANÇA BORGES Minha mãe que eu adorava, para mim tão boa e linda com tanto amor me falava que lhe escuto a voz ainda! HEITOR BORGES DE MACEDO Faça a criança feliz! Ensine a mesma a pensar. Dê-lhe na ponta do giz razão pra não fracassar! JOSIAS DE ALCÂNTARA É na tarde que desmaia, é numa canção dolente que a saudade se atocaia para apunhalar a gente. LOURDES STROZZI-CURITIBA Se caem do céu as águas com tanta beleza e encanto, por que desencanto e mágoas há nas águas do meu pranto? Mª DA CONCEIÇÃO FAGUNDES Minha sogra, por pirraça, como fosse um megafone, no coreto lá da praça bota a boca no trombone. NEI GARCEZ É na ausência que a saudade nos invade e fere a gente, porque a ausência, na verdade, na saudade está presente. ORLANDO WOCZIKOSKY Na vida vivo tentando tornar meu mundo risonho, pois a tristeza vem quando existe ausência de um sonho. VANDA ALVES DA SILVA Se ausência é cena vazia, guarda, invisível, latente, a marca de algo que, um dia, ali já esteve presente VANDA FAGUNDES QUEIROZ Descontraia sua testa, sorrir é grande investida! Quem transforma a vida em festa vence tensão reprimida! VÂNIA MARIA DE SOUZA ENNES A tua ausência é o refrão de uma tristeza sem fim, onde o tempo ao dizer não, permite à dor dizer sim. WALNEIDE FAGUNDES DE S. GUEDES As nuvens choraram tanto, que o sol compensa o escarcéu, tecendo com doce encanto mais sete cores no céu! WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ Ibiporã Semblante santificado cabeleira cinza escuro, mamãe viveu seu passado planejando meu futuro. MAURICIO FERNANDES LEONARDO Irati Toda semente que eu planto nos sulcos da minha dor, germina regada em pranto, mas, desabrocha em amor! MAFALDA DE SOTTI LOPES Ivatuba Volta, amor! – é o teu retorno felicidade e prazer. Teu corpo é um caminho morno que eu adoro percorrer! ELIDIR D’ OLIVEIRA Joaquim Távora Pôr-do-sol, campos desertos, e o pinheiro então parece estar de braços abertos a sussurrar uma prece. ADILSON DE PAULA Lapa Nas águas mansas do lago, nas verdes ondas do mar, nas delícias de um afago, vejo a mão de Deus pairar. JOSÉ WESTPHALEN CORRÊA Londrina “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe…” - Por mais que um ser nos perfure, que nossa alma não desabe! CIDINHA FRIGERI Maringá  Neste planeta sofrido, com tanto lixo fedendo, há muito louco varrido, pouca vassoura varrendo. ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS Flores e folhas caindo, que lindo é este processo… O outono chega sorrindo, pois renascer é sucesso! ARLENE LIMA Senhor, neste amanhecer, louvo a tua criação: da aurora ao entardecer, eu te encontro em meu irmão! CÔNEGO BENEDITO VIEIRA TELLES Ausência é uma coisa séria, sobretudo a dos ateus, que só vivem da matéria, ausentando – se de Deus. JOSÉ BIDÓIA  Diante do encanto desfeito por promessas não cumpridas, eu sempre encontro outro jeito de entrelaçar nossas vidas. OLGA AGULHON Quem tem sonhos hoje em dia, nunca perca a esperança. Diz velha sabedoria: “Quem espera sempre alcança!” JOSÉ FELDMAN Morretes A primavera cantemos anos juvenis, risonhos… Além nós todos sabemos, restarão só nossos sonhos! LÚCIO DA COSTA BORGES Palmeira Confesso é no teu perfume e no sabor do teu beijo, que para mim se resume a volúpia do desejo. HEITOR STOCKLER DE FRANÇA Paranaguá Se o beijo guarda o perfume de estranha, esquisita flor é porque o beijo resume a vida e a glória do amor. LEÔNCIO CORREIA Paranavaí A trova quando é sentida viaja em nossa emoção Nos faz fiéis toda a vida, une os povos, faz irmãos DINAIR LEITE A Terra no seu início, foi palácio verde em flor! Agora é um precipício de enchentes e dissabor. OTAVIO LEITE GOETTEN Eu comprei uma ampulheta pra entender o tempo assim. Vi que era uma silhueta de um vai e volta sem fim. RENATO LEITE GOETTEN Pinhais Meu girassol pobrezinho saudoso, não resistiu. Morreu olhando o caminho por onde meu bem partiu… LIGIA CHRISTINA DE MENEZES Pinhalão Todo filho vem dos pais, vem o mel da flor silvestre; não há dor sem dor nos ais nem discípulo sem mestre. LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE Piraí do Sul Contra mágoas, dissabores, um santo remédio há. Receita: Rua das Flores – Curitiba – Paraná. VERA VARGAS Piraquara A saudade rasga o véu do tempo e traz do passado minha mãe, que lá do céu sempre tem me abençoado. HORÁCIO F. PORTELLA Ponta Grossa A esperança em nossa vida, pelo valor que ela ostenta, pode até ser resumida, como o pão que nos sustenta. AMÁLIA MAX Registrando alguma ausência, contabilidade ingrata, nosso amor pediu falência, desistiu da concordata! FERNANDO VASCONCELOS Um erro, mesmo pequeno, ganha maior dimensão pela força do veneno que há na ausência do perdão… MARIA HELENA OLIVEIRA COSTA Entre todos os recantos é aqui que me sinto bem: - o meu lar tem tais encantos que outros lugares não têm! SONIA MARIA DITZEL MARTELO Quatro Barras Nas noites da minha vida, vida errada, vida certa, cada estrela me convida a uma nova descoberta. AIRO ZAMONER Rio Branco do Sul A vida é um mar de rosas legando beleza e olor, às criaturas bondosas, que sabem semear o amor. SARA FURQUIM São Jerônimo da Serra Belo e vetusto pinheiro! Tão alto… é grande a distância… foi meu leal companheiro nos doces anos da infância… DÉSPITA PERUSSO São Jorge do Ivaí Tão suave é o teu carinho: Há nele a calma de um lago… - Tem a ternura de um ninho e a paz de um materno afago! HULDA RAMOS GABRIEL São José dos Pinhais Esta estação é tão linda… Cobrindo os campos de flores. Que seja sempre benvinda! Com alegria e muitas cores. PATRÍCIA CRISTIANE DE SIQUEIRA São Mateus A frase dura que escapa da boca de muitos pais é tão cruel como um tapa e, às vezes, machuca mais! GERSON CESAR SOUZA Tomazina Curitiba tem seus bares com requinte de Paris, Aos boêmios, seus altares, e aos poetas, lar feliz. CECIM CALIXTO União da Vitória Quero rever os meus pagos, ouvir toda a velha história. Quero sentir os afagos… da minha União da Vitória! HELY MARÉS DE SOUZA
Fonte: Almanaque Paraná 1 e 2.

Pedro Ornellas (Trovas: Saudade é…) Parte 6 e final


101
Saudade - coisa engraçada:
é tal qual água corrente
que quisesse, já passada,
voltar de novo à nascente.
Antônio Zoppi – Americana SP

102
Saudade é imenso navio
no mar de minha existência,
a navegar no vazio
deixado por sua ausência...
João Paulo Ouverney – Pindamonhangaba SP

103
É tão viva tal sentença
Que tenho na consciência:
A saudade é a presença
Constante da tua ausência!
Ivan Herzog de Oliveira – Petrópolis RJ

104
A saudade é uma semente
de lágrimas orvalhada;
brota na noite do ausente
e floresce na alvorada.
Maria Thereza Cavalheiro – São Paulo

105
Saudade é gota caída,
é pranto que ninguém vê:
-É uma lágrima sentida
que leva sempre a você.
Waldir Neves – Rio de Janeiro RJ

106
A distância é um horizonte
separando as existências.
Saudade é uma longa ponte
ligando duas ausências.
Antônio Zoppi – Americana SP

107
Saudade – ventura ausente,
Um bem que longe se vê,
Uma dor que o peito sente,
Sem saber como e porquê.
Bastos Tigre – Recife PE

108
- Que é saudade? - Reticências...
Vozes de ontem num cicio...
Um cheiro forte de essências
que guarda o frasco vazio...
Maria Thereza Cavalheiro – São Paulo

109
É a saudade um recado
que parece até incoerente
pois lembra um bem do passado
que causa dor no presente.
Carmen Felicetti – Petrópolis RJ

110
Saudade - mãos de veludo
que nos levam ao passado,
onde reencontramos tudo
em escombros transformado.
Colombina – São Paulo SP

111
"Saudade" - tema da prova
que me vence, me intimida...
- Quem pode pôr numa trova
o que enche toda uma vida?
José Maria M. de Araújo – Rio de Janeiro RJ

112
Saudade - coisa que a gente
não explica nem traduz;
faz do passado, presente,
e traz sombras, sendo luz...
Colombina – São Paulo SP

113
É sempre assim a saudade:
luz nas sombras da incerteza,
mal a ferir sem maldade,
pranto a sorrir na tristeza.
Francisco Nogueira - SP

114
Saudade é grito gaudério,
que num segundo se expande
e forma seu grande império
nas coxilhas do Rio Grande.
Ayda – Santiago RS

115
O amor quando acaba, cobra
tributo que nos assalta.
Saudade é aquilo que sobra
daquilo que já nos falta.
Antônio Zoppi – Americana SP

116
Saudade é o fundo de um poço
onde minha alma vegeta,
mantendo vivo, no fosso,
o coração do poeta!
Francisco Macedo – Natal RN

117
Saudade, meiga Saudade
filha do amor e da ausência,
és a nossa mocidade
durante toda a existência.
Bastos Tigre – Recife PE

118
Definir o que é saudade
é difícil como quê...
É espécie de enfermidade
de estar longe de você.
Vera Milward de Carvalho – Caxambu MG

119
De alguém que amamos, a imagem
que está longe vemos perto...
- Saudade é como miragem
que engana o olhar no deserto.
Stélio Autran – Rio de Janeiro RJ

120
A alma gela-se de tédio,
enchem-se os olhos de ardor.
Saudade – dor que é remédio,
remédio que aumenta a dor!
Bastos Tigre – Recife PE

121
Resto da chama incontida
do amor, outrora envolvente,
saudade – é fumaça ardida
queimando os olhos da gente!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

122
Pondo-me agora em contato
com meus sonhos de criança,
saudade é porta-retrato
na carteira da lembrança!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

123
Num constante escarafuncho
que eu condeno mas aceito
esta saudade é um caruncho
causando estrago em meu peito!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

124
Sodade, pra sê bem franco,
é uma perebinha à toa,
mas que a casca eu sempre arranco
pro módi a cocera boa!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

125
Saudade é um retrato antigo,
na carteira, desbotando,
que eu sempre levo comigo
para olhar de vez em quando!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

126
Saudade é uma voz sem fala
é mal que a cura dispensa...
é uma ausência que se instala
disfarçada de presença!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

127
Saudade, uma dor infinda,
um barco longe do cais...
Desejo de ter-se ainda
o que já não se tem mais!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

128
Pelos trilhos da lembrança,
a saudade, trem expresso,
traz, no vagão da esperança
meu passado de regresso!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

129
De tudo o que já foi dito
resta dizer que a saudade
é um velho poema escrito
com tinta de mocidade!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

130
Que gosto dela eu assumo,
pelo bem que faz agora...
Porque a saudade é o resumo
dos bons momentos de outrora!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

131
Saudade, doce tristeza,
resto de um sonho frustrado...
Brasa teimosa, ainda acesa
entre as cinzas do passado!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

132
Felicidade – inebriante
coquetel servido a dois...
Saudade – a conta gigante
que a vida manda depois!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

133
Saudade, um sonho guardado...
magia que se eterniza...
num filme bom do passado
que o pensamento reprisa!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

134
Por uma prenda, o rabicho
que por teimoso eu sustento,
faz da saudade bolicho
que toda noite eu freqüento!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

135
Não me dá chance de fuga
esta saudade que amarga...
Parece até sanguessuga
que quando gruda, não larga!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

136
Faz companhia ao sozinho,
permite ao velho ser jovem
- Saudade - estranho moinho
que as águas passadas movem!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

137
É soberana e dispensa
todo escrutínio que eu faça...
Saudade, eterna presença
de um passado que não passa!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

138
Saudade é dor que maltrata...
É a mente correndo atrás
de coisas que a vida ingrata
leva e de volta não traz!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

139
Amarelado e restrito
aos aposentos do peito,
Saudade é um poema escrito
no pretérito perfeito!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

140
Saudade dói, mas conforta,
e ao confortar, no abandono,
faz papel de folha morta
que enfeita os quadros de outono!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

141
Vi meu drama retratado
numa canção boiadeira;
se a saudade é o boi malvado,
sou "menino da porteira"!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

142
Saudade, de forma clara,
define assim quem amou:
é uma lembrança que pára
de um tempo que não parou!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

143
Saudade é fada menina
cujo lar de habitação
é uma casa pequenina
nos fundos do coração!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

144
Saudade é chama que brilha
de um lampião encantado
lançando luz sobre a trilha
que nos conduz ao passado!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

145
Saudade lembrança boa
de quanto a vida era bela
por conta de uma pessoa
que um dia fez parte dela!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

146
Saudade é a teima esquisita
em se apegar a um passado
que a gente não acredita
que tenha mesmo passado!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

147
Saudade, um perfil risonho
que ao ser por mim recomposto,
toda vez que recomponho
ganha os traços do teu rosto!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

148
Saudade é um bem que da gente
há muito já se apartou
mas continua presente
nas lembranças que deixou!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

149
Saudade, espelho da vida,
dentro do peito guardado
que sempre traz refletida
a imagem do meu passado!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

150
Saudade é joçá de roça
que vem dos canaviais;
sem que se coce já coça...
E se coçar, coça mais!
Pedro Ornellas – São Paulo/SP

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Florbela Espanca (Mensageira das Violetas) II


JUNQUILHOS...

Nessa tarde mimosa de saudade
Em que eu te vi partir, ó meu amor,
Levaste-me a minh'alma apaixonada
Nas folhas perfumadas duma flor.

E como a alma, dessa florzita,
Que é minha, por ti palpita amante!
Oh alma doce, pequenina e branca,
Conserva o teu perfume estonteante!

Quando fores velha, emurchecida e triste,
Recorda ao meu amor, com teu perfume
A paixão que deixou e qu'inda existe...

Ai, dize-lhe que se lembre dessa tarde,
Que venha aquecer-se ao brando lume
Dos meus olhos que morrem de saudade!

MENTIRAS

Ai quem me dera uma feliz mentira

que fosse uma verdade para mim!

J. Dantas


Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?

Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito...

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!

AOS OLHOS DELE

Não acredito em nada.
As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar.

E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.
Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:

Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!
Mas avisto os teus olhos, meu amor,

Duma luz suavíssima de dor... E grito então ao ver esses dois céus:
Eu creio, sim, eu creio na Virgem Santa
Que criou esse brilho que m'encanta!
Eu creio, sim, creio, eu creio em Deus!

DOCE CERTEZA

Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer...

Hás de tecer uns sonhos delicados...
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!...

Mas nunca encontrarás p´la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d´amor que são meus versos!...

VERSOS

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma...

Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,
Um verso é o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!... Sei eu lá também que são...
Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez...

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês...

À TUA PORTA HÁ UM PINHEIRO MANSO

À tua porta há um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.

Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.

Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra...

E, à noite, a sua voz dolente e vaga
É o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!

A TUA VOZ DE PRIMAVERA

Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!

Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!

Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...

Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!

TRAZES-ME EM TUAS MÃOS DE VITORIOSO

Trazes-me em tuas mãos de vitorioso
Todos os bens que a vida me negou,
E todo um roseiral, a abrir, glorioso
Que a solitária estrada perfumou.

Neste meio-dia límpido, radioso,
Sinto o teu coração que Deus talhou
Num pedaço de bronze luminoso,
Como um berço onde a vida me pousou.

O silêncio, ao redor, é uma asa quieta...
E a tua boca que sorri e anseia,
Lembra um cálix de tulipa entreaberta...

Cheira a ervas amargas, cheira a sândalo...
E o meu corpo ondulante de sereia
Dorme em teus braços másculos de vândalo...

EU...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que alguém sonhou.
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

TORTURA

Tirar dentro do peito a emoção,
A lúcida verdade, o sentimento! –
E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso d´alto pensamento,
E puro como um ritmo d´oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!

A MINHA DOR

A você

A minha dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres d´agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro!
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

A FLOR DO SONHO

A flor do sonho, alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou talvez, sina....

Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh´alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...

NOITE DE SAUDADE

A noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura...

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu ouço a noite a soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Por que é assim tão ´scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!

AMIGA


Deixa-me ser a tua amiga, amor;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa, a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom!
Seja o que for Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!...

PARA QUÊ?!

Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que nosso peito ri `a gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos d´amor? Pra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só acredita neles quem é louca!
Beijos d´amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...

Fonte:
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) II – A Minha Aurora; III – Capitão Nemo


CAPITULO II
A Minha Aurora

Pela primeira vez depois de recolhido àquela mansão punha eu o nariz fora do meu quarto de doente.

Senti-me surpreso. A casa do professor Benson não era ao tipo da casa vulgar. Dava antes ideia de uma espécie de castelo, não pelo estilo, que não lembrava nenhum dos castelos clássicos que eu vira reproduzidos em cartões postais, mas pela massa e o estranho da construção. Olhei para aquilo com marcado espanto. Além do corpo fronteiro, evidentemente moradia familiar, erguiam-se pavilhões, galerias envidraçadas e vários minaretes altíssimos, ou, melhor, torres de ferro enxadrezado, entretecidas de fios de arame.

— Que diabo de casa é esta? perguntei ao criado, voltando-me para ele.

O criado, um tipo de misterioso aspecto e mais com ar de autômato do que de gente, permaneceu imovel atrás de mim, sem mostras de ter ouvido.

Repeti-lhe a pergunta, e nada. Lembrei-me então da minha conversa com o corretor, quando me deu informes sobre o sábio Benson e contou que vivia misteriosamente, servido por criados mudos. Sem duvida era aquele um dos tais. Isto me fez estremecer. O pouco que eu vira já me provara não ser o morador do castelo um homem comum — e o viver servido por mudos ainda mais me aguçava a ponta do enigma.

Prossegui, entretanto, no meu passeio, conformado em fazê-lo cm silencio, uma vez que o mutismo era a senha da casa. Em redor do castelo estendiam-se campos e florestas. Região montanhosa mas de relevo suave, cochilas mansas que ao longe ganhavam corpo até se erguerem na morraria de um dos contrafortes da serra do Mar. Nos vales, belos capões de mata virgem; e nas lombas, um tapete de gramíneas crioulas, naquela época revestidas de florzinhas róseas.

Notei logo que a natureza não era ali trabalhada. Tudo vivia em estado selvagem, sem sombra de intervenção humana além da impressa nos caminhos. Nem gado nas pastagens, nem sombras de cultura — porteiras ou cercas. Um pedaço de natureza virgem onde o homem só abriria passagens que lhe dessem o gozo das perspectivas naturais.

Compreendi que não estava numa fazenda. Homem de posses, o professor Benson teria aquilo apenas para recreio dos sentidos, sem o menor recurso ás possibilidades do solo. Unicamente em redor da casa havia algo beneficiado: belo jardim todo garrido de rosas; aos
fundos, o pomar.

Caminhei por espaço de meia hora e, no alto de uma colina, sentei-me no topo de um cupim para admirar a vista soberba dali descortinada. Impressionava estranhamente aquele castelo de inexplicável arquitetura, em meio duma natureza rude e calma, onde só uma ou outra ave silvestre rompia o silencio com o seu piar.

Afeito ao meu viver de cidade, no tumulto das ruas, aquele silencio e aquela solidão punham-me novidades n'alma. Senti no cérebro um referver de ideias novas, a saírem da casca que nem pintos.

A impressão geral que tive diante da natureza liberta da presença e ação do homem, coisa que via pela primeira vez, foi da minha absoluta nihilidade — da nihilidade absoluta dos meus patrões, naquele momento a se esbofarem no escritório e a maldizerem do empregado desaparecido sem licença. — Para eles era eu o empregado — e tambem vinte dias antes eu me considerava apenas um empregado, isto é, humilde peça da maquina de ganhar dinheiro que os senhores Sá, Pato & Cia. houveram por bem montar dentro de uma certa aglomeração humana. Mas ali não me via empregado de ninguém; era um ser igual ás ervas que esverdeciam as colinas, ás árvores que frondejavam nas grotas e ás aves que piavam nas moitas. Sentia-me deliciosamente integrado na natureza.

Minha loquela desaparecera. A necessidade de falar a todo o transe, tamanha que me fazia ás vezes falar sozinho, se substituira pela necessidade do silencio. Cheguei a agradecer a finura do velho sábio em dar-me um companheiro mudo, compreendendo que, se em vez dele ali estivesse o meu barbeiro, terrível alto falante de futebol e jogo de bicho, bem certo que eu chegaria ao extremo de amordaça-lo.

Talvez até nem fosse mudo de nascença o criado, mas apenas emudecido por influição local. Comigo vi que tambem emudeceria, se permanecesse algum tempo naquele deserto. O ar livre abriu-me o apetite e o apetite aberto fez-me lembrar do almoço e da ordem de aparecer antes dele no gabinete do professor Benson. Tratei de voltar — e ao pôr pé no castelo já me sentia bem outro homem, varrido das preocupações de outrora e absolutamente exonerado, por incompatibilidade psicológica, das funções de factotum crônico dos senhores Sá, Pato & Cia.

CAPITULO III
O Capitão Nemo

Quando o criado me fez entrar no gabinete do doutor Benson o velho não se achava ali. Aproveitei o ensejo para correr os olhos pelas paredes e admirar, ou antes, embasbacar-me com as estranhas coisas que via. Devo dizer que não compreendi nada de nada.

Conhecia o gabinete de trabalho dos meus patrões e o de muitos outros negociantes. Tambem conhecia consultórios médicos, salas de advogado, salões de hotel, e facilmente tomava pé num deles. Os moveis, os quadros das paredes, os objetos de cima de mesa, os bibelôs, as estatuetas, essas coisas todas me valiam por marcas digitais das que revelam a profissão do dono. No gabinete do professor Benson, porém, tudo me era desnorteante e, fora as poltronas, nas quais o corpo afundava, como nas do Derby Club, onde estive uma vez á procura dum figurão, tudo mais me valia por citações em caracteres chineses numa página em lingua materna. Pelas paredes, quadros — não quadros comuns com pinturas ou retratos, mas quadros de mármore, como os das usinas elétricas, inçados de botõezinhos de ebonite. E reentrâncias, afunilamentos que se metiam pelos muros como cornetas de gramofone, lâmpadas elétricas dos mais estranhos aspectos, grupos de fios que vinham aos quatro, aos cinco, aos vinte e de repente se sumiam pelo muro a dentro.

Todavia, o que mais me prendeu a atenção foi, ao lado da secretária do professor, um enorme globo de cristal, e sobre ela, apontado para o globo, um curioso instrumento de olhar, ou que me pareceu tal por uma vaga semelhança com o microscópio.

Eu lera em criança um romance de Julio Verne, Vinte Mil Léguas Submarinas, e aquele gabinete misterioso logo me evocou varias gravuras representando os aposentos reservados do capitão Nemo. Lembrei-me tambem do professor Aronnax e senti-me na sua posição ao ver-se prisioneiro no "Nautilus".

Nesse momento uma porta se abriu e o professor Benson entrou.

— Bom dia, meu caro senhor... Seu nome? Ainda não sei o seu nome.

— Ayrton Lobo, ex-empregado da firma Sá, Pato & Cia., respondi, fazendo uma reverencia de cabeça e carregando no ex com infinito prazer.

— Muito bem, disse o professor. Queira sentar-se e ouvir-me.

O hábito de sempre falar de pé aos ex-patrões impediu-me de cumprir a primeira ordem dada pelo meu novo chefe, e vacilei uns instantes, permanecendo perfilado. O professor Benson compreendeu a minha atitude; pos-me a mão no ombro e, paternalmente, murmurou na sua voz cansada:

— Sente-se. Não creia que o vou reter aqui como a um subalterno. Disse que iria ser o meu confidente e os confidentes não se equiparam aos homens de serviço. Sente-se e conversemos.

Sentei-me sem mais embaraço, porque o tom do misterioso velho era na realidade cordial.

— O senhor Ayrton, pelo que vejo e adivinho, é um inocente, começou ele. Chamo inocente ao homem comum, de educação mediana e pouco penetrado nos segredos da natureza. Empregado no comercio: quer dizer que não teve estudos.

— Estudos ligeiros, ginasiais apenas, expliquei com modéstia.

— Isso e nada é o mesmo. Eu preferia ter para confidente um sábio ou, melhor, uma organização de sábio, inteligência de escol, das que compreendem. Em regra, o homem é um bipede incompreensivo. Alimenta-se de ideias feitas e desnorteia diante do novo. Mas costumo
respeitar as injunções do Acaso. Ele o trouxe ao meu encontro, seja pois o meu confidente. E saiba, senhor Ayrton, que é a primeira criatura humana aqui entrada desde que conclui a construção deste laboratório.

—O castelo, quer dizer?

—Sim, o castelo, como romanticamente lhe apraz chamar esta oficina de estudos onde realizei a mais extraordinária descoberta de todos os tempos.

Sem querer dei um recuo na poltrona, pensando logo na pedra filosofal e no elixir da longa vida.

— Não se assuste, nem arregale, dessa maneira, os olhos. Nem tente adivinhar o que é. Saiba apenas que se acha diante de um homem condenado a levar consigo ao túmulo o seu invento, porque esse invento excede á capacidade humana de adaptação ás descobertas. Se eu o divulgasse, pobre humanidade! Seria impossível prever a soma de consequências que isso determinaria. Se houvesse, ou antes, se predominasse no homem o bom senso, a inteligência superior, as qualidades nobres em suma, sem medo eu atiraria á divulgação a minha maravilhosa descoberta. Mas sendo o homem como é, vicioso e mau, com um pendor irredutível para o despotismo, não posso deixar entre eles tão perigosa arma.

— Quer dizer, atrevi-me a murmurar, que se o doutor quisesse...

— Se eu quisesse, interrompeu-me o velho sábio, tornar-me-ia o senhor do mundo, pois me vejo armado de uma potência que até hoje os místicos julgaram atributo exclusivo da divindade.

Dei novo recuo na cadeira, desta vez meio na duvida se falava com um somem sadio dos miolos ou com um maluco. O ar sempre sereno do professor Benson acomodou-me, porém.

— Mas não quero. A dominação sobre o mundo não me daria prazeres maiores que os que gozo. Não me faria ver mais azul e límpida aquela serra, nem respirar com mais prazer este ar puro, nem ouvir melhor música que a do sabiá que todas as tardes canta numa das laranjeiras do pomar. Além disso, estou velho, tenho os dias contados e nada do que é do mundo consegue interessar-me. Vivi demais, satisfiz demais a minha outrora insaciável, mas hoje saciada, curiosidade de sábio. Só aspiro a morrer sem dor e desfazer-me na vida do universo transfeito em átomos. Quem sabe se cada um desses átomos não levará consigo a capacidade de gozo que há em mim, e se com esse desdobramento não elevo ao extremo as minhas possibilidades?...

Não compreendi muito bem, lento que sou de espirito, a alta filosofia do professor; mas calei-me, cheio de admiração pelo homem que podendo ser imperador, presidente de republica, rei do aço, sultão ou o que lhe desse na telha, visto que podia tudo, contentava-se com ser um misterioso velhinho ignorado do mundo e á espera da morte naquele sereno recanto da natureza.

Nisto um criado surgiu á porta e fez sinal.

— Vamos ao almoço, senhor, Ayrton. Depois continuarei nas minhas confidências, disse-me o professor erguendo-se com dificuldade da poltrona.
––––––––
continua… IV – Miss Jane; V – Tudo Eter que Vibra

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 345)

Uma Trova Nacional

Uma Trova Potiguar

Nas flores de meu terraço,
cultivo o amor à beleza,
e assim preservo um pedaço
do primor da natureza.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Amparo/SP
Tema: NATUREZA - Venc.

Grassa o inverno... E a natureza
se agasalha, enquanto espera
para eclodir, em beleza,
nas flores da primavera!
–ALMIRA GUARACY REBELO/MG–

Uma Trova de Ademar

Minha mente é qual jazida
onde o verso prolifera...
De poesia eu pinto a vida
com cores da primavera!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A primavera opulenta,
rica de cantos e cores,
palpita, anseia, rebenta,
em cataclismo de flores.
–GUERRA JUNQUEIRO/PT–

Simplesmente Poesia

Acróstico
–SERGIO SEVERO/RN–

P assa o Inverno e éis chegada,
R adiante, a Primavera,
I ndicada pelas Flores,
M uitos Tons e mil Olores,
A pós um ano de espera.
V enha, Linda Primavera,
E colora minha Vida,
R epondo a Graça perdida,
A nda! Que o Verão não espera.

Estrofe do Dia

A primavera, é portanto,
diva e berçário das cores,
quando a natureza viva
eclode em seus esplendores,
mostrando a crentes e incréus
todas as cores dos céus
no colorido das flores!
–PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Reciclagem
–DARLY O. BARROS/SP–

O outono chega e o seu poder externa,
provando ser do clima o novo dono
mas, prevenida, a natureza hiberna
– colo de mãe e só o quer, no outono...

E como é próprio da missão materna,
zelosa, a terra vela por seu sono:
entre deveres e atenções se alterna
sonhando-a, gloriosa, no seu trono...

Com esse fito, age – o tempo é breve –,
se a brisa sopra, ainda só de leve,
há que pensar no inverno e em seus rigores!

Meses mais tarde, coroando a espera,
a terra-mãe exibe a primavera,
engalanada de verdor e flores...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ialmar Pio Schneider (Participação e Poesia)

aquarela de Angela Ponsi
Vivemos numa época conturbada, mas nem por isto é necessário mergulharmos na solidão e ignorar o que existe ao nosso redor. Sempre encontraremos alguém que possa nos compreender, com nossos defeitos e virtudes e nos aceitar. Segundo meu entender, não fomos criados para o ostracismo, nem jamais seremos auto-suficientes, pois “uma mão lava a outra, e as duas lavam o rosto”. Assim aprendi desde cedo.

Em certa fase da vida, quem sabe atravessando momentos existenciais difíceis, compus o seguinte soneto, que consta na pág. 133 do meu livro Poesias Esparsas Reunidas, abaixo referido, como segue:

SONETO DA LIBERTAÇÃO –

Quero o caminho da libertação
para seguir na vida mais confiante,
se alimentava mórbida ilusão
procurarei bani-la, doravante.

Preciso estar alerta a todo instante
e suportar a humana condição,
minha vigília deve ser constante
neste universo envolto em turbilhão…

Levo comigo a chama da esperança
e apesar dos percalços da existência
tenho fé, tenho amor, tenho confiança…

Não mais serei o náufrago perdido
pelos mares da angústia e da impaciência,
porque vencendo-me, terei vencido !

- Canoas - 29.01.85.

Lá se vão mais de quinze anos e quando o leio, ainda me parece tão atual, pois muito me ajudou a transpor certa fase que me deprimia, sensivelmente. Não posso ignorar que todos tenhamos a cruz para carregar e o calvário de cada um é a passagem terrena. Por isso que procuro dentro da filosofia, motivos que me levem à participação por intermédio da própria poesia, utilizando meu gênero preferido que é o soneto. Muitos deles (foram tantos), estão impregnados até de pessimismo, mas a mensagem que pretendi imprimir-lhes é de aceitação, sem o que não vejo paz de espírito. Também é certo que existam para todos nós, bons e maus momentos. A vida não passa de uma tragicomédia, plena de altos e baixos, que nos fazem rir e chorar, às vezes até conjuntamente.

Ao finalizar estas poucas e singelas linhas, quero agradecer do fundo do coração aos amigos e colegas que compareceram em minhas sessões de autógrafos na banca da Fundação Cultural de Canoas, na 16ª Feira do Livro de Canoas, nos dias 29 de junho (apesar da chuva ininterrupta) e 7 de julho, quando lancei meu livro de poemas Poesias Esparsas Reunidas, que abrange minha produção poética publicada na imprensa, bem como aos que adquiriram a obra ou me honrem com a leitura dos meus versos. Sem medo de cair em lugar-comum, não tenho palavras que demonstrem cabalmente minha gratidão. Devo dizer simplesmente: Muito obrigado, amigos ! Sejam todos felizes... É o desejo ardente do poeta que existe dentro de mim desde sempre.

Fonte:
http://ialmarpioschneider.blogspot.com/2009_12_01_archive.html

sábado, 24 de setembro de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 22

Antonio Brás Constante (Assalto (In) Cômodo)


É um assalto!

Como?

Eu disse que é um assalto!

Mas, nem revolver você tem...

É que sou contra a violência. O desemprego me obrigou a partir para o mundo do crime, mas procuro fazer isso de forma pacífica.

Olha. Não me leva a mal, mas o que faz você pensar que eu vou aceitar ser assaltado por alguém que não usa armas e não gosta de violência?

Justamente para evitar mais violência desnecessária. Se você não colaborar comigo e chamar a polícia, vou acabar preso. A prisão vai servir de escola para me transformar em uma pessoa pior. Quando sair de lá provavelmente vou passar a ser violento e agressivo em meus assaltos. Você não quer isso quer?

Sei...

Sem falar que se eu fosse praticante da violência, ao invés de estarmos dialogando calmamente como agora, você estaria com uma arma apontada para sua cabeça, sendo agredido, humilhado, quem sabe até mesmo morto. Se tivesse problemas cardíacos poderia ter um ataque ou algo parecido...

E você acha que alguém em juízo perfeito vai dar dinheiro para um ladrão somente baseado nesses argumentos?

Claro. Pense bem. Se todos os assaltantes agissem assim, não haveria tantas mortes, violência, famílias que perdem seus maridos, filhos, irmãos entre outros em assaltos. As verbas contra a violência poderiam ser destinadas para outros fins como a geração de empregos, diminuindo assim o índice de assaltos até finalmente acabar com eles de vez.

Ok. Toma este dinheiro aqui...

Uau! Tudo isto? Como você é generoso...

Generoso nada. Pega este dinheiro e vai comprar uma arma. Sou um homem da lei. Se essa moda que você está pregando der certo vou acabar sem emprego. Por isso escuta bem, se eu te pegar tentando dar uma de assaltante bonzinho novamente, te prendo e cubro de porrada. Agora some daqui.

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Spaceblog