sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Heitor Stockler de França (1888 - 1975)


TROVAS

A continuar isto assim,
eu penso, só Deus prevê...
Não sei que será de mim
nem que há de ser de você.

A estima quando floresce
e se transforma em amor,
tem a força de uma prece,
ouvida pelo Senhor!

À minha amada eu escrevo,
se faltar tinta e papel,
em uma folha de trevo
e a pena molhada em mel.

A razão da minha mágoa,
motivo do meu sofrer,
põe meus olhos rasos d’água
por ser tolo em te querer.

A saudade é sempre grata
ao meu, ao teu coração,
porque nos lembra e retrata
horas de satisfação.

Cartilha de sensações
na linguagem de quem ama...
Rejubila os corações
e põe as almas em chama!

Cativa-me o beijo quente
dos lábios da minha amada,
como a papoula atraente
fascina a abelha dourada.

Como a terra se contrai
sob a geada nos caminhos,
definha o amor e se esvai
quando há falta de carinhos.

Confesso, é no teu perfume
e no sabor do teu beijo,
que para mim se resume
a volúpia do desejo.

Contei o tempo que falta
para ter você ao meu lado,
tremi de conta tão alta,
descrente e desconsolado.

Coração sossega e canta,
não busque na dor guarida,
pois é no canto que encanta
que está o encanto da vida.

Cruzamo-nos no caminho
por mero acaso. Confesso
que orei, embora sozinho,
novo encontro no regresso.

Denotam tuas atitudes
e norma de vida calma
a nobreza e as virtudes
que ornamentam a tua alma.

Difícil é compreender
a extravagância do amor,
que quanto mais faz sofrer,
mais se lhe quer o sabor.

Disseste que eras só minha,
que outro olhar não se lhe dava,
mas outro olhar te entretinha
sempre que o meu se afastava.

Do coração, igualmente,
há mister sentir o ardor,
pois ele é quem faz a gente
cair nos braços do amor.

Espero-te, amor, contente,
cantarolando a vibrar,
porque faz tão bem à gente
cantando o amor esperar.

Esses cabelos cor de ouro
a moldurar tua beleza,
são o fúlgido tesouro
que te deu a natureza.

Eu juro por qualquer santo
que já não creio em você...
No fingimento, entretanto,
eu creio...Não sei porque.

Felicidade? Quem dera!...
Ela é rara e fugidia...
Quem a espera desespera
por esperar noite e dia.

Grande enigma é o saber
o que deseja a mulher...
Pensa que sabe querer
mas nunca sabe o que quer.

Meu amor e teu amor
são afins conforme os vejo,
tal qual o perfume e a flor,
a insinuação e o desejo.

Meu coração bate tanto
quando longe do meu bem,
que parece estar em pranto
por afagos que não tem.

Meu coração, leal amigo,
que faz loucuras por mim,
me acautela que é perigo,
querer e amar tanto assim

Não há um instante somente,
nem um minuto sequer,
que me não baile na mente
o teu perfil de mulher.

Não julgues que a simpatia
seja fugaz, passageira...
É imutável, contagia
se espontânea e verdadeira.

Naquele instante do adeus
do nosso encontro fortuito,
teus olhos e os olhos meus,
discretos, disseram muito.

Nesta vida o teu caminho
para onde quer que tu fores,
será um relvado de arminho
coberto inteiro de flores.

O céu de estrelas constela
o infinito azul de Deus
mas nenhum dos astros vela
o fulgor dos olhos teus.

O teu sorriso me estende
as malhas da sedução,
e delas não se defende
meu valente coração.

Pensar em ti como eu penso
e muito tenho pensado,
diz, a rir, o meu bom senso,
que é o meu divino pecado.

Procurei a cartomante
que previu lendo-me a sorte:
-Um amor assim constante,
só se acaba com a morte.

Proponho com devoção:
Permutemos os presentes...
Eu te dou meu coração,
tu me dás mil beijos quentes.

Quando chegaste, a alegria
inundou meu coração;
quando partiste, partia
contigo a minha ilusão.

Quando longe de você
mais sinto quanto lhe quero...
A ausência, como se vê,
não me abate porque espero.

Quando te vi, que surpresa!
Bem rara é beleza assim.
Vieste ao mundo, com certeza
para encantares a mim...

Revelo, com embaraço,
a supor que ninguém crê,
que já outra coisa não faço
do que pensar em você.

Se a saudade que me empolga
teimar em me perseguir
sem me dar nenhuma folga,
acabo por sucumbir.

Se há excesso de fantasia
nos temas que aqui deponho,
perdoa, é o sol da alegria
glorificando o meu sonho!...

Se me houvesses revelado
não ter amor por ninguém,
não ficaria ao teu lado
a te chamar de meu bem.

Suponho serem só minhas
as mágoas do coração,
pelo que externam as linhas
da palma da minha mão.

Tenho ciúme até das rosas
abertas no teu jardim,
pois, sei que ao vê-las, formosas,
te esqueces logo de mim.

Teus olhos azuis de santa,
de blandícia na expressão,
a quem os fita acalanta
no ritual da sedução.
__________________________________

Heitor Stockler de França nasceu em Palmeira/PR, em 5 de novembro de 1888. Marcou sua passagem como cidadão pioneiro e empreendedor do Paraná. Foi um dos cinco homens fundadores da Confederação Nacional da Indústria – CNI; Fundador da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – FIEP, seu primeiro presidente e por catorze anos consecutivos; Fundador e diretor do Serviço Social da Indústria –SESI/PR; fundador e presidente da União Brasileira de Trovadores – UBT Seção de Curitiba e Paraná; Fundador e presidente do Centro de Letras do Paraná e Presidente do Clube Atlético Paranaense.

Foi advogado, jornalista, industrial, comerciante, pecuarista, poeta, escritor, cronista, trovador, contista, historiador, teatrólogo, novelista e pesquisador devotado. 

Esteve sempre presente nos mais relevantes marcos da história contemporânea do Paraná. Autor de vários livros. Deixou entre centenas de poemas e trovas, quase duas mil crônicas publicadas em jornais.

Faleceu em Curitiba, em 11 de janeiro de 1975, aos 86 anos.

Fonte:
União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre. Coleção Terra e Céu vol. XLI. Trovas de Apollo Taborda de França e Heitor Stockler França. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2017.

Arthur de Azevedo (A Ama – Seca)


O Romualdo, marido de D. Eufêmia, era um rapaz sério, lá isso era, e tão incapaz de cometer a mais leve infidelidade conjugal como de roubar o sino de São Francisco de Paula; mas – vejam como o diabo as arma! Um dia D. Eufêmia foi chamada, a toda a pressa, a Juiz de Fora, para ver o pai que estava gravemente enfermo, e como o Romualdo não podia naquela ocasião deixar a casa comercial de que era guarda-livros (estavam a dar balanço), resignou-se a ver partir a senhora acompanhada pelos três meninos, o Zeca, o Cazuza, o Bibi, e a ama-seca deste último, que era ainda de colo. Foi a primeira vez que o Romualdo se separou da família.

Custou-lhe muito, coitado, e mais lhe custou quando, ao cabo de uma semana, D. Eufêmia lhe escreveu, dizendo que o velho estava livre de perigo, mas a convalescença seria longa, e o seu dever de filha era ficar junto dele um mês pelo menos. O Romualdo resignou-se. Que remédio!…

Durante os primeiros tempos saía do escritório e metia-se em casa, mas no fim de alguns dias entendeu que devia dar alguns passeios pelos arrabaldes, hoje este, amanhã aquele. Era um meio, como outro qualquer, de iludir a saudade. Uma noite coube a vez ao Andaraí Grande. O Romualdo tomou o bonde do Leopoldo, e teve a fortuna ou a desgraça de se sentar ao lado da mulatinha mais dengosa e bonita que ainda tentou um marido, cuja mulher estivesse em Juiz de Fora. Nessa noite fatal a virtude do Romualdo deu em pantanas: tencionando ele ir até o fim da linha, como fazia todas as noites, apeou-se na Rua Mariz e Barros, ali pelas alturas da Travessa de São Salvador. A mulata havia se apeado algumas braças antes.

E ele viu, à luz de um lampião, o vulto dela saltitante e esquivo, e apressou o passo para apanhá-la, o que conseguiu facilmente, porque, pelos modos, ela já contava com isso. – Boa noite!

– Boa noite.

– Como se chama?

– Antonieta.

– Pode dar-me uma palavra?

– Por que não falou no bonde?

– Era impossível… estava tanta gente… e estes elétricos são tão iluminados.

– Mas o sinhô bolinou que não foi graça! Vamos, diga: que deseja?

– Desejo saber onde mora.

– Não tenho casa minha; tou empregada numa famia ali mais adiente, por siná que não stou satisfeita, e ando procurando outra arrumação.

– Onde poderemos falar em particular?

– Não sei.

– Você sai amanhã à noite?

– Amanhã não, porque saí hoje, e não quero abusá.

– Então, depois de amanhã?

– Pois sim.

– Onde a espero?

– Onde o sinhô quisé.

– Na Praça Tiradentes, no ponto dos bondes. As oito horas.

– Na porta do armazém do Derby?

– Isso!

– Tá dito! Inté depois d’amanhã às oito hora.

– Não falte!

– Não farto não!

No dia seguinte, o Romualdo contou a sua aventura a um companheiro de escritório que era useiro e vezeiro nessas cavalarias… baixas, e o camarada levou a condescendência ao ponto de confiar-lhe a chave de um ninho que tinha preparado adrede para os contrabandos do amor.

Antonieta foi pontual. À hora marcada lá estava à porta do Derby, com ares de quem esperava o bonde.

O Romualdo aproximou-se, fez um sinal, afastou-se e ela seguiu-o…

Dez dias depois, estava ele arrependidíssimo da sua conquista fácil, e com remorsos de haver enganado D. Eufêmia, aquela santa! Procurava agora meios e modos de se ver livre da mulata, cuja prosódia era capaz de lançar água na fervura da mais violenta paixão.

Vendo que não podia evitá-la, tomou o Romualdo a deliberação de fugir-lhe, e uma noite deixou-a à porta do ninho, esperando debalde por ele. Lembrou-se, mas era tarde, que havia prometido dar-lhe um anel, justamente nessa noite.

– Diabo! pensou ele, Antonieta vai supor que lhe fugi por causa do anel!

Voltou, afinal, D. Eufêmia de Juiz de Fora. Veio no trem da manhã, inesperadamente, e já não encontrou o marido em casa.

Estava furiosa, porque a ama-seca de Bibi deixara-se ficar na estação da Barra. Podia ser que não fosse de propósito. O mais certo, porém, era o ter sido desencaminhada por um sujeito que vinha no trem a namorá-la desde Paraíbuna.

Quando D. Eufêmia contou isso ao marido, acrescentou indignada:

– Que homens sem-vergonha!… Não podem ver uma mulata!…

O Romualdo perturbou-se, mas disfarçou, perguntando:

– E agora? E preciso anunciar! Não podemos ficar sem ama-seca!

– Já mandei o Zeca pôr um anúncio no Jornal do Brasil.

No dia seguinte, o Romualdo saiu muito cedo; ao voltar para casa, a primeira coisa que perguntou à senhora foi:

– Então? Já temos ama-seca?. .

– Já! É uma mulatinha bem jeitosa, mas tem cara de sapeca. Chama-se Antonieta.

– Hem? Antonieta?

– Que tens, homem?

– Nada! Não tenho nada… É jeitosa?… Tem cara de sapeca?… Manda-a embora! Não serve! Nem quero vê-la!…

– Ora essa! Por quê? Olha, ela aí vem.

Antonieta chegou, efetivamente, com o Bibi ao colo, mas o Romualdo tinha fechado os olhos, dizendo consigo:

– Que escândalo!… rebenta a bomba!… este diabo vai reclamar o anel!.

Mas como nada ouvisse, o mísero abriu os olhos e – oh! milagre! – era outra Antonieta!.

Ele pensou, os leitores também pensaram que fosse a mesma, não era.

Decididamente, há um Deus para os maridos que enganam as suas mulheres.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Contos e Lendas do Mundo (A Menina dos Brincos de Ouro)


Conto popular na Bahia e Maranhão, trazido pelos escravos africanos. No original africano os personagens eram animais.
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Uma Mãe, que era muito má (severa e rude) para os filhos, deu de presente a sua filhinha um par de brincos de ouro. Quando a menina ia à fonte buscar água e tomar banho, costumava tirar os brincos e botá-los em cima de uma pedra. Um dia ela foi à fonte, tomou banho, encheu o pote e voltou para casa, esquecendo-se dos brincos. 

Chegando em casa, deu por falta deles e com medo da mãe brigar com ela e castigá-la correu à fonte para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio que a agarrou, botou-a nas costas e levou consigo. O velho meteu ela dentro de um surrão (um saco de couro), coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida e que, quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão senão ele bateria com o bordão (vara). 

Em todo lugar que chegava, botava o surrão no chão e dizia: 

Canta, canta meu surrão, 
Senão te meto este bordão. 

E o surrão cantava: 

Neste surrão me meteram, 
Neste surrão hei de morrer, 
Por causa de uns brincos de ouro 
Que na fonte eu deixei. 

Todo mundo ficava admirado e dava dinheiro ao velho. Quando um dia, ele chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. 

Então convidaram ele para comer e beber e, como já era tarde, insistiram muito com ele para dormir. De noite, já bêbado, ele ferrou num sono muito pesado. As moças foram, abriram o surrão e tiraram a menina que já estava muito fraca, quase para morrer. Em lugar da menina, encheram o surrão de excrementos. No dia seguinte, o velho acordou, pegou no surrão, botou às costas e foi-se embora. 

Adiante em uma casa, perguntou se queriam ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse: 

Canta, canta meu surrão, 
Senão te meto este bordão. 

Nada. O surrão calado. Repetiu ainda. Nada. Então o velho meteu o bordão no surrão que se arrebentou todo e lhe mostrou a peça que as moças tinham pregado. 

Fonte:

31º Jogos Florais de Ribeirão Preto (Premiados Nacional)



Tema: Âncora 

VENCEDORES:

1º lugar
Deslizando em mar suave
ou revolto, em desatino,
não tem âncora que trave
a jangada do destino.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora - MG

2º lugar
Deus sempre se põe à escuta
e nos dá perseverança;
ele é âncora absoluta
da nossa fé e esperança!
Glória Tabet Marson
São José dos Campos - SP

3º lugar
No mar revolto da vida,
onde,às vezes, perco o pé,
um farol, que me elucida,
dá-me a âncora da Fé!
Carolina Ramos
Santos - SP

4º lugar
Tanta embarcação perdida
em água profunda e escura,
por faltar, no mar da Vida,
uma  âncora segura...
Vanda Fagundes Queiroz
Curitiba - PR

5º lugar
Comparo a vida aos navios
á deriva, ante a maré...
pois, ante os meus desafios,
lanço a âncora... da fé!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo - SP

MENÇÕES HONROSAS

1º lugar
Porto seguro... não basta.
Nem o ancoradouro certo.
Até a âncora se arrasta,
Se de Deus não se anda perto.
Jaime Pina da Silveira
São Paulo - SP

2º lugar
O mar  revolto, o perigo,
com  ousadia, transponho,
pois és âncora, és abrigo,
e o porto azul de meu sonho.
Relva do Egypto Rezende Silveira
Belo Horizonte - MG

3º lugar
Tremo ao ver a natureza
pouco a pouco naufragar.
Minha âncora é a certeza
de que o amor vai nos salvar!
A. A. de Assis
Maringá - PR

4º lugar
Tua âncora do amor,
que se ancore no meu peito...
venha  comigo compor
um porto de amor perfeito!...
Roberto Tchepelentyky
São Paulo - SP

5º lugar
Vejo meu sonho menino,
no cais do tempo parado,
preso à âncora do destino,
dos erros do meu passado
Francisco Gabriel
Natal - RN

NOVOS TROVADORES

1º Lugar
Por este mar de olhar torto
meu país em vendavais,
Sem âncora e sem o porto
Lutando por novo cais.
Iria Sueli Belchior
Santos - SP

2º lugar
No oceano da vivência
sentimentos e emoções
vêem na âncora a prudência
com marolas,turbilhões.
Nadja Cristina Lenzi Gadotti
Balneário Camboriu - SC

3º lugar
Nunca temas, marinheiro
as tempestades do mar...
da âncora és companheiro
sabes bem ele domar!
Eduardo Lázaro de Barros
Bauru - SP

A âncora desse amor
vai sempre presa ficar,
sem que alguma força ou dor
faça essa amarra quebrar.
Luiz Parellada Ruiz
Londrina - PR

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Gislaine Canales (Glosas Diversas) 9



DEMOCRACIA PRAIANA...

MOTE:
Na praia afinal achei-a:
a total democracia,
tudo é de todos: a areia,
o sol, a onda, a alegria!
A. de Assis 
(Maringá/PR)

GLOSA:

Na praia afinal achei-a:
tão parelha, tão igual,
de muita alegria cheia
numa paz fenomenal!

A total felicidade!
A total democracia,
eu encontrei, é verdade,
enfeitando cada dia!

Desde o canto da sereia
até o rendado de espuma...
Tudo é de todos: a areia
e a beleza até das dunas!

Liberdade para amar,
num azul quase magia,
de mãos dadas faz ficar
o sol, a onda, a alegria!
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DESTROÇOS...

MOTE:

A naufrágios não atraias
meu coração sofredor,
pois vão dar em tuas praias
os meus destroços de amor...
Edmar Japiassú Maia 
(Nova Friburgo/RJ)

GLOSA:

A naufrágios não atraias
assim, os meus sentimentos,
eles não serão cobaias,
pois são fortes como os ventos!

Um mar de pranto inundando
meu coração sofredor,
vai a tudo transformando
de modo devastador!

Pressinto eternas tocaias,
que nada valem, enfim,
pois vão dar em tuas praias
restos que sobram de mim!

As ondas do mar, confortam
no seu modo encantador,
pois sabem que, em ti, aportam
os meus destroços de amor…
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ESTRELAS DO MAR…

MOTE:

Eu comparo o meu sonhar
com quem na praia, anda ao léu,
colhendo estrelas do mar
querendo as que estão no céu...
Gerson Cesar Souza 
(São Mateus do Sul/PR)

GLOSA:

Eu comparo o meu sonhar
que é tão lindo, tão bonito,
com uma luz a brilhar,
lá no espaço do infinito!

Eu quero andar de mãos dadas
com quem na praia, anda ao léu,
que, crendo em contos de fadas,
jamais será um incréu!

Eu sigo em meu caminhar
pelas areias bem finas,
colhendo estrelas do mar,
vendo as ondas dançarinas!

Abro meus olhos e vejo,
tirando deles , o véu,
meu verdadeiro desejo
querendo as que estão no céu…
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CASTELOS...

MOTE:
Castelos de areia erguidos
na praia do sentimento,
duram mais que os construídos
com tijolos e cimento!!!
Izo Goldman
(Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP)

GLOSA:

Castelos de areia erguidos
com alicerces de amor,
jamais serão destruídos
pelas vazantes da dor!

Quando feitos com ternura
na praia do sentimento,
trarão somente ventura
e jamais o sofrimento!

Com algas verdes, vestidos,
os castelos da emoção
duram mais que os construídos
sem alma e sem coração!

Nesses castelos da sorte,
vivamos nosso momento,
pois nenhum será mais forte
com tijolos e cimento!!!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XXII. 
In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. 
http://www.portalcen.org. novembro de 2004.

Mário Quintana em Prosa e Verso


VIDA

A vida era muito mais intensa quando não passava, na média, de 40 anos. Agora é um longo, um interminável arrastar de correntes: nós somos as almas penadas deste mundo.

"A POESIA É NECESSÁRIA"

Título de uma antiga seção do velho Braga na Manchete. Pois eu vou mais longe ainda do que ele. Eu acho que todos deveriam fazer versos. Ainda que saiam maus, não tem importância. É preferível, para a alma humana, fazer maus versos a não fazer nenhum. O exercício da arte poética representaria, no caso, como que um esforço de auto-superação.

É fato consabido que esse refinamento do estilo acaba trazendo necessariamente o refinamento da alma. Sim, todos devem fazer versos. Contanto que não venham mostrar-me.

E QUANDO SE APROXIMOU A HORA

E quando se aproximou a hora, o Anjo da Encarnação perguntou-lhe:

- Que queres ser na face da Terra?

- Um polígono regular estrelado.

- O quê?!

Um polígono regular estrelado - repetiu imperturbavelmente a alma do nascituro.

"Mais um..." - pensou o Anjo. Mas, como os anjos e os poetas são os únicos que não riem dos loucos, limitou-se a objetar:

- E por que não um poliedro? Vais viver num mundo de três dimensões e bem sabes que um polígono apenas tem duas. Lá só existirias na face do papel, e não propriamente na face da Terra.

- Por isso mesmo.

O Anjo desta vez não compreendeu muito bem e retirou-se, dando de asas.

E foi assim que, quando chegou a hora, veio ao mundo mais um louco. E um "louco simétrico"!

Chamou-se, entre os homens, Edgar Allan Poe.

OS DANÇARINOS DO ARAME

Dentro das atuais coordenadas do espaço e do tempo, aqui nos vamos equilibrando sobre este fio de vida.

Que rede de segurança, pensamos nós, cheios de esperança e medo, que rede de segurança nos aparará?

LUZ POR DENTRO

Mas há uma beleza interior, de dentro para fora, a transluzír de certas avozinhas trêmulas, de certos velhos nodosos e graves como troncos. De que será ela feita, que nem notamos como a erosão dos anos os terá deformado.

Deviam ser caricaturas mas não fazem rir, uns aleijões mas não causam pena. O mesmo não nos acontece ante o penoso espetáculo de um animal velho. Eu gostaria de acreditar que essa inexplicável beleza dos velhos talvez fosse uma prova da existência da alma.

DEPOIS DE LER

Depois de ler, por cima de meu ombro, as linhas precedentes, observou-me o João Sabiá:

- Mas tu já não falaste na incompreendida beleza dos sapos, na beleza transcendental de um matungo de inverno? Isso é a alma deles?!

- Não, é a minha alma...

O ASSUNTO

E nunca me perguntes o assunto de um poema: um poema sempre fala de outra coisa.

A CARTA

Quando completei quinze anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto-e-vírgula! Nunca fiquei tão impressionado na minha vida…

PROPRIEDADE

Nunca digas que um verso está de pé quebrado: ele está é de asa quebrada.

O POETA E A MENINA

Hoje ganhei o meu dia. Porque uma meninazinha me perguntou: "O senhor pode me botar uma dedicação neste livro?" Escrevi, então, sinceramente: "Para a Heloísa Maria, com toda a minha dedicação". E assinei. E datei, com tristeza.

A DATA

Sim, o mais triste das dedicatórias são as datas.

Fonte:
Mário Quintana. Caderno H. Porto Alegre/RS: Globo, 1973.