terça-feira, 31 de maio de 2022

Cecília Meireles (Antologia Poética) = 7 =

ATITUDE

Minha esperança perdeu seu nome...
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.

O último passo do destino
parará sem forma funesta,
e a noite oscilará como um dourado sino
derramando flores de festa.

Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas transparentes.

E um campo de estrelas irá brotando
atrás das lembranças ardentes.
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DESVENTURA

Tu és como o rosto das rosas:
diferente em cada pétala.

Onde estava o teu perfume? Ninguém soube.
Teu lábio sorriu para todos os ventos
e o mundo inteiro ficou feliz.

Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava,
como um segredo que cai do sonho.

Depois, abri as mãos, — e perdeu-se.

Agora, creio que vou morrer.
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EPIGRAMA N. 5

Gosto de gota d'água que se equilibra
na folha rasa, tremendo ao vento.

Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
e ela resiste, no isolamento.

Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
pronto a cair, pronto a ficar — límpido e exato.

E a folha é um pequeno deserto
para a imensidade do ato.
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EPIGRAMA N. 6

Nestas pedras caiu, certa noite, uma lágrima.
O vento que a secou deve estar voando noutros países,
o luar que a estremeceu tem olhos brancos de cegueira,
— esteve sobre ela, mas não viu seu esplendor.

Só, com a morte do tempo, os pensamento que a choraram
verão, junto ao universo, como foram infelizes,
que, uma lágrima foi, naquela noite a vida inteira,
— tudo quanto era dar, — a tudo que era opor.
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EPIGRAMA N. 7

A tua raça de aventura
quis ter a terra, o céu, o mar.

Na minha, há uma delícia obscura
em não querer, em não ganhar...

A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.

A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.
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GRILO

Máquina de ouro a rodar na sombra,
serra de cristal a serrar estrelas...

Caem pedaços de sono, entre os silêncios,
em grandes flores, mornas e dóceis,
com o peso e a cor de vagas borboletas.

Rostos de espuma, nomes de cinza,
— a vida sobe nos caules da noite, pouco a pouco.

Máquina de ouro tremendo no ar de vidro frio,
cortando o broto das palavras rente à boca...

Desmanchando nos dedos arquiteturas que iam parando,
e livros de imagens que o vento compunha, ilógicamente.

Ah! que é dos ramos de estrelas finamente desprendidas,
pela sonora lâmina que estás vibrando sempre, sempre?

Que é das noites extensas, de ares mansos de alegrias,
sem ruas, sem habitantes, sem solidão, sem pensamento?

Que é das mãos esperando o amanhecer definitivo
e caídas também na torrente do tempo?
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LUAR

Face do muro tão plana,
com o sabugueiro florido.

O luar parece que abana
as ramagens na parede.

A noite toda é um zumbido
e um florir de vagalumes.

A boca morre de sede
junto à frescura dos galhos.

Andam nascendo os perfumes
na seda crespa dos cravos.

Brota o sono dos canteiros
como o cristal dos orvalhos.
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PAUSA

Agora é como depois de um enterro.
Deixa-me neste leito, do tamanho do meu corpo,
junto à parede lisa, de onde brota um sono vazio.

A noite desmancha o pobre jogo das variedades.
Pousa a linha do horizonte entre as minhas pestanas,
e mergulha silêncio na última veia da esperança.

Deixa tocar esse grilo invisível
— mercúrio tremendo na palma da sombra —
deixa-o tocar a sua música, suficiente
para cortar todo arabesco da memória...
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VALSA

Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras.
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias fora do mundo...
— Os ares fogem, viram-se as águas,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam.

Fonte:
Cecília Meirelles. Viagem. Lisboa: Império, 1938.

A. A. de Assis (Adélia, a poeta)

Há pessoas que são mais do que pessoas. Sei lá se é bem isso que estou querendo dizer, mas é mais ou menos isso. Há pessoas que são um pouco mais. Há pessoas que são Adélia Prado. Adiante falarei dela. Primeiro preciso falar da televisão.

Sou grato demais ao cara boa-cabeça que inventou a televisão. Tem gente que bota culpa nela pelo destramelamento dos costumes. Pode ser até que em parte sim. De qualquer modo, acho que ela faz mais bem do que mal. Pelo menos para os velhinhos como eu. Vejo nela um telejornal por dia para acompanhar a história do mundo; vejo todo dia a missa das 18h na TV Aparecida; futebol só vejo quando tem jogo da seleção brasileira. Mas o que curto mesmo é ver filmes na Netflix e na Prime e navegar no Youtube.

Faz pouco tempo tirei uma semana para ver/ouvir uma série de entrevistas da poeta Adélia Prado. Coisa gostosa é escutar conversa de gente inteligente e simpática. Adélia é assim. A gente escuta, escuta e não se cansa de escutar, ainda mais com aquele tão bonito sorriso dela.

A querida escritora nasceu e mora mineira há 88 anos em Divinópolis. Sempre igualzinha. Mudam as modas, mudam os modismos, Adélia continua Adélia. Nada muda nela, que bom que não muda. A mesma mulher independente, alegremente religiosa, corajosa, sábia. Só sai de Minas para de vez em quando ir a algum lugar derramar poesia. Sempre de ônibus, porque tem medo de avião. Sempre adelissimamente simples, espontânea, doce.

Última grande poeta brasileira conhecida, lida, ouvida e aplaudida em todo o Brasil. Não dá para falar aqui de toda a sua lindíssima obra. Dá, porém, para recordar alguns dos seus muitos deliciosos versos. Prepare o seu coração. Escute Adélia:

“Eu quero amar feinho. / Amor feinho é bom porque não fica velho”. “A poesia me pega com a sua roda dentada. / Eu corro ela corre mais, / eu grito ela grita mais, / me pega na ponta do pé / e vem até na cabeça”. “Eu ponho o amor no pilão com cinza e grão / e soco. Macero ele”.

“O reino do céu é semelhante / a um homem como você, José”. “Falo em latim pra requintar meu gosto”. “O que a memória ama / fica eterno. Te amo com a memória imperecível”. “Te alinho junto das coisas que falam / uma coisa só: Deus é amor”. “Não sou feia que não possa casar”. “Eu te amo exatamente como amo / o que acontece quando escuto oboé”. “Meu coração vai desdobrando / os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos”. “Deus é mais belo que eu. / E não é jovem. / Isto sim, é consolo”. “Nem me adiantou envelhecer, / partes de mim continuam adolescentes”.

“Minha tristeza não tem pedigree, / já minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô”. “Minha mãe achava estudo / a coisa mais fina do mundo”. “Súbito é bom ter um corpo pra rir / e sacudir a cabeça. / A vida é mais tempo alegre do que triste”. “Bem-aventurado o que pressentiu quando a manhã começou”. “Quem entender a palavra entende Deus, / cujo Filho é o Verbo”, “Janela, palavra linda. / Janela é o bater das asas da borboleta amarela”. 

Há, sim, pessoas que são um pouco mais. Há pessoas que são Adélia Prado.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 19-5-2022)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.


segunda-feira, 30 de maio de 2022

Daniel Maurício (Poética) 31

 

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XLIV

ABRAÇO VAZIO


MOTE:
Quando em meus braços te aperto
numa ternura sem fim,
eu sinto que mesmo perto
tu ficas longe de mim.
Clênio Borges
(Porto Alegre/RS)


GLOSA:
Quando em meus braços te aperto
bate forte o coração
e inteira me desconcerto
com uma enorme emoção!

Terminam os meus cansaços
numa ternura sem fim,
na doçura dos abraços
que em sonhos, tu dás a mim!

Mas sendo meu sonho incerto,
ser feliz eu não consigo,
eu sinto que mesmo perto
tu jamais estás comigo!

Eu sinto angústia, até quando
estamos juntos, enfim...
É que, mesmo me abraçando,
tu ficas longe de mim.
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METADE?

MOTE:
Metade da minha vida
eu passei sozinha, assim,
numa ilusão já perdida
sem você perto de mim.

Dalvina Fagundes Ebling
(Cruz Alta/RS, ?? – 2020)


GLOSA:
Metade da minha vida
pensei em você, meu bem...
N’outra metade vivida,
pensei em você, também!

Pensando, sempre pensando
eu passei, sozinha, assim,
você, de mim, se afastando
aproximou o meu fim!

Minha lágrima caída
formou um lago de dor,
numa ilusão já perdida
afogando o meu amor!

Não sei pra que respirar,
para que viver, enfim?
A vida vai terminar
sem você perto de mim.
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PARA ALGUÉM QUE PARTIU...

MOTE:
Deixando a terra em saudade,
lá no céu vive a bonança
de morar na eternidade
tão viva em nossa lembrança!

Elisabeth Souza Cruz
(Nova Friburgo/RJ)


GLOSA:
Deixando a terra em saudade,
para sempre, tu partiste
e, sem ti, felicidade
aqui, já não mais existe!

Mas a tua alma tão pura,
lá no céu vive a bonança
pois deixaste só ternura
para nós, em tua herança!

Acredito de verdade
que estás feliz, que estás bem,
de morar na eternidade
onde, um dia, irei também!

Só o teu corpo está ausente,
vivemos dessa esperança,
pois continuas presente
tão viva em nossa lembrança!
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LÁGRIMAS...

MOTE:
Lágrimas... triste verdade
de uma ausência permanente,
é o recesso da saudade
que fica dentro da gente.

Fernando Câncio Araújo
(Fortaleza/CE, 1922 – 2013)


GLOSA:
Lágrimas... triste verdade
são as vertentes da dor
onde vemos a maldade
escondendo até o amor!

Sentimos forte presença
de uma ausência permanente,
e nossa esperança e crença
fogem repentinamente!

Enfrento a realidade
no pranto que jorra triste,
é o recesso da saudade,
de um algo que, ainda, existe!

É uma lembrança real,
é o passado, no presente,
é uma marca sem igual
que fica dentro da gente.
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VOCÊ.. NO MEU SONHO!...

MOTE:
Cada vez que tenho um sonho,
formas, luzes, cores, som,
é você que lá eu ponho,
para o sonho ficar bom!

Fernando Vasconcelos
(Diamantina/MG, 1937 – 2010, Ponta Grossa)


GLOSA:
Cada vez que tenho um sonho,
sentindo você comigo,
eu fico feliz, risonho...
esse sonho é o meu amigo!

Me faço, então, diretor:
formas, luzes, cores, som.
Ponho um enredo de amor,
e música de bom tom!

Sonhando, não sou tristonho,
no palco do coração.
é você que lá eu ponho
e vibra minha emoção!

Realizo o meu desejo.
Saber ser feliz é um dom.
Eu lhe dou um grande beijo
para o sonho ficar bom!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XXIV. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Março 2005.

Nilto Maciel (A Grande Ave de Rapina)

Quase morri de espanto e medo, quando vi pela primeira vez a grande ave. Instintivamente deitei-me. Talvez por isso ela não deva ter visto a minha pessoa. Pousou lentamente, recolhendo as asas. Vagou a vista pela plantação e, a passos largos, dirigiu-se ao espantalho. Horrorizei-me: com duas bicadas violentas estraçalhou o boneco.

Parece um gavião, não fosse este tão pequeno. As pernas são de dois metros a mais. O bico figura tesoura de cortar galhos. Quando estende as asas lembra um avião.

Quase todo dia vejo o pássaro gigante. Surge de inopino (de repente), em voo rasante, comete uma rapina e foge. Às vezes pousa no lombo de uma vaca. Espeta as garras na barriga da presa e levanta vôo. No céu aquele gavião imenso e uma rês em gemidos de morte. Os animais menores ele os devora no próprio local da captura. Pousa, dá uma bicada na cabeça da vítima, e, em pouco tempo, não resta mais nada a mastigar.

Impotente, fui à cidade em busca de socorro. Alguns riram de mim. Aguentei calado as zombarias. Afinal, eles são autoridade. São aves de rapina, eu sou bichinho do mato. Disseram não existir ave maior no mundo que a águia. E em nossos ares não voam tais predadores. Sou um mentiroso. Nunca me haviam chamado assim. E, se eu não parasse de aterrorizar o povo com notícias falsas, um calabouço me esperava. Outros vieram em meu socorro: eu certamente me fizera louco. Nada de interrogatório e tortura. Bastava me internarem num manicômio. Com camisa-de-força, choque elétrico e outros tratamentos eu logo esqueceria as aves de rapina. Um senhor muito risonho sugeriu amarrarem-me pés e mãos e conduzirem-me ao campo onde tem aparecido o pássaro. Outro senhor me prometeu uns chifres. Assim eu semelharia um boi. Falaram ainda em espantalho. E gargalhavam: “com duas bicadas o gavião acaba esse espantalho”.

Depois da viagem nunca mais falei da grande ave de rapina. Se encontro um vaqueiro, fujo com medo de conversa. Vaca sumida, vaca comida.

E fico aqui sozinho, dia após dia, tremido de medo, miudinho, olho no gavião, que volta e meia retorna, espeta aqui e bica ali, devorador e insaciável.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

Jaqueline Machado (A escrava branca)

A história de uma certa escrava branca chamada Isaura, que se passava nos primeiros anos do reinado de Dom Pedro II, numa fazenda de café do Rio de Janeiro, foi belamente desenvolvida pelo autor Bernardo Guimarães. E tem muitíssimo a ver com os acontecimentos dos dias atuais.

Isaura era filha da jovem mucama Juliana, com o bondoso feitor de pele branca, Miguel. Juliana era a serviçal favorita da matriarca Ester, dona da casa grande da fazenda. Mesmo assim, Juliana sentia – se incomodada com as insinuantes abordagens do Comendador Almeida, marido da generosa Ester. O patrão, vendo que suas investidas eram em vão, mandou a moça para a senzala. Lá, Juliana foi profundamente castigada, mas mesmo vivendo em meio a um verdadeiro inferno, ela se encanta por Miguel, com quem tem um romance e engravida. Muito maltratada, a jovem morreu após o parto. A matriarca adota a menina, que nasce com a pele alva feito neve, e que se chamaria Isaura. Ela cresce tendo direito à educação e, no futuro, torna-se uma jovem requintada, doce e dona do coração mais íntegro e puro que as pessoas daquela casa conheciam.

Isaura era feliz e sentia-se protegida naquele ambiente. Até que, Leôncio, o filho da matriarca, retorna da Europa, onde vivia. O rapaz, ao conhecê-la, instantaneamente apaixona-se por ela. E logo passa a assediá-la. A moça resiste às investidas. Até mesmo porque o jovem era noivo de uma jovem chamada Malvina. Contudo, a sua protetora vem a adoecer e morre. Com a morte de sua senhora, ela fica sob a proteção do carrasco Leôncio. E seguindo o destino que cada dia assemelhava–se mais com o destino da sua mãe, continua a resistir aos assédios. Com isso, vai para a senzala e lá passa por constantes castigos. Mas seu pai, que não trabalhava mais na fazenda, ressurge e foge com ela para Recife. Lá, Isaura conhece Álvaro, um rapaz rico, abolicionista, e que menospreza a escravidão. Quando sua vida parecia melhorar, Isaura, a convite de Álvaro, vai a uma festa da alta sociedade, onde é descoberta por um ambicioso estudante chamado Martinho, que em troca de alguns benefícios, a denuncia para o seu senhor que a captura. O tempo passa. Leôncio descobre–se falido. E sabe quem compra todos os seus bens, incluindo a própria escrava Isaura? Álvaro.

Desesperado, Leôncio se mata com um tiro na cabeça. E, enfim, a escrava branca é libertada e pode ser feliz sem nada a temer.

Essa famosa história, escrita em linguagem romântica, lançada no século XIX, nos remete a quadros atuais, onde a condição do ser feminino, em muitos lares e áreas de trabalho, ainda sofre com o assédio e com a violência de homens, que ainda insistem em se apropriarem das mulheres da maneira indescritível.

Em pleno 2022, ao abrirmos os jornais, ligar a TV ou acessar a internet, logo nos deparamos com essa triste realidade.  Deve-se lançar um olhar mais carinhoso às escravas Isauras do século XXI. Pois é inadmissível pensar que justamente por não temerem passar por severas punições, tantos homens permaneçam insultando, assediando e até mesmo, matando mulheres.  

Onde a justiça não se cumpre, irremediavelmente a violência entra e se farta!

Fonte:
Texto enviado pela autora.

domingo, 29 de maio de 2022

Varal de Trovas n. 560

 

Moacyr Scliar (Cara de velho, cabeça de velho)

Rugas podem ser decisivas para comprar cigarro no Japão.  Máquinas que vendem cigarros no Japão podem começar  em breve a contar as rugas para verificar se quem está  comprando tem idade suficiente para fumar. A idade legal  para fumantes no Japão é de 20 anos. (19/05/2008)  


Quando ficou sabendo que as máquinas de vender cigarros  seriam equipadas com um dispositivo capaz de avaliar a idade do  comprador pelas rugas do rosto, ele ficou irritado e preocupado.  Irritado porque, apesar de ter apenas treze anos, era um fumante  inveterado, consumindo pelo menos uma carteira por dia, e não  admitia que alguém tentasse impedi-lo de fazer isso. Várias vezes  a mãe, viúva (o pai falecera quando ele era ainda criança), pedira  que o filho deixasse de fumar; sempre respondia com impropérios. “Sou dono do meu nariz”, gritava, “pouco me importa se o  fumo faz mal ou não, eu quero fumar e vou continuar fumando.”  

O problema, portanto, não era a mãe. O problema era a máquina.  Com a mãe podia gritar, a mãe podia ser intimidada; a máquina não. Se a implacável lente mirando seu rosto transmitisse para o computador uma imagem incompatível com o rosto de um adulto, ele  estaria simplesmente ferrado. A máquina era o lugar onde sempre comprava, porque em outros lugares jamais lhe venderiam o produto.

Só havia uma coisa a fazer: arranjar cara de velho (velho,  para ele, era qualquer pessoa com mais de 20 anos). Mas de que  maneira? Menino inteligente, várias possibilidades lhe ocorreram. A primeira: usar, diante da máquina, uma máscara de velho,  dessas que são vendidas em lojas de disfarces. Mas isso seria um  problema. Se, diante da máquina, colocasse a máscara, não faltaria  alguém para denunciar a fraude aos responsáveis, o que seria no  mínimo um aborrecimento.  

Outra possibilidade: maquiagem. Tinha uma vizinha que era  maquiadora profissional, poderia lhe pedir que o transformasse  num ancião, ou pelo menos num adulto capaz de comprar cigarros. Mas isso exigiria que a procurasse periodicamente. A moça  acabaria cansando dessa história. Além disso, a ideia de andar  maquiado pela rua não lhe agradava.  

Só restava uma alternativa: ficar mesmo com cara de velho. Sabia  que rugas aparecem com o tempo, com as preocupações, com o sofrimento. Mas poderia acelerar esse processo, mediante esforço pessoal.  E foi o que fez: todos os dias ficava na frente do espelho, franzindo a  testa, contraindo a face, tudo para produzir rugas. E rugas começaram mesmo a surgir, ou pelo menos assim ele o achava.  Mas ao mesmo tempo uma estranha mudança começou a ocorrer. Ele agora se sentia velho, olhava o mundo com olhos de velho,  e de velho rabugento. Já não podia suportar garotos barulhentos, garotos desaforados, garotos que não respeitavam pessoas de idade.  

A todo instante repreendia seus amigos, para espanto deles - e para  espanto dele próprio. Meu Deus, pensava, não é que as rugas estão  mesmo me envelhecendo?  

Só havia uma solução: parar de fumar. Foi o que fez. As rugas  sumiram. Uma tossezinha seca que o incomodava sumiu. Não briga mais com a mãe. E aguarda com tranquilidade o dia em que se  transformará num velho, enrugado, mas contente consigo próprio.

Fonte:
Moacyr Scliar. Histórias que os jornais não contam. Ed. Agir, 2012.

Lairton Trovão de Andrade (Enxurrada de Poemas) – 6 –

LACRIMOSA

"No meu leito, durante a noite, busquei
aquele que meu coração ama."
(Ct. 3,1)


A tu'alma é triste
Qual funéreo sino,
Que traça o destino,
Soluçando a sorte;
Ao cair da tarde,
Terríveis anseios
Oprimem teus seios
Com odor de morte.

A tu'alma é triste
Como a mãe ferida,
Que já vê perdida
Sua filha amada;
Ao cair da tarde,
Transpassada em dores,
Carente de amores,
Padece calada.

A tu'alma é triste
Tal como o violino,
Que gagueja um hino
Com falhada voz;
Ao cair da tarde,
Só restam escolhos,
Que teus tristes olhos
Avistam a sós.

A tu'alma é triste
Tal como o condor,
Que o vil caçador
Expulsou do ninho;
Ao cair da tarde,
A tu'alma cora,
Consternada chora
Por um só carinho.

A tu'alma é triste
Como o bandolim,
Que chorou por mim
Triste despedida;
Ao cair da tarde,
São os teus cabelos
Do triste salgueiro
Ramagem caída.

A tu'alma é triste
Como o som da gaita,
E com balalaica
Acentuou seu choro;
Ao cair da tarde,
Faça uma oração,
Que os anjos irão
Abençoar-te em coro.
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NO SALÃO
"...Mostra-me o teu rosto!"
(Ct. 2.14)


Neste dia negro
De febril pavor,
Meu desejo único
É te consolar.
Eu preciso muito
Aliviar tua dor
E as feridas d'alma
Com amor curar.

Vai o longo dia,
Vai mui lentamente,
Meu anseio é ver
Meu amor passar.
Um olhar apenas,
Um sorrir somente
Far-me-ão só bem,
Para me acalmar.

Sem estrela alguma
- Noite tenebrosa! -
Barulhenta festa
Naquele salão...
Eu quero o perfume
Da mais bela rosa,
Que podia estar
Entre a multidão.

Entro no recinto.
E, de quando em quando,
Atento palmilho
O extenso salão...
Meus olhos sedentos
Veem cada canto,
Mas, em cada canto,
Só há ilusão.

Não vejo mais nada...
Que posso fazer?!
Naquele local
Há imenso calor.
Eu fico frustrado,
Sem poder te ver,
Só resta-me o lenço
Pra enxugar meu suor.
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SAUDADE DE OUTRORA

"Ó tu, que habitas nos jardins,
faze-me ouvir a tua voz."
(Ct. 8.13)


Com grande saudade,
Relembro-me agora,
Qual sonho tão lindo,
Dos tempos de outrora;
Sonhando eu sabia
Que alguém me esperava,
Feliz e sorrindo...
Então, me acordava.

Ao brilho do Sol,
A aurora sumia;
Alegre eu partia,
Depois do arrebol.

Eu era feliz:
Buscava meu mundo,
Que o mundo retinha,
Bem dentro de si.

E o mundo que eu tinha
No seio do mundo,
O mundo não via
Que glória era a minha.

Ao brilho do Sol,
A aurora sumia;
Alegre eu partia,
Depois do arrebol.

Eu era feliz:
Buscava o amor
- Da alma o perfume,
Que é alma da flor.

Do mundo que eu via,
Tão perto de mim,
Nem mesmo eu sabia
O tudo que eu tinha.

Com grande saudade,
Relembro-me agora,
Qual sonho tão lindo,
Dos tempos de outrora;
Sonhando eu sentia
Que alguém me esperava,
Feliz e sorrindo...
Então, me acordava…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Fonte:
Lairton Trovão de Andrade. Madrigais: poesias românticas. Londrina/PR: Ed. Altha Print, 2005.
Livro enviado pelo autor.

Samuel da Costa (Ópera mundi [de tudo que te é avaro])


''Dê-me tua mão, diz que tem saudade…
Esqueça nosso árduo passado, vaidade
Meu corpo febril, aqueça, junto ao teu
Sem receio, diz que me deseja, sempre.''
Fabiane Braga Lima


            Lenny passa em revista seus equipamentos de trabalho disposto na pequena bancada de trabalho! Dispostas, de forma aleatória, as sofisticadas e importadas máquinas fotográficas, os últimos modelos lançados no mercado mundial, passando por ultrapassadas máquinas analógicas, indo parar em caros celulares e tablets. Mas tem a voz, a orientação do pai: — Filmes, tudo analógicos, nada destas bobagens eletrônicas atuais!

— Madalena! Traga o seu kit! E a tua mochila! — A dona da casa ainda estava olhando profundamente para o que me melhor tem a disposição. Evitou olhar para a assistente de produção como quem admite uma derrota.

— Madame? — Atônita a assistente olha para o chão sem saber o que fazer ou dizer.

— A tua câmera bag infeliz, aquela que te dei de presente não sei quando! — Lenny se vira e joga a chave do carro para a assistente. — Deixa a tua motoneta aqui e vá pegar tudo o que tens em casa, os tripés não precisa vou usar os meus. Vai mulher!

 O grito bem alto, da dona da casa fez estremecer a pequena assistente de produção, que girou nos calcanhares e se dirigiu até a garagem.

Lenny sabia que a assistente tem o que ela precisa naquela hora, a velha tecnologia mecânica, as velhas polaroides, rolleiflexes de uma série de câmaras analógicas difíceis de encontrar no mercado. Colecionadora da velha tecnologia, Madalena é a cara da corrente foto-arte, ela é ligada umbilicalmente de corpo e alma ao movimento do romantismo.

A jovem sonhadora Madalena, não se encaixa mesmo na atual avalanche tecnológica digital. Lenny sabe do amor platônico da assistente por ela, muitas das vezes Lenny pensou em levar a assistente para a cama de fato. Mas Lenny não mistura trabalho com vida pessoal, em definitivos as aventuras de Lenny eram fora de casa e fora da vida profissional.

Lenny olha para o relógio na parede, não demoraria muito para as duas modelos chegarem e fotógrafa vai vestíbulo, vai até as araras separar os figurinos que pretendia usar. A fotógrafa pensa na mãe se um dia visse a filha adorada trabalhando de camareira, a requintada senhora desmaiaria, Lenny sorri para si mesmo, pois nunca esteve tão feliz e realizada. Ela não se sentiu assim nem mesmo quando chutou o ex-namorado, um jornalista bonachão, alto e gordo, um verdadeiro imbecil, um típico membro da classe média interiorano praiana.

A fotógrafa pensa em ligar para a assistente, para apressá-la, mas prefere ir até a varanda e acender um cigarro, os cigarros mentolados de Madalena que cedo ela pegou da balsa da assistente. Lenny não se reconhecia, sempre fora livre é verdade, mas um alguém que sussurra ditames ao seu ouvido, um som quase inaudível. Ela sabia que não é um sentimento de não pertencimento é outra coisa, algo bem mais profundo. E, de repente, vem uma lembrança da infância, não muito distante, uma lembrança adormecida que ressuscitou com a visita inesperada do senhor Otto Blumenthau. Estavam de férias no litoral, a família toda, estavam na orla da praia, que tinha sofrido um engordamento recentemente, no rádio local tinha um locutor histérico que discursava com o engordamento das areias da praia.

O pai de Lenny estava sentado em uma cadeira alugada para turistas, ele estava com o rádio no colo. O velho Otto Blumenthau estava lendo um jornal de circulação nacional e o político tinha um charuto caribenho apagado na boca. No céu azul, as aves marinhas grasnavam no alto, a mãe de Lenny ao lado do pai, ambos bem vestidos com suas roupas de veraneio, o casal abrigado por um guarda-sol. E os irmão de Lenny? A fotógrafa não sabia onde estavam, só ouvia eles que gritavam um para o outro: — A bola! A bola chuta a bola! — Os dois riram alto. Também tinha o vento ameno, o barulho do vento e as ondas que quebravam na orla da praia.

E tinha o abismo gelado, ela caminhou até a beira do abismo álgido, Lenny saiu de perto dos pais e caminhou e caminhou, e veio os gritos da mãe e Lenny voltou os olhos para trás. O pai baixou o jornal, ele estava com o charuto aceso na boca naquela hora e olhou e ergueu o jornal de volta na altura dos olhos. A mãe de Lenny correu até ela e abraçou, a ergueu do chão e voltaram para onde estavam instalados. A mãe de Lenny estava chorando, parou para gritar com a babá e para os seguranças. Depois se voltou para o marido

— Vamos embora, Otto! Chega Otto! Vamos voltar pra casa!!! — Os gritos histéricos da esposa do político chamaram a atenção de todos e todas.

– Cala boca, mulher, é só um sphyrna, e ainda é só um filhote!

— Um o quê?

— Um pequeno tubarão-martelo, um filhote ainda! Eu já vi maiores e mais vorazes lá no congresso! — O pai falou com o charuto na boca enquanto a mulher chorava com a pequena Lenny nos braços. A babá sorria, os seguranças sorriam e o chefe de gabinete de Otto sorriu seco.

De volta ao tempo presente, a fotógrafa tem a fotografia do tal tubarão-martelo em toda a parte. A lembrança do pai dando a máquina fotográfica descartável, que o pai de Lenny tinha comprado de um ambulante na calçada da praia. O pai somente deu a máquina fotográfica como quem dá brinquedo para uma criança. Otto simplesmente deu para a pequena Lenny, sem dizer nada, e lá foi a pequena Lenny tirar uma fotografia do sphyrna na beira mar. E foi assim que Lenny produziu a primeira fotografia, e foi assim que o pai de Lenny, mandou revelar a fotografia e orgulhoso mandou ampliar e emoldurar a fotografia da filha.

O barulho da porta da garagem se abrindo trouxe Lenny para a realidade em que vivia. E a fotógrafa tragou a fumaça do cigarro e foi ver se Madalena cumpriu a tarefa que ela tinha dado ou escutaria uma avalanche de desculpas vagas e tolas.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Como funcionam os jornais (parte 2, final)

O que são os editoriais?


Um jornal publica sua visão sobre fatos atuais, regionais ou nacionais, nos editoriais. O editorial é um texto opinativo não assinado que reflete a posição coletiva da redação do jornal. Editoriais não são notícias, são opiniões baseadas em fatos. Por exemplo, os editoriais podem criticar a atuação de autoridades públicas como o prefeito, o chefe de polícia ou o conselho de alunos local. Por outro lado, podem também elogiar pessoas por suas contribuições. Seja qual for o assunto, jornais esperam que seus editoriais aumentem o nível de discussão na comunidade.

Isto ocorre de duas maneiras que são familiares para o leitor: as cartas ao editor e os artigos de opinião editorial. As cartas estão sempre entre as seções mais lidas de um jornal, pois é onde os leitores expressam suas opiniões. Alguns jornais limitam as cartas a um determinado número de palavras, 150, 250 ou até 300, enquanto outros publicam cartas de qualquer tamanho. Os artigos de opinião editorial normalmente têm de 850 a 1000 palavras. Os jornais têm espaço para cartas ao editor e artigos de opinião editorial, disponíveis como parte de sua contribuição para o diálogo.

O editorial é dirigido por um redator que não trabalha no setor de notícias. Pessoas que trabalham em jornais chamam isso de "separação entre a Igreja e o Estado", o que significa que há uma linha que não deve ser ultrapassada entre notícia e opinião. Se esta linha for ultrapassada, o jornal perde seu bem mais valioso, a credibilidade. Por este motivo, os redatores em alguns grandes jornais são subordinados ao editor, que é o diretor-geral da empresa, e não ao editor-executivo. Em outros jornais ele pode ser. Seja qual for o modelo da organização, nenhum dos dois departamentos pode dizer um ao outro o que publicar no jornal.

Por que os anúncios são importantes para um jornal?
 
O número de páginas é determinado não pelo setor de notícias, mas pela quantidade de anúncios vendidos para aquele dia (além de cadernos especiais devido a grandes eventos ou acontecimentos, como tornados, campeonatos esportivos ou outros acontecimentos importantes). O setor correspondente coloca os anúncios nas páginas antes de serem liberados para o setor de notícias. Como regra, os jornais imprimem um pouco mais de anúncios do que notícias. Os anúncios correspondem a 60% ou mais das páginas semanais, mas na edição de domingo é comum que as notícias tomem mais espaço do que os anúncios. A proporção de anúncios com relação a notícias deve ser alta porque os jornais não conseguem sobreviver sem os ganhos que os anúncios proporcionam. Os editores chamam este espaço deixado de "buraco na notícia". O setor de anúncios e o de notícias não influenciam no conteúdo um do outro.

Três tipos de anúncios dominam os jornais modernos:

1) anúncios de exibição - com fotos e gráficos, estes anúncios podem custar milhares de dólares, dependendo do tamanho. Estes anúncios, normalmente de lojas de departamento, cinemas e outros negócios, podem ser preparados por uma agência de publicidade ou pelo próprio departamento de anúncios. São chamados de carro-chefe e são responsáveis pela maior parte da renda;

2) anúncios classificados - normalmente chamados de classificados, são publicados em caracteres miniatura chamados de ágatas. Estes anúncios são de pessoas que querem comprar ou vender produtos, empresas procurando funcionários ou comerciantes oferecendo serviços. Os classificados têm preço acessível, são populares e eficazes, atingindo milhares de prováveis consumidores;

3) folhetos - o terceiro tipo de anúncio é feito por grandes cadeias de lojas. Estes folhetos coloridos são colocados no meio do jornal para serem distribuídos com a edição de domingo. Os folhetos trazem ganhos menores do que os anúncios carro-chefe. Os jornais cobram para distribuir os folhetos, mas não tem controle sobre seu conteúdo ou qualidade de impressão.

Como é produzido um jornal?


O setor de produção faz o trabalho pesado. Nestes departamentos há especialistas que operam e fazem a manutenção das prensas, fotocompositoras, digitalizadores de imagens e máquinas de impressão fotográfica. Alguns funcionários trabalham no turno diurno, enquanto outros no noturno.

Com início em torno de 1970, os setores de produção de jornal iniciaram um movimento histórico longe da tecnologia de trabalho intenso das máquinas fotocompositoras Linotype e outras "de última geração" usadas em impressão em relevo. Esta foi a mesma técnica usada por Johannes Gutenberg no século XIV: imprimir uma página de papel diretamente em um bloco. A invenção da fotocomposição, baseada em processos fotográficos, acelerou a produção e reduziu os altos custos de despesas gerais da impressão em relevo. Além disso, a fotocomposição funcionava melhor com as novas prensas em offset que estavam começando a ser usadas.

A maioria dos jornais diários mudaram para alguma forma de impressão em offset. Este processo grava a imagem de uma página de jornal em chapas finas de alumínio (páginas com fotos ou letras coloridas precisam de mais chapas). Estas chapas, agora com a imagem positiva revelada a partir do negativo de uma página, vão para outros especialistas para colocação na prensa. Este processo é denominado offset porque as chapas de metal não encostam no papel que entra na máquina. Em vez disso, as chapas transferem a imagem feita com tinta para um rolo de borracha que imprime a página.

Embora as máquinas para impressão de jornais sejam grandes e barulhentas, são delicadas com o papel de imprensa, o papel de que é feito o jornal. Estas máquinas precisam ser delicadas pois o papel de imprensa é caro e deve passar por esses rolos enormes sem serem rasgados. Estas complexas máquinas de três andares, que podem custar mais de US$ 40 milhões, são chamadas de prensas rotativas, pois usam papel contínuo em vez de folhas individuais.

Além de colocar tinta no papel, a prensa também monta as páginas do jornal na sequência correta. Tudo ocorre tão rápido que uma prensa em offset consegue produzir 70 mil cópias por hora na correia transportadora, que por sua vez manda as cópias para o setor de distribuição que já está aguardando.

Como são distribuídos os jornais?

A responsabilidade de levar o jornal da gráfica até o leitor é do setor de distribuição. Jornais grandes publicam dois, três ou até quatro edições, todas devendo estar prontas para deixar a gráfica em um horário determinado. A primeira edição, às vezes chamada de edição "buldogue", vai até os locais mais distantes da área de circulação. Isto pode significar vários municípios ou até mesmo um estado inteiro. As edições posteriores contêm notícias mais frescas e chegam até áreas menores. A edição final, que vai para impressão depois da meia-noite, contêm as notícias mais recentes, mas cobre uma área geográfica menor, normalmente uma cidade.

Qualquer assinante de um jornal diário sabe que ele é jogado em sua porta ainda de madrugada. Empresas terceirizadas chamadas de transportadoras compram os jornais com desconto e fazem a entrega, usando veículos próprios. Quando jornais vespertinos eram comuns, os veículos usados eram bicicletas. O primeiro emprego de muitos jovens americanos era como entregador de jornais pela vizinhança.

O departamento de circulação determina as rotas que os entregadores devem seguir. Este departamento também é responsável pelas vendas em máquinas de moedas. Ele mantém um registro de faturamento dos assinantes, interrompe e inicia as entregas mediante solicitação e usa mensageiros para entregar jornais que possam ter sido esquecidos.

Devido à circulação do jornal, o número de pessoas que o recebem tem grande impacto nos índices de anúncios. A Audit Bureau of Circulations, agência independente de aferição de tiragens, examina e autoriza as quantidades para circulação. Isto assegura ao setor de anúncios e aos anunciantes que a demanda de circulação é válida.

Em 18 horas de trabalho bem coordenado, realizado por vários setores, o que as pessoas que trabalham em jornais chamam de "um rascunho da história" passa por sistemas de computador, máquinas de tratamento de imagens e impressões (que deixariam Gutenberg perplexo) indo até seu destino final, os leitores. Depois das 3h30 da manhã, poucas pessoas ficam na gráfica. Os funcionários de todos os outros setores já foram para casa. As prensas ficam silenciosas, talvez em manutenção pelo restante da noite. O silêncio repentino não dura muito. Em menos de quatro horas, o jornal desperta e começa tudo de novo.

Fonte:
Julia Layton & Bob Wilson "Como funcionam os jornais" 1 de abril de 2000.
HowStuffWorks.com.  27 de maio de 2022

sábado, 28 de maio de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 5

 

Humberto de Campos (A Coberta)

Não há quem não conheça, em todo o Brasil, a fecundidade da mulher cearense. Terra privilegiada e infeliz, em que a natureza, ao mesmo tempo, se destrói e se refaz, o Ceará constitui um caso curiosíssimo pelo modo por que aumenta, no meio das maiores calamidades, a sua população. À semelhança dos dragões fantásticos dos belos contos medievais, cujo sangue, ao cair na terra, se transformava em legiões de guerreiros, cada cearense que tomba de fome ou de sede, rebenta, no ano seguinte, multiplicado por dez. E daí serem frequentes, em todo o Estado, os casais com vinte, trinta, e até quarenta filhos, que se espalham depois pelo mundo, honrando pelo talento, e dignificando pelo trabalho, o glorioso nome do Ceará.

As famílias de prole modesta que vivem no Sul, compreendem dificilmente como pode uma pobre mãe lidar com uma tribo tão numerosa. E, no entanto, nada mais fácil para o cearense. Eu conheci, por exemplo uma senhora daquela procedência, que descobrira um processo originalíssimo de fiscalizar o seu exército de descendentes. Mãe de dezessete filhos, de um a quatorze anos, D. Josefa aproximava-se, à tarde, da mesa de cozinha, e partia, ali, uma ou duas rapaduras. Chamava os filhos e, deixando-os a comer, ia colocar-se ao lado do único pote d’água que havia na casa. Acossada pela sede, originada pela absorção do açúcar, a meninada corria, logo, a beber, enquanto D. Josefa os ia contando:

- Um. .. dois. . . três. . . quatro... cinco.. seis...

E assim por diante, até dezessete. Se havia apenas dezesseis, a bem-aventurada gambá-humana saía a procurar, como o pastor da parábola, a ovelha desgarrada.

D. Ifigênia de Medeiros, outra senhora que a seca de 1918 desterrou do seu Estado natal, possuía, entretanto, um processo mais simples. Casada em 1898, aos treze anos, com um fazendeiro de Itapipoca, teve desse consórcio abençoado, que durou seis anos, nove filhos, sendo quatro meninos e cinco meninas. Contraídas novas núpcias, no mesmo ano da viuvez (1904), com um tabelião de Sobral, forneceu D. Ifigênia ao Ceará, em mais cinco anos de matrimônio e caldos de galinha, sete meninas. Viúva pela segunda vez, casou em 1909 com um agricultor da serra de Uruburetama, a quem deu cinco meninos e cinco meninas, em nove anos. Perdido este terceiro esposo em 1918, recusou a fecundíssima senhora seis ou oito pretendentes que lhe apareceram, preferindo embarcar para o Rio de janeiro, onde se encontra desde aquele ano.

Apresentado a essa virtuosa nortista, que vive, hoje, em relativa abundância, perguntei-lhe, curioso, se ela não se confundia com tanta criança em casa.

- Eu? - atalhou, sorrindo. - Absolutamente!

E explicou-me o seu processo de evitar confusões:

- Eu adotei, para comodidade, o seguinte sistema: os filhos de cada marido usam roupa de uma cor. Os do primeiro, por exemplo, em número de nove, usam roupa de cor cinzenta.

E chamou para dentro:

- Lili? Iaiá? Amélia? Nenê? Totó? Bibi? Alfredo? Almerinda?

Aparecida a primeira parte da tribo, D. Ifigênia continuou:

- Os filhos do meu segundo marido vestem-se de azul.

E chamou:

- Teté? Lulu? Judith? Ester? Virgilina? Margarida? Sebastiana?

A segunda turma apareceu.

- Os do meu terceiro marido trajam amarelo.

E gritou:

- Jequiriçá? Pindoboçú? Coema? Jaci? Lindóia? Ubirajara? Peri? Iracema? Jacaúna? Guaraciaba?

O terceiro turno surgiu.

Evacuada a sala, D. Ifigênia sorriu; acrescentando:

- E ainda tem!

- Ainda tem? - exclamei, espantado.

- Tem, sim!

E entrando para o quarto contíguo, trouxe, nos braços, um pequenito de três meses.

Esse, nascido no Rio de janeiro, vinha embrulhadinho numa coberta de retalhos, em que se misturavam o branco, o azul, o preto, o amarelo, o roxo, o rosa, o pardo, o verde, o encarnado…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Carlos Estevam (Caderno de Trovas)


Dizem que o amor é eterno,
é ave de arribação:
chega com o frio do inverno,
foge com o sol do verão!
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Eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento…
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Meu coração é um cofre
onde minha alma, gemendo,
guarda as mágoas que alguém sofre
e as mágoas que vou sofrendo.
= = = = = = = = = = =

Musa dos olhos brilhantes,
senhora dos versos meus,
não desprezes meus descantes,
que os meus descantes são teus!...
= = = = = = = = = = =

"Nem toda flor tem perfume"
(diz o povo e di-lo bem).
Mas ter amor sem ciúme
é coisa que ninguém tem.
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O mundo inteiro proclama:
que falso o que o mundo diz!...
"É sempre feliz quem ama"...
E há tanta gente infeliz.
= = = = = = = = = = =

Pobre de quem diz: "eu tive
um sonho ardente e murchou"
Mas ai daquele que vive
de um tempo que já passou!...
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Que alguém dissesse, eu queria,
porque é que Nosso Senhor
ao lado de uma alegria
planta sempre um dissabor?
= = = = = = = = = = =

Querem que eu viva sorrindo,
desejo igual tenho eu,
mas não pode viver rindo
quem de rir já se esqueceu...
= = = = = = = = = = =

Teu rosto, lírio moreno
por teus cabelos cercados,
semelha um astro pequeno
num céu de inverno engastado!
= = = = = = = = = = =

Teus olhos meigos e lhanos,
por quem suspiros arranco,
são dois negros africanos,
escravos de um rosto branco.
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Teus olhos, meu bem amado,
são dois lagos de ternura,
são dois cofres onde o fado
colocou minha ventura.
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Um problema me consome
mas não lhe dou solução:
como escreveste teu nome
dentro do meu coração?

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TROVAS ENCADEADAS
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Ando a sonhar uma vida
cheia de coisas risonhas.
E reconheço, querida,
que a mesma vida tu sonhas!

No entanto, lírio adorado,
não sei porque, mas suponho
que o sonho por nós sonhado
não há de passar de um sonho.
= = = = = = = = = = =

Andorinhas das alturas
Que adejais por sobre mim,
de onde vindes tão escuras,
porque sois negras assim?!...

Ai! andorinhas serenas,
vindes, bem sei, donde venho,
pois se tendes negras penas,
penas bem negras eu tenho.
= = = = = = = = = = =

De há muito que anda essa gente
no vil manejo da intriga,
a falar constantemente
desse afeto que nos liga.

Mas se esse amor, grande e santo,
não vai ofender ninguém
que mal faz que eu te ame tanto?...
Que tu me queiras, que tem?
= = = = = = = = = = =

De uma gentil feiticeira
os sapatinhos achei
e neles, por brincadeira,
meu nome escrito deixei.

Desde aí (que maravilha),
toda vez que a noite desce,
em cada estrela que brilha
meu nome, escrito aparece!
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Oh! Noites de lua cheia,
Oh! Noites cheias de lua,
se a vossa luz incendeia,
que os meus descantes destrua.

Eu sinto que morro breve,
pra que deixá-los ficar?!...
Noites brancas, cor de neve,
transformai-os em luar!
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"Quem cega (uma vez, na feira,
dizia, um cego, a cantar),
só vê na própria cegueira
aquilo que o fez cegar".

Se assim é, fica sabendo
meu impossível desejo:
ceguei, os teus olhos vendo,
pois outra coisa não vejo.
= = = = = = = = = = =

Que tens nos olhos a noite,
disseram-me e eu protestei.
E, se há quem provar se afoite,
de novo protestarei!

As provas chovem aos molhos,
a crer ninguém me conduz...
Se tens a noite nos olhos,
de onde é que sai tanta luz?
= = = = = = = = = = =

"Sonhei contigo", disseste,
e eu, com tristeza, te digo:
que grande mal me fizeste
dizendo: sonhei consigo!...

Sim, minha flor, se sonhaste
comigo e vens me contar
é que, decerto, deixaste
de algumas noites sonhar.
= = = = = = = = = = =

Tristezas que em mim se encerram
que com o riso se unificam,
são males que não me aterram,
são mágoas que fortificam!...

E eu amo os meus dissabores,
idolatro o meu tormento,
pois quem causa minhas dores
vale bem meu sofrimento.

Fontes:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.
Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Ed. Minerva,

Contos e Lendas do Paraná - 10 (Jandaia do Sul – Londrina – Matinhos – Missal)


Cidade de Jandaia do Sul

A lenda de Jandaia


Há muitos anos vagava entre os pinheirais uma esbelta menina de olhos da cor de pinhão e seus cabelos esvoaçavam, como fios dourados em espigas de milho. Nunca se soube de onde ela veio, apenas que seu pai era um bravo cacique, que deveria habitar a imensidão da terra roxa, colher frutos silvestres e beber dos mananciais cristalinos.

Mas, ansiosa, aguardava o dia em que haveria de surgir um companheiro, que seria destro na caça e forte na guerra. Já lhe dissera Tupã, quando ela se banhara numa cascata, mirando-se nas águas: “Jandaia haverá de receber, em breve, aquele que te revelará os arcanos do amor, foste talhada para os seus braços e só a ele servirás. Tu o verás presente entre os esplendores do sol e o vigor dos arbustos”.

Em todas as manhãs, muito antes da alva, Jandaia subia no cimo da colina perscrutando os pinheiros frondosos e aguardando o romper do sol, que também viria fixar-lhe o bronze de sua pele. Numa radiosa manhã, quando Jandaia inebriava-se de luz, eis que se aproxima um cervo com uma flecha cravada, tombando a seus pés. Surge, em seguida, um caçador, jovem e forte. Ele se deslumbra, ante aquela princesa selvagem.

Jandaia acaricia o cervo, depois dirige seu olhar para o moço guerreiro e acena-lhe para que se aproxime. Ele deixa o arco e as flechas e acolhe-a nos braços. Em frêmitos a mata regozija-se. Jandaia cinge-o em seus braços; sendo observada pelo sol. Este, enciumado, aquece os lábios rubros de Jandaia, a enfeitiça e seduz, agora mais que em todas as outras manhãs. Enciumado, arrebata-a para si. Ela, então, sente que ama o sol e deve-lhe sua existência.

Tupã, tomado de uma grande ira, vendo que Jandaia pertencia ao sol e não ao guerreiro que enviara, transformou-a numa cidade. Para que todos pisassem sobre ela e cobrissem de asfalto seus braços bronzeados.

O sol, condoído, surge todos os dias, com o mesmo calor de outrora, espargindo-se sobre a cidade e, como se não bastasse, ordena ao Cruzeiro do Sul, à noite, para que a vigie. Por isso, Jandaia recebeu mais um nome. Devendo sempre chamar-se Jandaia do Sul
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Cidade de Londrina
Guairacá

Guairacá, lobo dos campos e das águas, era o cacique corajoso, aquele que defendia os guaranis e a terra com denodo e bravura, desde o baixo Iguaçu até o Paranapanema e do Tibagi ao Paranazão. Era uma região ambicionada notadamente pelos castelhanos, que já haviam dominado os rio da Prata e Paraguai. Os castelhanos sempre quiseram invadir essas terras. Mas sempre enfrentaram os bravos de Guairacá, dos cem mil arcos vencedores.

Um outro guerreiro de grande valor o sucedeu quando de sua morte e comandou os guerreiros no agitado período daquele pedaço do Brasil: Mbiaçá. Numa homenagem póstuma, ele chamou aquela região de Guairacá para que todos se lembrassem daquele que rechaçara as tentativas dos homens estranhos. Foi este fato que, por muitos e muitos anos, frente a toda a sorte de inimigos impediu que a terra e a gente fossem avassaladas pelos estrangeiros, castelhanos e portugueses, que abreviaram seu nome para Guairá, tendo sido cantado em prosa e verso:

“Andava Guairacá mui valeroso,
Astuto, sabio, artero e mui valiente
Compuzo una terrible palizada
De aguas y comidas abastada.

El fuerte fué con mana fabricado
A los lados con muchos torreones,
Estaba a todas partes resguardado
Con sus trincheras, fosas y bastiones.
Sin duda Satanás ha revelado
A Guairacá el modelo y Invenciones.”

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Cidade de Matinhos
O homem de branco


Conta-se que na região de Matinhos existiam muitos índios carijós e que havia muito ouro nas montanhas. Das histórias dos primeiros colonizadores, destaca-se a figura de um “homem de branco” que, à época, começou a fazer contato com os índios e ficou amigo deles. Os índios perceberam que o homem queria o ouro deles e tentaram logo se proteger.

Cada vez que este homem os procurava, eles se afastavam, porque constataram que o ouro estava desaparecendo. Na verdade os brancos queriam a região, o Bairro Tabuleiro, morro do Cabaraquara, onde existem, ainda, muitos sambaquis entre as matas.

Um dia o “homem de branco” começou a ficar doente, com muitas dores. Acredita-se que a causa foi envenenamento, causado pelos próprios indígenas, através de bebidas que foram oferecidas ao homem. Até hoje, alguns moradores do antigo local relatam que o “homem de branco” ainda assombra a região e a quem mora ali.
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Cidade de Missal
Indianer*


Na década de 1960 no oeste do Paraná havia muitas florestas, com muitos animais selvagens e aves de diversas espécies. Devido a tantas riquezas, iniciou-se a venda dessas terras, entre os rios Ocoí e São Vicente. Assim, vieram os pioneiros, cheios de sonhos e ânimo, pressentindo a riqueza que provinha daquele chão.

Onde hoje é a Esquina Gaúcha, antiga Placa, uma das comunidades pertencentes à cidade de Missal, os colonos abriram as primeiras clareiras, construíram as primeiras casas e galpões, transformando a mata em terras para lavoura.

Segundo a lenda, alguém silenciosamente os observava, dia e noite. Com o passar do tempo, a presença e os olhares do observador começaram a ser percebidos. Os pioneiros o tinham como um índio, que com imensa tristeza e dor os observava destruir sua linda floresta, que para ele era sua casa. No alto das árvores, em meio às folhagens, o índio estava por perto e ao perceber que alguém o pressentia, ou estava vindo a seu encontro, sumia misteriosamente. As pessoas, então, comentavam entre si, temerosas:

– Hast du auch der Indianer gesehen?**

Os pioneiros fizeram várias tentativas de descobrirem seu paradeiro; imaginava-se que ele se protegia morando dentro de alguma grande árvore oca de nome “peroba” (atualmente essa árvore é considerada símbolo de Missal). Quando anoitecia, todos ficavam esperando o aparecimento do visitante misterioso.

Os jovens quando iam à casa dos vizinhos, ou a bailes, escutavam ruídos de galhos secos quebrando-se, folhagens mexendo-se e sentiam que “algo” ou “alguém” os acompanhava em tais passeios.

O tempo passou, sem que ninguém nunca descobrisse o misterioso e discreto seguidor, as histórias se espalharam. Os pioneiros, assustados, nunca descobriram quem era e quais suas intenções. Jamais souberam se seria um Indianer. Tão misteriosamente quanto surgiu e tão silenciosamente quanto fora sua companhia foi seu desaparecimento, sem que ninguém realmente o tenha visto.
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* Indianer = Índio
**– Hast du auch der Indianer gesehen? = – Você também viu o índio?

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Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Como funcionam os jornais (parte 1)

Introdução


Os jornais foram a primeira forma de comunicação de banda larga. Muito antes dos computadores, televisão, rádio, telefones e telégrafo, os jornais eram a maneira mais barata e eficiente de atingir as massas populares com notícias, comentários e anúncios. Os jornais, desde o tempo em que eram apenas uma grande folha de papel impressa à mão, têm sido um meio de comunicação de acesso aleatório, pois os leitores podem passar fácil e rapidamente pelas diferentes seções de um jornal, voltando a elas dias ou semanas depois. Além disso, pelo fato de seu "software" possuir uma linguagem comum, ele é universal e eterno. Por exemplo, um jornal publicado antes da Revolução Americana pode ser lido hoje como foi lido em 1775.

Neste artigo, vamos dar uma olhada nos bastidores de um complexo negócio em crescimento, que é a administração de um jornal, usando o The Herald-Sun, de Durham, na Carolina do Norte, como exemplo real. Vamos examinar como as notícias são cobertas e descritas, como chegam ao jornal, como o jornal chega na gráfica e finalmente é distribuído, chegando às bancas e à sua casa. Também daremos uma olhada no jornal como uma empresa e discutiremos como ocorre o equilíbrio entre lucratividade e as funções de prestação de serviço e comunicação na sociedade.

Embora o jornal de 1775 ainda seja legível, existe uma grande diferença entre ele e seu equivalente moderno. Em 1775, o jornal era publicado sob os caprichos de um governo colonial britânico, com pouca tolerância para a livre expressão de ideias, principalmente ideias políticas radicais. A Primeira Emenda à Constituição, parte da Declaração dos Direitos dos Cidadãos Americanos adicionada à Constituição Americana em 1791, proibiu leis que restringissem a liberdade de imprensa. Em uma era de reis e imperadores, isso significou um enorme passo rumo à liberdade individual e uma afronta à autoridade do Estado.

Os princípios e práticas que regem os jornais de hoje (objetividade jornalística, escrita concisa, notícias nacionais e internacionais) surgiram depois da Guerra Civil americana. Esta era a Idade de Ouro dos jornais diários, não somente pelo grande número de jornais então em circulação, mas também pelos lucros que eles geravam, permitindo a magnatas da imprensa como William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer viverem em um patamar suntuoso. Nunca antes os jornais haviam exercido tanta influência na política e na cultura americana. Hearst, cujo império, ou melhor, parte dele, ainda existe até os dias de hoje, era tão poderoso que foi responsabilizado (ou culpado) pela explosão da guerra contra a Espanha em 1898.

O CRESCIMENTO DO TELEJORNALISMO

Com o crescimento do telejornalismo na década de 60, os jornais se confrontaram com seu primeiro grande concorrente. Hoje, a ABC News (em inglês) declara que mais americanos ficam informados através da ABC do que de qualquer outra fonte - e isso é provavelmente verdade. Os 1600 jornais diários americanos continuam servindo milhões de leitores, mas não são mais o meio de comunicação de massa dominante do país. O que mais se questiona nesse inicio de século é como fazer para sobreviver e progredir na indústria do jornal com a cultura atual mais sintonizada nos meios eletrônicos de comunicação que na tinta de impressão.

OS JORNAIS VÃO SAIR DE CIRCULAÇÃO?

Podemos dizer com certeza que os jornais não vão cair no esquecimento, como aconteceu com o Código Morse. Eles são um meio de comunicação portátil e conveniente. Ninguém leva o monitor do computador para a mesa do café da manhã para ler as notícias matinais. Além disso, os jornais têm provado estar dispostos a se renovar para os leitores de hoje, enfatizando bom design, fotos coloridas e histórias detalhadas que relatam ou interpretam acontecimentos atuais.

Pessoas e departamentos diferentes contribuem para um processo que lembra um rio com inúmeros afluentes. Entre eles estão cinco com grande importância para os leitores de um jornal: notícias, editorial, anúncios, produção e distribuição.

O QUE SÃO NOTÍCIAS E COMO FUNCIONAM?

Curiosamente, para uma publicação denominada jornal, ninguém jamais criou uma definição padrão para o que é uma notícia. Mas o termo tem normalmente uma significação ampla: coisas anormais (falhas humanas, falhas mecânicas e desastres naturais são frequentemente "notícia").

Repórteres são os olhos e os ouvidos do jornal. Eles colhem informações de muitas fontes: algumas públicas, como registros na polícia, e outras privadas, como um informante do governo. Às vezes um repórter prefere ser preso do que revelar o nome de uma fonte confidencial. Os jornais orgulhosamente se consideram o Quarto Poder, que expõe o mal comportamento do Legislativo, Executivo e Judiciário.

Alguns repórteres são responsáveis pelos furos de reportagem ou por uma área de cobertura, como tribunais, prefeitura, educação, negócios, medicina e assim por diante. Outros são chamados repórteres gerais, o que significa que ficam de plantão para qualquer tipo de acontecimento, como acidentes, eventos cívicos e histórias interessantes. Dependendo das necessidades de um jornal durante o ciclo diário de notícias, repórteres especializados mudam facilmente do furo de reportagem para notícias gerais (novos repórteres eram chamados de focas, mas o termo não é mais usado).

Nos filmes, os repórteres têm trabalhos emocionantes, agitados e perigosos, vivendo de acordo com a famosa declaração sobre a vida nos jornais: "confortar os aflitos e afligir os confortados". Embora alguns jornalistas já tenham acabado mortos devido a investigações, o trabalho em um jornal é rotina para a grande maioria dos repórteres. Eles são nossos cronistas da vida diária, filtrando a realidade e trazendo um senso de ordem para um mundo desordenado.

Todos os repórteres atendem, em última instância, a um editor. Dependendo de seu tamanho, um jornal pode ter inúmeros editores, começando com um editor-executivo, responsável pelo setor de notícias. Subordinado ao editor-executivo está o editor-geral, que inspeciona o trabalho diário do setor de notícias. Outros editores das áreas de esportes, fotografia, estadual, nacional, coluna e óbitos, por exemplo, também podem ser subordinados ao editor-geral.

No entanto, o editor mais conhecido - e de alguma forma o mais crucial - é o editor-chefe. Os repórteres trabalham diretamente para este editor, que determina histórias, reforça prazos e é o primeiro a ver os rascunhos dos repórteres no sistema de composição ou na rede de computadores. Estes editores são chamados de gatekeepers (guardião/porteiro), pois controlam quase tudo o que deve ou não entrar na próxima edição do jornal. Normalmente trabalhando sob o estresse das notícias de última hora, suas decisões são traduzidas diretamente no conteúdo do jornal.

Uma vez que o editor metropolitano termina de editar o rascunho de um repórter, a história vai do sistema de composição até outra parte do setor de notícias, a mesa de redação, através da rede de computadores. Aqui, os vice-editores verificam a ortografia e outros erros. Eles também procuram nos artigos tudo aquilo que pode confundir o leitor ou deixar perguntas sem respostas. Se necessário, eles podem verificar fatos na biblioteca do jornal, que mantém uma coleção de livros de referência, microfilmes e cópias online de edições antigas.

A chefe da mesa de redação manda as histórias concluídas para outros editores, que ajustam histórias locais, as manchetes (escritas pelo editor, não pelo repórter!) e as fotos digitais nas páginas. Os jornais fazem cada vez mais este trabalho, chamado de paginação, com computadores pessoais, usando programas disponíveis em qualquer loja de artigos para computador. Microsoft Windows, Word e Quark Express são três programas que, apesar de não serem específicos para produção de jornais, são facilmente adaptados para isso. Antes de vermos o que ocorre com as páginas eletrônicas feitas pela mesa de redação, é útil entendermos como outros setores do jornal contribuem com o ciclo de produção.
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Continua…

Fonte:
Julia Layton & Bob Wilson "Como funcionam os jornais" 1 de abril de 2000.
HowStuffWorks.com. 27 de maio de 2022

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 20

 

Lêdo Ivo (A palavra escrita no muro)

Era quase um garrancho, mas o menino a leu, letra por letra.

  E disse:

  – Boa noite.

  A palavra respondeu:

  – Boa noite.

 Diante da delicadeza da resposta, o menino perguntou:

  – Quem é você?

  E ela, rindo com todas as letras do seu corpo, respondeu:

  – Sou uma palavra.

  O menino pensou que ela estivesse presa, já que não podia sair do lugar, e perguntou-lhe:

  – Mas quem pôs você de castigo aí no muro?

  A palavra retrucou:

  – Eu não estou de castigo. Estou livre. Todas as palavras que você lê nos muros da cidade são livres. Nenhuma delas está em cativeiro.

  – Mas você está presa.

  A palavra tornou a desmentir:

  – Eu não estou presa. Num muro uma palavra é livre como um pássaro. Menino, vou dizer-lhe uma coisa para você guardar a vida inteira. Nenhuma palavra vive em cativeiro.

O menino lembrou-se, então, de que em sua casa havia um grande dicionário que tinha nome de gente.

E ponderou:

– Mas, num dicionário, as palavras estão presas.

A palavra (seria uma palavra senhora ou senhorita?) riu, exibindo seus belos e brancos dentes feitos de sílabas, e explicou:

– Mesmo num dicionário as palavras são livres. Um dicionário não é uma prisão. É uma praça onde a gente se reúne.

– Pra quê? – interrogou o menino.

– Para servir aos homens. Todos nós temos uma serventia. Estamos a serviço da vida, do amor. Uma palavra é como um sol. Esquenta as pessoas. Quem sabe palavra não sente frio!

– Mas quem foi que pôs você aí no muro? – quis saber o menino.

– Foi um homem. Foi a mão de um homem.

– Foi de dia ou foi de noite? (O menino era curioso, queria saber tudo.)

A palavra não precisou se lembrar da hora em que fora colocada no muro como se fosse uma criança que a mãe põe no colo. Sabia isso na ponta da língua, pois as palavras também têm uma língua, como gente:

– Foi de noite. Estava muito escuro. Você sabe que a noite é nossa irmã? Muitas vezes, em certos lugares, só de noite é que a gente pode andar.

– Mas as palavras andam?

– Menino, as palavras andam sempre. São como os ciganos. Não podem ficar paradas em lugar nenhum, nem nos livros nem na boca dos homens. Já lhe disse que somos passarinhos. Nascemos para voar.

– Então, como foi que você nasceu?

– Eu não nasci. Eu estava voando. Então pousei na mão de um homem como se fosse um passarinho. Ele não precisou de gaiola para me agarrar. Era um homem que tinha vindo de um comício, o povo tinha gritado muito. Ele estava precisando de uma palavra para dizer o que queria, tudo aquilo que estava dentro do seu coração e não podia manifestar-se porque eu ainda não tinha aparecido. Então eu pousei na mão dele. Esta rua estava escura, quase ninguém passava. O homem olhou para um lado e para o outro, viu que nenhum soldado estava passando, não havia polícia por perto, e pôs-me aqui. Dia e noite as pessoas passam e, mesmo em silêncio, conversam comigo, e levam-me em suas lembranças e nos seus corações. É um pouco difícil de explicar, mas eu sou levada e no entanto fico aqui, sem sair do lugar. Você entende?

– E como é o seu nome, palavra-passarinho? – quis saber o menino.

– Meu nome é LIBERDADE, menino.

– A senhora tem um nome muito bonito!

– Não me chame de senhora, chame-me de você. Eu sou você.

Fonte:
Lêdo Ivo. O menino da noite. Publicado em 1995.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 7

A cruz, qual velho estandarte,
lembra a ausência que se explica,
na solidão de quem parte,
na tristeza de quem fica!!!
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Ao lado da antiga cama,
no olhar triste da parede,
um torno velho reclama
a ausência de tua rede!
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Entre os que não sabem ler,
há cego sem ter razão;
Falta-lhe a luz do saber
mas não a luz da visão!
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Essa criança tão pobre,
tem tanto encanto e magia,
que um anjo, quando a descobre,
vem beijá-la todo dia!
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Esses bens com os quais me iludo,
tudo aos teus pés eu deponho;
não me serve ter de tudo,
se não te tenho em meu sonho!
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Eu, a viola, uma rede,
e ao lado, a candeia acesa,
mostra a sombra na parede
da solidão sobre a mesa!
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Há na primeira centelha
da luz do sol da manhã,
dois lábios de cor vermelha
na boca morna da chã!
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Meu corpo, o tempo derrota;
mói tudo quanto eu transponho...
Mas morre e não muda a rota
da poeira do meu sonho!
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Na ausência do teu ciúme,
morre a angústia e nasce a flor!
e esse enredo se resume
em nova história de amor!
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Não há deserto que impeça
os passos de um beduíno
que, aos poucos, rompe sem pressa,
a poeira do destino!
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No abraço, o amor é tão lindo,
mas no adeus, que desencanto!...
Começa sempre sorrindo,
mas sempre termina em pranto!
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No fogão velho, um mormaço
atiça o fogo apagado,
e aquece as preces que eu faço
sobre as cinzas do passado!
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No rancho, em meio à pobreza,
crianças pedindo pão;
faltava pão sobre a mesa,
sobrava amor pelo chão!
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Nos pratos dessa balança,
há impurezas e impuros;
como se ter confiança
em tribunais tão perjuros?...
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Nossas mãos, guardam segredos,
e esses segredos, tão sós,
são presos aos nossos dedos,
por laços cheios de nós!
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O "adeus" para mim, descreve,
algo, que jamais se alcança!…
Se alguém me diz "até breve",
não diz "adeus" à esperança!
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O sol em seu caminhar,
à tarde, em seus rituais,
apaga as luzes no mar
e acende os faróis do cais!
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Ouço o mar, sem queixa alguma
e, em noites de lua cheia,
seus versos feitos de espuma
bordam poemas na areia!
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Ó, velho mar, teus cantares,
dão-me estranhas sensações,
de ouvir vozes de outros mares
nos meus mares de ilusões!
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Quem sonha e quem crê no amor,
pela espera, o amor alcança;
pois, vivem na mesma flor:
O sonho, a crença e a esperança!
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Se a lágrima, é dor pulsando,
que dói na alma, quando cai,
ela dói muito mais, quando
faz finca pé mas não vai!
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Se em tua cruz há três cravos,
três candelabros de luz,
meus braços são dois escravos
dos cravos de tua cruz!
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Se há desilusões, fracassos,
és culpada desta dor!…
Foste buscar noutros braços
pobres migalhas de amor!
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Se o meu verso não te alcança,
ama os poetas passarinhos,
que o verso deles balança
os poetas que estão nos ninhos!
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Se uma lágrima deságua,
molhando os véus do meu rosto,
é um pingo das gotas d’água
que há nos olhos de um sol posto!
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Sozinho e arrastando a cruz,
sem ter a luz da visão…
O pobre cego, sem luz,
busca a Luz na escuridão!...
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Teus olhos à noite, ao vê-los,
eu tento manter a calma,
como se ouvisse os apelos
da alma da noite, em minha alma!
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Vim te pedir ajoelhado,
mãos postas diante do altar,
perdão por cada pecado
que eu não soube perdoar!
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Vi, nas velhas cicatrizes
do tempo da mocidade...
Meus pés presos às raízes,
e as mãos, às mãos da saudade!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
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