sábado, 22 de março de 2014

António de Assis Junior (O Segredo da Morta)

Artigo de Paula Alves Calzolari, sob o título "O Segredo da morta: um roman-feuilleton angolano"
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Nossa exposição tem por objetivo discutir a relevância de se tomar por texto de base de O Segredo da Morta, do angolano António de Assis Júnior, sua primeira edição. Vindo à luz como folhetim no jornal A Vanguarda, em 1929, a obra ganha sua edição em livro através d’A Lusitânia, em 1935, e das Edições 70, em 1979. A informação de que os periódicos constituíram desde cedo e por muito tempo uma das poucas fontes possíveis de publicação na África de Língua Portuguesa vem reforçar a importância de se atentar para o veículo original, apesar do não acesso aos números d’A Vanguarda em que se veiculou a narrativa. O Segredo da Morta constitui, o que confirmam os estudiosos das Literaturas Africanas, um marco no panorama literário desse país. Escrito num período de quase não literatura (1910 – 1940), o romance de Assis Júnior inaugura na ficção um olhar diverso do da literatura dita colonialista, que vigorava até então.

Este trabalho tem por objetivo discutir a relevância de se tomar por texto de base de O Segredo da Morta (1) , de António de Assis Júnior, sua primeira edição. Vindo à luz sob a forma de folhetim no jornal A Vanguarda, em 1929, OSM ganha sua edição em livro através d’A Lusitânia, em 1935, e das Edições 70, em 1979.

A informação de que os periódicos constituíram desde cedo e por muito tempo uma das poucas fontes possíveis de publicação na África de Língua Portuguesa vem reforçar a importância de se atentar para o veículo original, apesar do não acesso aos números d’A Vanguarda em que se veiculou a narrativa. Dispomos apenas de sua segunda edição em livro, visto que a primeira2 também não nos foi acessível. Ao que parece, infelizmente, tanto um quanto o outro se perderam em meio ao confuso e sangrento contexto histórico de Angola.

Mas, se por um lado, tais obstáculos se nos afiguram, dificultando a empresa, por outro, nos dão a certeza da necessidade do mesmo e de sua urgência. OSM constitui, o que confirmam os estudiosos das Literaturas Africanas, um marco no panorama literário desse país. Escrito num período de quase não literatura (1910 – 1940), o romance de Assis Júnior inaugura na ficção um olhar diverso do da literatura dita colonialista, que vigorava até então.

À preocupação do autor em preservar as tradições de seu país soma-se a qualidade do texto, uma obra de mistério meticulosamente arquitetada, que transpõe para a escrita um imaginário calcado na oralidade, como bem observa Laura Padilha.

E, talvez, o mais interessante, um romance de costumes angolenses que se quer preservar por meio de um folhetim. Se a compilação em livro não procedesse, tais costumes se restringiriam aos contemporâneos de Assis Júnior, não cumprindo assim seu objetivo, ao que parece, maior. E, mesmo se a idéia da reedição já existisse, ou se a estória já estivesse pronta no papel, não tendo, portanto, sido escrita aos poucos, de acordo com a demanda do jornal, fatos que não podemos comprovar, a forma primeira como a obra chegaria a público permaneceria como folhetim, o que, de qualquer modo, inevitavelmente, orientaria os passos da estória, estratégias e posicionamentos do autor.

Considerar a origem folhetinesca de OSM pode clarear muitas questões bem como desfazer alguns mal entendidos, como a acusação de complacente a que foi submetido o autor, por atenuar a violência contra os escravos no texto.

A introdução do ensino liceal em Angola, como sabemos, data de 1919, distando da publicação de OSM – em folhetim – apenas dez anos. O índice de analfabetismo, conseqüentemente, era, como ainda é, alarmante. Sendo
assim, o público leitor da narrativa de Assis Júnior era formado pelos angolanos que estudaram em Lisboa, filhos da pequena burguesia surgida em 1820, retratada em OSM, isto é, a intelectualidade do país, além de estrangeiros e descendentes dos colonos.

Não devemos, contudo, nos esquecer das rodas de leitura dos folhetins, freqüentes no Brasil, por exemplo. Ora, os angolanos, que já cultivavam tal hábito para a troca de missossos e outras estórias orais, muito provavelmente fizeram o mesmo em relação às narrativas publicadas em partes.

O próprio Assis Júnior em sua Advertência, mais exatamente na página 32 da edição por nós utilizada, afirma:

“Este livro é para ser lido por todos aqueles, pretos e brancos, que mais decididamente se interessem pelo conhecimento das coisas da terra.” Os que trabalham de sol a sol, como escravos, e passam fome não dispõem de tempo para se interessar pelo estudo das “coisas da terra”. Assim, o próprio Assis Júnior já nos indica o alvo de sua escrita.

Desse modo, a “complacência” do autor em relação às formas de violência sofridas pelos escravos pode ser facilmente explicada. Os leitores de OSM se restringiam, em grande parte, à classe burguesa, à classe dos intelectuais que enchiam as páginas dos periódicos da época, assinando artigos, resenhas e poemas e, que é representada por seus antepassados na narrativa. O romance sai em 1929, a estória abarca o período de 1872 à 1900.

Muniz Sodré, em livro dedicado ao estudo do “bestseller”, afirma que a palavra entretenimento deve necessariamente associar-se à idéia de folhetim. Para entreter, divertir seus leitores, Assis Júnior se vale de uma série de pistas que devem ser percorridas para que se decifre, no fim, o segredo que guarda a morta, mesclando relatos dramáticos na justa medida com outros engraçados. Também não podemos nos esquecer que a repressão colonial e o conseqüente fechamento de jornais certamente pesaram na escrita do que ia na folha impresso.

Ainda assim, o autor aborda a febre espanhola e a pneumonia que vitimaram dezenas de luandenses, doenças, conforme sabemos, não provocadas pela burguesia como os maus tratos aos escravos:

Com efeito, logo após o armistício, grassou na capital, a seguir à “espanhola” e à “pneumônica”, uma epidemia que ceifou uma grande parte da gente nativa. Ana Cristóvão dera o alarme, perecendo subitamente de doença indeterminada, mas que a gente da terra explicava a seu modo. Seguiram-se-lhe as que a tocaram – lavaram e vestiram – e a estas, outras,
formando uma cadeia que crescia em proporção matemática.

(...) A mortandade era relativamente grande. O que então circulou entre as famílias, as faltas que se encontraram e as causas que se atribuíram a tais efeitos, não cabe no âmbito deste livro. A verdade é que, não assentando este facto no campo da fantasia, as opiniões dividiram-se e a corrente cresceu conforme a crença de cada um ou de cada grupo, mais ou menos avivada consoante o berço da sua educação. (OSM, p. 275-276)

A inserção na intriga maior de microepisódios que movimentam a estória, tornando-a sempre interessante, renovada para o leitor, é outra estratégia bastante comum às narrativas-folhetinescas.

No caso do texto em estudo, a presença dessas tramas dialoga ainda com o desvendar progressivo do segredo proposto no epíteto do romance, o segredo de Ximinha Belchior ou Ximinha Reis, instigando num crescente a curiosidade do leitor.

Alguns ou vários mistérios fazem o tecido narrativo. Para desvendar o maior deles, o segredo da morta, há que decifrar outros (entrelaçados ou subsidiários) até desemaranhar-se o principal. (Santilli, 1985, p. 13)

A narrativa propriamente dita tem início no capítulo II, Uma Sombra, quando nos deparamos com a doida dos Cahoios, Ximinha Cangalanga, a andar pelas ruas do Dondo. O capítulo termina com um convite do narrador aos leitores para que ouçam o que tem a dizer Maria de Castro a respeito de como a personagem chegou à loucura.

A partir de então, travamos contato com a estória principal que guarda o romance, o verdadeiro segredo da morta, por meio da narração de Maria de Castro. O leitor é, primeiramente, conduzido ao velório e ao enterro de Ximinha Belchior, tendo em seguida a oportunidade de observar os ritos que os acompanham, o que se dá nos capítulos III, IV e V, respectivamente, R.I.P, O Óbito e Olhos invisíveis. No final desse último capítulo, o narrador nos chama a atenção para a extrema dedicação da personagem Kapaxi (3) à falecida, e nos promete a sua estória também. No capítulo VI, Kapaxi, a promessa do narrador é cumprida.

No capítulo VII, Em viagem, outras personagens comentam entre si casos semelhantes àquele que acabaram de assistir, a saber, o nascimento de Kapaxi, fruto de uma gravidez de hebu (gestação prolongada por anos sem crescimento aparente da barriga). A gruta da aparição de Cristo nos é apresentada, assim como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a Muxima (coração) dos angolanos. Até mesmo uma lenda, a lenda de Kaboka, é contada por um dos passageiros (notar que tal narração vem entre aspas) como uma estória menor dentro da estória (história) de Kapaxi.

Assim segue a narrativa, repleta de microepisódios, alguns, inclusive, constituídos de sonhos reveladores de mortes seguidos das mortes propriamente ditas, como a do sobrinho de D. Clara, e casos ímpares como o da queima dos panos no capítulo XXII, Remember, quando a morta começa a castigar os que lhe faltaram com o respeito em vida e, principalmente, na doença. Passagens como essa conferem o tom exato de mistério à narrativa.

O Segredo da Morta, vai, portanto, sendo aos poucos revelado ao leitor. As trapaças, as infrações cometidas por personagens como Ximinha Cangalanga, Eduardo e outros são reveladas no decorrer do romance e, posteriormente, punidas com doenças e mortes por Ximinha Belchior. De alguns castigos, inclusive, só saberemos o motivo muitas páginas adiante. É, por exemplo, o caso da troca dos panos mencionado no capítulo XXIII, que tem como título o nome do livro, e se relaciona ao leilão dos bens da morta:

Foram os seus bens à praça no tribunal poucos dias depois do seu falecimento, por se não poderem conservar... Quis possuir dela uma recordação, e comprei em leilão esta cama e o colchão (...). Tudo o mais se vendeu, para se guardar o dinheiro; e coisas houve que, na verdade, ela nunca podia ter possuído. Fechei eu as malas e entre os panos que ficaram não havia daqueles, ordinários e velhos, que apareceram em leilão como sendo seus. Quem seria o autor da troca? (OSM, p. 246)

Somente três capítulos adiante, o leitor saberá quem foram os responsáveis pela troca dos panos de Ximinha, quando o narrador comunica o falecimento das personagens Kuabate, Tuturi e Capuxa, mortes, que até então, para quem lê a estória, são despropositadas.

Como podemos perceber, o narrador principal de OSM comanda a urdidura da intriga, ordenando, inclusive, os discursos dos demais narradores, de maneira a manter o interesse do leitor. Assim, uma pergunta lançada em determinada parte do texto só será respondida mais adiante, quando novas questões já tiverem sido propostas.

Santilli sublinha a correspondência entre esse progressivo desvendar de mistérios e o caráter das adivinhas tão presente no imaginário de oratura angolano, idéia reforçada por Laura Padilha ao situar a narrativa de Assis Júnior entre o missosso e a maka, isto é, entre as estórias tradicionais de ficção e as histórias reputadas verdadeiras.

Dentre as duas, a ensaísta realça a idéia da maka como dominante, visto que o narrador todo o tempo busca demonstrar no texto a sua suposta veracidade. Outra característica comum ao texto e oriunda da publicação original é o famoso “corte”, momento em que a narrativa é interrompida e em que se assinala uma “deixa” ou “gancho” para a sua continuação. Marlise Meyer e Vera Santos Dias explicam que no folhetim, “o corte é tudo. Praticamente todos os recursos folhetinescos estão relacionados a ele” (Averbuck, 1984, p. 50). O “corte” que finaliza a publicação de um determinado dia geralmente corresponde ao fim de um capítulo, embora nem sempre seja possível ao folhetinista retomar a narrativa da maneira que lhe parece mais conveniente. O que dita as regras é o espaço disponível no jornal e a narrativa ali está apenas para ajudar a vendê-lo.

Mas o folhetinista, não nos esqueçamos, é, além de romancista, um exímio equilibrista, e tem de o ser para encaixar os fragmentos de seu texto no espaço que lhe cabe no jornal, e ainda manter aceso o interesse do público nas peripécias de suas personagens.

Dos vinte e seis capítulos do romance, além do Epílogo, seis se findam com promessas explícitas de novidades para a (suposta) publicação do exemplar a seguir.

São eles os capítulos II, V, VIII, XIII, XXI e XXIII. O capítulo II, intitulado Uma sombra, por exemplo, é fechado pelo narrador principal com um convite ao leitor para que junto a ele, colocando-se, portanto, numa posição passiva, escute a estória que tem a narrar a personagem Maria de Castro. A presença da doida dos Cahoios, isto é, de Ximinha Cangalanga, faz com que ela se lembre de acontecimentos que presenciou e que podem explicar as condições psíquicas a que chegaram a ex-discípula de Ximinha Belchior. É essa a estória que ela tem a nos contar. E o narrador, antes de passar-lhe a palavra, faz o convite aos leitores:

A conversa continuou, de mansinho, entre a Maria de Castro e sua amiga, que a escutava em silêncio religioso, assentadas junto à porta e alheias a tudo que as cercava. Eram três horas da tarde. O sol declinava sombreando consideravelmente o terreno em frente. Ouçamo-la também... (OSM, p.53)

Assim, o capítulo seguinte é aberto com um novo relato, do qual o leitor toma conhecimento por meio da voz da nova narradora ou da “contadora oral”, nas palavras de Laura Padilha, uma vez que “estamos diante daquela cena tão comum quando o missosso se instaura no círculo de ouvintes.” (Padilha, 1995, p. 78)

Da mesma forma, os demais capítulos dirigem a trama, muitas vezes, aparentemente nada somando de significativo ao enredo. Entretanto, quando não fornecem pistas para o desvendar do segredo proposto, apresentam o intuito de entreter o leitor ou de viabilizar um novo painel de costumes.

É o caso, por exemplo, da conclusão do capítulo VIII, Negra visão:

(...) não resistimos à tentação, como também a ela não resistiu a contadora, de fazermos aqui um breve esboço dos homens e das idéias desses tempos. (OSM, p. 103)

Tais linhas antecedem o capítulo IX, Tempos idos, no qual encontramos a estória do avô de Kapaxi, o comerciante Manuel Antônio Pires, “o homem mais rico da terra” (p.105), recuando ainda mais no tempo. Torna-se aqui lícito lembrar que esse episódio é também utilizado por Assis Júnior para tecer comentários críticos acerca do modo de aquisição de fortuna dos comerciantes, do caráter da gente do governo, etc. Sempre, é claro, por intermédio do(s) narrador(es).

A transcrição do término dos capítulos XIII – Gato por lebre, XXI – O funeral e XXIII – O segredo da morta, respectivamente, não nos deixa dúvida sobre a capacidade de que é dotada uma conclusão de capítulo no referente a direção da trama e, sobretudo, da manutenção do público, corroborando o exposto até então.

Esperem pela pancada – disse lá consigo. (p.153)

E o mais que se seguiu sabemo-lo já. (p.233)

– Quis Tuturi observar, após o enterro, os preceitos da terra, fechando as janelas e guardando o leito durante muitos dias. Mas não pôde realizar o intento, pelo facto que vamos assistir no capítulo seguinte. (p. 251)


Quanto aos capítulos que não apresentam o famoso “gancho” no final, que não adiam nenhuma novidade, por assim dizer, grande parte termina com o desenlace de uma pequena intriga, que vinha se desdobrando até então. O final do capítulo VI, Kapaxi, por exemplo, trata do nascimento da menina, desenlace aguardado por todo o percurso da microtrama iniciada no mesmo capítulo. Nos últimos parágrafos do capítulo XI, por sua vez, temos a conclusão do encontro fatal anunciado em seu epíteto, o falecimento de D. Clara. Já o capítulo XIII, O Pacto, se fecha com a troca de fotografias entre Kapaxi e Ximinha Belchior, o selar do pacto de que trata o título, a amizade entre as duas personagens.

Enfim, procuramos demonstrar ao longo de nossa explanação a suma importância de se considerar o veículo primeiro pelo qual a trama chega a público. Esse cuidado, além de evitar conclusões precipitadas e equivocadas, nos conduz ao entendimento de uma série de recursos estilísticos empregados pelo autor, tornando-nos mais habilitados a apreciações acerca da obra em sua gênese e recepção.

BIBLIOGRAFIA
ASSIS JÚNIOR, António de. O Segredo da morta. 2ª ed. Lisboa: Ed. 70; Ed. da UEA, 1979.
CHATELAIN, Héli. Contos populares de Angola. Lisboa: Agência do Ultramar, 1964.
CHAVES, Rita. Assis Jr.: A Opção pelo gênero. In: A formação do romance angolano. São Paulo: Bartira, 1999. (Coleção Via Atlântica, nº1)
ERVEDOSA, Carlos. Roteiro da literatura angolana. 2ª ed. Lisboa: Ed. 70, 1979.
MARGARIDO, Alfredo. As Classes sociais em “O Segredo da Morta”. In: Estudos sobre literaturas das nações africanas de língua portuguesa. Lisboa: A Regra do Jogo, 1980.
MEYER, Marlise & DIAS, Vera Santos. Página virada, descartada, de meu folhetim. In: AVERBUCK, Ligia (org.). Literatura em tempo de cultura de massa. São Paulo: Nobel, 1984.
MEYER, Marlise. Folhetim: uma história. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.
RIESMAN, David. As tradições oral e escrita. In: CARPENTER, Edmund & McLUHAN, Marshall. (org.). Revolução na comunicação. Tradução de Álvaro Cabral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, [s.d.].
SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: História & Antologia. São Paulo: Ática, 1985. (Série Fundamentos)
SODRÉ, Muniz. Best-seller: a literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1985. (Série Princípios)
––––––. Literatura de massa: formação e sentido. In: –––. Teoria da literatura de massa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978.
THOMAZ, Wilcimar Silva. Um Jeito de não morrer: percursos da narrativa angolana. Rio de Janeiro: Faculdade da Letras, UFF, 1995. (Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa, mimeografada).

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Notas
(1) Toda vez que nos referirmos a O Segredo da Morta, a partir daqui, usaremos a sigla OSM.
(2) A primeira edição de OSM em livro saiu em 1934/35 pela Ed. A Lusitânia. Quanto ao ano certo de tal publicação divergem os ensaístas. Henrigue Guerra, no prefácio  para a segunda edição do livro, bem como Mário Antònio, afirmam ter sido a obra publicada em 1934. Outros como Maria Aparecida Santilli acreditam que a obra tenha sido publicada em 1935. Manuel Ferreira, por seu turno, em Literaturas Africanas de expressão portuguesa, apresenta uma data diferente: 1936.
(3) Kapaxi ou Capaxi, as duas formas aparecem no texto. Preferimos a primeira porque é a forma em kimbundo para o nome, além de nomear o capítulo que narra a origem da personagem em questão.

Fonte:
www.filologia.org.br/vijonafil/atas/o_segredo_da_morta.pdf

Antologia Poética do Jovem Escritor I

IZAQUE DE JESUS HUHN
8º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Dr. Waldemar Neves da Rocha

E se?

E se o clima esquenta
E se o João Inundar,
Se um furacão passear,
Ou se um terremoto agitar,
Se o canarinho não acasalar
E o São Francisco secar
Se a fome não passar,
Se a seca não cessar,
Se a garoa aumentar,
Oh, meu Deus! Enfim,
Se nada mais tiver fim
Se a natureza não mais resistir
E se entregar pro fim?
Enfim... Assim, que fim!
Confiarei em quem o regresso
Do desequilíbrio progresso?
Natureza! Que Deus esteve a abençoar,
Tem esperançoso dom de se preservar!

JOÃO VITOR ANTUNES LAGO
9º ano do Ensino Fundamental da Escola Particular Santo Agostinho

Coração verde

Que falta sinto
Daquele pedaço de terra
Onde colhia meus frutos
E que hoje se encerra.

Que falta sinto
Daquele doce aroma
Que vinha das flores
E inspirava amores.

Que falta sinto
Das límpidas águas do mar
Do verde das florestas
E dos pássaros nelas a cantar.

Que falta sinto
Das maravilhas criadas
Das belezas habitadas
Criaturas animadas.

Hoje só me resta saudade
E minha felicidade
Deságua em pranto
Nessa triste realidade.

IANDRA HANDERI
8º ano do Ensino Fundamental da Escola Particular Santo Agostinho

Natureza

Deus na sua criação,
Nos deu a natureza.
Pôs toda a sua imaginação,
Na sua obra, sua grandeza.

Um presente de amor,
Que todos vão admirar.
Paisagens com tanto esplendor,
Só Deus pôde nos dar.

A água, a terra, os rios e os oceanos,
Pedem socorro a essa realidade.
Que não destrua os seres humanos,
As matas, o solo, por maldade.

Se todos dessem sua colaboração,
Estaríamos sempre contentes.
Acabaria a poluição,
Protegendo o meio ambiente.

O Grande Criador do Universo,
Deu–nos tanta beleza.
Não sejam tão perversos,
Destruindo a mãe natureza.

LAURA MELLO DE TASSIS
6º ano do Ensino Fundamental da Escola Particular Pequeno Príncipe

Um tempo distante...

Que saudade que tenho
Dos tempos floridos,
Das águas azuis,
De mil paraísos.

Que saudade que tenho
De deitar num mar de rosas,
De olhar para o céu,
E ver borboletas glamorosas.

Vejo nuvens no céu,
Vejo peixes no mar,
Velo flores se abrindo,
Vejo o sol a brilhar.

Tudo isso em um sonho
Em que não quero acordar.
A fauna, a flor,
Um sonho colorido
Que não se realizará.

Será?

LUIZ AUGUSTO MEIRELES BRAGA
9º ano do Ensino Fundamental da Escola Particular Santo Agostinho

Súplica

Tão amados habitantes,
O choro que engoli
Não posso mais conter
Por isso escrevo esta carta.

Pedindo–lhes para que possa viver.
Criaram–me para ser sua morada
Iluminada pelo sol e lua
Não quero que minhas terras se diluam
Em meio a eterna penumbra.

Conto–lhes uma história de horror
Vejo–me em meio ao ardor
O fogo me queimou
Sou a mãe natureza
E o homem me exterminou.

Deus acaba com minha dor!
Meus filhos destroem com rancor
Um ambiente que cuidei com amor.
Suplico!
Escutem–me!
Ajudem–me a viver!

Fonte:
3a. Antologia Jovem Escritor. Academia de Letras de Teófilo Ottoni.
Participação dos estudantes do ensino fundamental, médio e superior classificados no 3º Prêmio Jovem Escritor promovido, em 2013, pela Academia de Letras de Teófilo Otoni, União Estudantil de Teófilo Otoni e o Movimento Pró Rio Todos os Santos e Mucuri.

X Prêmio Barueri de Literatura (Resultado Final)

As inscrições para o Prêmio Barueri de Literatura tiveram início em agosto. Desde então, milhares de poetas, poetisas e contistas da cidade, da região e do país encaminharam seus trabalhos. Tudo foi avaliado por uma comissão julgadora formada por especialistas na área.

A comissão julgadora é formada por Frederico Barbosa, professor de Literatura, organizador de oficinas de criação poética e crítica literária, autor de nove livros de poesias, além de diversas antologias e obras didáticas; Joaquim Maria Botelho, presidente da União Brasileira de Escritores. Jornalista há 30 anos, comandou equipes na revista Manchete, TV Globo, TV Bandeirantes e jornal Vale Paraibano, e Cláudio Willer, poeta, ensaísta e tradutor, ligado à criação literária mais rebelde, ao surrealismo e a geração beat, também responsável pela presidência do júri.

Premiação

A premiação se deu ao primeiro lugar na categoria Infanto-Juvenil (conto e poesia) com troféu e R$ 1,5 mil. O primeiro lugar na categoria Autores Acima de 18 anos (conto e poesia) recebeu troféu e R$ 1 mil. O primeiro lugar para Autores Não Residentes em Barueri (conto e poesia) também recebeu troféu e R$ 1 mil. Os demais receberam Menção Honrosa pela participação. Veja a lista dos vencedores:

POESIA – RESIDENTE

1º – Antônio Aparecido Batista
Entre termos e palavras

2º – Paulo Ricardo Morais Silveira Junior
Sonoro sono

3º – Wesley Rodrigues Moreira
Depois do Exílio

POESIA – RESIDENTE INFANTO JUVENIL

1º – Alicia Nunes Esteves
Sinto o mundo

2º – Rafaela Ramos Vieira
Simplesmente

3º – Ana Cristina dos Santos
O poeta

MENÇÃO HONROSA PELA PARTICIPAÇÃO – POESIA RESIDENTE

Elisabeth da Costa Silva
Êxtase

Neyde Correa da Silva
Sonhos

Vinicius Silveira de Almeida
Que trabalho me dá

Anderson Kleiton de Souza Moreira
Ponto ao infinito

POESIA – NÃO RESIDENTE

1º – Marcio Davie Claudino da Cruz
As segundas coisas
(Curitiba-PR)

2º – Sergio Bernardo
Ser em construção
(Nova Friburgo-RJ)

3º – Rômulo Cesar Lapenda R. Melo
Réquien a uma rosa fria
(Recife-PE)

MENÇÃO HONROSA PELA PARTICIPAÇÃO


Alessandra A. Dias Aguiar
Aroma de infância
(Osasco-SP)

Elias Araujo
Destinos e respostas
(Américo Brasiliense-SP)

Carlos Alberto Assis Cavalcanti
Mudança de rota
(Arco Verde-PE)

Eliana Ruiz Jimenez
Infinito
(Balneário Camboriú-SC)

Ana Beatriz Matias da Silva
É ele
(Carapicuíba-SP)

André Telucazu Kondo
Caminhos
(Jundiaí-SP)

Maria Ap. S. Coquemala
Solidariedade (Itararé-SP)

CATEGORIA CONTO – RESIDENTES INFANTO JUVENIL

1º – Everton M. Bernardes
A sombra de John Wayne

2º – Kaique Martins Ferreira Saldanha
Contos da Augusta

3º – Kaique Kestelic França
Náufrago

CATEGORIA CONTO RESIDENTES

1º – José Roberto Luccas
Renascença

2º – Cristiane Lorena Silva dos Santos
A paisagem

3º – Berenice Sebastiana de Souza
Conquista

MENÇÃO HONROSA PELA PARTICIPAÇÃO


Nicoly Malachize
A cidade misteriosa

Aline Oliveira Pereira
Seus olhos mel esverdeados

Caio Felipe Camacho dos Santos
O portal

Rodrigo Aparecido Franco Pereira
Cidadão

CATEGORIA CONTO – NÃO RESIDENTE

1º – Roberto Marcio Pimenta
Receita de Pão
(Serra-ES)

2º – Roberto Klotz
Sombra Feminina
(Brasília-DF)

3º – Gilberto Garcia da Silva
O Ator
(Praia Grande-SP)

MENÇÃO HONROSA PELA PARTICIPAÇÃO


Talita Corrêa Machado de Mendonça
Quando ela morrer…
(São Roque-SP)

Vania Maria Menezes de Figueiredo
Um violino atrás do armário
(Campinas-SP)

Janaina Mourão Freire
A aliança colorida
(Brasília-DF)

Lina Z. de Paula
A flor da realidade
(Curitiba-PR)

Raimundo Nonato Albuquerque Silveira
Tensão
(Fortaleza-CE)

Rui Werneck de Capistrano
Lição Diária
(Curitiba-PR)

Helani Magalhães Pimentel
Destino
(Brasília-DF)

Fonte:
http://baruericultura.wordpress.com/2013/12/09/ganhadores-do-premio-barueri-de-literatura-sao-premiados/

Prémio Literário Florbela Espanca/ Portugal (Resultado Final)

A obra "Longo Caminho para Casa", de Nuno de Figueiredo, de Coimbra, foi a vencedora do Prémio Literário Florbela Espanca 2013, dedicado à poesia e promovido pelo município de Vila Viçosa, revelou hoje a autarquia.

No valor de 2.500 euros, o galardão, criado em 1981 pela Câmara de Vila Viçosa, tem uma periodicidade bienal - sendo alternadamente atribuído a poesia e ficção - e destina-se a premiar obras literárias inéditas de língua portuguesa, independentemente da nacionalidade do autor.

O júri decidiu também atribuir uma menção honrosa à obra "Lamento das Casas Felizes", de Miguel Aires de Campos, de Sieci Firenze, Itália.

A edição de 2013 do concurso, dedicada à poesia, contou com 308 trabalhos inéditos de expressão portuguesa, de autores das mais variadas nacionalidades.

"Longo Caminho para Casa", a obra vencedora, será editada em primeira edição pela Câmara Municipal de Vila Viçosa, numa tiragem de 500 exemplares.

Com este galardão, o município pretende promover, divulgar e apoiar actividades culturais de âmbito literário e, simultaneamente, homenagear a poetisa Florbela Espanca, natural de Vila Viçosa.

Florbela Espanca, autora do "Livro de Mágoas", "Livro de Soror Saudade", "Charneca em Flor" ou "Juvenília", é considerada uma das mais brilhantes poetisas de língua portuguesa de todos os tempos.

A poetisa nasceu em Vila Viçosa, a 08 de Dezembro de 1894, tendo falecido em Matosinhos, na noite de 07 para 08 de Dezembro de 1930, com 36 anos.

Florbela Espanca foi sepultada naquela localidade do norte, mas os seus restos mortais foram depois trasladados para o cemitério de Vila Viçosa.

Fonte:
http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=101182

2º Prêmio SFX de Literatura (Resultado Final)

O 2º Prêmio SFX de Literatura 2014 já tem seus vencedores. Os 30 melhores trabalhos – 15 contos e 15 poesias – foram selecionados entre 240 inscrições feitas nesta edição. A maioria dos autores (15) é do Estado de São Paulo – sete deles do Vale do Paraíba. Os demais são dos estados do Rio de Janeiro (5), Espírito Santo (2), Rio Grande do Sul, Alagoas, Amazonas, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia e Ceará (1).

Os autores selecionados farão parte de uma coletânea a ser lançada no dia 5 de abril no distrito de São Francisco Xavier, durante o Festival da Mantiqueira. “Esperamos reunir o maior número de autores no lançamento, apesar de muitos serem de longe”, ressalta Cristovão Cursino, responsável pela criação e coordenação do concurso.

Os trabalhos foram avaliados por uma comissão formada por representantes das academias de letras de São José dos Campos, Jacareí, Caçapava e Lorena; e também do Instituto de Estudos Valeparaibano (IEV).

“Acredito que estamos contribuindo para divulgar, cada vez mais, o trabalho de diferentes autores, não só da nossa região, mas de outros estados brasileiros”, enfatiza Cristovão Cursino. “Além disso, o concurso também ajuda a consolidar o Festival da Mantiqueira como um dos principais eventos literários do Estado de São Paulo. 

CONTOS Selecionados

1. TATIANA ALVES SOARES CALDAS
Curiosidade 
Rio de Janeiro/RJ

2. DAVI MENOSSI GONZÁLES
Homens de Preto
São Caetano do Sul/SP

3. GLADIS BERRIEL
Os Candeeiros
Canoas/RS

4. MARIA BEATRIZ DEL PELOSO RAMOS
Natureza Morta
Maricá/RJ

5. PEDRO DINIZ DE ARAUJO FRANCO
Paul em Belzonte e Eleanor Ridge
Rio de Janeiro/RJ

6. PAULA KAHAN MANDEL
A Metamorfose da Senhora Esther
São Paulo/SP

7. JOSÉ AUGUSTO OLIVEIRA HUGUENIN
Desencontros Certeiros
Niterói/RJ

8. LUCAS SANTOS DE ALMEIDA
O Labirinto
São José dos Campos/SP

9. RAMON QUEIROZ MARLET
Assassinato
São José dos Campos/SP

10. JOSÉ EUGÊNIO BORGES DE ALMEIDA
Memórias Recorrentes
Maragogi/AL

11. JOSÉ FRANCISCO ARAUJO
O Lado Escuro da Lua
Manaus/AM

12. ANDRÉ LUÍS SOARES
Fragilidades
Guarapari/ES

13. ANDRÉ TELUCAZU KONDO
Ponte Sobre o Rio Douro
Jundiaí/SP

14. RUY AUGUSTO GONÇALVES ROLIM MACEDO
Mário, Um Maravilhoso Defunto
Caçapava/SP

15. ANDREY COUTINHO CARVALHO
O Primeiro Sol
Fortaleza/CE

Poesias Selecionadas

1. ADRIANA DE OLIVEIRA MACIEL
Sabor da Gente
São José dos Campos/SP

2. ADILSON ROBERTO GONÇALVES
Escuta!
Lorena/SP

3. ANA FÁTIMA CRUZ DOS SANTOS
A Cor da Terra
Salvador/BA

4. RODRIGO LYCHOWSKI
Interrogatório
Rio de Janeiro/RJ

5. STEFÂNIA DE MAGALHÃES ANDRADE BARBOSA
Infância no Céu
São José dos Campos/SP

6. JOSÉ RICARDO DOS SANTOS VIEIRA
O Galo Inglês
Belém/PA

7. EDILEUZA BEZERRA DE LIMA LONGO
Salada Poética – São Paulo/SP

8. ELIANE SANTIAGO DE LIMA
Corda Bamba
São Paulo/SP

9. GERALDO TROMBIN
Mais Que
Americana/SP

10. REGINALDO COSTA DE ALBUQUERQUE
O Pilão
Campo Grande/MS

11. FRED ALBANO PEREIRA
Salvador Dali
Jacareí/SP

12. MARIA APPARECIDA SANCHES COQUEMALLA
Portas
Itararé/SP

13. MÁRCIO JERÔNIMO DE FREITAS
Tributo à Palavra
Uberaba/MG

14. ANDRÉ LUIZ SOARES
Aos Tropeiros
Guarapari/ES

15. ANDRÉ TELUCAZU KONDO
Casa Trancada
Jundiaí/SP

Fonte:
Escritores do Vale

3º Concurso de Poesias da Fundação José Francisco de Sousa (Resultado)

O 3º Concurso de Poesia da Fundação José Francisco de Sousa foi encerrada no sábado, 8, com a divulgação do resultado do certame literário e a premiação dos poetas vencedores, que receberam medalhas e troféus feitos exclusivamente para o concurso pelo poeta e colaborador do certame Valterivan Freire.

O evento aconteceu nas dependências da Câmara Municipal e contou com um bom número de poetas inscritos.

Na categoria Cordel, que teve 27 obras concorrentes, o vencedor foi o poeta cordelista de Itaporanga, J. Sousa, com o poema Meu pé de juazeiro; e, em segundo lugar, ficou o também o poeta local João Zito, que concorreu com a obra Os dramas da violência.

Já na categoria Erudito, que teve 92 poetas inscritos, o vencedor foi Reginaldo Costa de Albuquerque com a obra O pilão. Ele é de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Na segunda posição fiou o poeta Jucemar Severino de Sousa, que é de Olho D’água e participou com a obra Transtorno de um desejo.

Após da divulgação do resultado, os poetas presentes ao evento literário e que ficam entre os dez primeiros colocados nas duas categorias receberam sua premiação, entre os quais Nicário Palmeira Honorato, que ficou em 5º na categoria Cordel; Demir Cabral, colocado na 6ª posição da mesma categoria, e Fabinho do Acordeon, premiado em 10º. Todos esses de Itaporanga, e uma outra medalha foi para Hosmá Passos da Silva Filho, de Piancó, colocado em 9º lugar. Um outro poeta regional premiado foi Antônio Cabral, também piancoense, que ficou em 10º lugar na categoria Erudito. Os poetas de fora que não compareceram ao evento receberão suas medalhas pelos Correios.

Poetas de 21 estados e de três países se inscreveram no certame literário de Itaporanga, que teve o apoio do empresário Cícero Carneiro Neto; do vereador Isaac Carvalho, de Olho D’água; do vereador Rênio Macedo, de Santana dos Garrotes; do cirurgião dentista Osvaldo Estevam; do comerciante Leonan Alvino; da Câmara Municipal de Itaporanga; e da Prefeitura de Curral Velho. Foto: poetas premiados. Vejam os dez primeiros nas duas categorias:

Categoria Cordel

1º J. Sousa – Meu pé de juazeiro – Itaporanga, PB.

2º João Zito - Os dramas da violência – Itaporanga, PB.

3º Ruth Hellmann – A lenda da borboleta – Dourados, MS.

4º Ricardo Alexandre Peixoto Barbosa - Lampião em Hollywood – Natal, RN.

5º Nicário Palmeira Honorato – Sexo Seguro – Itaporanga, PB.

6º Demir Cabral - Mulher não tem dono – Itaporanga, PB.

7º Rage – Que piada!- Americana, SP.

8º Wlange Keindé Pinho Oliveira – Athayde – Guapimirim, RJ.

9º Hosmá Passos da Silva Filho – Voluntário Esforçado – Piancó, PB.

10º Fabinho do Acordeon – As coisas que lá deixei – Itaporanga, PB.

Categoria Erudito

1º Reginaldo Costa de Albuquerque – O pilão – Campo Grande, MS.

2º Jucemar Severino de Sousa – Transtorno de um desejo – Olho D’água, PB.

3º José Antônio de Sousa Neto – Infante – Belém, Pará.

4º Antônio Pereira da Costa Junior – Menino Morto – Guarabira, PB.

5º Tristão José Macedo – O rapto – Belo Horizonte, MG.

6º Cláudio Bento – O espelho de Narciso – Belo Horizonte, MG.

7º Robison José da Silva – Indigente – Morrinhos, GO.

8º José Eugênio Borges de Almeida – Encontro – Maragogi, AL.

9º André Luiz Soares – Poesia em carne viva – Guarapari, ES.

10º Antônio Cabral Alves de Souza – Fatalidade – Piancó, PB.

Fonte:
Folha do Vale. Arte e Cultura. 9 de março de 2014.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Pedro Du Bois (Navegando nos Versos)

PROVÍNCIAS

Pensou ser histeria
a província. Estava
olhando o espaço
errado. A província
incógnita contém
ideias indigestas
trazidas de fora. O cosmo
fechado em buracos atrai
a sede da permanência:
bom dia boa tarde boa noite.

FAMÍLIA

Pais e filhos distanciados
                                em compromissos
             de escola e trabalho

             desconhecidos no final do dia

secas cadeiras de altos espaldares
escondem corpos cansados
                            de frustrações
                              e raiva: poucas
              esperanças de dias acalmados
                                nos finais de semana

             tempo: erro humano de progresso
             e regresso
                         em novos caminhos
                         de reis e rainhas
                                       em troncos
                                       no despetalar
                                       de secas flores

pelas ruas a cidade perambula corpos
isentos de culpas na espera de trens
atrasados desde a infância.

PENSAMENTOS

observo a paisagem
                         além
                         a noite se aclara

pensamentos estrelam
a velocidade necessária

a paisagem cessa na nuvem
em que o pensar permanece
                     
                       atento

tempos difíceis de descobertas
ensombrecem a vida em relações
vazias de interpretação única

retorno à luz das estrelas
no firmamento sem sombras

não encontro o significado
                         para estar aqui

                         meus olhos fixam o horizonte
                         no firmamento que desaparece

(serão) dias de difíceis ultrapassagens
                         pela paisagem fechada

SOLIDÃO

O carro diminui a marcha
                                sinaliza
                       sai da estrada
                       e para

nenhum envelope posto
                             sob a porta

o carro parado
            na noite
            suas luzes
                   indicam a ignição
                                     ligada

nenhuma mão procura
sob a porta
      algum envelope

o tiro ecoa
o corpo cai
             sobre a direção
e as luzes se apagam.

VIDRAÇAS
 

A vidraça transcende defesas: mostra
aos olhos educados a graça da visão.

Determina a transparência e alucina
o corpo visto. Desconta as sombras
e alisa o rosto. Encontra o espaço
e se projeta no vazio da imagem.

Revista em séries inconcebíveis
a vidraça alonga a visão da casa
e a integra ao lado de fora.

Nada pretende além de ligar
o exposto e o imposto
ao silêncio.

MONTANHAS

 Traz o sorriso
em olhos brilhantes
a música rápida e alta
montanhas aparentes
no presente
em que se apresentam
músicos

sorrisos de entrevistas vidas
além dos poucos rostos
que admiram a vista

montanhas e gritos
nos ecos de tempos
em planícies.

SONHOS

Por que não escrevo sobre sonhos
sofro tormentosos instantes
em que a cena desnuda desenredos
de náufragos sentimentos

na busca de longos desencontros

ávidas águas serpenteiam pecados
não acontecidos na comunhão do corpo
                           no esgarçar dos tecidos
                           no semi-brilho das alturas
                           e no não chegar

sou sombra sobra sobrado encantado
da esquina no caminhar retilíneo pela calçada

descoradas paredes liberam o corpo
de meu futuro passado e presente
momento na mumificação do corpo
em sorrisos e esgares

movimento protelatórios
em que o acordar se manifesta
                                     e cessa.

Fonte:
O Autor

Machado de Assis (A Chave)

CAPÍTULO I

Não sei se lhes diga simplesmente que era de madrugada, ou se comece num tom mais poético: aurora, com seus róseos dedos... A maneira simples é o que melhor me conviria a mim, ao leitor, aos banhistas que estão agora na Praia do Flamengo — agora, isto é, no dia 7 de outubro de 1861, que é quando tem princípio este caso que lhes vou contar.

Convinha-nos isto; mas há lá um certo velho, que me não leria, se eu me limitasse a dizer que vinha nascendo a madrugada, um velho que... digamos quem era o velho.

Imaginem os leitores um sujeito gordo, não muito gordo — calvo, de óculos, tranquilo, tardo, meditativo. Tem sessenta anos: nasceu com o século. Traja asseadamente um vestuário da manhã; vê-se que é abastado ou exerce algum alto emprego na administração. Saúde de ferro. Disse já que era calvo; equivale a dizer que não usava cabeleira. Incidente sem valor, observará a leitora, que tem pressa. Ao que lhe replico que o incidente é grave, muito grave, extraordinariamente grave. A cabeleira devia ser o natural apêndice da cabeça do major Caldas, porque cabeleira traz ele no espírito, que também é calvo.

Calvo é o espírito. O major Caldas cultivou as letras, desde 1821 até 1840 com um ardor verdadeiramente deplorável. Era poeta; compunha versos com presteza, retumbantes, cheios de adjetivos, cada qual mais calvo do que ele tinha de ficar em 1861. A primeira poesia foi dedicada a não sei que outro poeta, e continha em germe todas as odes e glosas que ele havia de produzir. Não compreendeu nunca o major Caldas que se pudesse fazer outra cousa que não glosas e odes de toda a casta, pindáricas ou horacianas, e também idílios piscatóricos, obras perfeitamente legítimas na aurora literária do major. Nunca para ele houve poesia que pudesse competir com a de um Dinis ou Pimentel Maldonado; era a sua cabeleira do espírito.

Ora, é certo que o major Caldas, se eu dissesse que era de madrugada, dar-me-ia um muxoxo ou franziria a testa com desdém. — Madrugada! era de madrugada! murmuraria ele. Isto diz aí qualquer preta: — "nhanhã, era de madrugada..." Os jornais não dizem de outro modo; mas numa novela...

Vá pois! A aurora, com seus dedos cor-de-rosa, vinha rompendo as cortinas do oriente, quando Marcelina levantou a cortina da barraca. A porta da barraca olhava justamente para o oriente, de modo que não há inverossimilhança em lhes dizer que essas duas auroras se contemplaram por um minuto. Um poeta arcádico chegaria a insinuar que a aurora celeste enrubesceu de despeito e raiva. Seria porém levar a poesia muito longe.

Deixemos a do céu e venhamos à da terra. Lá está ela, à porta da barraca com as mãos cruzadas no peito, como quem tem frio; traja a roupa usual das banhistas, roupa que só dá elegância a quem já a tiver em subido grau. É o nosso caso.

Assim, à meia-luz da manhã nascente, não sei se poderíamos vê-la de modo claro. Não; é impossível. Quem lhe examinaria agora aqueles olhos úmidos, como as conchas da praia, aquela boca pequenina, que parece um beijo perpétuo? Vede, porém, o talhe, a curva amorosa das cadeiras, o trecho de perna que aparece entre a barra da calça de flanela e o tornozelo; digo o tornozelo e não o sapato porque Marcelina não calça sapatos de banho. Costume ou vaidade? Pode ser costume; se for vaidade é explicável porque o sapato esconderia e mal os pés mais graciosos de todo o Flamengo, um par de pés finos, esguios, ligeiros. A cabeça também não leva coifa; tem os cabelos atados em parte, em parte trançados — tudo desleixadamente, mas de um desleixo voluntário e casquilho.

Agora, que a luz está mais clara, podemos ver bem a expressão do rosto, É uma expressão singular de pomba e gato, de mimo e desconfiança. Há olhares dela que atraem, outros que distanciam — uns que inundam a gente, como um bálsamo, outros que penetram como uma lâmina. É desta última maneira que ela olha para um grupo de duas moças, que estão à porta de outra barraca, a falar com um sujeito.

— Lambisgóias! murmura entre dentes.

— Que é? pergunta o pai de Marcelina, o major Caldas, sentado ao pé da barraca, numa cadeira que o moleque lhe leva todas as manhãs.

— Que é o quê? diz a moça.

— Tu falaste alguma cousa.

— Nada.

— Estás com frio? — Algum.

— Pois olha, a manhã está quente.

— Onde está o José? O José apareceu logo; era o moleque que a acompanhava ao mar. Aparecido o José, Marcelina caminhou para o mar, com um desgarro de moça bonita e superior. Da outra barraca tinham já saído as duas moças, que lhe mereceram tão desdenhosa classificação; o rapaz que estava com elas também entrara no mar. Outras cabeças e bustos surgiram da água, como um grupo de delfins. Da praia alguns olhos, puramente curiosos, se estendiam aos banhistas ou cismavam puramente contemplando o espetáculo das ondas que se dobravam e desdobravam — ou, como diria o major Caldas — as convulsões de Anfitrite.

O major ficou sentado a ver a filha, com o Jornal do Commercio aberto sobre os joelhos; tinha já luz bastante para ler as notícias; mas não o fazia nunca antes de voltar a filha do banho. Isto por duas razões. Era a primeira a própria afeição de pai; apesar da confiança na destreza da filha, receava algum desastre. Era a segunda o gosto que lhe dava contemplar a graça e a habilidade com que Marcelina mergulhava, bracejava ou simplesmente boiava "como uma náiade", acrescentava ele se falava disso a algum amigo.

Acresce que o mar naquela manhã estava muito mais bravio que de costume; a ressaca era forte; os buracos da praia mais fundos; o medo afastava vários banhistas habituais.

— Não te demores muito, disse o major, quando a filha entrou; toma cuidado.

Marcelina era destemida; galgou a linha em que se dava a arrebentação, e surgiu fora muito naturalmente. O moleque, aliás bom nadador, não rematou a façanha com igual placidez; mas galgou também e foi surgir ao lado da sinhá-moça.

— Hoje o bicho não está bom, ponderou um banhista ao lado de Marcelina, um homem maduro, de suíças, ar aposentado.

— Parece que não, disse a moça; mas para mim é o mesmo.

— O major continua a não gostar d’água salgada? perguntou uma senhora.

— Diz que é militar de terra e não do mar, replicou Marcelina, mas eucreio que papai o que quer é ler o Jornal à vontade.

— Podia vir lê-lo aqui, insinuou um rapaz de bigodes, dando uma grande risada de aplauso a si mesmo.

Marcelina nem olhou para ele; mergulhou diante de uma onda, surgiu fora, com as mãos sacudiu os cabelos. O sol, que já então aparecera, alumiava-a nessa ocasião, ao passo que a onda, seguindo para a praia, deixava-lhe todo o busto fora de água. Foi assim que a viu, pela primeira vez, com os cabelos úmidos, e a flanela grudada ao busto — ao mais correto e virginal busto daquelas praias —, foi assim que pela primeira vez a viu o Bastinhos — o Luís Bastinhos —, que acabava de entrar no mar, para tomar o primeiro banho no Flamengo.
 
CAPÍTULO II

A ocasião é a menos própria para apresentar-lhes o sr. Luís Bastinhos; a ocasião e o lugar. O vestuário então é impropriíssimo. Ao vê-lo agora, a meio-busto, nem se pode dizer que tenha vestuário de nenhuma espécie. Emerge-lhe a parte superior do corpo, boa musculatura, pele alva, mal coberta de alguma penugem. A cabeça é que não precisa dos arrebiques da civilização para dizer-se bonita. Não há cabeleireiro, nem óleo, nem pente, nem ferro que no-la ponham mais graciosa. Ao contrário, a pressão fisionômica de Luís Bastinhos acomoda-se melhor a esse desalinho agreste e marítimo. Talvez perca, quando se pentear. Quanto ao bigode, fino e curto, os pingos d’água que ora lhe escorrem não chegam a diminuí-lo; não chegam sequer a ver-se. O bigode persiste como dantes.

Não o viu Marcelina, ou não reparou nele. O Luís Bastinhos é que a viu, e mal pôde disfarçar a admiração. O major Caldas, se os observasse, era capaz de casá-los, só para ter o gosto de dizer que unia uma náiade a um tritão. Nesse momento a náiade repara que o tritão tem os olhos fitos nela, e mergulha, depois mergulha outra vez, nada e bóia.

Mas o tritão é teimoso, e não lhe tira os olhos de cima.

"Que importuno!" diz ela consigo.

— Olhem uma onda grande, brada um dos conhecidos de Marcelina.

Todos se puseram em guarda, a onda enrolou alguns, mas passou sem maior dano.

Outra veio e foi recebida com um alarido alegre; enfim veio uma mais forte, e assustou algumas senhoras. Marcelina riu-se delas.

— Nada, dizia uma; salvemos o pêlo; o mar está ficando zangado.

— Medrosa! acudiu Marcelina.

— Pois sim...

— Querem ver? continuou a filha do major. Vou mandar embora o moleque.

— Não faça isso, D. Marcelina, acudiu o banhista de ar aposentado.

— Não faço outra cousa. José, vai-te embora.

— Mas, nhanhã...

— Vai-te embora! O José ainda esteve alguns segundos, sem saber o que fizesse; mas, parece que entre desagradar ao pai ou à filha, achou mais arriscado desagradar à filha, e caminhou para terra. Os outros banhistas tentaram persuadir à moça que devia vir também, mas era tempo baldado. Marcelina tinha a obstinação de um enfant gâté. Lembraram alguns que ela nadava como um peixe, e resistira muita vez ao mar.

— Mas o mar do Flamengo é o diabo, ponderou uma senhora. Os banhistas pouco a pouco foram deixando o mar. Do lado de terra, o major Caldas, de pé, ouvia impaciente a explicação do moleque, sem saber se o devolveria à água ou se cumpriria a vontade da filha; limitou-se a soltar palavras de enfado.

— Santa Maria! exclamou de repente o José.

— Que foi? disse o major.

O José não lhe respondeu; atirou-se à água. O major olhou e não viu a filha.

Efetivamente, a moça, vendo que no mar só ficava o desconhecido, nadou para terra, mas as ondas tinham-se sucedido com freqüência e impetuosidade. No lugar da arrebentação foi envolvida por uma; nesse momento é que o moleque a viu.

— Minha filha! bradou o major.

E corria desatinado pela areia, enquanto o moleque conscienciosamente buscava penetrar no mar. Mas era já empresa escabrosa; as ondas estavam altas, fortes e a arrebentação terrível. Outros banhistas acudiram também a salvar a filha do major; mas a dificuldade era só uma para todos. Caldas, ora implorava, ora ordenava ao moleque que lhe restituísse a filha. Enfim, José conseguiu entrar no mar. Mas já então lutava ali, junto ao funesto lugar, o desconhecido banhista que tanto aborrecera a filha do major. Este estremeceu de alegria, de esperança, quando viu que alguém forcejava por arrancar a moça da morte. Na verdade, o vulto de Marcelina apareceu nos braços do Luís Bastinhos; mas uma onda veio e os enrolou a ambos. Nova luta, novo esforço e desta vez definitivo triunfo. Luís Bastinhos chegou à praia arrastando consigo a moça.

— Morta! exclamou o pai correndo a vê-la.

Examinaram-na.

— Não, desmaiada, apenas.

Com efeito, Marcelina perdera os sentidos, mas não morrera. Deram-lhe os socorros médicos; ela voltou a si. O pai, singelamente alegre, apertou Luís Bastinhos ao coração.

— Devo-lhe tudo! disse ele.

— A sua felicidade me paga de sobra, tornou o moço.

O major fitou-o alguns instantes; impressionara-o a resposta. Depois apertou-lhe a mão e ofereceu-lhe a casa. Luís Bastinhos retirou-se antes que Marcelina pudesse vê-lo.
 
CAPÍTULO III

Na verdade, se a leitora gosta de lances romanescos, aí fica um, com todo o valor das antigas novelas, e pode ser também que dos dramalhões antigos. Nada falta: o mar, o perigo, uma dama que se afoga, um desconhecido que a salva, um pai que passa da extrema aflição ao mais doce prazer da vida; eis aí com que marchar cerradamente a cinco atos maçudos e sangrentos, rematando tudo com a morte ou a loucura da heroína.

Não temos cá nem uma cousa nem outra. A nossa Marcelina não morreu nem morre; douda pode ser que já fosse, mas de uma doidice branda, a doidice das moças em flor.

Ao menos pareceu que tinha alguma cousa disso, quando naquele mesmo dia soube que fora salva pelo desconhecido.

— Impossível! exclamou.

— Por quê? — Foi ele deveras? — Pois então! Salvou-te com perigo da vida própria; houve um momento, em que eu cuidei que ambos vocês morriam enrolados na onda.

— É a cousa mais natural do mundo, interveio a mãe; e não sei de que te espantas...

Marcelina não podia, na verdade, explicar a causa do espanto; ela mesma não a sabia.

Custava-lhe a crer que Luís Bastinhos a tivesse salvo, e isso só porque "embirrara com ele". Ao mesmo tempo, pesava-lhe o obséquio. Não quisera ter morrido; mas era melhor que outro a houvesse arrancado ao mar, não aquele homem, que afinal era um grande metediço. Marcelina esteve inclinada a crer que Luís Bastinhos encomendara o desastre para ter ocasião de a servir.

Dous dias depois, Marcelina voltou ao mar, já pacificado dos seus furores de encomenda.

Ao olhar para ele, teve uns ímpetos de Xerxes; fá-lo-ia castigar, se dispusesse de um bom e grande vergalho. Não tendo o vergalho, preferiu flagelá-lo com os seus próprios braços, e nadou nesse dia mais tempo e mais fora do que era costume, não obstante as recomendações do major. Levava naquilo um pouco, ou antes, muito amor-próprio: o desastre envergonhara-a.

O Luís Bastinhos, que já lá estava no mar, travou conversação com a filha do major. Era a segunda vez que se viam, e a primeira que se falavam.

— Soube que foi o senhor quem me ajudou... a levantar anteontem, disse Marcelina.

O Luís Bastinhos sorriu mentalmente; e ia responder por uma simples afirmativa, quando Marcelina continuou: — Ajudou, não sei; eu creio que cheguei a perder os sentidos, e o senhor... sim... o senhor foi quem me salvou. Permite-me que lhe agradeça? concluiu ela, estendendo a mão.

Luís Bastinhos estendeu a sua; e ali, entre duas ondas, tocaram-se os dedos do tritão e da náiade.

— Hoje o mar está mais manso, disse ele.

— Está.

— A senhora nada bem.

— Parece-lhe? — Perfeitamente.

— Menos mal.

E como para mostrar a sua arte, Marcelina entrou a nadar para fora, deixando Luís Bastinhos. Este, porém, ou por mostrar que também sabia a arte e que era destemido — ou por não privar a moça de pronto socorro, caso houvesse necessidade —, ou enfim (e este motivo pode ter sido o principal, se não único) — para vê-la sempre de mais perto —, lá foi na mesma esteira; dentro de pouco era uma espécie de aposta entre os dous.

— Marcelina, disse-lhe o pai, quando ela voltou a terra, você hoje foi mais longe do que nunca. Não quero isso, ouviu? Marcelina levantou os ombros, mas obedeceu ao pai, cujo tom nessa ocasião era desusadamente ríspido. No dia seguinte, não foi tão longe a nadar; a conversar, porém, foi muito mais longe do que na véspera. Ela confessou ao Luís Bastinhos, ambos com a água até o pescoço, confessou que gostava muito de café com leite, que tinha vinte e um1 anos, que possuía reminiscências do Tamberlick, e que o banho do mar seria excelente, se não a obrigassem a acordar cedo.

— Deita-se tarde, não é? perguntou o Luís Bastinhos.

— Perto de meia-noite.

— Oh! dorme pouco! — Muito pouco.

— De dia dorme? — Às vezes.

Luís Bastinhos confessou, pela sua parte, que se deitava cedo, muito cedo, desde que estava a banhos de mar.

— Mas quando for ao teatro? — Nunca vou ao teatro.

— Pois eu gosto muito.

— Também eu; mas enquanto estiver a banhos...

Foi neste ponto que entraram as reminiscências do Tamberlick, que Marcelina ouviu, quando criança; e daí ao João Caetano, e do João Caetano a não sei que outras reminiscências, que a um e a outro fez esquecer a higiene e a situação.
 
CAPÍTULO IV

Saiamos do mar que é tempo. A leitora pode desconfiar que o intento do autor é fazer um conto marítimo, a ponto de casar os dous heróis nos próprios "paços de Anfitrite", como diria o major Caldas. Não; saiamos do mar. Já tens muita água, boa Marcelina. Too much of water hast thou, poor Ophelia! A diferença é que a pobre Ofélia lá ficou, ao passo que tu sais sã e salva, com a roupa de banho pegada ao corpo, um corpo grego, por Deus! e entras na barraca, e se alguma cousa ouves, não são as lágrimas dos teus, são os resmungos do major. Saiamos do mar.

Um mês depois do último banho a que o leitor assistiu, já o Luís Bastinhos freqüentava a casa do major Caldas. O major afeiçoara-se-lhe deveras depois que ele lhe salvara a filha. Indagou quem era; soube que estava empregado numa repartição de Marinha, que seu pai, já agora morto, fora capitão-de-fragata e figurara na guerra contra Rosas. Soube mais que era moço bem reputado e decente. Tudo isto realçou a ação generosa e corajosa de Luís Bastinhos, e a intimidade começou, sem oposição da parte de Marcelina, que antes contribuiu parA chave, com as suas melhores maneiras.

Um mês era de sobra para arraigar no coração de Luís Bastinhos a planta do amor que havia germinado entre duas vagas do Flamengo. A planta cresceu, copou, bracejou ramos a um e outro lado, tomou o coração todo do rapaz, que não se lembrava jamais de haver gostado tanto de uma moça. Era o que ele dizia a um amigo de infância, seu atual confidente.

— E ela? disse-lhe o amigo.

— Ela... não sei.

— Não sabes? — Não; creio que não gosta de mim, isto é, não digo que se aborreça comigo; trata-me muito bem, ri muito, mas não gosta... entendes? — Não te dá corda em suma, concluiu o Pimentel, que assim se chamava o amigo confidente. Já lhe disseste alguma cousa? — Não.

— Por que não lhe falas? — Tenho receio... Ela pode zangar-se e fico obrigado a não voltar lá ou a freqüentar menos, e isso para mim seria o diabo.

O Pimentel era uma espécie de filósofo prático, incapaz de suspirar dous minutos pela mais bela mulher do mundo, e menos ainda de compreender uma paixão como a do Luís Bastinhos. Sorriu, estendeu-lhe a mão em despedida, mas o Luís Bastinhos não consentiu na separação. Puxou-o, deu-lhe o braço, levou-o a um café.

— Mas que diabo queres tu que te faça? perguntou o Pimentel sentando-se à mesa com ele.

— Que me aconselhes.

— O quê? — Não sei o quê, mas dize-me alguma cousa, replicou o namorado. Talvez convenha falar ao pai; que te parece? — Sem saber se ela gosta de ti? — Na verdade era imprudência, concordou o outro, coçando o queixo com a ponta do dedo índice; mas talvez goste...

— Pois então...

— Porque, eu te digo, ela não me trata mal; ao contrário, às vezes tem uns modos, umas cousas... mas não sei... O major esse gosta de mim.

— Ah! — Gosta.

— Pois aí tens, casa-te com o major.

— Falemos sério.

— Sério? repetiu o Pimentel debruçando-se sobre a mesa e encarando o outro. Aqui vai o mais sério que há no mundo; tu és um... digo? — Dize.

— Tu és um bolas.

Repetiam-se essas cenas regularmente, uma ou duas vezes, por semana. No fim delas o Luís Bastinhos prometia duas cousas a si mesmo: não dizer mais nada ao Pimentel e ir fazer imediatamente a sua confissão a Marcelina; poucos dias depois ia confessar ao Pimentel que ainda não dissera nada a Marcelina. E o Pimentel abanava a cabeça e repetia o estribilho: — Tu és um bolas.
 
CAPÍTULO V

Um dia assentou Luís Bastinhos que era vergonha dilatar por mais tempo a declaração de seus afetos; urgia clarear a situação. Ou era amado ou não; no primeiro caso, o silêncio era tolice; no segundo a tolice era a assiduidade. Tal foi a reflexão do namorado; tal foi a sua resolução.

A ocasião era na verdade propícia. O pai ia passar a noite fora; a moça ficara com uma tia surda e sonolenta. Era o sol de Austerlitz; o nosso Bonaparte preparou a sua melhor tática. A fortuna deu-lhe até um grande auxiliar na própria moça, que estava triste; a tristeza podia dispor o coração a sentimentos benévolos, principalmente quando outro coração lhe dissesse que não duvidava beber na mesma taça da melancolia. Esta foi a primeira reflexão de Luís Bastinhos; a segunda foi diferente.

— Por que estará ela triste? perguntou ele a si mesmo.

E eis o dente do ciúme a trincar-lhe o coração, e o sangue a esfriar-lhe nas veias, e uma nuvem a cobrir-lhe os olhos. Não era para menos o caso. Ninguém adivinharia nessa moça quieta e sombria, sentada a um canto do sofá, a ler as páginas de um romance, ninguém adivinharia nela a borboleta ágil e volúvel de todos os dias. Alguma cousa devia ser; talvez a mordesse algum besouro. E esse besouro não era decerto o Luís Bastinhos; foi o que este pensou e foi o que o entristeceu.

Marcelina ergueu os ombros.

— Alguma cousa que a incomoda, continuou ele.

Um silêncio.

— Não? — Talvez.

— Pois bem, disse Luís Bastinhos com calor e animado por aquela meia confidência; pois bem, diga-me tudo, eu saberei ouvi-la e terei palavras de consolação para as suas dores.

Marcelina olhou um pouco espantada para ele, mas a tristeza dominou outra vez e deixou-se estar calada alguns instantes: finalmente pôs-lhe a mão no braço, e disse que lhe agradecia muito o interesse que mostrava, mas que o motivo de tristeza era-o só para chave e não valia a pena contá-lo. Como Luís Bastinhos teimasse para saber o que era, contou a moça que lhe morrera, nessa manhã, o mico.

Luís Bastinhos respirou à larga. Um mico! um simples mico! Era pueril o objeto, mas para quem o esperava terrível, antes assim. Ele entregou-se depois a toda a sorte de considerações próprias do caso, disse-lhe que não valia o bicho a pureza dos belos olhos da moça; e daí a escorregar uma insinuação de amor era um quase nada. Ia a fazê-lo: chegou o major.

Oito dias depois houve em casa do major um sarau — "uma brincadeira" como disse o próprio major. Luís Bastinhos foi; estava porém arrufado com a moça: deixou-se ficar a um canto; não se falaram durante a noite inteira.

— Marcelina, disse-lhe no dia seguinte o pai; acho que tratas às vezes mal o Bastinhos.

Um homem que te salvou da morte.

— Que morte? — Da morte na Praia do Flamengo.

— Mas, papai, se a gente fosse a morrer de amores por todas as pessoas que nos salvam da morte...

— Mas quem te fala nisso? digo que o tratas mal às vezes...

— Às vezes, é possível.

— Mas por quê? ele parece-me um bom rapaz.

Nada mais lhe respondendo a filha, entrou o major a bater com a ponta do pé no chão, um pouco enfadado. Um pouco? talvez muito. Marcelina destruía-lhe as esperanças, reduzia-lhe a nada o projeto que ele acalentava desde algum tempo, — que era casar os dous; — casá-los ou uni-los pelos "doces laços do himeneu", que todas foram as suas próprias expressões mentais. E vai a moça e destrói-lho. O major sentia-se velho, podia morrer, e quisera deixar a filha casada e bem casada. Onde achar melhor marido que o Luís Bastinhos? — Uma pérola, dizia ele a si mesmo.

E enquanto ele ia forjando e desforjando esses projetos, Marcelina suspirava consigo mesma, e sem saber por que; mas suspirava. Também esta pensava na conveniência de casar e casar bem; mas nenhum homem lhe abrira deveras o coração. Quem sabe se a fechadura não servia a nenhumA chave? Quem teria a verdadeirA chave do coração de Marcelina? Ela chegou a supor que fosse um bacharel da vizinhança, mas esse casou dentro de algum tempo; depois desconfiara que A chave estivesse em poder de um oficial de Marinha. Erro: o oficial não traziA chave consigo. Assim andou de ilusão em ilusão, e chegou à mesma tristeza do pai. Era fácil acabar com ela: era casar com o Bastinhos.

Mas se o Bastinhos, o circunspecto, o melancólico, o taciturno Bastinhos não tinha A chave! Equivalia a recebê-lo à porta sem lhe dar entrada no coração.
 
CAPÍTULO VI

Cerca de mês e meio depois fazia anos o major, que, animado pelo sarau precedente, quis comemorar com outro aquele dia. "Outra brincadeira, mas desta vez rija", foram os próprios termos em que ele anunciou o caso ao Luís Bastinhos, alguns dias antes.

Pode-se dizer e acreditar que a filha do major não teve outro pensamento desde que o pai lho comunicou também. Começou por encomendar um rico vestido, elegeu costureira, adotou corte, coligiu adornos, presidiu a toda essa grande obra doméstica. Jóias, flores, fitas, leques, rendas, tudo lhe passou pelas mãos, e pela memória e pelos sonhos. Sim, a primeira quadrilha foi dançada em sonhos, com um belo cavalheiro húngaro, vestido à moda nacional, cópia de uma gravura da Ilustração Francesa, que ela vira de manhã.

Acordada, lastimou sinceramente que não fosse possível ao pai encomendar, de envolta com os perus da ceia, um ou dous cavalheiros húngaros — entre outros motivos porque eram valsadores intermináveis. E depois tão bonitos! — Sabem que eu pretendo dançar no dia 20? disse o major uma noite, em casa.

— Você? retorquiu-lhe um amigo velho.

— Eu.

— Por que não? assentiu timidamente o Luís Bastinhos.

— Justamente, continuou o major voltando-se para o salvador da filha. E o senhor há de ser o meu vis-à-vis...

— Eu? — Não dança? — Um pouco, retorquiu modestamente o moço.

— Pois há de ser o meu vis-à-vis.

Luís Bastinhos curvou-se como quem obedece a uma opressão; com a flexibilidade passiva do fatalismo. Se era necessário dançar, ele o faria, porque dançava como poucos, e obedecer ao velho era uma maneira de amar a moça. Ai dele! Marcelina olhouo com tamanho desprezo, que se ele lhe apanha o olhar, não é impossível que de uma vez para sempre ali deixasse de pôr os pés. Mas não o viu; continuou a arredá-los dali bem poucas vezes.

Os convites foram profusamente espalhados. O major Caldas fez o inventário de todas as suas relações, antigas e modernas, e não quis que nenhum camarão lhe escapasse pelas malhas: lançou uma rede fina e instante. Se ele não pensava em outra cousa o velho major! Era feliz; sentia-se poupado da adversidade, quando muitos outros companheiros vira cair, uns mortos, outros extenuados somente. A comemoração de seu aniversário tinha, portanto, uma significação mui alta e especial; e foi isso mesmo o que ele disse à filha e aos demais parentes.

O Pimentel, que também fora convidado, sugeriu a Luís Bastinhos a idéia de dar um presente de anos ao major.

— Já pensei nisso, retorquiu o amigo; mas não sei o que lhe dê.

— Eu te digo.

— Dize.

— Dá-lhe um genro.

— Um genro? — Sim, um noivo à filha; declara o teu amor e pede-a. Verás que, de todas as dádivas desse dia, essa será a melhor.

Luís Bastinhos bateu palmas ao conselho do Pimentel.

— É isso mesmo, disse ele; eu andava com a idéia em alguma jóia, mas...

— Mas a melhor jóia és tu mesmo, concluiu o Pimentel.

— Não digo tanto.

— Mas pensas.

— Pimentel! — E eu não penso outra cousa. Olha, se eu tivesse intimidade na casa, há muito tempo que estarias amarrado à pequena. Pode ser que ela não goste de ti; mas também é difícil a uma moça alegre e travessa gostar de um casmurro, como tu — que te sentas, defronte dela, com um ar solene e dramático, a dizer em todos os teus gestos: minha senhora, fui eu que a salvei da morte; deve rigorosamente entregar-me a sua vida... Ela pensa decerto que estás fazendo um calembour de mau gosto e fecha-te a porta...

Luís Bastinhos esteve calado alguns instantes.

— Perdôo-te tudo, a troco do conselho que me deste; vou oferecer um genro ao major.

Dessa vez, como de todas as outras, a promessa era maior do que a realidade; ele lá foi, lá tornou, nada fez. Iniciou duas ou três vezes uma declaração; chegou a entornar um ou dous olhares de amor, que não pareceram de todo feios à pequena; e, porque ela sorriu, ele desconfiou e desesperou. Qual! pensava consigo o rapaz; ela ama a outro com certeza.

Veio enfim o dia, o grande dia. O major deu um pequeno jantar, em que figurou Luís Bastinhos; de noite reuniu uma parte dos convidados, porque nem todos lá puderam ir, e fizeram bem; a casa não dava para tanto. Ainda assim era muita gente reunida, muita e brilhante, e alegre, como alegre parecia e deveras estava o major. Não se disse nem se dirá dos brindes do major, à mesa do jantar; não podem inserir-se aqui todas as recordações clássicas do velho poeta de outros anos; seria não acabar mais. A única cousa que verdadeiramente se pode dizer é que o major declarou, à sobremesa, ser esse o dia mais venturoso de todos os seus longos anos, entre outros motivos, porque tinha gosto de ver ao pé de si o jovem salvador da filha.

— Que idéia! murmurou a filha; e deu um imperceptível muxoxo. Luís Bastinhos aproveitou o ensejo. "Magnífico, disse ele consigo; depois do café, peço-lhe duas palavras em particular, e logo depois a filha." Assim fez; tomado o café, pediu ao major uns cinco minutos de atenção. Caldas, um pouco vermelho de comoção e de champagne, declarou-lhe que até lhe daria cinco mil minutos, se tantos fossem precisos.

Luís Bastinhos sorriu lisonjeado a essa deslocada insinuação; e, entrando no gabinete particular do major, foi sem mais preâmbulo ao fim da entrevista; pediu-lhe a filha em casamento. O major quis resguardar um pouco a dignidade paterna; mas era impossível.

Sua alegria foi uma explosão.

— Minha filha! bradou ele; mas... minha filha... ora essa... pois não!... Minha filha! E abria os braços e apertava com eles o jovem candidato, que, um pouco admirado do próprio atrevimento, chegou a perder o uso da voz. Mas a voz era, aliás, inútil, ao menos durante o primeiro quarto de hora, em que só falou o ambiciado sogro, com uma volubilidade sem limites. Cansou enfim, mas de um modo cruel.

— Velhacos! disse ele; com que então... amam-se às escondidas...

— Eu? — Pois quem? — Peço-lhe perdão, disse Luís Bastinhos; mas não sei... não tenho certeza...

— Quê! não se correspondem?...

— Não me tenho atrevido...

O major abanou a cabeça com certo ar de irritação e lástima; pegou-lhe das mãos e fitouo durante alguns segundos.

— Tu és afinal de contas um pandorga, sim, um pandorga — disse ele, largando-lhe as mãos.

Mas o gosto de os ver casados era tal, e tal a alegria daquele dia de anos, que o major sentiu a lástima converter-se em entusiasmo, a irritação em gosto, e tudo acabou em boas promessas.

— Pois digo-te, que te hás de casar, concluiu ele; Marcelina é um anjo, tu outro, eu outro; tudo indica que nos devemos ligar por laços mais doces do que as simples relações da vida. Juro-te que serás o pai de meus netos...

Jurava mal o major, porque daí a meia hora, quando ele chamou a filha ao gabinete, e lhe comunicou o pedido, recebeu desta a mais formal recusa; e por que insistisse em querer concedê-la ao rapaz, disse-lhe a moça que despediria o pretendente em plena sala, se lhe falassem mais em semelhante absurdo. Caldas que conhecia a filha não disse mais nada. Quando o pretendente lhe perguntou, daí a pouco, se devia considerar-se feliz, ele usou um expediente assaz enigmático: piscou-lhe o olho. Luís Bastinhos ficou radiante; ergueu-se às nuvens nas asas da felicidade.

Durou pouco a felicidade; Marcelina não correspondia às promessas do major. Três ou quatro vezes chegara-se A chave Luís Bastinhos, com uma frase piegas na ponta da língua, e vira-se obrigado a engoli-la outra vez, porque a recepção de Marcelina não animava mais. Irritado, foi sentar-se ao canto de uma janela, com os olhos na lua, que estava esplêndida — uma verdadeira nesga de romantismo. Ali fez mil projetos trágicos, o suicídio, o assassinato, o incêndio, a revolução, a conflagração dos elementos; ali jurou que se vingaria de um modo exemplar. Como então soprasse uma brisa fresca, e ele a recebesse em primeira mão, à janela, acalmaram-se-lhe as idéias fúnebres e sangüíneas, e apenas lhe ficou um desejo de vingança de sala. Qual? Não sabia qual fosse; mas trouxe-lha enfim uma sobrinha do major.

— Não dança? perguntou ela a Luís Bastinhos.

— Eu? — O senhor.

— Pois não, minha senhora.

Levantou-se e deu-lhe o braço.

— De maneira que, disse ela, já agora são as moças que tiram os homens para dançar? — Oh! não! protestou ele. As moças apenas ordenam aos homens o que devem fazer; e o homem que está no seu papel obedece sem discrepar.

— Mesmo sem vontade? perguntou a prima de Marcelina.

— Quem é que neste mundo pode não ter vontade de obedecer a uma dama? disse Luís Bastinhos com o seu ar mais piegas.

Estava em pleno madrigal; iriam longe, porque a moça era das que saboreiam esse gênero de palestra. Entretanto, tinham dado o braço, e passeavam ao longo da sala, à espera da valsa, que se ia tocar. Deu sinal a valsa, os pares saíram, e começou o turbilhão.

Não tardou muito que a sobrinha do major compreendesse que estava abraçada a um valsista emérito, a um verdadeiro modelo de valsistas. Que delicadeza! que segurança! que acerto de passos! Ela, que também valsava com muita regularidade e graça, entregou-se toda ao parceiro. E ei-los unidos, a voltearem rapidamente, leves como duas plumas, sem perder um compasso, sem discrepar uma linha. Pouco a pouco, esvaziandose a arena, iam sendo os dous objeto exclusivo da atenção de todos. Não tardou que ficassem sós; e foi então que o sucesso se formou decisivo e lisonjeiro. Eles giravam e sentiam que eram o alvo da admiração geral; e ao senti-lo, criavam forças novas, e não cediam o campo a nenhum outro. Pararam com a música — Quer tomar alguma cousa? perguntou Luís Bastinhos com a mais adocicada de suas entonações.

A moça aceitou um pouco de água; e enquanto andavam elogiavam um ao outro, com o maior calor do mundo. Nenhum desses elogios, porém, chegou ao do major, quando daí a pouco encontrou Luís Bastinhos.

— Pois você estava com isso guardado! disse ele.

— Isso quê? — Isso... esse talento que Deus concedeu a poucos... a bem raros. Sim, senhor; pode crer que é o rei da minha festa.

E apertou-lhe muito as mãos, piscando o olho. Luís Bastinhos tinha já perdido toda a fé naquele jeito peculiar do major; recebeu-o com frieza. O sucesso entretanto fora grande; ele o sentiu nos olhares sorrateiros dos outros rapazes, nos gestos de desdém que eles faziam; foi a consagração última.

— Com que então, só minha prima é que mereceu uma valsa! Luís Bastinhos estremeceu, ao ouvir esta palavra; voltou-se; deu com os olhos em Marcelina. A moça repetiu o dito, batendo-lhe com o leque no braço. Ele murmurou algumas palavras, que a história não conservou, aliás deviam ser notáveis, porque ele ficou vermelho como uma pitanga. Essa cor ainda se tornou mais viva, quando a moça, enfiando-lhe o braço, disse resolutamente: — Vamos a esta valsa...

Tremia o rapaz de comoção; pareceu-lhe ver nos olhos da moça todas as promessas da bem-aventurança; entrou a compreender os piscados do major.

— Então? disse Marcelina.

— Vamos.

— Ou está cansado? — Eu? que idéia. Não, não, não estou cansado.

A outra valsa fora um primor; esta foi classificada entre os milagres. Os amadores confessaram francamente que nunca tinham visto um valsador como Luís Bastinhos. Era o impossível realizado; seria a pura arte dos arcanjos, se os arcanjos valsassem. Os mais invejosos tiveram de ceder alguma cousa à opinião da sala. O major chegou às raias do delírio.

— Que me dizem a este rapaz? bradou ele a uma roda de senhoras. Ele faz tudo: nada como um peixe e valsa como um pião. Salvou-me a filha para valsar com ela.

Marcelina não ouviu estas palavras do pai, ou perdoou-lhas. Estava toda entregue à admiração. Luís Bastinhos era até ali o melhor valsista que encontrara. Ela tinha vaidade e reputação de valsar bem; e achar um parceiro de tal força era a maior fortuna que podia acontecer a uma valsista. Disse-lho ela mesma, não sei se com a boca, se com os olhos, e ele epetiu-lhe a mesma idéia, e foram ratificar daí a pouco as suas impressões numa segunda valsa. Foi outro e maior sucesso.

Parece que Marcelina valsou ainda uma vez com Luís Bastinhos, mas em sonhos, uma valsa interminável, numa planície, ao som de uma orquestra de diabos azuis e invisíveis.

Foi assim que ela referiu o sonho, no dia seguinte, ao pai.

— Já sei, disse este; esses diabos azuis e invisíveis deviam ser dous.

— Dous? — Um padre e um sacristão...

— Ora, papai! E foi um protesto tão gracioso, que o Luís Bastinhos, se o ouvisse e visse, mui provavelmente pediria repetição. Mas nem viu nem soube dele. De noite, indo lá, recebeu novos louvores, falaram do baile da véspera. O major confessou que era o melhor baile do ano; e dizendo-lhe a mesma cousa o Luís Bastinhos, declarou o major que o salvador da filha reunia o bom gosto ao talento coreográfico.

— Mas por que não dá outra brincadeira, um pouco mais familiar? disse o Luís Bastinhos.

O major piscou o olho e adotou a idéia. Marcelina exigiu de Luís Bastinhos que dançasse com ela a primeira valsa.

— Todas, disse ele.

— Todas? — Juro-lhe que todas.

Marcelina abaixou os olhos e lembrou-se dos diabos azuis e invisíveis. eio a noite da "brincadeira", e Luís Bastinhos cumpriu a promessa; valsaram ambos todas as valsas. Era quase um escândalo. A convicção geral é que o casamento estava próximo.

Alguns dias depois, o major deu com os dous numa sala, ao pé de uma mesa, a folhearem um livro — um livro ou as mãos, porque as mãos de um e de outro estavam sobre o livro, juntas, e apertadas. Parece que também folheavam os olhos, com tanta atenção que não viram o major. O major quis sair, mas preferiu precipitar a situação.

— Então que é isso? Estão valsando sem música? Estremeceram os dous e coraram muito, mas o major piscou o olho, e saiu. Luís Bastinhos aproveitou a circunstância para dizer à moça que o casamento era a verdadeira valsa social; idéia que ela aprovou e comunicou ao pai.

— Sim, disse este, a melhor Terpsícore é Himeneu.

Celebrou-se o casamento daí a dous meses. O Pimentel, que serviu de padrinho ao noivo, disse-lhe na igreja, que em certos casos era melhor valsar que nadar, e que a verdadeirA chave do coração de Marcelina não era a gratidão mas a coreografia. Luís Bastinhos abanou a cabeça sorrindo; o major, supondo que eles o elogiavam em voz baixa, piscou o olho.

Fonte:
www.dominiopublico.gov.br

quarta-feira, 19 de março de 2014

José Feldman (Para Mim é...) 1

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Vicência Jaguaribe (Serenata de Passarinho)

Sibite
Era uma casa de meia-água a que comprei, com um casal amigo, na praia do Morro Branco. No meu quarto, entre uma das linhas e a parede, havia uma abertura que marcava bem uma das quinas. Abertura decorrente do serviço mal feito do construtor daquelas casinhas que formavam os primeiros conjuntos da Tabuba do Morro Branco. Pois por essa abertura entrava, todo dia, cedinho, um passarinho.

            Eu entregara-me ao sono tranquilamente, tirando desforra das noites mal dormidas durante a semana e tentando diminuir o estresse de cinco dias de sala de aula, de engarrafamentos e preocupações, quando era despertada pelo canto ou pelo voo rasante do pequeno pássaro – que ainda hoje não sei de qual espécie era. Talvez um sibite. Mas não posso afirmar. Minha primeira reação era de raiva, afinal de contas, eu estava no melhor do sono e vinha aquele desocupado acordar-me. Ele dava umas três voltas pelo quarto e saía. Eu, às vezes, com raiva por haver acordado, levantava-me e começava o dia mais cedo. Outras vezes, conseguia adormecer de novo. Tanto reclamei dessas visitas madrugadeiras, que acabaram por mandar fechar a abertura. E o passarinho ficou sem a passagem através da qual me dava bom dia, e eu pude dormir sossegada e acordar na hora em que bem quisesse. Se bem que nunca fui de dormir demais. Amigos que tinham conhecimento dessas visitas passarinhescas diziam, para me amolar, que era um privilégio acordar com a serenata de um passarinho dentro do quarto. Eu sempre retrucava: Dispenso esse privilégio.

            Mas a vida dá o troco. Depois que vendemos a casa do Morro Branco, inventei de cultivar plantas em minha minúscula sacada. Pendurei entre as plantas um bebedouro para atrair passarinho com uma boa garapa de açúcar. E vêm sibites e beija-flores. Pois não é que, de vez em quando, os pequenos sibites entram no apartamento e ficam passeando pelos aposentos?! Já morreu mais de um nessas aventuras – eles entram e ficam debatendo-se, em busca da saída. E não adianta abrir portas e janelas e tentar encaminhá-los para o espaço livre. Eles mesmos é que devem encontrar o caminho. Mas o certo é que quase todo dia acordo aos acordes das serenatas dos sibites?! E não me aborreço mais. Até que gosto. Quando alguém reclama do barulho que eles fazem, com um sorriso de ironia (ironizo a mim mesma) repito o que me diziam nos tempos do Morro Branco: É um privilégio acordar com o canto dos passarinhos.

            O ser humano não tem jeito mesmo. Só gosta do que é difícil, só dá valor ao que lhe custa algum dinheiro, algum trabalho, algum sacrifício. Na casa da praia, os passarinhos visitavam-me sem ser convidados, e eu não despendia nenhum esforço, nenhum dinheiro para tê-los em meu quarto e ouvir seu canto toda manhã. E não lhes dava valor, até enxotava-os. Hoje, quando preciso atraí-los com uma beberagem, quando tenho de gastar dinheiro para comprar o bebedouro, sou uma anfitriã gentil e feliz.

            Às vezes, passo horas na janela do meu quarto esperando a visita de um deles – principalmente dos beijas – para apreciar seu voo ou fotografá-los. E eles não estão nem aí. Descobri que também para ir à minha sacada eles escolhem a época, principalmente os beija-flores. É nos tempos chuvosos que eles se fazem mais presentes. Por quê? Para ser franca, não sei. O que sei é que, quando o sol se esconde, quando fica um pouco nublado, eles começam a aparecer. E, na temporada de chuva, nem se fala. Dão até prejuízo, já que tenho de abastecer o pequeno bebedouro até três vezes ao dia.

            O que sei é que fotografar passarinho virou uma mania – tenho belas fotos de sibites e de beija-flores, que sempre tiro por trás do vidro da janela de meu quarto. Estamos em dezembro, época em que parece até que eles se esqueceram de mim e de minha sacada. Mas agora, enquanto escrevo esta crônica, ouço o canto de um sibite. Para melhor apreciá-lo, vou fechando este texto com chave de... palavras mesmo. Acho que, se os passarinhos do Morro Branco tomassem conhecimento desses fatos, iriam morrer de rir... opa! Já disse um estudioso que rir e chorar são prerrogativas humanas. Serão?

Fonte:
IV Troféu Literatura da Natureza, in http://www.reinodosconcursos.com.br