terça-feira, 13 de setembro de 2016

Filinto Elísio (1734 - 1819)

    
    O poeta e tradutor português do neoclassicismo Francisco Manuel do Nascimento, de pseudônimo Filinto Elísio, ou ainda Nisceno, nasceu em Lisboa a 23 de Dezembro de 1734. Pertenceu à sociedade literária «Grupo da Ribeira das Naus», cujos membros adotavam nomes simbólicos. Filinto Elísio faleceu em Paris, França, a 25 de Fevereiro de 1819.
        Poeta português. De origem humilde, tornou-se sacerdote. Francisco Manuel do Nascimento conviveu com a futura marquesa de Alorna, dela recebendo o nome arcádico de Filinto Elísio. Pertenceu ao círculo poético do Grupo da Ribeira das Naus, entrando em disputas com os poetas da Arcádia Lusitana.
        Uma denúncia feita à Inquisição obrigou-o a refugiar-se em França, em 1778, devido às suas ideias enciclopedistas e liberais. Aí conheceu personalidades importantes da cultura francesa, como o poeta Lamartine. Com dificuldades econômicas crescentes, viu-se obrigado a escrever, a ensinar e a fazer traduções para garantir a sobrevivência. Entre os autores que traduziu encontram-se Chateaubriand (Os Mártires, 1816), Longino, La Fontaine, D'Alembert, Sóror Mariana Alcoforado (Lettres Portugaises) e Wieland (excertos de Oberon). As suas Obras Completas foram editadas em Paris (1817-1819, 11 tomos).
        Admirador de Horácio, defensor dos ideais iluministas e enciclopedistas, e das revoluções francesa e americana, a permanência em França marcou a sua obra. Nesta lamenta o obscurantismo português, evoca a gastronomia e os costumes pátrios, retrata as dificuldades e a tristeza crescentes da sua doença e da sua velhice.
        O seu estilo segue os preceitos da estética classicista arcádica, sendo um defensor enérgico do purismo da língua. Apesar deste formalismo, muitos dos seus poemas refletem uma grande intensidade emocional, no que têm de revolta e de sofrimento pessoais, o que faz com que alguns o considerem já precursor do romantismo. Cultivou praticamente todos os gêneros da poesia clássica.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Olivaldo Júnior (As estrelas)

Desde criança, as estrelas me encantam. Poderia me mudar para uma nova estrela a cada noite e lá ficar por um bom tempo. Mas, como ainda sou humano e, mesmo tendo passado um Mastercard na maquininha celeste, minhas asas não chegaram, cá estou, sonhando, escrevendo que, um dia, ainda que tardio, chegarei a estar com as Três Marias, face a face, olho no olho, num clima de "Será que já não nos vimos antes?". Ah, mas esse dia vai demorar! Queria ir logo para perto das estrelinhas que, juntas, poderiam ser as Três Espiãs Demais, "As três máscaras de Eva", ou, quem sabe, as Irmãs Cajazeiras, imortais personagens do igualmente imortal Dias Gomes, amantes, quero dizer, namoradas de Odorico Paraguaçu, em O Bem-Amado. Amado, penso eu, também seria pelas três estrelas nesse cosmos imenso, tão grande quanto qualquer gota de qualquer oceano existente. A vida é grande, ainda que minúscula. Não há nada que não seja assim: operístico, intangível, insondável. Na próxima parte, eu queria falar com Deus, mas Ele não veio. Estava ocupado, reunido com seus anjos, para ver se a coisa na Terra melhora. Não é à toa que me encanto com o brilho das estrelas e queria ir morar numa delas a cada dia a viver. Nem morto, não me apartarei desse ideal.

À beira da casa em que moro, minha mãe plantou flores, milhões delas. Flores, para mim, são as estrelas da terra. Que é mesmo uma rosa senão a imitação de uma das luzes do céu? Não sei. O que sei é que as estrelas são belas. Ora orientando os sete mares, a cada noite escura da História, ora desorientando dois seres, a cada noite em chamas da aurora, estrelas são um dos tesouros de Deus. Por falar Nele, a reunião com os anjos, já acabou? Queria tanto falar com Ele, dizer que as estrelas foram sem dúvida um de seus melhores feitos, design nota dez. Bem, quando a reunião terminar, Deus, fala um pouquinho comigo, está bem?

Lembro-me de já ter visto o que chamam de estrela cadente. Mais de uma vez, aliás. Outro dia, vi uma. Pasme: sabia que as estrelas que vemos sequer estão "vivas"? São estrelas mortas, as que vemos brilhar quando o Sol se vai para o Japão e a Lua volta para cá. Estrelas, na verdade, foram sóis imensos, e o que vemos da Terra é apenas o brilho de cada um desses sóis, que, por terem estado muito longe de nós, a luz deles demorou tanto a chegar aqui, que o que vemos é somente a luz deles mesmo. Complexo demais? Nem tanto. Eu gostei de saber disso. Não sei por que, mas isso é mais poético que as próprias estrelas, ora mortas.

Acabou a reunião de Deus com seus anjos? Não?! Ih, vou ter que esperar... Um passarinho me disse que, antes de mim, tem uma fila de iluminados, outra de santos, e ainda outra de espíritos à porta do Pai, querendo um cantinho só seu, numa estrela, num planeta, num satélite, um canto em que, iguais a mim, possam cantarolar Stardust, sucesso na voz de Nat King Cole, ou, se tiverem sido brasileiros, Chão de estrelas, do Sílvio Caldas, músicas lindas, quase esquecidas por gerações mais novas. Sucessos de também estrelas num céu que se mostra opaco, musicalmente falando.

Poderia me mudar para uma nova estrela a cada noite e lá ficar por um bom tempo. Será que minha mãe iria querer ir comigo? Se fosse, poderia fazer bolachas, meias-luas, para São Jorge, que o chá da tarde por lá pode ser bem legal. O quê?! A reunião de Deus acabou?! Graças a Deus, quer dizer, graças a Ele! Bem, é hora de ir. Uma estrela sobe. Vamos lá!

Fonte:
O Autor

Elisa Alderani (Trovas Avulsas)



As trovas abaixo foram premiadas. O tema da trova está em negrito.


1
A linha do trem recorda
o dia em que tu partiste.
E o meu coração acorda...
Pulsa a dor que produziste!
2
Amo ler, e bem escolho
no livro a mensagem certa.
O conteúdo, recolho
não deixo a mente deserta!
3
Boca de lobo entupida...
Só não jogam quem merece!
Sarjeta não tem saída,
vamos ver o que acontece,..
4
Choveu forte na cidade,
Corre barro na sarjeta...
Sai do banco meu confrade,
cai... Suja toda a jaqueta...
5
Com linha branca costuro
o enxoval do meu menino.
Só Deus sabe seu futuro,
ao seu amor eu me inclino!
6
De mãos dadas caminhava
com ele ao lado direito.
O meu coração sonhava
num casamento perfeito.
7
De sonhar temos direito,
Ninguém nos pode tirar  
o desejo mais perfeito
de escolher a quem amar!
8
Encontro sempre um abrigo
quando existe tempestade.
No livro que é meu amigo...
a chuva de paz me invade!
9
É pássaro em revoada
o voltar dos pensamentos,
no vai e vem da alvorada
e na utopia dos ventos!  
10
Lá do cume da montanha,
vejo a paisagem mais linda,
Deus fez esta obra tamanha
sua perfeição é infinda!
11
Lapidei teu coração
como um brilhante valioso,
e com constante oração
o tornei mais luminoso!
12
Lava os pés, pobre Zezinho...
na sarjeta está sentado,
fala com ele sozinho
está bêbado o coitado!
13
Na linha da nossa vida,
nós temos a curva e a reta;
encontramos a guarida
quando a dor a inveja injeta.
14
A página amarelada
de um álbum, quase esquecido,
tem a lembrança velada...
De tanto tempo perdido.
15
Na paisagem do meu sonho,
cada noite te procuro.
Vejo-te belo e risonho
no coração te seguro!
16
Naquela estação tão fria
que não consigo esquecer...
o meu coração sentia
que não ia mais te ver.
17
No caminho desta vida,
a vitória conquistada
deixa a pessoa iludida
que não será derrotada...
18
Nosso time brasileiro
bom de bola conhecido.
Com os pés dum artilheiro
tem o título vencido!
19
O centro deste brilhante
esconde doce segredo,
meu coração palpitante
que vai ficar em seu dedo,
20
Quando a insônia me atormenta
na ilusão sinto teus braços.
E o devaneio sustenta
a doçura destes laços.
21
Quando Deus criou o mundo,
deu-nos um mundo perfeito.
Pra que ele seja fecundo
devemos cuidar direito.
22
Quando falo de respeito...
quanto choro derramei
sozinha, triste no leito,
traída, por quem amei!
23
Quando um homem é de respeito,
todos sentem segurança,
ele emana de seu jeito
o perfume da confiança.
24
Quem na testa tem coroa,
sabe reinar com nobreza...
Em praticar obra boa,
ama o povo com certeza!
25
"Ribeirão" muito querida
"das letras " és a cidade,
agora reconhecida
por toda a sociedade!
26
Rola a bola lá no campo
e a conversa no boteco...
São unidas num só grampo
tendo na frente o caneco.
27
Show de bola lá no campo;
corre o juiz! É o escanteio... 
O calção perdeu o grampo,
todo mundo viu o traseiro!
28
Ter dinheiro nesta vida
não significa nobreza,
mas é mesa dividida
com muita delicadeza!
29
Um coração já maduro,  
sabendo a escolha fazer.
não caminha pelo escuro 
sabe o bem reconhecer.
30
Você fez uma promessa
de cuidar sempre de mim.
Foi uma palavra expressa,
pequenina, mas foi "sim"!



Elisa Alderani nasceu em 22 de fevereiro de 1938 em Como, Itália. Formada em técnico de Química Industrial, trabalhou no laboratório de uma Fábrica Têxtil até se casar. Mudou-se Ribeirão Preto, em 1978.
Ao se aposentar entrou na escola de terceira idade frequentando as oficinas culturais do SESC.
Membro da Casa do Poeta, cadeira n. 15,e da Galeria das Letras. Membro da União Brasileira de Escritores, participa também da União Brasileira dos Trovadores e as oficinas doa União dos Escritores Independentes.
Tem participação em várias antologias do Brasil e de Ribeirão Preto como Ave Palavra e Frutos da Terra. Foi premiada no concurso da ALUMIG de Belo Horizonte, nos Jogos Florais de Ribeirão Preto, Jogos Florais de Santos.
Na comunidade da Igreja Santo Antônio de Pádua, frequenta a Associação da Legião de Maria, visitando pessoas doentes e levando a elas conforto da Sagrada Comunhão. 
Em 2008 publicou seu primeiro livro Flores do meu jardim - Fiori del mio Giardino, bilingue, produção independente, com o qual ganhou o premio Ruben Cione de Literatura, na Feira do Livro de 2009.

Folclore Japonês (Ningyo: As Sereias do Japão)

Lendas sobre sereias são contadas há muito tempo ao redor do Mundo. Essas criaturas enigmáticas têm sido vistas e encantado marinheiros nas águas dos cantos mais distantes da Terra. No Japão, uma nação rodeada pelo mar, histórias desses seres meio-humanos e meio-peixes foi relatada durante séculos. Sereias são conhecidas como Ningyo em japonês, mas diferente das tradicionais sereias ocidentais, estas se assemelham mais a uma criatura marinha do que a um ser humano, provocando horror nas águas da “Terra do Sol Nascente”.

Com o torso e o rosto variando entre humano e peixe, as sereias nipônicas possuem dedos longos, garras afiadas e brilhantes escamas douradas, podendo variar em tamanho, desde o tamanho de uma criança a um adulto. Suas cabeças foram, por vezes, descritas como sendo deformadas, possuidoras de chifres, ou dentes proeminentes. Em outras versões, as sereias são descritas com uma forma que lembra a versão mais familiar de sereias ocidentais, mas com uma aparência sinistra, meio demoníaca.

Segundo a lenda, são capazes de emitir um canto agradável como a canção de um pássaro ou o doce som de uma flauta. Mas, ao contrário das sereias das lendas do Atlântico e do Mediterrâneo, uma Ningyo do Pacífico e do Mar do Japão são criaturas horríveis, sendo consideradas como um pesadelo surreal ao invés de uma mulher sedutora. Porém, acredita-se que a carne de uma Ningyo pode conceder a imortalidade e, suas lágrimas transformam-se em pérolas e, quando consumidas, trazem a juventude eterna sendo, portanto, assunto de muitos contos populares, alguns assustadores.

Avistamentos de Ningyo estão presentes no Nihon Shoki, um dos livros de registros mais antigos de histórias japonesas, que remonta a 619 dC. De acordo com antigas crenças, apanhar uma Ningyo pode trazer tempestades e infortúnio. Uma Ningyo levada com as ondas para a praia era um presságio de guerra ou calamidade. Essas sereias são consideradas Youkais, possuidoras de poderes sobrenaturais e podem amaldiçoar os seres humanos que tentarem ferir ou capturá-las. Algumas lendas falam de cidades inteiras que foram engolidas por terremotos ou maremotos após um pescador levar para casa uma Ningyo em uma de suas capturas.

Muitas e antigas histórias sobre Ningyos são relatadas na “Terra do Sol Nascente”. Diz-se que o primeiro relato registrado de sereias no Japão data do ano 619, durante o reinado da imperatriz Suiko. Nessa época, uma Ningyo teria sido capturada em águas japonesas e levada perante o tribunal da própria Imperatriz. A criatura teria sido mantida em um tanque improvisado para o entretenimento de Suiko e de seus visitantes.

Com o passar do tempo, qualidades místicas e habilidades mágicas foram atribuídas às sereias do Japão e, assim como outros Youkais, acredita-se que tenham a capacidade de mudar de forma. Uma antiga história se passa no Farol de Nosaapu, ao nordeste de Hokkaido. A lenda conta que, em 1870, os guardiões do farol acreditavam que as sereias locais poderiam se transformar em medusas ou água-viva mortal. Estas sereias teriam se transfigurado em belas mulheres trajadas com requintados quimonos, que vinham em terra para seduzir e atrair os homens para o oceano. Em seguida se transformavam em medusas gigantes, matando qualquer um, tolo o suficiente por ter mergulhado com elas nas águas do mar.

Nomes como: Amabie, Amahiko, Arie e Yao Bikuni, estão entre as lendas de sereias e tritões mais conhecidas dos mares do Japão.

Amabie, uma sereia lendária com poderes de premonição, podia profetizar, quer uma abundante colheita ou devastadoras epidemias. Segundo contam, Amabie era uma Ningyo com o corpo do pescoço para baixo coberto por escamas, semelhante a um peixe, rosto humano e longos cabelos, porém, ao invés de boca, possuía um bico. De acordo com a lenda, no Reino de Higo, antigo distrito da prefeitura de Kumamoto, em torno do quinto mês do ano de Koka (meados de Maio, 1846), durante o Período Edo, um brilhante objeto foi avistado no mar.

Oficiais de Higo foram enviados à costa para investigar o reluzente objeto. E, durante muitas noites, se dirigiram até a beira da praia para observar a intensa luz. Em uma destas vigílias, uma estranha criatura saiu do mar. Ela revelou-se chamar Amabie e pronunciou uma profecia: “Durante seis anos, esse território boa colheita terá, porém, com a colheita, poderá surgir uma epidemia, se a doença surgir, um desenho deverá ser feito a minha imagem e mostrado aos doentes que, ao ver a imagem, se curarão da enfermidade”.  Após profetizar, imediatamente Amabie retornou ao mar. A história foi impressa no Kawaraban (boletim impresso em xilogravura) e assim sua aparência foi divulgada por todo o Japão.

Existem relatos de outras Ningyos com poderes semelhantes por toda costa japonesa. Amahiko Nyudo (amahiko monge), um tritão idêntico a Amabie, foi avistado na província de Hyuga (região de Miyazaki). Uma criatura idêntica, chamado Arie, apareceu em Aoshima-gun, de acordo com o jornal “Yamanashi Nichinichi Shinbun” de 17 de Junho 1876. Todos esses seres eram possuidores de poderes de predição, igual a muitos outros Youkais do vasto folclore nipônico.
Yao Bikuni: A Lenda

Outra lenda famosa sobre Ningyo, com diferentes versões, é a de Yao Bikuni, cujo nome significa “Monja budista de 800 anos”. Durante o período Edo, já rezavam as lendas que ossos de sereias podiam ser usados como remédio para curar qualquer doença, e que a ingestão da carne de uma Ningyo faria com que a pessoa vivesse para sempre.

Segundo essa crença, um homem chamado Takahashi que vivia na província de Wakasa, certa vez, após longo dia no mar, capturou uma criatura incomum em sua rede apinhada de peixes. Em todos os seus anos de pesca, nunca tinha visto nada parecido, animado, convidou seus amigos para provar a sua carne. Depois de muita comemoração e bebedeira, o homem levou parte do que sobrou para casa. Porém a filha de Takahashi, Yao Bikuni, comeu despreocupadamente da carne, sem suspeitar que era de uma ningyo.

Os anos se passaram e Yao Bikuni, manteve a mesma aparência jovem. Ela casou-se, viu a morte de seus pais e de seu marido, mas nunca envelhecia. Depois de ficar viúva, novo e de novo, Yao Bikuni cansou de seus muitos anos de juventude, uma vida perpétua. Amaldiçoada por viver eternamente, ela tornou-se uma monja, dedicando-se a ajudar os necessitados. Até que, aos 800 anos, desapareceu nas cavernas da montanha do local onde havia nascido.

Durante muito tempo, as sereias foram avistadas nos mares do Japão, não só pelos japoneses, mas por marinheiros e oficiais de navios estrangeiros que registraram sua aparição em seus diários de bordo. Em 1610, um capitão britânico registrou ter visto uma sereia em um cais no porto de Sentojonzu. Segundo seu relato, a criatura estava brincando nas proximidades e supostamente veio muito perto do cais onde o capitão desnorteado a avistara.

As Ningyo não só foram avistadas como capturadas por um longo tempo. Muitas vezes por sua carne imortal, em outras, expostas como atrações em Misemonos (feiras do período Edo) que atraia milhares de pessoas. Estes populares eventos, contavam com uma grande variedade de atrações, sendo que os mais aguardados eram as exposições de fenômenos naturais bizarros e exóticos como as sereias. Existem muitos relatos sobre essas criaturas fazerem sucesso nas feiras desse período, além de serem exportadas para outras partes do Mundo. Contam que, muito desse material foram confeccionados artesanalmente para essas exposições, mas eram tão minuciosamente detalhados que enganavam até o mais exigente expectador.

Histórias de Sereias povoaram e encantaram a imaginação, não só dos marinheiros, mais de pessoas do Mundo todo durante muito tempo e, até hoje, suas aparições intrigam envoltas em mistério nas águas de todo canto da Terra.

Fontes:
http://monster.wikia.com/wiki/Ningyo / http://mysteriousuniverse.org/2015/02/the-mysterious-mermaids-of-japan, disponível em Caçadores de Lendas

Vera Abad *, João Roberto Gullino ** (A presença feminina na poesia brasileira como musa inspiradora e como poeta criadora) Parte II

Título completo: A presença feminina na poesia brasileira como musa inspiradora e como poeta criadora - breve estudo comparativo da progressão de temas e linguagem usados por poetas brasileiros do séc. XVIII ao séc. XX

Século do romance, feminismo, revolução

Passando ao século XIX que podemos chamar de século do romance, vemos que a produção literária geralmente se atém a descrever heróis e heroínas ainda dentro do mesmo binarismo: papel de homem, papel de mulher na sociedade. A mulher como ajudante do homem, educadora dos filhos, um ser de virtude, o anjo do lar. Ou o oposto: mulheres fatais e decaídas. A escrita e o saber ainda funcionando como forma de dominação. Mesmo assim, um grande número de mulheres começou a escrever e publicar, tanto na Europa como nas Américas. Encobertas por pseudônimos masculinos, publicando em jornais e revistas, muitas vezes criados por elas próprias, tiveram inicialmente que dominar o manejo da palavra escrita, difícil numa época em que se valorizava a erudição. Mesmo dominando outras línguas, se de camadas sociais mais elevadas, sua educação era sempre voltada para as prendas domésticas e a educação moral e religiosa. Tiveram que rever o que se dizia delas e rever sua própria socialização. Virginia Woolf dizia que para se tornar uma escritora, a mulher precisava primeiro “matar o anjo da casa’,(6) isto é libertar--se do papel estereotipado que lhe era atribuído para poder revelar seu próprio eu. É nessa busca que vamos encontrar as melhores expressões literárias das mulheres poetas no Brasil.

De início, os romances de mulheres eram em grande parte autobiográficos. Precisavam expressar-se descrevendo seu próprio sofrimento, defendendo uma causa própria. Ainda presas aos estereótipos criados pelos autores masculinos, sentiam-se podadas pela insegurança em romper com os padrões socialmente aceitos. Na poesia, o resultado foi uma quantidade de poemas retratando seus próprios sentimentos o que muitas vezes soava piegas, elaborado, sem valor.

O grande jurista Clóvis Beviláqua (7) em crítica a tais poemas, comenta: “Com a direção mental a que geralmente se submetem, as mulheres que em nosso país têm uma educação intelectual, com sua sujeição inevitável à lei do atavismo... aqui as mulheres serão somente poetisas e poetisas voluptuosas, plangentes e desoladas.”
 
Casado com Amélia de Freitas Beviláqua, escritora e editora da revista O Lyrio, incentivou-a a seguir o jornalismo, e a publicar artigos e livros. Porém, quando em 1930, ela se candidatou à Academia Brasileira de Letras, viu sua pretensão barrada pelo simples fato de ser mulher. Do mesmo modo, Julia Lopes de Almeida, autora de romances de sucesso, teve que ceder sua candidatura ao marido, Filinto de Almeida.

Poetas brasileiras do século XIX

Selecionamos entre tantas apenas algumas que por sua obra ilustram o caminho percorrido. Uma seleção simbólica que permite demonstrar, na comparação entre seus poemas com os seus contemporâneos do sexo masculino, as modificações sofridas nos temas e linguagem ao longo do tempo de modo a acompanhar as modificações vivenciadas no papel social da mulher.

Do Nordeste do Brasil vem Nisia Floresta Brasileira Augusta (1810 – 1885). Dionísia Gonçalves Pinto, nascida no Estado do Rio Grande do Norte já revela no pseudônimo escolhido sua personalidade e opções existenciais: Nísia, diminutivo de Dionísia; Floresta, para lembrar o nome do sítio Floresta, onde nasceu; Brasileira, como afirmação do sentimento nativista; Augusta, uma homenagem ao companheiro Manuel Augusto. Sua obra reflete a preocupação com a posição feminina na sociedade. Escreve, de início, crônicas, artigos e opúsculos sempre sobre o mesmo assunto: “Conselhos à minha filha”, “A jovem completa” “O modelo das donzelas” “Discurso às educandas”. Mas em 1849 sai a primeira edição de “A lágrima de um caeté” no Rio de Janeiro, sob o pseudônimo de Telesilla. O poema de 712 versos trata do processo de degradação do índio brasileiro colonizado pelo homem branco e do drama vivido pelos liberais durante a Revolução Praieira ocorrida em fevereiro do mesmo ano. É este exemplo que nos demonstra a ruptura com temas então ditos femininos, e seus versos – embora sejam mais narrativa e descrição, pelo vocabulário escolhido, por sua força e precisão nada têm da suposta pieguice ou “leveza” esperada por sua condição feminina. “As lágrimas de um caeté” fazem par com “I-JucaPirama” de Gonçalves Dias e incluem Nísia Floresta no rol dos melhores representantes da corrente indianista ou nacionalista da primeira geração dos românticos do século XIX, conforme se verifica nos trechos escolhidos.

NÍSIA FLORESTA Brasileira Augusta
(1810–1885)

A Lágrima de um Caeté


Lá quando no Ocidente o sol havia
Seus raios mergulhado, e a noite triste
Denso ebânico véu já começava
Vagarosa a estender por sobre a terra;
Pelas margens do fresco Beberibe,
Em seus mais melancólicos lugares,
Azados para a dor de quem se apraz
Sobre a dor meditar que a Pátria enluta!
Vagava solitário um vulto de homem,
De quando em quando ao céu levando os olhos
Sobre a terra depois triste os volvendo...
Não lhe cingia a fronte um diadema,
Insígnia de opressor da humanidade...
Armas não empunhava, que os tiranos
Inventaram cruéis, e sob as quais
Sucumbe o rijo peito, vence o inerte,
Mata do fraco a bala o corajoso,
Mas deste ao pulso forte aquele foge...
Caia-lhe dos ombros sombreados
Por negra espessa nuvem de cabelos,
Arco e cheio carcaz de simples flechas:
Adornavam-lhe o corpo lindas penas
Pendentes da cintura, as pontas suas
Seus joelhos beijavam musculosos
Em seu rosto expansivo não se viam
Os gestos, as momices, que contrai
A composta infiel fisionomia
Desses seres do mundo social,
Que devorados uns de paixões feras,
No vício mergulhados falam outros
Altivos da virtude, que postergam
De Deus os sãos preceitos quebrantando!
Orgulhosos depois... ostentar ousam
De homem civilizado o nome, a honra!...


Antonio GONÇALVES DIAS
(1823 – 1864)

I-juca-pirama


Em larga roda de novéis guerreiros
Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrifício cabe as honras,
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo
Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d’imigos feros.

“Eis-me aqui”, diz ao índio prisioneiro;
“Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
“As nossas matas devassaste ousado,
“Morrerás morte vil da mão de um forte.”

Vem a terreiro o mísero contrário;
Do colo à cinta a muçurana desce:
“Dize-nos quem és, teus feitos canta,
“Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.


Por suas posições feministas, Nísia Floresta amargou severas críticas assim como Narcisa Amália, que veremos a seguir. Desta última disse C. Ferreira no Jornal Correio do Brasil em 1872: “Mas perante a política, cantando as revoluções, apostrofando a reio, endeusando as turbas, acho-a simplesmente fora de lugar (...) o melhor é deixar o talento da ilustre dama na sua esfera perfumada de sentimento e singeleza”. Pois Narcisa Amália (1852 – 1924) filha do poeta Jácome de Campos e da professora Narcisa Inácia de Campos foi a primeira mulher no Brasil a se profissionalizar como jornalista, alcançando projeção em todo o país com seus artigos em favor da abolição da escravatura, em defesa da mulher e dos oprimidos em geral. Da mesma geração de Junqueira Freire e Fagundes Varela e contemporânea de Ezequiel Freire, tem seus poemas mais ao lado dos poetas Condoreiros,(8) na busca da expressão da liberdade. Descreve a sua condição feminina não como ser frágil e delicado, mas como forte para a luta. Eis sua resposta à tal suposição, partida de Ezequiel Freire: Porque sou forte em comparação a Temor de Junqueira Freire, poeta cuja vida breve e angustiada é refletida em poemas plangentes.

NARCISA AMÁLIA
(1852 – 1924)

Por que Sou Forte

a Ezequiel Freire

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a tern
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.


Luís José JUNQUEIRA FREIRE
(1832 – 1855)

Temor


Ao gozo, ao gozo amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olhe que a terra
não sinta o nosso peso.

Deitemo-nos aqui. Abre-me os braços.
Escondamo-nos um no seio do outro.
Não há de assim nos avistar a morte,
Ou morreremos juntos.

Não fales muito. Uma palavra basta
Murmurada, em segredo, ao pé do ouvido.
Nada, nada de voz – nem um suspiro,
Nem um arfar mais forte.

Fala-me só com o revolver dos olhos.
Tenho-me afeito à inteligência deles.
Deixa-me os lábios teus, rubros de encanto
Somente para os meus beijos.

Ao gozo, ao gozo amiga. O chão que pisas
A cada instante te oferece a cova.
Pisemos devagar. Olhe que a terra
não sinta o nosso peso.


Na terceira geração de românticos, brilha Castro Alves, o poeta dos escravos, e a figura feminina que vamos encontrar a lhe fazer par é justamente sua irmã, Adelaide de Castro Alves Guimarães (1854 – 1940). Marcada pela sombra de homens ilustres – a de seu idolatrado e famoso irmão que lhe deve o cultivo de sua memória e a conservação de seu acervo e manuscritos inéditos; e a do seu marido, intelectual e jornalista respeitado, também abolicionista, Adelaide cumpriu a sina de muitas mulheres do século XIX, que, imbuídas da “sagrada missão de mães e esposas” dedicaram-se à glória dos homens de suas famílias. De fato, assim ocupada, a poetisa esqueceu-se de si própria e de seu talento, vivendo num ineditismo quase absoluto. Só por intermédio de sua filha, também poetisa, Regina Glória de Castro Alves Guimarães, seus poemas foram publicados no século seguinte.

ADELAIDE DE CASTRO ALVES GUIMARÃES (1854 – 1940)



Acercou-se do leito em andar vagaroso:
Condenada dir-se-ia a chegar ao degredo...
O vazio... o abandono... o sossego penoso...
Na marmórea brancura um funéreo lajedo!!...

Onde a estância risonha, o país venturoso
dos afagos sutis... da carícia em segredo...
Dos seus dous corações o pulsar amoroso
De onde a sorte cruel, a expulsara tão cedo?!...

Nesta angústia, que espera esse olhar assim fito
No macio colchão, na macia almofada,
Testemunhos do amor que ora mata-a ora a encanta

Se tão longe, tão longe! Em lençóis do infinito
Prisioneiro ele dorme em alcova isolada
Nesse leito do qual ninguém mais se levanta?...


Antonio Frederico de CASTRO ALVES
(1847–1871 )

Tirana


Minha Maria é bonita,
Tão bonita assim não há;
O beija-flor quando passa
Julga ver o manacá.

Minha Maria é morena
Como as tardes de verão;
Tem as tranças da palmeira,
quando sopra a viração.

Companheiros! O meu peito
Era um ninho sim senhor,
Hoje tem um passarinho
Pra cantar o seu amor.

Trovadores da floresta!
Não digam a ninguém não!
Que a Maria é a bunilha
Que me prende o coração.

Quando eu morrer só me enterrem
Junto às palmeiras do Val,
Para eu pensar que é Maria
Que geme no taquaral...


Extraído de Cachoeira de Paulo Afonso

A poesia lírica que não a mera exposição de sentimentos adequados exigia um eu confessional forte, difícil para as mulheres sujeitas às definições culturais da época. Não podiam se expressar quando lhes era dito que deveriam se autossacrificar pelos outros, que não deveriam fazer afirmações, que deveriam se restringir a sugestões alheias, deixando ao interlocutor a possibilidade de recusa. Esperava-se da lírica feminina a surpresa, submissão, incerteza, ingenuidade.

Adélia Josefina de Castro Fonseca (1827 – 1920) viveu num contexto de efervescência cultural na Bahia. Escreveu o poema “A Aurora Brasileira” em resposta ao “Madrugada” do poeta português João de Lemos. Fala da individualidade feminina e dominando com maestria a forma clássica do soneto, define sua maneira de amar. Ao lado do trecho do poema de Álvares de Azevedo – outro poeta de vida breve, ilustra o ponto de vista feminino e masculino quanto ao objeto de seu desejo. (9)

Os poemas escolhidos a seguir não são contrastantes ou semelhantes, constituem verdadeiros diálogos entre a produção poética masculina e feminina. Generalizar é perigoso, mas os exemplos existem e além dos aqui expostos vários outros podem ser encontrados sem grande dificuldade.

ADÉLIA FONSECA
(1827-1920)

SONETO


Ninguém nas asas da mais leve aragem,
a ti enviou lembranças tão saudosas;
ninguém horas passou tão deleitosas
de amor te ouvindo a férvida linguagem;

ninguém da tua vida na passagem
semeou, sem espinhos, tantas rosas;
ninguém te diz palavras tão mimosas,
contra o peito estreitando tua imagem;

ninguém de alma te deu mais lindas flores,
nem tanto desejou quanto eu desejo,
delas, tão puras, conservar as cores;

ninguém sabe beijar, como eu te beijo;
ninguém assim por ti morre de amores;
ninguém sabe te ver, como eu te vejo.


Do livro: “Vozes Femininas da Poesia Brasileira”, Cons. Est. de Cultura, 1959, SP

MANUEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO
(1831 - 1852)

À T...

(...)

Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!
O fogo de teus olhos me fascina,
O langor de teus olhos me enlanguesce,
Cada suspiro que te abala o seio
Vem no meu peito enlouquecer minh’alma!
Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
De quem morre por ti, e morre amando,
Dá vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minh’alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
Na tua alma infantil; na tua fronte
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
Sentir as vibrações do paraíso;
E a teus pés, de joelhos, crer ainda
Que não mente o amor que um anjo inspira,
Que eu posso na tu’alma ser ditoso,
Beijar-te nos cabelos soluçando
E no teu seio ser feliz morrendo!


“Lira dos vinte anos” 1853

O comentário de Machado de Assis sobre a obra de Adélia Fonseca, embora imbuído de elogios, traz uma ressalva um tanto machista: “O que nos agrada sobretudo é que este livro exprime uma verdadeira individualidade feminina; não há essa pompa afetada, essa falsa imitação dos tons másculos que algumas escritoras procuram mostrar em suas obras, como recomendação dos seus talentos.”

É curioso notar a menção publicada na capa ou no prefácio de um livro de Adélia Fonseca ressalvando o fato de que a autora não auferia nenhuma remuneração para seu trabalho. A sobrevivência através do trabalho intelectual para a mulher era vedada. Em 1850, começam a aparecer, com frequência, versos de mulheres, que publicavam sempre com a mesma ressalva. Esta situação vinha explicitada na capa ou no prefácio do livro Echos da minh’alma, de Adélia Fonseca, editado em 1866.
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Notas:
6 – “The Angel in the House” – poema narrativo de Coventry Patmore publicado em 1854 e expandido até 1862. Tornou-se conhecido por personificar o ideal feminino na era vitoriana: a mulher como esposa e mãe abnegadamente dedicada aos filhos
e ao lar, submissa ao seu marido.

7 – Sobre Clovis Beviláqua ver Silvio Meira. “Clovis Beviláqua. Sua vida. Sua obra.” Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1990.

8 – Geração condoreira, Condoreirismo. Tendo como símbolo o condor, ave cujo voo solitário alcança as alturas, abrange os poetas de aspiração libertária, com sentimentos liberais e abolicionistas da terceira geração do período romântico.

9 – Alvares de Azevedo foi um dos poetas que melhor personificou a estética ultra-romântica. Dado a temas mórbidos, de uma lírica macabra, teve vida curta, sofrendo de tuberculose o que explica suas inclinações e o fato de seus poemas não terem sido reunidos em livro enquanto viveu.
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continua... Modernismo, século XX
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Fonte:
Teresa Mendes e Luís Cardoso (organizadores). A Mulher na literatura e outras artes – Comunicações apresentadas no I Congresso Internacional de Cultura Lusófona Contemporânea. Instituto Politécnico de Portalegre - Escola Superior de Educação. Portalegre/Portugal: Junho de 2013

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* VERA ABAD
Pesquisadora, poeta e escritora. Petropolitana, publicou dois livros sobre a história da cidade: Deliciosa Herança e Petrópolis – Cidade Imperial, e um romance baseado em fatos reais, Cartas para Mariana. Os temas de seus livros e seu estilo narrativo e poético receberam reconhecimento acadêmico da Academia Brasileira de Poesia – Casa de Raul de Leoni, da qual é membro titular e do Instituto Histórico de Petrópolis, do qual faz parte como associada titular. Além de corresponder-se com várias entidades literárias brasileiras, foi recentemente acolhida como membro titular do PEN Clube do Brasil.

** JOÃO ROBERTO GULLINO
Carioca, nascido em 30/05/33. Aposentado do comércio, iniciou-se tardiamente na poesia e a tem como ocupação primordial (junto com a pintura), opção que considera da maior valia. De membro titular da Academia Brasileira de Poesia - “Casa de Raul de Leoni” foi elevado à categoria de Membro Emérito e é, também, membro honorário da Academia Petropolitana de Letras, tendo integrado a sonhada e natimorta ABRASSO – Academia Brasileira do Soneto.

domingo, 11 de setembro de 2016

Ruy Castro (Prazeres da "Melhor Idade")

A voz em Congonhas anunciou: "Clientes com necessidades especiais, crianças de colo, melhor idade, gestantes e portadores do cartão tal terão preferência etc.". Num rápido exercício intelectual, concluí que, não tendo necessidades especiais, nem sendo criança de colo, gestante ou portador do dito cartão, só me restava a "melhor idade" - algo entre os 60 anos e a morte.

Para os que ainda não chegaram a ela, "melhor idade" é quando você pensa duas vezes antes de se abaixar para pegar o lápis que deixou cair e, se ninguém estiver olhando, chuta-o para debaixo da mesa. Ou, tendo atravessado a rua fora da faixa, arrepende-se no meio do caminho porque o sinal abriu e agora terá de correr para salvar a vida. Ou quando o singelo ato de dar o laço no pé esquerdo do sapato equivale, segundo o João Ubaldo Ribeiro, a uma modalidade olímpica.

Privilégios da "melhor idade" são o ressecamento da pele, a osteoporose, as placas de gordura no coração, a pressão lembrando placar de basquete americano, a falência dos neurônios, as baixas de visão e audição, a falta de ar, a queda de cabelo, a tendência à obesidade e as disfunções sexuais. Ou seja, nós, da "melhor idade", estamos com tudo, e os demais podem ir lamber sabão.

Outra característica da "melhor idade" é a disponibilidade de seus membros para tomar as montanhas de Rivotril, Lexotan e Frontal que seus médicos lhes receitam e depois não conseguem retirar.

Outro dia, bem cedo, um jovem casal cruzou comigo no Leblon. Talvez vendo em mim um pterodáctilo da clássica boemia carioca, o rapaz perguntou: "Voltando da farra, Ruy?". Respondi, eufórico: "Que nada! Estou voltando da farmácia!". E esta, de fato, é uma grande vantagem da "melhor idade": você extrai prazer de qualquer lugar a que ainda consiga ir.

Fonte:
www1.folha.uol.com.br/