quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sylvio Ricciardi (Trovador Homenageado)

Achou o carro roubado
e na "Loto" fez a quina!
Nasceu pra lua virado...
"Vá ter sorte assim na China!”
À deriva, neste mundo,
meu coração sofredor
não se esquece, um só segundo,
do teu beijo abrasador.
A máscara de alegria
em meu rosto com frequência,
é apenas a fantasia
no carnaval da existência
A Pafúncia, dorminhoca,
cozinha, vendo a novela...
e, suspirando, a coroca
deixou queimar a panela!
A preguiça era tamanha
que, ao te esperar na porteira,
sentei numa pedra estranha;
me estrepei! Pedra não cheira…
Atirado em fria estiva,
sem bússola, em pleno mar,
meu coração, à deriva,
morre de tanto te amar…

Deixe de orgulho e me abrace
que vai ser melhor assim!...
Tire a máscara da face,
que eu sei que és louca por mim.
Dentre as flores do jardim
e escondido nas ramadas,
é o espinho o espadachim
das rosas despreocupadas.
Ela me chamou de bobo,
porque eu olhei, da janela,
quando o vento, com afobo,
levantou a saia dela.
Em minha lira tão pobre,
não achei a sutileza
de uma rima ou verso nobre
para cantar-te a beleza!
Em tua lira, a paixão
canta meiguice e magia!
Até os anjos, na amplidão,
batem palmas de alegria!
Entre espinhos e entre flores,
em seus dias tão cruentos,
é nas mãos dos professores
que desabrocham talentos.

Falo sempre, em meu delírio,
que a natura é caprichosa!
Do lodo é que vem o lírio,
e entre espinhos surge a rosa.
Meu salário é tão pequeno,
não dá pra nada comprar;
não dá nem para o veneno,
se eu quiser me suicidar!
Meu salário,eu nem te conto!
Ele ficou tão em baixa,
que se tiram o "desconto",
fico devendo pro Caixa!
Nesta ansiedade aflitiva
procurei-te sem cessar...
Meu coração à deriva,
nem sabe onde procurar.
No cristal da fonte brilha
espelho espetacular!
E a lua cheia, andarilha,
vaidosa... vem-se espelhar…
O talento é dom latente,
ou melhor, ouro em jazida;
que sobressai, de repente,
entre os cascalhos da vida!

Partiste... e a angústia em surdina,
gerando a cumplicidade,
veio morar, clandestina,
no meu plantão de saudade.
Que grande dádiva encerra
a mão de Deus, onisciente,
quando acende aqui na terra
a chama do sol nascente.
Quero que poupem dinheiro,
comprando apenas um pão!
E passem o pão no cheiro
da panela do Chefão!
Triste sorte a do seu Lessa:
casou com loura "branquinha"
e hoje tem chifres à beça!
... E uma filha mulatinha…
Tua constante evasiva
fez de mim, ano após ano,
um barco triste, à deriva,
no mar do meu desengano…
Tuas mãos, tão delicadas,
sobre a lira, de mansinho,
são pombinhas namoradas
construindo um lindo ninho!

Thalma Tavares (O Trovador e a Trova)



O objetivo neste pequeno ensaio, que dedico aos novos irmãos Trovadores, não é tanto dizer trovas, quanto falar da Trova e daquele que a faz.
Se fôssemos buscar nos tratados a definição da palavra TROVADOR, certamente eles nos levariam de volta à Idade Média onde a figura daquele cavalheiro medieval pouco tem a haver com este cidadão de hoje, tão comum quanto qualquer de nós, mas que possui o dom poético de fazer Trovas. Daquele medieval cavalheiro, o Trovador de hoje herdou mais o nome do que o status e a condição. Ao nome acrescentou o seu talento pessoal, a sua capacidade criadora. Mas o seu relacionamento com a Trova, diferentemente daquele, não se resume apenas ao ato de compô-las e dizê-las publicamente. Os Trovadores de agora pensam, sentem e amam ao compasso da Trova. E quem nos confirma isto é LUIZ OTÁVIO quando nos diz:
“Tirem-me tudo o que tenho,
neguem-me todo o valor!...
Numa glória só me empenho:
- a de humilde Trovador!”
Mas CAROLINA RAMOS também confirma nossa opinião com esta linda Trova:
“Trovador, quando padece
ao enfrentar duras provas,
guarda a angústia numa prece
e reza... fazendo Trovas.”
No limite dos quatro versos de uma Trova, os Trovadores empreendem viagens maravilhosas ao nosso desconhecido mundo interior e a todos os imagináveis mundos da fantasia humana. Faz da Trova uma profissão de fé, um eloqüente atestado de suas crenças, de suas convicções, assim como faz SARA MARIANY KANTER nesta Trova:
“Por ser poeta acredito
em dias menos sombrios.
Meu sonho, quase infinito,
cabe em meus bolsos vazios.”
Enquanto lá fora os poderosos se digladiam semeando a descrença, a violência, o ódio e o ceticismo no coração das criaturas, os Trovadores seguem destilando amor, acreditando no semelhante, sonhando e colocando o coração bem acima das torpezas humanas. E neste contexto insere-se perfeitamente esta Trova de nosso irmão da UBT-Belém do Pará, ANTÔNIO JURACY SIQUEIRA:
“Canta Trovador! Teu canto
alvissareiro e fecundo
é uma canção de acalanto
ninando as mágoas do mundo!”
De fato, “ninar as mágoas do mundo” é atributo sublime e só poderia ser dado aos poetas. E assim dizendo, o autor os elege consoladores das queixas universais. Mas, para reforçar a ideia de Antônio Juracy, temos esta outra Trova de LUIZ OTÁVIO:
“Bendigo a Deus ter me dado
a sorte de Trovador.
Pois o mal quando é cantado,
diminui o seu rigor...”
Para o bom Trovador, em termos de criatividade, a Trova é sempre uma expectativa do inusitado e ele, Trovador, o intérprete das esperanças da humanidade, o paladino do amor, da paz, da justiça e da fraternidade. É também, quando necessário, o crítico, o cronista do cotidiano, o  humorista  alegre  e  refinado,  o  observador  arguto. E  trovas  existem  aos  milhares que nos mostram toda essa gama de virtudes. São incontáveis e passaríamos aqui um tempo enorme dizendo apenas diminuta parcela de um todo difícil de registrar. Nos limitaremos, pois, a dar apenas uma ligeira mostra do gênio dessa estirpe iluminada chamada TROVADORES.
Iniciaremos a mostra com uma observação triste de ABGAIL RIZZINI, nesta sua Trova do tema Esperança:
“Olhar triste é o da criança
que olha a vitrina, e em segredo,
chora a morte da esperança
ante o preço de um brinquedo!”
Uma Trova de infância na saudade de NEY DAMASCENO:
“Num velocípede antigo
que tem quase a minha idade,
passeia a infância comigo
pelas ruas da saudade”
Um alerta de CÉLIO GRUNEVALD nesta Trova do tema Justiça:
“Quando a Justiça nos choca
e a verdade é inconsistente,
há sempre um sino que toca
na consciência da gente...”
Uma exaltação à Liberdade nesta vibrante Trova de WALDIR NEVES:
“A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!”
Uma dissertação sobre o amor e a morte nesta Trova de CLEÓMENES CAMPOS:
“O amor e a morte, a rigor,
são faces da mesma sorte:
– no fim da palavra amor
começa a palavra morte!”
Eis aqui uma Trova onde a ambiguidade de sentidos, inteligentemente arquitetada por CLÓVIS MAIA, enriquece o gênero humorístico:
“Quando a Dinha está acamada
eu agradeço à vizinha
que passa a noite acordada
e faz tudo pela Dinha...”
Uma Trova em que o saudoso JOSÉ MARIA MACHADO DE ARAUJO evoca, lírica e tristemente, a lembrança materna e se confessa publicamente:
“Minha mãe chorou mais pranto
que a mãe de Nosso Senhor.
A Virgem chorou um Santo;
Minha mãe – um pecador!”
Uma constatação do mais puro lirismo nesta Trova de despedida de JOUBERT DE ARAUJO SILVA:
“De  todas as despedidas,
esta é a mais triste, suponho:
- duas almas comovidas
chorando a morte de um sonho!”
Outra Trova de despedida na inteligente e fatalista conclusão do saudoso CARLOS GUIMARÃES:
“De despedidas, apenas,
compõe-se, afinal, a vida:
- mil despedidas pequenas
e uma Grande despedida!”
O Trovador DIAS MONTEIRO, extasiado ante a beleza noturna do firmamento, nos faz uma ousada afirmação poética nesta Trova repleta de lirismo:
“Duvidar ninguém se atreve,
de que as estrelas que eu fito
são Trovas que Deus escreve
no livro azul do Infinito!...”
E, por fim, do tema Tempestade, uma Trova em que CIPRIANO FERREIRA GOMES nos mostra o seu poder de criatividade na beleza desta comparação inusitada a qual se dá o nome de “ACHADO”:
“Tempestade!... E o mar erguido
é um cavalo em movimento
que tendo o dorso ferido,
desfere coices no vento!...”
Habituado a trovar sobre qualquer tema, o bom Trovador desconhece assuntos que a Trova não consiga abordar de modo sutil e convincente, para não dizer inteligente e original. É o caso de palavras  e temas considerados esdrúxulos e antipoéticos. CAROLINA RAMOS nos dá o exemplo, utilizando numa Trova a palavra CEBOLA que muitos consideram poeticamente inaceitável. Provando o contrário, ela fez de improviso, durante uma reunião da UBT-São Paulo, a seguinte Trova lírica:
“Na feirinha da amizade,
de produtos desiguais,
a CEBOLA da saudade
já me fez chorar demais.”
E eis aqui, também, como o Trovador IZO GOLDMAN, vencendo um desafio, encontrou saída para rimar numa Trova a palavra CINZA com a sua única rima natural:
“Papai do Céu tá RANZINZA!
- diz meu netinho assustado:
Pintou todinho de CINZA
o lindo céu azulado!” 
E vejam o que fez o príncipe LUIZ OTÁVIO com as palavras RADAR e BISTURI nestas duas Trovas:
“O coração de mãe tem
um RADAR de tal pujança,
que vê melhor, vê além
do que a própria vista alcança.”
“O trem, cansado e sedento,
subindo a nublada serra,
é um BISTURI barulhento
rasgando o seio da terra...”
Mais do que um simples exercício intelectual ou um passatempo, como querem alguns, a Trova é um sentimento, é um estado de amor e muitas vezes uma bênção, porque acaba sempre por preencher lacunas existenciais na vida daqueles que a cultivam no seu cotidiano.
E vale a pena a gente citar outras Trovas inteligentes que eu chamaria de produto do senso de oportunidade e que fazem parte também das chamadas Trovas Circunstanciais:
Vejamos, por exemplo, como o Trovador ARLINDO TADEU HAGEN soube aproveitar com oportunismo e bom senso, a perfeita identidade de seus ideais com os ideais de um amigo, construindo uma Trova singela, significativa e convincente:
“Existe tanta união,
entre os meus sonhos e os teus,
que só não és meu irmão
 por um descuido de Deus.”
CONCHITA MOUTINHO DE ALMEIDA, saudosa Trovadora da UBT-São Paulo, referindo-se à sua alma de sonhadora e por extensão à alma de seus irmãos Trovadores, soube explorar com inteligência a dualidade quixotesca da natureza humana, enfocando as antíteses: sonho e realidade, corpo e espírito;  nesta Trova que nos enviou numa carta:
“De sonhar jamais se cansa
- este é o seu supremo dote –
meu corpo de Sancho Pança
tem alma de D. Quixote!”
E de novo citamos WALDIR NEVES, para uma outra mostra de senso de oportunidade. Ele obteve menção honrosa no Concurso Paralelo aos XXXV Florais de Nova Friburgo, em homenagem à saudosíssima NYDIA IAGGI MARTINS, com esta Trova:
“De esposa e mãe, nos misteres,
de alma e corpo ela se deu
e foi “todas as mulheres”
na mulher que prometeu.”
WALDIR soube aproveitar com oportunidade o “achado” primoroso desta conhecidíssima Trova de NYDIA:
“No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei!”
Vejam como DURVAL MENDONÇA, soube fugir do lugar comum nesta trova do tema “Farol”:
“Noite escura!... De repente,
dois faróis surgem na estrada...
E a escuridão sai da frente
como quem foge, assustada.”
O Trovador fluminense VILMAR LASSENCE, foi vencedor de um concurso com uma das mais belas trovas do tema “Luz”. Ei-la:
“Da mais funda escuridão,
pergunta um cego: - O que é Luz?
E alguém, por definição,
lhe põe nas mãos uma cruz.”
A origem da Trova perde-se na Idade Média. Serviu aos troveiros e trovadores provençais para comporem e cantarem, na língua d’oc e língua d’oil, as suas cantigas d’amigo, cantigas d’escarneo ou de maldizer. A Trova nem sempre teve a mesma forma. Ao longo do tempo, desde a França até a Península Ibérica, ela sofreu várias modificações até transformar-se na deliciosa “Quadrinha Popular Portuguesa” que, por sua vez, deu origem à Trova como hoje a conhecemos e como é praticada nos concursos da UBT e, atualmente, através da Internet. Tudo graças ao idealismo do fundador da UBT, LUIZ OTÁVIO, o Príncipe dos Trovadores Brasileiros.
 Para que a Trova continuasse como arte aprimorada, como veículo dos mais elevados sentimentos do homem, foi necessário o apoio e o patrocínio de entidades associativas, beneficentes e governamentais que, ao lado da UBT, têm contribuído para a sua divulgação em todo o país e no exterior, através de concursos e jogos florais que hoje somam mais de quarenta eventos anuais, considerando-se os realizados através da Internet. Não obstante esse apoio, a UBT e a Trova são ainda órfãs do interesse das entidades culturais do país e sobrevivem como fontes de cultura, graças à boa vontade, ao amor que alguns Trovadores, abnegados idealistas, têm pelo movimento trovadoresco.
 Assim, meus irmãos, o TROVADOR E A TROVA, apesar de todos os percalços que têm encontrado no curso dos acontecimentos, neste país que ainda não firmou idealmente suas raízes culturais e não aprendeu a valorizar a cultura, a Trova vem cumprindo o seu papel; vem alimentando os nossos sonhos, alavancando as nossas esperanças, reavivando a nossa fé e a nossa crença num mundo melhor. E enquanto houver no coração das pessoas sensíveis um espaço para a poesia, aí a Trova terá encontrado sua morada e jamais perderá o seu encanto. E, com esta certeza, eu posso lhes confiar um segredo:
Se o destino desaprova
minha ilusão desmedida,
eu ponho ilusões na Trova
e sigo iludindo a vida...
Fonte:
Thalma Tavares, palestra aos novos trovadores, 1994.

sábado, 8 de agosto de 2015

Trovador Homenageado: Josué de Vargas Ferreira


A abelha até que se acabe
não para pra descansar!
Nem "fazer cera" ela sabe...
- logo pega a trabalhar!
À deriva, no caminho,
tanta saudade ajuntei,
que cismo, velho e sozinho:
- saudade... jamais deixei!
- A Madame, pelo exame,
foi mordida por "barbeiro"!
- Mas, Doutor... aquele infame
me disse que era banqueiro!
Após transpor as barreiras
com talento e dignidade,
restaram, por companheiras...
- a solidão e a saudade!
Bicho inteiro na goiaba
jamais me causa aperreio.
Mas dá nojo, fico braba,
se, comendo, vejo meio!
Como velho motorista
vou dar minha opinião:
- pior que animal na pista
é um burro na direção!
Dar aulas e gastar sola
é a vocação do Nogueira.
Corre de escola em escola...
- é professor de carreira!
Dar um sorriso é tão nobre
que o gesto nos engrandece,
quem dá não fica mais pobre
mas quem ganha se enriquece.
Diz o guarda ao namorado:
– Use também a outra mão!
Retruca o moço “avançado”:
- quem segura a direção?
Diz ser poço de virtude
o meu compadre Pacheco!
Tão magro, tão sem saúde...
só se for um poço seco!
Do jeito que anda o salário,
do jeito que as coisas vão,
é arroz pelo crediário
e consórcio de feijão!
É cômica a minha terra
e eu vivo rindo, aliás!
O doutor Armando Guerra
é nosso Juiz de Paz!
Ela tem sorte tamanha,
que bastou pedir divórcio
e logo seu carro ganha,
sem nem entrar em consórcio.
Entre e não seja apressada...
visita me dá prazer!
- Quando não for na chegada,
na despedida há de ser!
Era uma pensão pacata...
por vez, lembrava um cortiço!
A comida era barata...
- E bota "barata" nisso!
Grande poetisa! Porém,
do verso tão orgulhosa,
que não fala com ninguém!
-Dizem que detesta “prosa”!
- Meu bravo soldado, então
você pôs o outro a correr?
- Que corrida, Capitão...
mas não me deixei prender!
Minha fonte de ventura,
onde lavo o meu desgosto,
jorra em constante doçura
das covinhas do teu rosto!
Minha ventura retrata
pobre brinquedo distante:
- carrinho de velha lata,
puxado por um barbante!
Minha vida amiga e boa
deu-me a senda desejada:
– se canso de estar à toa,
depois não faço mais nada!
Não canso de gargalhar
das ironias da vida:
- como é fácil de se achar
a mulher que está perdida!
Não cedo livro emprestado!
Não o devolve, ninguém!
- Estes que eu tenho guardado,
pedi emprestado também!
Não te cases com mulher
entendida de finança.
Não te deixará sequer
passar a mão na poupança!
Não traz perene alegria
taça de cristal na mão!
Esse prazer não expia
as nódoas do coração!
- Na pinga que eu bebo, tento
a minha mágoa afogar!
- E consegues teu intento?
- Qual, ela sabe nadar!
Naquela manhã, no hospício,
houve incomum alarido.
- Junto ao lixo do edifício
estava um doido varrido!
No açougue faz alvoroço
este cartaz que contém:
- vendemos carne com osso...
e idem, sem idem, também!
O jovem de hoje, não nego,
tem muito tato e razão:
– de fato, sendo o amor cego,
só namora com a mão!
Ó Pai, dai-me mais saber
para entender meu patrão!
- Mais força nem vou querer,
porque nele eu taco a mão!
O pileque faz das suas!
Pra mim, porre nunca mais!
- Minha sogra virou duas...
castigo assim é demais!
O tempo bom já se foi!
Eu mesmo, sem ser patife,
pra não brigar, dava um boi!
- Hoje... brigo por um bife!
O tesouro do meu sonho,
que guardo no coração,
vem do sorriso que ponho
na face de cada irmão.
Pequena, três não comporta
a casa da Gabriela.
Marido entra pela porta,
alguém sai pela janela.
- Posso assentar-me ao teu lado,
meu anjo doce e gracioso?
- Detesto velho assanhado!
- Assanhado e... mentiroso!
- Quanto custou teu carrão?
- Só um beijinho, quase nada!
- Que deste no maridão?
- Não, que ele deu na empregada!
Quebra o cristal dessa taça,
que a bebida é falso conto!
Foge da alegre trapaça...
Por si só, quem bebe é tonto!
Quero buscar-te, Senhor,
mas meu barco é fraco até!
Por vez, ouço o teu clamor...
longe... à deriva, sem fé!
Que sentido pitoresco
deste termo incoerente!
O pão que achamos mais fresco
é justamente o mais quente!
Que vale fazer promessa,
rezando pra não chover,
se quando a chuva começa
queremos nos esconder?
Salve quem, entre o inimigo,
com talento e decisão,
insiste em lançar o trigo
e repartir o seu pão!
Se a gente cruzar minhoca
com macho de borboleta,
será que dá "borbonhoca"
ou dará "minhocoleta"?
Sempre foi franga avoada
e agora está mais travessa!
De tanto levar bicada,
só tem galo na cabeça!
Somou e multiplicou
mas a morte o subtraiu!
Depois que os pés ajuntou,
a família dividiu.
Sou, por fim, aposentada!
Trabalho?  Nem pensar nisso!
- Prefiro subir escada
a elevador de serviço!
Tu serás velho e paspalho
quando a coisa se inverter:
– o prazer te der trabalho
e o trabalho der prazer!
Vejam que vida mesquinha!
Conserto o mundo não tem!
A mulher que andou na linha
um dia, matou-a o trem!
Zebra, que belo animal,
de branco e preto pintado.
- Quem o pintou, por sinal,
entendia do riscado!

Aparício Fernandes (Trovas Curiosas)



Se pedissem ao trovador João Rangel Coelho um exemplo de trova curiosa, ele citaria esta, feita por um camarada cuja ignorância era tão grande quanto a sua vontade de ser trovador:
Na vida tudo se acaba,
na vida tudo tem fim:
– morre o cabo, morre a “caba”,
só quem não morre sou mim!…
Todavia, deixando de lado a galhofa, há trovas realmente interessantes, pelas particularidades curiosas que apresentam. Comecemos por uma trova-acróstico. As letras iniciais de cada verso lidas verticalmente, formam a palavra AMOR, que é o tema desenvolvido na quadrinha. É de autoria de Guaracy Lourenço Costa:
Amei alguém – que desdita!
Morri de         tanto sofrer.
Oh, Deus do amor, me permita
reviver, amar, morrer…
Homenageando nosso amigo J. G. de Araújo Jorge, fiz certa vez a seguinte quadrinha:
Amo esse eterno motivo!
– No meu céu interior,
com saudade, a sós, eu vivo
na minha espera de amor!…
Na trova acima, consegui incluir cinco títulos de livros do J. G., que são os seguintes: “Amo”, “Eterno Motivo”, “Meu Céu Interior”, “A Sós” e “Espera”.
Paulo Edson Macedo (ou Edson Macedo, como às vezes assina as suas produções) fez uma trova só de verbos, usando sempre a 1a. pessoa do singular:
Vivo, penso, sinto, falo;
temo, luto, venço, clamo;
vejo, creio, sonho, calo;
sofro, quero, choro, amo…
Curiosa também é esta trova, que um espírito ferino dedicou a Carlos Lacerda, então Governador da Guanabara, depois de uma violenta elevação de impostos:
 
Mais impostos ele aprova!
E por falar em Lacerda…
Ora, bolas! Esta trova
vai mesmo ficar sem rima!…
Nosso prezado amigo Félix Aires, que tem paixão pela originalidade, resolveu fazer uma mistura de trova e expressionismo gráfico, na qual os repetidos pontos de exclamação interpretam visualmente as velas acesas a que se refere o poeta:
No templo das ilusões
vejo uma flor no altar
e acendo as exclamações:
– minhas velas!!!!!!!! de sonhar.
Em nossa opinião, se o nosso caro Félix tivesse se lembrado de por as exclamações de cabeça para baixo, a imagem ficaria mais fiel…
O poeta santista Dilceu do Amaral, desejando adquirir nossa coletânea “Trovadores do Brasil”, enviou-nos certa vez a seguinte trova:
Caro Aparício Fernandes,
tu, que tens sido gentil,
peço, amigo, que me mandes
“Trovadores do Brasil”.
Usar nomes de pessoas numa trova quase sempre indica falta de recursos do autor, principalmente quando o nome próprio figura no fim do verso, para facilitar a rima. Fugindo à regra geral, Belmiro Braga, jogando com vários nomes próprios, escreveu uma trova muito bem feita e original:
Eu morro por Filomena,
Filomena por Joaquim,
o Joaquim por Madalena
e Madalena por mim.
Conheci também um trovador que mandou fazer um cartãozinho com esta trova-cantada, que “aplicava” sempre, nas ocasiões propícias:
Para que você aprove
nosso programa depois,
basta discar: quatro-nove,
zero-zero-cinco-dois.
Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972