Ester
e Roque, jovens remanescentes de famílias com valores parecidos
resolvem formar uma família. Mas, não tinham condições de construir sua
residência. A princípio, o rapaz não queria se afastar de Berta, sua
mãe, por morar sozinha com ele, pois a irmã, Joli, terminara a graduação
e se mudara para outro estado. Então, ao lado da noiva, procurou a
genitora para lhe dizer que pretendia se casar e morar com ela.
De
pronto teve a resposta negativa. A mãe lhe disse que trabalhava dezoito
horas por dia e queria continuar sozinha, pois, depois de dez anos de
doença do marido e de trabalhar para educar os dois filhos, merecia um
descanso. Mas, o ajudaria a construir sua casa no terreno dos fundos de
sua casa e faria uma entrada independente para que, cada um cuidasse da
sua vida, sem interferências de ambas as partes na vida do outro.
Os
dois aceitaram a ideia e mediram o local. A mãe chamou o pedreiro que
trabalhara na reforma de sua primeira casa, que fora vendida para dar
entrada naquela que financiara em 25 anos, fazia oito anos. O pedreiro
deu o orçamento e a mãe prometeu comprar o material de construção e o
pai da noiva ajudaria na construção, pois era mestre de obras de uma
grande firma.
Passados alguns dias, Roque procurou Berta e contou
que num conjunto residencial, dentre os muitos que estavam sendo
construídos, poderiam pagar a prestação de uma casa, mas, juntando a
renda dos dois não cobriria as exigências da Caixa Econômica. Tendo a
mãe já dois imóveis financiados, não pode ajudá-los. O pai da noiva
tentou e conseguiu comprar a casa em seu nome, mas, eles pagariam as
prestações.
Iniciando uma vida nova, toda ajuda que se oferecesse
seria de bom tamanho, para dois jovens que se amavam e queriam compor
seu lar e formar uma família. Quando receberam a casa, a mãe do rapaz,
preocupada com a segurança de um bairro novo, tendo os dois de trabalhar
o dia inteiro fora, chamou o serralheiro, encomendou as grades para
duas portas, três janelas e fez uma surpresa. Dias depois de receberem
as chaves, chegaram do trabalho e nem acreditaram, a casa estava toda
com grades. Para complementar a renda do casal, Berta que era monitora
da Taperware e vendia muito, solicitou a colaboração dos dois às
sextas-feiras, para lhe separar os pedidos, que eram entregues no
sábado. Por este trabalho, dava ao casal um salário mínimo por mês. Com
esta estratégia a mãe ajudava, sem que eles se sentissem constrangidos.
Tempos
depois, Joli que morava no Rio de Janeiro, numa república de
profissionais de sua área, começou a se sentir sozinha e convidou a mãe
para morar com ela. Já que Roque estava casado, com a família de Ester e
parentes de Berta morando perto, ela poderia alugar um apartamento e
morar com a mãe, deixando aquela vida de moradia coletiva.
A
partir do convite, Berta passou a viver um verdadeiro conflito. Queria
ir fazer companhia à filha, mas, como deixar o filho e a nora começando
uma vida nova sozinhos?
Naquela aflição, sem saber que rumo
tomar, passou algumas noites sem dormir. Estava dividida entre os dois
filhos. Joli morando numa cidade desconhecida, sem nenhum parente ou
conhecido por perto, puxava para seu lado o fiel da balança. Resolveu ir
ao Rio de Janeiro, nas férias de julho. Ficou hospedada na república e
não gostou nada do que viu. Em sua avaliação Roque estaria mais bem
protegido, pois tinha a família dela e estava em sua cidade natal, onde
tinha todos os amigos. Joli, sozinha, naquela república onde até suas
roupas sumiam do armário.
Enquanto estava lá na república, um dia
pela manhã, a filha procurou uma blusa branca que tinha certeza
colocara em seu armário e não encontrava. Berta resolveu olhar no
armário das outras, mesmo sob protesto da filha. No armário de uma
delas, lá estavam todas as roupas que haviam sumido. – Mãe, que cara de
pau! Pegar minhas roupas desse jeito! Eu nunca teria coragem de procurar
no armário delas. Não queria me arriscar a bater de frente com nenhuma
das quatro. – Fizeste bem, filha, agora vamos sair e comprar um guarda
roupa com chave reforçada. Por enquanto ainda tens de ficar aqui.
Apesar
do namorado falar em casamento para breve, Berta não levou muita fé.
Joli queria que alugassem um apartamento com dois quartos, para quando
se casasse morarem juntas. Elas até ainda olharam alguns apartamentos e
móveis, mas, a mãe disse a ela que não queria morar com ninguém.
Alugaria a casa dela em São Luís e com o dinheiro pagaria o aluguel de
um apartamento, no Rio. Resolvido isso, voltou para casa e planejou
voltar ao final do ano.
Para sua surpresa, recebeu o comunicado
da filha de que resolvera se casar em dezembro. Mas como? Fazia tão
pouco tempo que se conheciam isso não poderia dar certo! Usou todos seus
argumentos e pediu tempo para organizar o enxoval. Ela disse que
resolveram aproveitar as férias do noivo que seria em dezembro e que não
me preocupasse, pois faria um chá de panelas e uma lista de casamento
para amigos e parentes.
Berta não teve mais argumentos. Agora não tinha mais dúvidas. Precisava resolver tudo para mudar-se para o Rio.
Alugou
a casa para um amigo de Roque que se casaria em Janeiro e pediu a Joli
que visse um apartamento na Tijuca, perto do Colégio, onde pretendia
trabalhar. A filha deu pulos de alegria ao saber da decisão da mãe. O
filho pedia que a mãe pensasse bem, pois já conseguira se organizar
depois da morte do pai. Se não seria melhor Joli voltar para sua terra?
Mais uma vez, Berta ficou em conflito e conversou com a filha.
Joli
nem imaginava deixar o trabalho. Em São Luís não teria as mesmas
chances de trabalho que tinha no Rio. Fizera duas tentativas
infrutíferas e não queria se arriscar.
Casaram-se em dezembro e
passaram vinte dias em casa da mãe, em São Luís. Tinham alugado um
apartamento em um prédio novo, em Pilares e ainda havia algumas unidades
disponíveis. Mas Berta queria na Tijuca, perto do colégio.
Ao
retornar ao Rio, Joli telefonou para a mãe e informou que ainda havia um
apartamento, no mesmo bloco que o seu, com dois quartos, salão,
banheiro, área de serviço e 01 vaga na garagem. Dizia que seria bom não
perder a oportunidade, pois os aluguéis na Tijuca eram muito mais caros.
Berta
suspirou, teria de tomar aquela decisão. Depois de duas noites insones
telefonou para a filha e pediu que visse o que seria necessário para
alugar o tal apartamento. Fez o contrato da sua casa por um ano. Se não
se adaptasse voltaria. Contratou a mudança pela Itapemirim e enviou o
carro por uma firma especializada.
O aluguel de sua casa era
suficiente para pagar o aluguel e condomínio do apartamento. Teria de
conseguir logo um trabalho para suas despesas pessoais e manutenção do
carro. Estava feito, agora teria de enfrentar a separação do filho com a
esposa já grávida de quatro meses. Viajaria no início de janeiro. Achou
melhor deixar com o filho seu cartão do INPS, com a pensão que herdara
do marido, de um salário mínimo, para compensar o que ganhavam separando
seus pedidos Taperware. Pediu à irmã que ficasse atenta e olhasse pelo
Roque e a esposa. Quando a primeira filha nasceu a tia de Roque ficava
com a criança para os dois trabalharem, até que tivesse idade para ir
para a escolhinha.
A realidade é sempre muito diferente dos
sonhos. Berta teve dificuldades em conseguir emprego. Sem conhecer o Rio
fez reuniões Taperware em vários bairros e sem perceber, um dia, com o
Guia Rex à mão viu-se dentro da comunidade de Ramos, numa reunião
marcada na Lagoa. Desistiu da gerência de vendas e escreveu em sua
agenda:
Rio, 07. 11. 1987
“Aqui encerro minha carreira de
grupos de vendas. Será sem retorno. É uma vida muito sacrificada que se
leva em busca de certos objetivos que, para a maioria serão eternos
sonhos irrealizáveis. Gosto de buscar coisas mais concretas e que
dependam mais de mim que dos outros. Sei que um dia conseguirei atingir
os meus sonhos, mas em outros caminhos que não serão os de grupos de
venda.”Depois disso, tentou viagens ao Paraguai, sobreviveu seis
meses viajando com amigos, anotando encomendas que entregava
mensalmente e quando recebia o pagamento voltava às compras. A viagem de
ônibus era longa, 24 horas, era também perigosa e acabou desistindo.
Fez
cursos de modelagem no SENAI e trabalhou como modelista industrial em
uma confecção de alta costura, até que foi resgatada pelo grande amor de
sua vida que a raptou da cidade grande para o aconchego de Pacobaíba,
onde se reencontrou com o magistério. Mas, sua carga horária era
pequena, o que a obrigava a complementar sua renda numa confecção
caseira. Nesta época Roque já estava com a vida equilibrada, conseguira
um emprego na SHELL e Berta pediu de volta seu cartão do INPS, assim,
teria a garantia do salário da costureira ao final do mês.
Sempre
teve e ainda tem algumas pedras em sua longa caminhada, entretanto, sem
lamentações, vai transformando-as em seixos para ornamentar os
canteiros de seu jardim outonal.
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Benedita
Azevedo (Benedita Silva de Azevedo) Filha de Euzébio Alberto da Silva e
Rosenda Matos da Silva, nasceu em 1944, na cidade de
Itapecuru-Mirim/MA. Morou em São Luís, São Paulo, Blumenau e Itajaí e
está radicada em Magé, no Rio de Janeiro desde janeiro 1987. Recebeu o
título de cidadã Mageense em 2003. Educadora, poeta, escritora,
haicaísta e ativista cultural. Formada em Letras, pós-graduada em
Educação e Linguística. Pertence a várias instituições literárias no
Brasil, França, Portugal e Chile.Fonte:
Recanto das Letras