terça-feira, 15 de março de 2022

Milton Sebastião Souza (Chuva na vidraça)

Os pingos de chuva que brincaram de escorregar pela minha vidraça durante a semana inteira fizeram o meu pensamento se elevar bem acima da montanha de trabalhos que soterrava os meus dias para me fazer pensar em ti, pensar em ti, pensar em ti...

Isso acontece sempre quando está chovendo. Jamais esqueço que foi exatamente num dia como esse que o destino resolveu colocar um “algo mais” no meio daquela nossa amizade tão bonita.

Naquele dia chuvoso (que ficou guardado na minha lembrança) eu descobri, num segundo, que nos teus olhos brilhava precisamente aquela cor que eu mais gostava. Descobri mais ainda: que as tuas mãos, que tantas vezes me ampararam nos momentos difíceis também sabiam fazer os carinhos que eu estava precisando com tanta urgência. E o resto foi acontecendo naturalmente...

A nossa amizade se transformou no sonho mais lindo que alguém poderia sonhar. E nós dois aproveitamos aqueles dias chuvosos para fugir do mundo e descobrir, um no outro, tantas belezas e tantas afinidades. O tempo parou: esquecemos compromissos, deixamos os telefones ficarem roucos de tanto gritar e sumimos completamente do mapa das nossas ações costumeiras. Então saboreamos aqueles momentos sem pressa, sem perguntar até onde aquela magia nos levaria e quanto durariam aqueles momentos indescritíveis de felicidade e prazer...

Um ditado antigo já havia nos avisado que “tudo o que é bom dura pouco”. A realidade nos fez acordar daquele sonho. Aos poucos nós voltamos para a nossa rotina repleta de falta de tempo para os projetos pessoais. E, por causa das outras paixões menores que durante todos os tempos sempre dominaram os nossos sentimentos, terminamos adiando e readiando a continuidade daquela paixão fulminante. O sonho não terminou. Mas ficou perdido no meio da neblina de uma imensa saudade. E hoje só volta aos nossos corações quando uma chuvinha começa a tamborilar ritmada nas vidraças das nossas janelas...

Hoje já nem sei mais qual o sentimento que sinto por ti. Só sei que ele não deve ser chamado de “amizade”. Nas minhas horas de solidão, eu sinto vontade de esconder todos os meus medos nos caminhos iluminados do teu olhar. E sinto mais ainda a falta do contato macio das tuas mãos nos atalhos do meu corpo tão carente de carícias. Meus lábios, que anseiam pelos teus beijos, precisam provar as lágrimas amargas que descem licenciosas dos meus olhos, vidraças molhadas onde não tamborilam os pingos da chuva. O tempo vai passando e, com suas armadilhas, nos afastando cada vez mais. Quando os nossos olhos conseguem se encontrar, por alguns rápidos instantes, emitem aflitas mensagens que somente as nossas almas conseguem decodificar.

Nestas mensagens, nós falamos de dias chuvosos, de pingos na vidraça, de carícias plenas e desta saudade que sufoca as nossas almas...

Julia Martins e Grant Faulkner (Como Escrever uma História de Fantasia Convincente) Parte 2: Pensando em regras


 1. Crie convenções sociais se a história acontece em um lugar fantástico.

Se você quer criar um mundo próprio, descreva as classes e convenções sociais que regem a sociedade para torná-lo mais realista. Quais são os costumes e rituais cotidianos?

Muitos escritores de fantasia baseiam as convenções sociais em aspectos do mundo real. Por exemplo: quase toda sociedade tem rituais como aniversário, casamento, velório e data comemorativas específicas, como o Natal. Tente pensar em alguns para o seu mundo. O que os personagens fazem quando ficam mais velhos? E quando alguém morre?

Estude outras culturas para ter novas ideias. A maioria dos autores de fantasia se inspira em histórias e culturas do mundo real.

Familiarize-se com rituais antigos ou de lugares isolados. Escreva mais do que o necessário. A dica da escritora Julia Martins é: "Nem toda convenção social que você criar tem que entrar na versão final da história. Só o fato de você ter pensado nesses detalhes já deixa o mundo bem mais crível e realista".

2. Decida como os elementos sobrenaturais funcionam na história.

Toda história fantástica traz elementos sobrenaturais. Determine se o mundo é mágico, se existem fantasmas, se eles podem interagir com os vivos e fale das origens dos poderes mágicos dos personagens. Por exemplo: eles são concedidos pelos deuses, parte natural do mundo ou conseguidos por meio de certos rituais?

Decida também se os poderes dos personagens são secretos. Por exemplo: se o personagem principal consegue conversar com fantasmas, será que os outros sabem disso?

3. Crie regras específicas sobre o uso de armas e objetos sobrenaturais.

Geralmente, as histórias fantásticas incluem armas ou outros objetos de origem sobrenatural. Se você quer incorporar esses itens ao enredo, descreva como eles funcionam.

No universo Harry Potter, por exemplo, a varinha escolhe o bruxo. Use regras assim para dar mais verossimilhança à narrativa.

Se os personagens usam um tipo específico de arma para lutar uns contra os outros, pesquise um pouco sobre o assunto. Por exemplo: se o protagonista é arqueiro, estude os termos e a forma de operação básica do arco e das flechas.

A parte mecânica da pedra da ressurreição em Harry Potter é um bom exemplo de descrição. Para que ela funcione, a pessoa tem que virá-la na mão três vezes enquanto pensa em quem quer trazer de volta à vida.

4. Siga as regras sempre à risca.

Seja consistente com as regras que você criar para o mundo fantástico. Os leitores vão ficar confusos e frustrados se elas mudarem de acordo com a situação ou o conflito. Não mude nada que já está estabelecido.

Por exemplo: na série Buffy, a Caça-Vampiros, só é possível ressuscitar alguém quando essa pessoa morre por causas sobrenaturais. Sendo assim, quando Tara é morta por uma bala perdida, Willow não consegue salvar a namorada. É um enredo trágico, mas que não foge das regras criadas antes — e, assim, a série fica mais consistente e crível.

Anote as regras conforme você desenvolve mais do enredo para não quebrá-las sem querer no futuro.
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continua… 3: Definindo os personagens

Fonte:
Wikihow

segunda-feira, 14 de março de 2022

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 34: Walneide Fagundes Guedes

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 48


Ponta nordeste catarina. Águas agitadas. Rio e mar. Plena pororoca. Pulcras gaivotas. O céu por testemunha.

Chegaram os ventanejares setembrinos, cancioneiros da estação trazendo os odores marinhos e o inefável dos dias primaveris. E os céus, e as águas, e as areias.

Tempos de bons agouros, luzes, cores, encantamentos. Solfejos celestiais na barra.

São grandezas galopantes  
os céus, os tantos mares,  
mares em constantes avatares,  
os céus, realezas constantes.

Fonte:
Texto enviado pelo autor em 17.09.2021.

Contos e Lendas do Mundo (Irlanda: O campo do Leprechaun*)

No dia de Nossa Senhora da Colheita, como todos sabem ser um dos melhores feriados do ano, Tom Fitzpatrick estava passeando em um lado ensolarado de uma cerca viva quando, de repente, ouviu uma espécie de estalido soar perto dele, na sebe.

– Caramba, – disse Tom – não é nada comum ouvir sabiás cantando no fim da estação!

Então, Tom se aproximou na ponta dos pés para descobrir a origem daquele barulho e para saber se o seu palpite estava correto. O ruído parou, mas quando Tom olhou atentamente através dos arbustos, ele viu no canto da cerca um jarro marrom, que devia ter um galão e meio de bebida alcoólica. Ali, um velhinho bem pequenininho usando um pequeno chapéu tricórnio mosqueado e um aventalzinho de couro que cobria a frente do corpo puxou um banquinho de madeira e subiu nele, mergulhou uma caneca no jarro e a retirou cheia de bebida. Depois ele se sentou ao pé do jarro e começou a trabalhar, pregando o calcanhar de um sapato de couro feito sob medida para ele.

– Ora, por todos os poderes! – exclamou Tom consigo – Sempre ouvi falar dos leprechauns e, para dizer a verdade, nunca acreditei que existissem, mas sem sombra de dúvida aqui está um deles. Se eu agir com cautela, serei um homem feito! Dizem que nunca se deve tirar os olhos deles, senão escapam.

Tom se aproximou um pouco mais, com os olhos fixos no homenzinho, como um gato faz com um rato. Então, quando chegou bem perto, o cumprimentou:

– Deus abençoe o seu trabalho, vizinho!

O homenzinho levantou a cabeça e falou:

– Meu obrigado sincero.

– Estou surpreso que esteja trabalhando no feriado! – exclamou Tom.

– Isso é problema meu, e não seu! – foi a resposta.

– Bem, você faria a gentileza de me contar o que tem aí dentro do jarro? – perguntou Tom.

– Conto com muito prazer. – disse ele – É uma boa cerveja.

– Cerveja! – exclamou Tom – Pelo fogo e o trovão! Onde você conseguiu essa cerveja?

– Onde eu consegui a cerveja? Ué, fui eu que fiz. Vamos ver se adivinha do que é feita.

– Mas só o diabo pode saber! – reclamou Tom – Aposto que é de malte. Do que mais seria?

– Então errou. É cerveja de urzes.

– De urzes! – Tom desatou a rir. – Você me acha tão idiota a ponto de acreditar nisso?

– Acredite se quiser, – disse o leprechaun – mas é a verdade. Você nunca ouviu falar dos dinamarqueses?

– O que têm os dinamarqueses? – perguntou Tom.

– Ora, tudo o que se sabe é que, quando eles estiveram por aqui, nos ensinaram a fazer cerveja de urzes, e o segredo está na minha família desde então.

– E você vai me deixar experimentar essa cerveja? – perguntou Tom.

– Vou lhe dizer uma coisa, meu jovem, você faria melhor indo cuidar da propriedade de seu pai do que incomodar pessoas pacatas e decentes com suas perguntas tolas. Pois, veja bem, enquanto você está perdendo seu tempo aqui, suas vacas invadiram a plantação de aveia e estão pisoteando o milharal.

Tom ficou tão surpreso com isso que esteve a ponto de dar meia-volta e correr, mas se conteve.

Temendo que isso pudesse acontecer de novo, ele agarrou o leprechaun com a mão, no entanto o movimento brusco derrubou o jarro e derramou toda a cerveja, assim ele perdeu a chance de prová-la para saber de que tipo era. Então jurou ao leprechaun que o mataria se não mostrasse onde estava o dinheiro. Tom parecia tão perverso e obstinado que o homenzinho ficou bastante assustado.

O leprechaun falou:

– Venha comigo para os campos adiante que eu lhe mostrarei um pote de ouro lá.

Assim foram. Tom segurou o leprechaun com firmeza e não tirou os olhos de cima dele, embora tivessem que atravessar sebes, valas e um trecho tortuoso de brejo, até que finalmente chegaram a um grande campo coberto de tasneiras, e o leprechaun apontou para moita e disse:

– Cave debaixo dessa tasneira e você obterá um grande pote cheio de moedas de ouro.

Na sua pressa, Tom não pensara em trazer uma pá consigo, então decidiu correr para casa e buscar uma. Mas, para que pudesse reconhecer o lugar exato, tirou uma liga de suas meias vermelhas e amarrou ao redor da tasneira. Então, disse ao leprechaun:

– Prometa que não vai tirar essa liga daí.

E o leprechaun jurou imediatamente que não tocaria nela.

– Suponho – o leprechaum falou de um jeito muito civilizado – que você não precisa mais dos meus préstimos.

– Não. – respondeu Tom – Você pode ir embora agora, se quiser. Vá com Deus e que a sorte o acompanhe para onde for!

– Bem, adeus, Tom Fitzpatrick, – disse o leprechaun – e desejo que o dinheiro lhe seja muito útil quando você o encontrar.

Tom correu como se sua vida dependesse disso, voltou para casa, pegou uma pá, e então saiu com ela e correu o mais rápido que pôde de volta ao campo de tasneiras. Entretanto, quando ele chegou lá, vejam só! Não havia nem uma tasneira sequer ostentando uma liga vermelha como aquela que ele havia amarrado, e cavar o campo de tasneiras inteiro seria um disparate, pois o campo tinha mais de quarenta acres irlandeses (107 mil metros quadrados). Então Tom voltou para casa com a pá no ombro, um pouco mais desanimado, e foram raivosas e numerosas as maldições que ele rogou sobre o leprechaun toda vez que se lembrava de como ele havia lhe dado essa bela rasteira.
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*Com barba ruiva e vestido de verde, o Leprechaun é um duende que vive na floresta e encanta gerações com suas promessas de ouro. Considerados guardiões ou conhecedores da localização de vários tesouros escondidos, a lenda também diz que ele é o sapateiro do povo das fadas.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXVI

A água, das nuvens, caída,
faz germinar a semente,
transformando-a em nova vida
na vida de muita gente.
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A força da divergência
de gostos e posições,
tendem gerar com frequência
conflitos de gerações.
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Cheiro de terra molhada
pelas chuvas outonais,
na densa relva orvalhada
transitam os animais.
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Da nuvem, que chuva verte
e em pingos, à terra desce,
regando a planta, converte
em flor e o fruto aparece.
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Da vida e suas entranhas
brota a luz à descendência,
da infância muitas façanhas
deram forma à adolescência.
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Lenta, tépida e tão calma,
traz a noite com seu véu,
o acalento dentro da alma,
fora dela, a luz do céu.
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Nada amedronta, nem fere,
quem à frente a meta o inflama,
se alguém a oclusão prefere,
tudo se transforma em drama.
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Não deixes que a pedra fira
os pés com seus estilhaços
e tampouco ela interfira
na direção dos teus passos.
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Não temas o calendário
que faz crescer tua idade,
segue o tempo, o itinerário,
na mesma velocidade.
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Não tem densa escuridão
se na sala a lamparina
der seu brilho à vastidão,
que à noite se dissemina.
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Na vida, o verbo crescer,
equipara-se ao de amar
e o direito de aprender
com o dever de ensinar.
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Ninguém se atreva a impedir
que alguém cumpra seu papel
e assim, bem possa o cumprir,
mais solícito e fiel.
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Nunca mate um elefante
mesmo não tendo beleza,
mas por ser parte integrante
do mundo e da natureza.
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Nunca te assustes do grito,
nem do atroz olhar soslaio,
pois tem muito periquito
querendo ser papagaio.
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O homem chora inconsolado
vendo o seu sonho perdido,
por ter-se dele insulado,
ou por vê-lo interrompido.
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O homem não desaparece,
tampouco fica esquecido,
dele, nunca Deus esquece,
dando-lhe o pão merecido.
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O ser humano semeia,
somente o que n'alma tem,
são valores que o permeia
e o qualifica também.
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Pouco, um doce representa,
ou nada, se comparado,
à amizade que sustenta
um mundo desesperado.
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Quando o sol nos horizontes
parece não mais brilhar,
é ilusão pensar que os montes
o quiseram sufocar.
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Que a dor nunca seja enorme
ceifando a alma a navegar
e a face não se transforme
noutro barco a naufragar.
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Quem almeja ser estrela,
com seu brilho a entrar na sala,
deve antes de querer sê-la,
ter a luz para imitá-la.
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Que teu barco não colida
nas rochas da solidão,
mas o leme mostre à vida
seu norte na imensidão.
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Se um dia, na ingenuidade,
distante, a paz for buscar,
saiba que a felicidade
ao seu lado pode estar.
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Tomba com facilidade
toda a planta sem raízes,
queda sob a austeridade
das amargas cicatrizes.
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Tudo o que vem da plateia
frente a uma apresentação,
sejam aplausos na estreia
nos palcos da ostentação.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Lima Barreto (A matemática não falha)


Embora ainda não esteja aposentado de todo, já me julgo completamente desligado do emprego público que exerci, na Secretaria da Guerra, durante quinze anos.

A vida de cada um de nós, que é feita e guiada mais pelos outros do que por nós mesmos, mais pelos acontecimentos fortuitos do que por qualquer plano traçado de antemão, arrasta-nos, às vezes, nos seus pontapés e repelões, até onde nunca julgaríamos chegar.

Jamais imaginei, em dia algum da minha vida, ter de ir parar naquele casarão do Campo de Santana e testemunhar as sábias e pressurosas medidas que os presidentes da República e seus ministros da Guerra põem em prática para a eficaz defesa armada do Brasil.

Mas sucessos imprevistos da minha vida com dolorosas desgraças domésticas, num instante de necessidade e angústia, levaram-me até ali, fizeram-me ver bem profundamente, de excelente lugar na plateia, uma das partes mais curiosas da administração republicana.

Não me despedi ainda do lugar, mas, de qualquer modo, hei de fazê-lo; e, quando de todo o fizer, penso bem que o farei sem saudades.

E não é propriamente por ser ele; fosse outro, creio que se daria o mesmo. Neste como naquele, nesta ou naquela profissão, tenham-se as melhores ou piores aptidões, o que se nos pede nessa sociedade burguesa e burocrática é muita abdicação de nós mesmos, é um apagamento da nossa individualidade particular, é um enriquecimento de ideias e sentimentos comuns e vulgares, é um falso respeito pelos chamados superiores e uma ausência de escrúpulos próprios, de modo a fazer os tímidos e delicados de consciência não suportar sem os mais atrozes sofrimentos morais a dura obrigação de viver, respirar a atmosfera deletéria de covardia moral, de panurgismo, de bajulação, de pusilanimidade, de falsidade, que é a que envolve este ou aquele grupo social e traz o sossego dos seus fariseus e saduceus, um sossego de morte da consciência.

Os delicados de alma, nos nossos dias, mais do que em outros quaisquer, estão fatalmente condenados a errar por toda a parte. A grosseria dos processos, a “embromação” mútua, a hipocrisia e a bajulação, a dependência canina, é o que pede a nossa época para dar felicidade ao jeito burguês. É a época dos registros e dos tabeliães, mas é o tempo das maiores falsificações; é a época dos códigos, sendo também o tempo das mais vivas ladroeiras; é a época das polícias aperfeiçoadas, apesar de que é o tempo dos fiadores, endossantes etc., verificando-se nele os maiores calotes; é a época dos diplomas e das cartas, entretanto, sobretudo, entre nós — é o tempo da mediocridade triunfante, da ignorância arrogante escondida atrás de diplomas de saber; etc., etc.

Quem fez nas primeiras idades uma representação da vida cheia de justiça, de respeito religioso pelos direitos dos outros, de deveres morais, de supremacia do saber, de independência de pensar e agir — tudo isto de acordo com as lições dos mestres e dos livros; e choca-se com a brutalidade do nosso viver atual, não pode deixar de sofrer até o mais profundo do seu ser e ficar abalado com esse traumatismo para toda a vida, desconjuntado, desarticulado, vivendo aos trambolhões, sem norte, sem rumo e sem esperança.

Um espírito que criou para si um ideal de vida muito diferente do que a nossa atual de fato apresenta, conclui que tanto vale ter isto ou aquilo; que os homens são insuportáveis, tolos, injustos e que devemos vê-los, ricaços ou generais, doutores ou curandeiros, carvoeiros ou almirantes, ministros e os seus sábios secretários, na sua hipocrisia de tartufos, na sua miséria moral, na sua abjeção necessária, como atores de uma comédia que nos deve fazer rir, sem esquecer de ter pena deles, pois os seus esgares, as suas pinturas, as suas roupagens brilhantes de reis, de príncipes, de papas ou os trapos de mendigos que os vestem, a sua caracterização, enfim, tem por destino ganhar dinheiro, a fim de que não morram de fome.

Sem que me atribua qualidades excepcionais, detesto a hipocrisia e por isso digo que deixo o emprego sem saudades. Nunca o amei, jamais o prezei. No começo, se tivessem respeitado justamente a dignidade do meu juramento, o meu trabalho e as qualidades de burocrata que eu tinha como todos os outros, talvez mudasse de sentimento, e, mesmo, como tantos outros, me tivesse deixado anular comodamente no ramerrão burocrático.

Não quiseram assim, revoltei-me; e, desde essa revolta, sei que os meus desastres são devidos muito a mim e um pouco aos outros. Daí para cá, todo o meu esforço tem sido o livrar-me de tal lugar, que é para a minha consciência um foco de apreensões, transformando-se ele em um inquisitorial aparelho de torturas espirituais que me impede de pensar tão somente no esplendor do mistério e rir-me à vontade desses bonecos sarapintados de títulos e distinções que, não sem pena, me fazem gargalhar interiormente para mais perfeitamente gozar a bronca estultícia deles.

A minha sociedade agora não será mais a dos simuladores do talento, do trabalho, da honestidade, da temperança, será a dos défroqués, dos toqués, dos ratés de todas as profissões e situações, mas que sabem perfeitamente que falta confessada é “meia falta”, e também que Sardanapalos poderoso mandou pôr como seu epitáfio as seguintes e eloquentes palavras “Fundei Tarso e Anquíale, entretanto, aqui estou morto”.

Antes, porém, de esquecer totalmente os episódios desses meus quinze anos de vida que deviam ser os melhores dela, mas que me foram os de maiores angústias, quero registrar algumas passagens curiosas que observei, e também curiosas figuras que conheci, durante eles. Todo o mundo está disposto a acusar os burocratas desta ou daquela coisa feia. Mas poucos lembram das “partes” de certa espécie que são de pôr um cristão doido. Há algumas que são verdadeiramente importunas, insuportáveis e de desafiar a paciência de Jó.

No meu tempo de Secretaria, havia por lá muitos; e, de tão renitente espécie, eu me lembro de um senhor preto de quase setenta anos, forte ainda, que, em um mês, fez entrar mais de dez requerimentos, pedindo a mesma coisa.

Chamava-se Agostinho Petra de Bittencourt e tinha sido músico de um batalhão de voluntários da Pátria, que estivera no Paraguai.190 Dizia-se filho de um padre Petra que morrera há mais de cinquenta anos, deixando uma incalculável fortuna, em barras de ouro e pedras preciosas, em moedas de ouro e prata, que se achava depositada no Tesouro. Era seu herdeiro, como seu filho; e, quando bem interrogado, Agostinho dizia que o padre era branco. Entretanto, não seriam precisos grandes conhecimentos antropológicos para dizer-se, à primeira vista, que o herdeiro de fortuna tão grande não tinha nem uma gota de sangue caucasiano. Um jornal daqui chegou a tratar do caso; mas anos se passaram e só ele não deixou de falar na famosa herança...

A sua demanda com o Ministério da Guerra, porém, era de outra natureza e muito mais prosaica. Tendo vindo a lei que dava vitaliciamente aos voluntários da Pátria, sobreviventes, o soldo dos postos e graduações com que foram dispensados, ao terminar a guerra, Agostinho requereu-lhe fosse concedida semelhante pensão como mestre de música.

A Contabilidade da Guerra, consultando os documentos originais da época, as folhas de pagamento, denominadas na linguagem militar “relações de mostra”, só encontrou o nome de Petra como músico de 1a classe. O velho não se conformou e, daqui e dali, arranjou uma biblioteca de Ordens do Dia da guerra contra Lopes, que ele sobraçava dia e noite, onde o seu nome figurava como mestre de banda.

Armado contra elas, Agostinho foi a ministros, a secretários de Sua Excelência, a ajudantes de ordens de Sua Excelência, a todo o pessoal majestoso que recebe luz de Sua Excelência, queixar-se da imaginária injustiça de que vinha sendo vítima. Não havia nenhuma, mas Petra atribuía aos empregados da Contabilidade má-fé, dolo, falsidade administrativa, quando eles tinham cumprido seu dever.

Como, em geral, todos os requerentes, o pobre músico de batalhão só se queixava dos pequenos; e os grandes, ao receberem as suas queixas, aconselhavam que requeresse. E ele requeria sem dó nem piedade; anos e anos levou ele pelos corredores do Quartel General, sobraçando a sua biblioteca belicosa, requerendo, resmungando, reclamando e um mês até deu entrada a mais de dez requerimentos no sentido da sua modesta pretensão.

À vista desse exemplo e de outros mais significativos, talvez, mas pouco pitorescos, é de crer que o Império e a literatura patriótica da ocasião tenham posto no espírito dos voluntários do Paraguai grandiosas esperanças de toda ordem. É mesmo hábito de todos os governos, quando precisam de soldados para suas guerras, isso fazerem. O nosso não podia fugir da regra e, ao se ver a braços com El Supremo do Paraguai, se não disse francamente aos voluntários, se voltassem, não teriam mais que trabalhar para viver, prometeu com certeza grandes coisas, pois todos com que tratei estavam possuídos de uma forte convicção dos deveres do Estado para com eles.

Foi, naturalmente, esse sentimento multiplicado, quadruplicado, decuplicado, centuplicado e também deformado no espírito simples, primitivo e vaidoso de um ingênuo e ignorante preto que levou o major honorário do Exército, voluntário da Pátria, José Carlos Vital, ao mais completo dos desastres que se pode imaginar.

Vital foi há anos uma figura popular do Rio de Janeiro. Todos devem lembrar-se de um pretinho muito baixo, miúdo, feio, com feições de pequeno símio, malares salientes, lábios moles, sempre úmidos de saliva, babados mesmo, que era visto passar pelas ruas principais, fardado de major honorário, com uma banda obsoleta na cintura, um espadagão antediluviano, de colarinho extremamente justo e botas cambaias... Hão de se lembrar, por força! Pois essa figura pouco marcial era o major José Carlos Vital.

Para obedecer à justiça, diga-se que todos o olhavam com respeito. Aos poucos, envaideceu-se com isto e não perdoava continência, brados d’armas e outras cerimônias militares devidas a seu posto. Ficou irritante e cavava assim a sua ruína. A vaidade matou-o, como veremos.

Nos seus tempos áureos de “major”, era Vital um simples servente do Arsenal de Guerra; e, quando deixava as suas humildes funções, lá, no Cafofo, nas proximidades do atual mercado, envergando solenemente a farda e sobraçando com o braço esquerdo o espadagão, não era raro que, na primeira tasca, aceitasse o copo de parati e contasse, encostado ao balcão da venda, à gente humilde e tresmalhada daquelas paragens as suas proezas guerreiras. O arsenal era naquele tempo local escolhido quase sempre, para embarque ou desembarque de figurões de toda ordem e nacionalidade; e, quando isso se dava, o major julgava-se obrigado a comparecer com o seu fardão, o seu espadagão, o seu colarinho sujo, as suas botas cambaias e o seu charuto de tostão. Às vezes mesmo, com tal toilette, apresentava-se no Palácio do Catete, para cumprimentar o presidente da República, em dias festivos...

É fácil de imaginar como a presença de semelhante herói quebraria a harmonia de tão solenes e graves cerimônias por demais obedientes ao protocolo e às regras de precedência. Mas o major, “Voluntário da Pátria”, que era, nunca quis convencer-se de que o seu heroísmo ficava mal em tais lugares e devia somente brilhar no largo da Sé, no do Moura e em outras molduras dessa natureza que lhe eram adequadas e próprias. Um belo dia aparece um branco, e modestamente vivendo em Pernambuco, recebendo também etapa de asilado lá, como o seu homônimo preto recebia aqui Abre-se inquérito; cada um dos Josés Carlos Vitais apresenta as suas provas de identidade; a indagação da verdade é feita com o máximo critério e imparcialidade, acabando-se por concluir que o de Pernambuco é o autêntico, embora o daqui não tenha procedido de má-fé. O festejado herói do largo do Moura, do beco da Batalha, o orgulho das últimas pretas minas que conheceram o Príncipe Obá, perde as zonas, o emprego, a etapa de asilado, enviúva do fardão, para sumir-se dentro de um velho fraque de paisano vulgar.

E aquela satisfação de ser major, com as suas honras, privilégios, garantias e isenções, esvai-se, some-se, foge da sua triste vida de filho sem pai e que da mãe não tem a mais vaga lembrança; essa satisfação infantil que lhe resgatava os padecimentos de criança desvalida e levada em tenra idade, como se verificou, para os campos de batalha — essa satisfação se aniquila completamente como se o destino não lhe quisesse dar, nos seus últimos dias de vida essa vã e pueril consolação, como se não lhe quisesse dar a mínima ilusão de felicidade, a ele que passara toda a existência esmagado, humilhado, sem prazeres, sem alegrias, talvez, mesmo as mais vulgares!... Ah! a Vaidade...

Chamei de vã e pueril a consolação que podem dar as honras e que envaidecem o “major”. Será verdade? Vi tanta gente disputá-las, vi tantos homens, de condições de riqueza e instrução mais variadas, requestá-las que estou disposto a crer que errei quando assim as qualifiquei.

Não poderei citar muitos casos de pedidos delas, porque quase todos, por comuns de argumentação e motivos, me escaparam da memória; mas um, por ser sobremodo grotesco, viveu-me sempre na minha lembrança e, ainda hoje, quando dele me recordo, causa-me riso. Conto-o. Um voluntário da Pátria chamou em seu auxílio, ou tentou chamar, a aritmética para obter o justo honorário a que se julgava com direito. O senhor José Dias de Oliveira, porteiro adido do extinto Hospital do Andaraí, vivo ainda, como o são também os outros dois seus colegas a que aludi, era um velho pesadão, curto de membros e de corpo, com umas abundantes e longas barbas mosaicas, ventre proeminente e acentuado na sua redondeza, voz cava, que, de quando em quando, aparecia na secretaria, a fim de procurar com um seu amigo, funcionário dela, “o livro dos voluntários da Pátria”. Só ele conhecia esse livro e ele o pedia com a máxima insistência. A sua voz cava não permitia grandes gritos; mas, assim mesmo, nos dias de reclamação, conseguia encher os corredores e as salas com o seu rouco vozeiro. Quem o visse, nesse transe, poderia apreciar o gesticular desenfreado com que acompanhava a sua abafada gritaria e o cuidado constante que tinha, para não lhe caírem as calças perna abaixo. Movia todas as partes do corpo que permitiam movimento: os braços, as pernas, a cabeça, o pescoço; e falava, falava, semi gritando.

Queria o tal “livro” para resolver ou justificar os seus direitos, que tinham o apoio da matemática. Era, argumentava, tenente honorário e fora tenente da polícia do Paraná. Ora, 2 + 2 são quatro. Logo, ele possuía quatro galões, o que equivale a dizer que era major e, como tal, tinha direito à patente desse posto. De alguma forma, penso eu agora, o Senhor José Dias de Oliveira tem razão. Se o esoterismo positivista da geometria e do cálculo tanto concorreu para o 15 de Novembro, não é demais que a cabala da tabuada de somar auxiliasse a pretensão do porteiro adido do antigo hospital do Andaraí. 2 + 2 = 4; ele é, portanto, major. A matemática não falha…

Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Publicado originalmente em 1920.

domingo, 13 de março de 2022

Varal de Trovas n. 551

 

Sammis Reachers (O patrão, o lambão e a festa de aniversário)

Era ainda naquela época romântica onde não tínhamos os rádios Nextel: era tudo na base do radinho PX mesmo.

Em cada ponto final das linhas da Ingá, havia um desses rádios. O canal era um só, e sendo  assim o que um falava era ouvido por todos. Sim, TODOS, em cada ponto.

Então vamos lá: Certa feita, o veículo do motorista Marcelo, modelo novíssimo, acendeu uma das luzes de alerta    de    problema    (que    chamamos    na    gíria    dos rodoviários    de    "belga")    no    painel.     Problema    por problema, o motorista não sabia que símbolo era aquele, ou o que ele representava. Bem, ele sabia que era um problema mecânico ou elétrico, e a norma era uma só: que ele parasse o carro e ligasse para a oficina da garagem, requisitando instruções sobre como proceder.

Enquanto o motorista passava os passageiros para outro carro, solicitou ao cobrador que fosse até um telefone público (o popular orelhão) próximo, e ligasse para a empresa.

Ao atender, do outro lado, o rapaz da portaria colocou-o em contato via rádio com a oficina. Lá, o responsável perguntou:

– Alô, é da oficina. É para comunicar alguma belga?

- Sim, sim, é o carro prefixo Nit 101.045... Belgamos aqui perto da faculdade Plínio Leite.

- O que houve?

- Acendeu uma luz no painel, aí paramos o carro.

- Que luz que acendeu?

- Olha, eu não sei não...

- Você é o motorista? Como não sabe?

- Eu sou o cobrador. Mas ele também não sabe!

- Ué?!! Ele está aí perto? Chame ele aí, ou pergunte como é o símbolo que se acendeu.

O cobrador então perguntou ao motorista, que já havia colocado os passageiros em outro veículo, e foi lá novamente olhar no painel, comunicando então seu parecer ao cobrador.

- Olha, ele está dizendo aqui que nunca havia nem visto nem reparado nesse símbolo... Ele disse que se parece com um bolo... e outro símbolo por cima como uma faca... Ele tá dizendo que parece um bolo de festa ou aniversário...

Nesse terrível instante, o dono da empresa, o senhor Francisquinho, que ouvia a todo o estranho diálogo pelo rádio que havia em sua sala, tomou o comunicador e assumiu a palavra:

- Pois seu cobrador, aqui quem fala é seu patrão, o senhor Francisco. Diga ao motorista que a luz "que parece um bolo de aniversário" acendeu porque hoje é o aniversário desse carro. Isso mesmo. E diga para ele sair do volante e bater palmas, e você bata palmas também com ele, para comemorar!!!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) VII


HEI DE RENDER-ME DE BRAÇOS LEVANTADOS

(Mário Sousa Ribeiro)

Hei de render-me de braços levantados
Se apontares um beijo ao meu coração
E, algemados, arrastares à prisão
Estes meus olhos puros de amor armados.

Detido entre os teus braços já desfardados
Não irei implorar nada, nem perdão
E só assinarei uma confissão
A de querer os ferros eternizados.

Provo que sou culpado, sim, pela morte
Desses dias de pasmo e sinistra sorte
Que tive antes de tu bem me aprisionares.

Sei que o teu amor me salva e me redime
Mas irei cometer sempre o mesmo crime
Para nunca, nunca mais tu me soltares.
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NADA DE NOVO É NOVO, A PRÓPRIA HISTÓRIA
(Narciso Alves Pires)

Nada de novo é novo, a própria História
Já se repete em ciclos conhecidos
E o poder e os conflitos já vividos
Renascem das profundas da memória.

Deixou a vida de ser aleatória
E a patina cobrindo os tempos idos
Deixa vê-los, de novo, promovidos
A pepitas que brilham entre a escória.

Se tudo se transforma, diz a lei
Que deixada nos foi por Lavoisier
O mundo ao girar outro mundo deu.

Nesse rodar eu nunca saberei
Se existe uma razão e algum porquê
Que me impeça de eu ser um outro eu.
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PREGADOS AOS SILÊNCIOS DAS PAREDES
(Mário Sousa Ribeiro)

Pregados aos silêncios das paredes
Há chapéus em retratos esquecidos
Bengalas e bigodes retorcidos
Luvas sobre anéis ricos que não vedes.

Pestanas por detrás de finas redes
Complementos das rendas dos vestidos
De enlaces e noivados prometidos
Que saciem as mais que humanas sedes.

Crianças rindo em tão ingênuas poses
São cobaias das vis metamorfoses
Que ar sisudo lhes há de conferir.

São os nossos avós, nossos parentes
E se hoje nos achamos diferentes
É porque não sabemos nos despir.
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QUANDO AS LÁGRIMAS CAÍREM DO ROSTO DAS ESTÁTUAS
(Narciso Alves Pires)

Quando as lágrimas caírem do rosto
Sereno das estátuas da mansão
Já o tempo terá feito uma invasão
E os dourados umbrais terá transposto.

Decadente, o jardim esteve exposto
Às ervagens da vil degradação
E o teto, na capela e no salão
Tem as rugas abertas de um desgosto,

De pé inda as estátuas permanecem
Velando o pó e a mágoa que adormecem
Vencidos por tão trágica vigília.

O breu vai caindo sobre a memória
Do que resta de alguma ida glória
Que morreu no brasão desta família.
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SOU UM CANSAÇO QUE FINDOU NO SONO
(Narciso Alves Pires)

Sou um cansaço que findou no sono
Da tarde triste em que morreu o dia
E quando a noite o meu corpo acolhia
O sol desceu do seu dourado trono.

A doce paz nasceu desse abandono
Mistura de mistério e nostalgia
E, aos poucos, o meu ser desfalecia
Como folha que tomba pelo Outono.

A mansidão abraça-se ao sossego
E eu fico numa luz, num aconchego
Como nunca, em meus dias, eu vivi.

O tempo foi passando devagar
E não sendo eu capaz de me acordar
Só então é que eu soube que morri.

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

Julia Martins e Grant Faulkner (Como Escrever uma História de Fantasia Convincente) Parte 1: Criando o mundo fantástico


Escrever uma história do gênero fantasia é um processo tremendamente recompensador. Para tornar o mundo mais realista, você precisa descrevê-lo em detalhes, criar regras em relação ao que é mágico e sobrenatural e desenvolver personagens interessantes e com motivações bem fundadas — tudo antes de escrever o enredo em si.

Leia as dicas deste artigo para se divertir com o processo e chamar a atenção dos leitores!

CRIANDO O MUNDO FANTÁSTICO

1. Descreva o ambiente físico do seu mundo de fantasia.

Como esse mundo é? Se quer dar um quê de realidade à história, você tem que ter uma visão clara do lugar onde ela acontece.

Descreva o céu, as casas e outras construções, o solo, a flora e a fauna para ajudar o leitor a visualizar tudo.

Você pode ambientar a história em um lugar maior ou menor: uma cidade, um planeta, o universo inteiro etc.

Se você quiser ambientar a história em um lugar que existe de verdade, descreva-o de forma clara ao leitor.

Por exemplo: a saga Harry Potter começa na Inglaterra, nos anos 1990, mas entra aos poucos em um mundo secreto.

A Terra Média, de O Senhor dos Anéis, é um ótimo exemplo de universo totalmente criado pelo autor.

Incorpore os sentidos às descrições. Qual é o cheiro do lugar? E a sensação de estar nele? O que os olhos dos personagens enxergam?

"Lembre-se de que o gênero 'fantasia' pode ser mais amplo ou mais limitado; a escolha é sua", afirma a escritora Julia Martins. "Você pode criar uma sociedade mágica secreta no mundo real (como J. K. Rowling fez em Harry Potter) ou pensar em um mundo complexo e que tenha países, culturas e magia próprios (como George R. R. Martin fez em As Crônicas de Gelo e Fogo). De qualquer forma, o que torna a fantasia 'crível' são os detalhes e o cuidado na escrita!"

2. Se necessário, desenhe um mapa do mundo.

Muitos autores famosos incluem mapas dos seus mundos fantásticos nas obras, como o da Terra Média de J. R. R. Tolkien. Isso é ainda melhor quando o enredo passa por vários lugares diferentes. Por isso, comece a mapear a região em papel e inclua os principais pontos históricos, cidades, rios, oceanos etc.

Desenhe árvores para representar as florestas, estrelas para indicar as capitais de cada região e ondulações para indicar os rios, riachos e oceanos.

Mesmo que você não vá incluir o mapa na cópia final da história, é legal imaginar o mundo em que ela acontece.

Você não está conseguindo desenhar o mapa?

"Se você não consegue desenhar o mapa, distribua alguns pedaços crus de macarrão em uma mesa. Depois, forme linhas e outros pontos com eles para representar o mundo em si!"

3. Descreva a cultura e o cenário político do mundo.

É aqui que você pode abusar da criatividade. Pense em detalhes como o sistema político, a  moeda, as práticas culturais comuns e a história.

Tudo isso vai dar mais profundidade ao mundo e torná-lo mais realista. Se você for ambientar a história em um lugar que existe de verdade, descreva os aspectos e a cultura do local de forma a fugir da vida real.

4. Decida em que nível tecnológico a sociedade se encontra.


Baseie o mundo fantástico em um momento histórico do mundo real. Se o enredo acontece no futuro, invente avanços tecnológicos que tornem todo o cenário futurista. Por outro lado, se ele acontece em um ponto primitivo da sociedade, inclua apenas instrumentos básicos, como carroças puxadas por cavalos em vez de carros voadores.

Pesquise sobre as tecnologias para torná-las mais realistas. Por exemplo: se você quer incorporar uma cura para o envelhecimento, leia textos e artigos sobre esse processo da vida real. Entenda como e por que as pessoas envelhecem para representar o assunto de forma realista nas páginas da história.

Se a história acontece na antiguidade, estude como as sociedades da época viviam. A tecnologia gera impacto em todo o mundo fantástico que você está criando. A dica da escritora Julia Martins é: "Não é porque a história é fantástica que ela não deve ter tecnologias. Contudo, depois de decidir em que estágio de desenvolvimento o mundo está, pense em como esse desenvolvimento afeta a vida dos personagens. Por exemplo: se não há carros ou trens, fica muito mais difícil percorrer longas distâncias!"
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Julia Martins, escritora aspirante que vive em Sâo Francisco, na Califórnia. Graduou-se na Stanford University e publicou na Rainy Day Magazine, da Cornell University; na Leland Quarterly, da Stanford University; e na Quarterly, da Bards and Sages

Grant Faulkner é Diretor Executivo da National Novel Writing Month (NaNoWriMo) e confundador da 100 Word Story, uma revista literária. Grant publicou dois livros sobre escrita e já escreveu para THe New York Times e Writer's Digest. É um dos apresentadores da Write-minded, um podcast semanal sobre escrita e o ramo editorial. Possui Mestrado em Escrita Criativa pela San Francisco State University.

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continua… Parte 2. Pensando em regras

Fonte:
Wikihow

Jaqueline Machado (Olhos de Ressaca)

Bento Santiago. Santiago por parte de Machado de Assis. Apenas Iago, por parte de Shakespeare. Eis aí, o cruzamento dos rios de duas almas masculinas naufragadas após caírem nas armadilhas do ciúme. Não me refiro ao ciúme comum, que apimenta saborosamente o prato do amor, mas do ciúme doentio que leva a vida ao naufrágio impiedoso imposto pela beleza das sereias.

A mãe de Bento Santiago queria o filho padre. Mas ele não tinha vocação para o sacerdócio. Desde a infância amava Capitulina, vulgo Capitu, sua vizinha. Não sabia do latejante e crescente amor, mas a amava. Ambos tinham catorze anos, e a vida, apesar dos problemas, era pura poesia. Eles brincavam, trocavam sorrisos e ideias. Esculpiam no ar cenas lindas do sentimento que sentiam um pelo outro.

Disse Bentinho na narrativa de Casmurro: “Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los.

"Vamos ver o grande cabeleireiro", disse Capitu, rindo. O trabalho era atrapalhado, às vezes por descaso, outras de propósito, para desfazer o feito e refazê-lo. Os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Nunca puseste as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico.   

Enfim acabei as duas tranças. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la.  Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta. Não quis. Não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e... grande foi a sensação do beijo.”

Bentinho, menino inexperiente e mimado, admirava fascinado aqueles olhos que o agregado bajulador, José Dias, os havia definido como: “Olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Olhos de ressaca.

Capitu, era cheia de luz, esperta e bela. As qualidades da moça emaranhavam seu raciocínio. Faziam o coração pulsar forte, e a paixão tatuar em doce brasa, a alma. Aqueles olhos abertos, ressacados, imensos feito um mundo oceânico o atraem de maneira irresistível. Ali, ele queria mergulhar e se deixar levar pelo encanto da sereia. Sim. Capitu era uma espécie de sereia fora do seu habitat natural. Por isso tinha olhos de ressaca. Era a sua busca pelo mar.

O tempo passou, o rapaz foi a contragosto para o seminário. Sem vocação, retornou. Casou com a sua amada, e com ela teve um filho. Certo dia deu para imaginar que o garotinho se parecia com o amigo e também ex- seminarista, Escobar. Dessa forma permitiu que ondas violentas de ciúme inundassem seu lar amoroso. Dali em diante a desconfiança se fez mais forte do que o amor que sentia por sua esposa. E, em seguida, veio a separação. A mulher e o filho vão para a Europa e logo morreram. Ele tornou –se Dom Casmurro: que quer dizer, sujeito metido consigo mesmo, teimoso... No fim do seu tempo terreno se pôs a escrever sua história de vida, acusando Capitulina de infidelidade. Mas será que ela realmente o traiu ou a ideia do adultério não passou de uma mentira imposta pelos argumentos ardilosos do ciúme ensandecido que entorpecia cada uma das células de sua mente de advogado?

A questão é que, Casmurro, só se tornou  “casmurro”, por falta de coragem de saber a verdade e viver o que desejou viver de fato. Os rios doces de seu destino tornaram-se inversos, perigosos. E ele foi entregue ao mar, que embora belo, é salgado. Enlouquecido de amor, nele mergulhou para nunca mais voltar. Voltar a si...

Cuidado, amigos, Capitu é bonita. Ela é sereia. Melhor dizendo: ela é mulher...

Fonte:
Texto enviado pela autora

domingo, 6 de março de 2022

Adega de Versos 73: Raymundo de Salles

 

Irmãos Grimm (Os três operários)


Três operários tinham combinado correr mundo, juntos , e trabalhar sempre na mesma cidade. Mas aconteceu que um dia a situação piorou tanto que seus patrões não lhes puderam pagar e, por isso, ficaram os três sem recursos, até mesmo para comer.

Disse um deles:

- Que faremos? É impossível continuarmos aqui. Teremos de partir e, se não encontramos trabalho na próxima cidade, combinaremos com o dono da hospedaria para  que cada qual lhe escreva dizendo o lugar onde se encontra. Assim, poderemos separar-nos na certeza de cada  um ter notícias dos outros.

Os demais acharam ótima a ideia e juntos se puseram a caminho.

Pouco depois encontraram um homem, muito bem trajado, que lhes perguntou quem eram.

- Somos operários à procura de trabalho. Até agora sempre estivemos juntos. Mas infelizmente, se não acharmos emprego para os três, temos de nos separar.

- Não se preocupem por tão pouco. - disse o homem. - Se fizerem o que eu lhes disser, não faltará trabalho nem dinheiro. - Chegarão , até, a ser grandes senhores e só andarão de carruagem.

Respondeu um deles:

- Concordamos, mas com a condição de que não haja prejuízo para nossas almas e nossa salvação eterna.

- Não. - respondeu o desconhecido. - Por esse lado, não tenho interesse nenhum em vocês.

Mas um dos rapazes, olhando-lhe os pés, notou que tinha um pé de cabra e outro de homem e não quis mais saber de conversa. Entretanto, o diabo - pois não era outro senão ele - assegurou-lhes:

- Podem ficar tranquilos. Não pretendo apoderar-me da alma de vocês, mas sim da de outra pessoa, que já quase me pertence. Pouco falta para que ela encha as medidas.

Diante dessa afirmação, os três aceitaram a oferta e o diabo lhes explicou o que queria deles: o primeiro deveria responder, sempre, a todas as perguntas: "Nós três", o segundo: "Por dinheiro" e o último: "Foi  justo". Deviam repetir essas frases, pela mesma ordem, abstendo-se de pronunciar uma palavra a mais. Caso não cumprissem, exatamente, tal ordem, ficariam logo sem bolsos cheios. De início o diabo lhes deu tanto dinheiro quanto podiam carregar. E mandou-lhes que, ao chegar à cidade, se dirigissem a determinada hospedaria.

Assim, fizeram e, quando o dono da estalagem saiu para recebê-los e perguntou:

- Desejam algo para comer ?

O primeiro respondeu:

- Nós três.

- Sim. - disse o homem - Logo imaginei.

O segundo acrescentou:

- Por dinheiro.

- Naturalmente! - exclamou o hospedeiro.

- Foi justo. - disse o terceiro.

- Claro que é justo. - concordou o proprietário.

Depois de terem comido e bebido muito bem, chegou o momento de pagar a conta que o hospedeiro entregou a um deles.

- Nós três. - disse este.

- Por dinheiro. - acrescentou o segundo.

- Foi justo. - terminou o terceiro.

- Claro que foi justo, - disse o hospedeiro - paguem os três, que sem dinheiro nada posso dar.

Pagaram-lhe mais do que havia pedido. E, ao ver tal coisa, os outros hóspedes comentaram:

- Esses sujeitos são loucos!

- Creio que são mesmo. -disse o hospedeiro.- Não regulem bem.

Ficaram vários dias ali, sem pronunciar outras palavras a não ser: "Nós três", "por dinheiro" e "foi justo". No entanto, viam e sabiam de tudo o que se passava na hospedaria.

Até que um dia chegou um comerciante rico, que trazia muito dinheiro consigo e que disse ao dono da casa:

- Senhor hospedeiro, guarde esta importância para mim, pois aqueles três operários me parecem suspeitos, tenho medo que me roubem.

O hospedeiro levou a maleta do viajante para o seu quarto e verificou que estava cheia de ouro. Deu então, aos três operários, um aposento no andar térreo e acomodou o negociante no de  cima.

À meia-noite, quando viu que todos dormiam, entrou com sua mulher no quarto do homem e o matou. Cometido o crime, tornaram a deitar-se.

Na manhã seguinte, houve grande alvoroço no albergue quando encontraram o cadáver do comerciante em sua cama, banhado em sangue. O dono da casa disse a todos os hóspedes, que se haviam reunido no  local do crime:

- Isso é obra daqueles três loucos. - o que foi confirmado pelos presentes, que acrescentaram:

- Pois quem mais poderia ter sido?

O hospedeiro mandou chamá-los e perguntou?

- Vocês mataram o comerciante?

- Nós três. - respondeu o primeiro.

- Por dinheiro. - acrescentou o segundo.

- Foi justo. - disse o terceiro.

- Ouviram todos? - indagou o hospedeiro. - Eles mesmos confessaram!

Em consequência, foram conduzidos ao cárcere, para serem julgado. Vendo que a coisa estava ficando preta, sentiram muito medo, mas à noite apresentou-se o diabo, que lhes recomendou:

- Aguentem mais um dia e não ponham a sua sorte a perder. Ninguém lhes tocará num só cabelo da cabeça.

Ao amanhecer foram levados ante o tribunal e o juiz procedeu ao interrogatório:

- Vocês são os assassinos?

- Nós três.

- Por dinheiro.

- Bárbaros! - exclamou o juiz. - E não temeram o pecado?

- Foi justo.

- Confessaram o crime e não se arrependeram!- exclamou o juiz. - Que sejam executados em seguida!

Foram , então levados ao cadafalso, figurando o hospedeiro entre os espectadores. Depois que os fizeram subir ao estrado, onde estava o carrasco de machado em punho, surgiu, de repente, uma carruagem puxada por quatro cavalos de pelo vermelho com sangue e que se aproximava rápida como o vento. da janelinha, um personagem fazia sinais com um lenço branco.

Disse o carrasco:

- Estão pedindo clemência!

E, de fato, gritavam da carruagem:

- Parem! Parem!

Nisto, o diabo, na figura de  um fidalgo magnificamente trajado, saltou do carro e falou:

- Os três são inocentes! - e, dirigindo-se aos operários: - Já podem falar. Digam o que viram e ouviram.

Falou, então, o mais velho:

- Não assassinamos o comerciante. O culpado está entre os espectadores. - e apontou para o hospedeiro. - Como prova disso, procurem no porão de sua casa, que encontrarão outras vítimas.

O juiz ordenou que alguns guardas fossem à hospedaria e estes verificaram que tudo era verdade. Em vista disso, levaram o hospedeiro ao cadafalso e o decapitaram.

Disse, então, o diabo aos três companheiros:

- Agora apanhei a alma que eu queria. Estão livres e com dinheiro para o resto da vida.

Olivaldo Júnior (Novelos de Trovas Temáticas) Poesia – Saudade – Amigo

TROVAS SOBRE POESIA


Cada sonho que me atrevo
a dar forma de poesia
me dá sorte e vira um trevo,
amuleto a quem o cria.
= = = = = = = = = = = = =

Das estrelas do champanhe,
sei que a culpa não é minha,
nem será de quem apanhe,
com poesia, uma estrelinha...
= = = = = = = = = = = = =

Na metade do poema,
paro um pouco e desconfio
que poesia é teorema:
quebra a cuca, em desafio!
= = = = = = = = = = = = =

Nessa aurora boreal
que seu beijo principia,
eu, minúsculo cristal,
sou maior que a poesia...
= = = = = = = = = = = = =

No trenzinho da existência,
pego o bonde dia a dia,
sem saber que a paciência
para sempre na Poesia...
= = = = = = = = = = = = =

Numa carta que não mando,
mando um beijo delicado
para o amigo que, sonhando,
faz poesia em dó dobrado.
= = = = = = = = = = = = =

Só nos vimos uma vez,
mas... nem foi preciso mais.
Miserável, sou freguês
de quem faz do caos o cais.
= = = = = = = = = = = = =

TROVAS SOBRE SAUDADE 

Calabouço de esperança
me aprisiona o pensamento;
da saudade, a confiança
de que volta em outro vento…
= = = = = = = = = = = = =

Há mil jeitos de matar
sem matar o corpo meu;
o melhor é desdenhar
da saudade, que sou eu.
= = = = = = = = = = = = =

Minha face, obscura, muda,
muda o jeito quando pensa
que a saudade só nos muda
se 'Deus Pai' é nossa crença...
= = = = = = = = = = = = =

Minha vida tem saudade
de outra vida que morreu;
morte certa, a da verdade
que, mentira, nem nasceu.
= = = = = = = = = = = = =

Numa lápide singela,
sem o lustro da maldade,
a bondade, feito vela,
luze a chama da saudade...
= = = = = = = = = = = = =

Numa trova pequenina,
toda feita de emoção,
a saudade é qual ruína
que denota a solidão.
= = = = = = = = = = = = =

Um crisântemo, sem cor,
me sugere um verso triste:
de saudade, um trovador
faz das lágrimas o "alpiste"...
= = = = = = = = = = = = =

TROVAS SOBRE AMIGO

Cada amigo que Deus dá
faz maior meu coração,
grão minúsculo que está
no canteiro da emoção...
= = = = = = = = = = = = =

Das estrelas lá do céu,
das estrelas lá do mar,
meu amigo tira o véu
e me faz achar um lar...
= = = = = = = = = = = = =

Meu amigo tem um jeito
que me faz querer saber
se, no fundo do seu peito,
fez morada o amanhecer...
= = = = = = = = = = = = =

No caderno de menino,
na saudade imaculada,
meu amigo, pequenino,
foi gigante sendo nada!...
= = = = = = = = = = = = =

Um amigo se esqueceu
de que eu era seu amigo...
No caminho, se perdeu,
mas seu rastro ainda sigo.

Fonte:
Trovas enviadas pelo trovador.

sábado, 5 de março de 2022

Daniel Maurício (Poética) 24

 

Stanislaw Ponte Preta (A estranha passageira)

– O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de voo - e riu nervosinha, coitada.

Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem.

Suspirei e fiz o bacana respondendo que estava às suas ordens. Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.

Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:

– Para que esse saquinho aí? - foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.

-É para a senhora usar em caso de necessidade – respondi baixinho.

Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:

- Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?

Alguns passageiros riram, outros - por fineza – fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.

O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:

– Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?

Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.

Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do “show”. Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.

Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:

– Puxa vida!!!

Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:

– Olha lá embaixo.

Eu olhei. E ela acrescentou: - Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece formiga.

Suspirei e lasquei:

- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou voo.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Gol de padre. Atica, 1997.

Baú de Trovas XLIII


Teu sorriso de criança
no meu relógio, querida,
dá muito mais esperança
às horas da minha vida!
Alfredo de Castro
Pouso Alegre/MG

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Eu amo a vida, querida,
com todo mal que ela tem!
Só pelo bem — que há na vida,
de se poder querer bem!
Anis Murad
Rio de Janeiro/RJ +

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Não propalo meus queixumes,
mas, pensas que sou feliz?
– O mais cruel dos ciúmes
é aquele que não se diz!
Aparício Fernandes
Rio de Janeiro/RJ +

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Se alguns sofrem se sozinhos
e outros sofrem por amar
dilema é ter dois caminhos
e nenhum para trilhar.
Arlindo Tagen
Juiz de Fora/MG

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Um anjo veio e deu vida
ao peito de amores nu:
minha alma agora remida
adora o anjo — que és tu!
Casimiro de Abreu
Rio de Janeiro/RJ +

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Sobre o barco dos amores,
da vida boiando à flor,
douram teus olhos a fronte
do Gondoleiro do amor!
Castro Alves
Salvador/BA +

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Quem dera se o povo inteiro
num gesto de amor profundo,
fosse apenas jardineiro
plantando rosas no mundo!
Eduardo A. O. Toledo
Pouso Alegre/MG

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Meu tesouro é singular,
superlativo e tão pleno...
e mesmo assim, no meu lar,
cabe num berço pequeno!
Eliana Dagmar
Amparo/SP

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Manhãs são novos começos,
festas da vida, alvorada,
da fé que não vê tropeços,
mas a luz no fim da estrada...
Elias Pescador
São Paulo/SP

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A linha do trem recorda
o dia em que tu partiste,
e o meu coração acorda...
pulsa a dor que produziste
Elisa Alderani
Ribeirão Preto/SP

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Juntei a rosa mais linda
à pureza dos cristais,
e não te compus ainda,
porque, mãe, és muito mais!
Elton Carvalho
Rio de Janeiro/RJ +

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Vou de lembrança em lembrança,
revivendo o meu passado!...
Lembrar-te nunca me cansa,
mesmo sofrendo dobrado!
Ercy M. Marques de Faria
Bauru/SP

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Na vidraça do passado,
onde revivo os meus sonhos,
sinto a saudade ao meu lado
nos longos dias tristonhos.
Gutemberg Liberato de Andrade
Fortaleza/CE

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Entre alegrias e dores,
numa trama indefinida,
todos nós somos atores
no cenário desta vida.
Ivo dos Santos Castro
Rio de Janeiro/RJ

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Se a indecisão prenuncia
horizonte de fracassos
calço as botas da ousadia
e ponho audácia em meus passos!
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ +

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Não fales com toda gente
dos teus tormentos e anseios…
pois há quem fique contente
ouvindo os dramas alheios.
José Tavares de Lima
Juiz de Fora/MG

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Medo maior... oh, menina,
que o medo de te perder,
é o temor que me alucina
de não poder te esquecer!
José Vitor de Paiva
Pouso Alegre/MG

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Meu corpo colado ao teu...
Dois seres; um sentimento!
Sonho que sobreviveu
apenas em pensamento!
Luiz Antonio Cardoso
Taubaté/SP

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Na vida tanta promessa,
tanto anseio de subir!
E a ventura mal começa
vem a hora de partir...
Luiz Otávio
Santos/SP +

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Joguei fora, no caminho,
minhas mágoas, minhas dores,
e, trouxe apenas carinho,
muita paz e algumas flores...
Matusalém Dias Moura
Vitória/ES

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Não quero o poder que esmaga
o sonho com seu furor...
Eu quero o poder que afaga
nossos momentos de amor...
Milton Nunes Loureiro
Niterói/RJ +

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A caminho do infinito,
prossigo a minha viagem...
Levo o que é de mais bonito;
o nosso amor na bagagem!
Roberto Tchepelentyky
São Paulo/SP

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Quando a brisa beija a praia
surge a serei entre brumas
e a onda suspende a saia
toda bordada de espumas...
Sarah Rodrigues
Belém/PA

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Há dias em que os palhaços
têm conflitos sem medida,
quando, em segredo, aos pedaços.
mendigam risos da vida.
Silvia Araújo Mota
Belo Horizonte/MG

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No meu livro de lembrança,
ainda sem conclusão,
saudade é aquela esperança
que compôs a introdução...
Vanda Fagundes Queiroz
Curitiba/PR

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Minha insensata paixão
passou- transpondo barreiras-
das fronteiras da ilusão
para a ilusão sem fronteiras..,
Wanda de Paula Mourthé
Belo Horizonte/MG

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A estrada mais procurada,
que nos leva à salvação,
constantemente é indicada
pela seta do perdão.
Yedda Ramos Maia Patrício
São Paulo/SP

Aparecido Raimundo de Souza (A prazo, sem garantia) – 2

DEFINIÇÃO DE ESCRITOR


Um traficante inveterado de palavras. Só se consegue capturá-lo se for para deixá-lo prisioneiro nas páginas de um livro.
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ACONTECEU NO RIO

Ao demolirem um antigo sobrado para a construção de uma das estações do metrô, empregados de uma das empreiteiras contratadas encontraram, nos escombros, uma ossada humana, dentro de uma espécie de estante, num local que, possivelmente, deveria ter sido uma sala. Ao lado do achado, havia uma medalha com os seguintes dizeres:
“Mauro Godinho Marques – Professor e Campeão Mundial de esconde-esconde”.
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CADA MANIA COM SEU...

TODA VEZ que acabava de preparar a cama para dormir o louco pegava dois copos. Um com água e o outro sem. Um companheiro, também maluco, que dormia ao lado, vendo aquela cena se repetindo constantemente resolveu perguntar:

— Amigo Mocotó, por que esses copos d’água?

— Ora, meu caro Rabo de Cachorro, para o caso de eu ter sede no meio da noite...

— Mas e o vazio, Mocotó? – Qual a serventia?!

— Para o caso de ter de quebrar na cabeça de algum curioso.
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CURIOSO...

Durante um campeonato de rodeio um vaqueiro perguntou ao outro:

— Ei, amigo, por que você só usa uma espora?

Por que quando um lado do cavalo começa a correr, o outro, automaticamente vai junto, no embalo.
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NA MARRA

A calça jeans de Tonico Ferradura estava realmente suja, mas tão suja e fedorenta, que saiu andando sozinha. Foi encontrada, horas depois, de mãos dadas com uma camisa de seda, num amontoado de roupas que seria destinado à lavanderia.

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Prêmio Educador Nota 10 (Vencedores)

Em meio a desafios e incertezas desde março de 2020, professores e gestores fizeram tudo que estava ao seu alcance para garantir que a Educação não parasse. Esse esforço foi reconhecido na 24ª edição do Prêmio Educador Nota 10.

O Prêmio Educador Nota 10 é uma iniciativa da Fundação Victor Civita (FVC). Conta com a parceria de mídia da Abril, Globo e Fundação Roberto Marinho, e patrocínio da SOMOS Educação e BDO. NOVA ESCOLA, Instituto Rodrigo Mendes e a Unicef também são apoiadoras da iniciativa.

Os projetos inscritos são avaliados pela Academia de Selecionadores e Jurados, composta por especialistas em cada área do conhecimento. Para esta edição, os professores e gestores puderam submeter projetos realizados entre 2020 e 2021, durante o período pandêmico.

Entre os 50 educadores finalistas que desenvolveram projetos exemplares, foram escolhidos dez vencedores. Em 24/02 foi divulgado quem são esses educadores. Confira a lista:

Cristiele Borges dos Santos Cardoso
Educação Infantil – crianças bem pequenas (2 e 3 anos)
Projeto "A voz das crianças: conexões que aproximam"
EMEI Joaninha, Novo Hamburgo (RS)


Quem lida diariamente com crianças pequenas sabe que desenvolver um bom trabalho inteiramente à distância, durante a pandemia, foi um desafio enorme. Mas a professora Cristiele conseguiu uma comunicação que fez sentido e foi respeitosa com a faixa etária de 2 anos. De março de 2020 até janeiro de 2021, sua turma acompanhou o crescimento da batata doce, o que possibilitou integrar conhecimento científico, cuidado com as plantas e registros, em especial o desenho. Como a maioria das famílias só tinha o celular, as conversas e atividades aconteciam individualmente, em duplas ou trios. O WhatsApp permitiu divulgar imagens e áudios, revelando que a linguagem oral das crianças deu um salto no período. O projeto destaca as especificidades da Educação Infantil, que envolve compreender como as crianças pensam, constroem conhecimento e se comunicam. Além disso, é um lindo exemplo de como os adultos – professora/es, gestoras e famílias – podem preparar um entorno delicado e cuidadoso para que elas aprendam.
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Daniela Cardoso da Silva
Coordenadora pedagógica – Ensino Fundamental (Educação de Jovens e Adultos)
Projeto "Manual de sobrevivência da EPA - Escola de Porto Alegre"
Escola: Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre, Porto Alegre (RS)


A escola onde Daniela atua, uma das poucas no país dedicada às pessoas em situação de rua, é um espaço de acolhimento e aprendizagem que vai além do currículo convencional. O trabalho pedagógico se concretiza em ações de cidadania, valorização das experiências de vida dos estudantes, incentivo à expressão oral e escrita e à leitura, além de conteúdos de relevância para eles, como cuidados com a saúde física e mental. O clipe da música “Manual de Sobrevivência”, de Bruno Amaral, foi o ponto de partida para um projeto interdisciplinar construído por educadores, estudantes e colaboradores externos. Depois do clip, o texto “Manual de Sobrevivência do Fábio”, escrito por um dos alunos, viralizou nas redes sociais e, em seguida, aconteceram muitas ações importantes, algumas previstas e outras não. O livro “A Filha do Dilúvio”, de Miguel da Costa Franco, inspirou propostas de leitura e escrita, conversa com o autor, fotografia, teatro, oficina de cinema, produção de textos autobiográficos e de um memorial da rua, motivando registros em vídeos e em um livro elaborado por estudantes e professores.
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Francilda Fonseca Machado
História – 6º ano
Projeto "Meu quintal meu campo de pesquisa"
Escola: Escola Municipal Santa Bárbara, São Bento (MA)


Como os alunos de Francilda moram em comunidades quilombolas, sem acesso à internet, ela organizou roteiros dialogados, explicando conteúdos e propondo atividades de produção, pesquisa e vivências para serem cumpridas no quintal de casa. Nos meses seguintes, o estudo aconteceu em ritmo de descoberta e aventura. Após leituras sobre sítios arqueológicos, por exemplo, a professora orientou a escavação de vestígios de antigos habitantes. Os estudantes demarcaram uma área, improvisaram pincéis e encontraram pedaços de porcelana, restos de sandálias, raízes e rochas. O material chegava à escola trazido pelos pais, que levavam de volta novos roteiros e instruções para os alunos. Em outro momento, para celebrar o domínio do fogo no período Paleolítico, fizeram uma fogueira com ajuda dos adultos e sentaram-se em volta dela para contar histórias, o que gerou relatos escritos encantadores, coletados por Francilda. De volta às aulas presenciais, a turma simulou a escrita dos sumérios com barro e um objeto pontiagudo e escreveu mensagens codificadas com os símbolos do alfabeto fenício.
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Janete Emília Dourado Santos
Matemática – 5º ano
Projeto "O pulo do gato"
Escola: Educandário Anísio de Souza Marques, Iraquara (BA)


Não deixar ninguém para trás e ainda promover a aprendizagem! Diante das agruras da pandemia, entre elas a falta ou a precariedade do acesso à internet, Janete e os demais professores montaram um esquema para entregar blocos de atividades nas casas dos alunos quinzenalmente. Ao analisar os materiais recolhidos nas quinze comunidades atendidas pela escola, a professora observava os conteúdos de Matemática que se mostravam mais difíceis para as crianças e tratava deles nos próximos blocos. As diversas estratégias de resolução e também os erros cometidos foram incluídos em atividades para análise e reflexão. Desse modo, ainda que os estudantes não tenham se encontrado, pois não houve aulas síncronas, tiveram possibilidade de interagir com diferentes soluções elaboradas pelos colegas. Para garantir o aprendizado, Janete tirava dúvidas por chamadas de áudio e vídeo. O esforço e o investimento de tempo valeram a pena, já que a turma superou as expectativas e avançou muito nas estratégias de resolução de problemas.
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Jaqueline Maria Alexandre Weiler
Educação Infantil – Crianças pequenas (4 e 5 anos)
Projeto "A pesquisa como prática educativa: aprendendo a aprender com os quero-queros"
Escola: Núcleo de Educação Infantil Taquaras, Balneário Camboriú (SC)


Crianças pequenas pesquisam, têm hipóteses consistentes e são potentes em suas investigações – se o que observam fizer sentido para elas. A escuta ativa e sensível da professora levou a verificar que a cada dia crescia o interesse da turma pelos quero-queros. As aves faziam barulho no campo de futebol em frente à janela da sala, despertando a atenção das crianças. Jaqueline então estruturou um projeto de investigação que potencializou as aprendizagens em todos os campos de experiência, com espaço para as práticas de linguagem envolvidas em procedimentos de pesquisa, a observação dos comportamentos dos pássaros e o contato com diversas linguagens artísticas como literatura, teatro de sombras, modelagem, desenho e pintura. Durante o período de ensino remoto, as famílias participaram ativamente, incentivando e oportunizando situações de pesquisa. Suas contribuições foram valorizadas, pois no decorrer do ano a professora aprendeu a usar aplicativos e a criar materiais informativos com fotos e trabalhos das crianças, divulgando para a comunidade o percurso de aprendizagem do grupo.
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Jaqueline Rodrigues dos Santos
Língua Estrangeira – 2º ano do Ensino Médio
Projeto "Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU"
Escola: Etesp São Paulo Centro Paula Souza, São Paulo (SP)


Jaqueline partiu de um material em língua inglesa sobre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), disponível no site das Organizações das Nações Unidas (ONU), para ampliar habilidades dos adolescentes e incentivar sua formação como cidadãos conscientes dos problemas contemporâneos. Reconhecendo que os estudantes têm diferentes níveis de proficiência e conhecimento do idioma, ela investiu em um projeto contextualizado que permitiu a todos se desenvolverem de acordo com seus saberes. A professora incentivou a formação de duplas ou trios e sorteou temas (um ODS por grupo) para que preparassem um seminário. O trabalho aconteceu no formato virtual e envolveu estratégias de leitura, construção e revisão de um PPT e organização da parte oral. Jaqueline se reuniu com os grupos separadamente para dar feedback, encaminhar correções e fazer comentários. No processo, as quatro habilidades linguísticas – speaking listening, reading and writing – foram mobilizadas de modo orgânico e coerente para apresentar as atitudes necessárias diante dos desafios do mundo atual.
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João Paulo Pereira de Araújo
Diretor escolar – Ensino Fundamental e Médio
Projeto "Escola fechada, Educação em movimento!"
Escola: EE Doutor Pompílio Guimarães, Leopoldina (MG)


João Paulo foi aluno, professor e, desde 2019, dirige essa escola que atende 160 estudantes da zona rural. Em poucos meses, motivou professores e funcionários, organizou manutenções na estrutura e incentivou a participação na Prova Brasil/Saeb, tanto que a unidade obteve o Ideb pela primeira vez. O direito à aprendizagem é garantido, levando os egressos a seguirem os estudos em instituições de renome, como o Instituto Federal. O fortalecimento do vínculo dos alunos com a escola e a articulação com os pais foram os eixos centrais do projeto realizado durante a pandemia. As visitas de gestores e docentes para entregar materiais impressos nas casas das famílias ajudaram a entender melhor a realidade de cada um. Os professores contaram com acompanhamento e apoio por causa da pouca familiaridade com a tecnologia e prepararam kits para estudo remoto considerando os diferentes percursos de aprendizagem dos alunos. Estratégias de acolhimento permitiram a cada estudante expressar seus sentimentos em um diário e em retalhos de tecido, auxiliando a todos na superação de tempos difíceis.
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Linaldo Luiz de Oliveira
Ciências da Natureza – 9º ano
Um ensaio Biocultural
Escola: EMEF Iraci Rodrigues de Farias Melo, Mogeiro (PB)


Para dinamizar as aulas de Ciências, o professor Linaldo colocou a turma para investigar o conhecimento ecológico dos residentes no município, situado no agreste paraibano. As entrevistas, realizadas de modo remoto com integrantes das famílias, geraram informações sobre as espécies de animais silvestres que eles costumam caçar, seus usos para alimentação e medicamentos e em “causos” do folclore da região. Para promover a divulgação científica das descobertas, os alunos criaram “Pokemons” com base nos animais citados pelos caçadores. Cada um dos seres imaginados, ilustrado por um desenho artístico, recebeu uma ficha técnica com informações ecológicas e bioculturais da espécie que o inspirou. O material foi divulgado pelas redes sociais e integrou um e-book. Para ampliar ainda mais os saberes dos estudantes, o professor convidou um acadêmico de referência da área de zoologia cultural para debater sobre as relações entre as pessoas e a natureza ao seu redor.
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Paulo Roberto Magalhães
Geografia – 6º ano
A escola pulou o muro em vídeos e quadrinhos
Escola: EMEF Duque de Caxias, em São Paulo (SP)


O conhecido geógrafo Milton Santos costumava dizer que “o mundo está nos lugares”. A pandemia impediu o professor Paulo de desenvolver suas aulas públicas na rua e nos espaços urbanos do bairro paulistano do Glicério. Mas nem por isso ele deixou de transportar a cidade para o ambiente virtual. Recorreu a um novo suporte: os quadrinhos digitais, uma forma viva de situar a paisagem urbana e ainda valorizar a identidade dos estudantes. As aulas, acessíveis no Tour Creator (Google), guiaram os alunos por ruas e vielas do bairro por meio de uma plataforma virtual. O viaduto do Chá, as enchentes na região central e os parques urbanos foram alguns dos temas abordados no estudo da paisagem e território urbano. Além de produções que valorizam a linguagem espacial, como croquis, mapas mentais, desenhos em perspectiva e maquetes, os estudantes se envolveram na autoria dos quadrinhos digitais, alguns criados a partir de registros fotográficos das aulas presenciais (antes de março de 2020). Dessa forma, mesmo à distância, continuaram ligados à escola e próximos de sua realidade.
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Rosalina de Lázaro
Educação Física – 2º a 5º ano
Projeto "Projeto brincadeiras de quintal"
Escola: EE José dos Santos, Aspásia (SP)

Um tema comum – os jogos e brincadeiras tradicionais – se desdobrou em um trabalho de educação integral, aliando as dimensões física, intelectual, emocional, social e cultural. A professora, conhecida como Rosinha, acertou na escolha de estratégias, nas formas de participação das crianças e das famílias. Pais, irmãos e avós tiveram oportunidade de ensinar e aprender uns com os outros. Já nas primeiras entrevistas, as pessoas idosas foram valorizadas por suas vivências, histórias de objetos infantis e espaços lúdicos de outros tempos. As gravações estão no blog sobre o projeto, que traz registros de diferentes etapas, desde as propostas presenciais desenvolvidas na escola até vídeos sobre brincadeiras realizadas em casa, produções escritas sobre as preferidas da família, autoavaliações e depoimentos dos alunos. As crianças estiveram sempre no centro do planejamento de Rosinha, que pediu a elas que também buscassem práticas lúdicas de origem indígena e africana, ampliando o repertório de todos que participaram das brincadeiras no quintal.