quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 22, final


SOL

Ao Dario Vellozo

Crepúsculo indeciso. As estrelas começam a apagar-se, uma a uma, como lâmpadas que se extinguem. Zéfiro sopra. E num vago sussurro harmonioso, a pouco e pouco, a natureza acorda. Ouvem-se vozes longínquas e dispersas...

Um pássaro:
– Vai despontar a luz.

Outro pássaro:
– Pois que desponte logo.
Tenho ânsias de subir, tenho a cabeça em fogo.
Hoje vou conhecer, pela primeira vez,
A voluptuosidade, a febre, a embriaguez
De voar, de voar, ó sonho que me abrasas!

Outro pássaro:
– Ah que bom de fugir! Que orgulho de ter asas!

Outro pássaro:
– Estou ébrio de amor. O amor é como o vinho.
Que venha logo a luz. Quero fazer meu ninho...

Um galo:
– Dentro desta canção, tão límpida e sonora,
Há matizes de luz e púrpuras d’aurora.

Um corvo:
– Eu sou a podridão e o vento que arrasa;
Sou a fome e a nudez... O sol é a minha casa.

O monte:
– Que solidão sem par, que solidão extrema,
A solidão cruel e áspera de um monte;
Mas quando o sol me toca, é como um diadema,
Aurifulgindo aqui por sobre a minha fronte...

O charco:
– Água esverdeada e suja e pântano sombrio,
Mas quando o sol me doura esta miséria, eu rio.

A floresta:
– Ó delírio brutal! Quando me mordes tu
A carne toda em flor, o seio todo nu,
Com teus beijos de fogo, eu, como a flor do nardo,
Recendo de prazer, e de luxúrias ardo...

Uma árvore:
– Quando ele bate aqui no meio da floresta:
Que sussurro, que ardor, que anseios e que festa!

Uma cigarra:
– Faz tamanho rumor e tamanha algazarra,
Que eu suponho que o sol é como uma cigarra...

Outra árvore:
– E que perfume tem!

Outra árvore:
– E que canções vermelhas!

Outra árvore:
– Nós somos como a flor, ele, como as abelhas!

A terra:
– Quanto me queima o sol, com os seus desejos brutos!

A videira:
– Ó glória de florir e rebentar em frutos!

A palmeira:
– Como gentil eu sou! E o aroma que trescala,
Quando me lambe o sol e o zéfiro me embala!

O orvalho:
– Ao sol eu brilho mais que a pérola d’Ormuz...

O pinheiro:
– Eu sou como uma taça erguida para a luz...

As fontes:
– É um murmúrio sem fim de horizonte a horizonte...
O dia quando nasce é bem como uma fonte...
Através da floresta e desse campo e desse
Vale, há um rumor de luz, como água que corresse...

A abelha:
– Quando sobre o horizonte esse astro heroico assoma:
Que orgulho, que prazer, que vibração cruel,
Pois é de sol e flor, é de luz e aroma,
Que componho esta cera e fabrico este mel!

Um pássaro:
– Ah que alado frescor tem o romper d’aurora!

Outro pássaro:
– É tempo de fugir, é tempo d’ir-me embora...

Outro pássaro:
– É nesse lago azul que hoje quero roçar
As asas...

Outro pássaro:
– E eu é sobre as ondas desse mar...

Um pastor:
– Eu nunca vi o céu de uma beleza assim:
É todo de ouro e rosa e púrpura e carmim...

Outro pastor:
– Dentro daqueles véus ideais do rosicler;
A aurora tem a graça e o ar de uma mulher...

Outro pastor:
– Mas ei-lo que surgiu, em rufos de alvoroço,
Brilhantemente nu, divinamente moço,
Eterno de frescor juvenil e tamanho,
Como se viesse de um maravilhoso banho,
Feito de águas lustrais, e aroma, e ambrosia,
E coragem, e luz, e força, e alegria ...

Uma rosa:
– E que límpido céu! Que espetáculo rubro!

Outra rosa:
– É realmente bela esta manhã de Outubro!

Um beija-flor:
– Eu nunca vi assim manhã tão luminosa...

Outro beija-flor:
– É fina como o lírio e é ardente como a rosa...

Um pastor:
– Quando o sol aparece em ondas, a beleza
E a frescura, que espalha, é de tal natureza,
Tem um olhar tão bom, tão novo, tão jocundo,
Que toda madrugada é o começo do mundo...

A floresta:
– Tu me beijas, ó sol, tão loucamente, espera,
Que eu em pleno fulgor ideal de primavera,
Debaixo desse fogo ardente de teus beijos,
Em delírios de amor e amplexos de desejos,
Arrebentando em flor, completamente louca,
Ofereço-te o seio, ofereço-te a boca!

Um pássaro:
– Aqui, onde eu estou, deste raminho verde,
Quero subir até onde a vista se perde...
Quero aos raios do sol minhas asas bater,
Até cair no chão, bêbado de prazer...

As ovelhas:
– Luz radiosa e pura, ó fonte criadora,
Luz que faz germinar em grãos a espiga loura,
E que veste de verde os campos seminus.
Bendita sejas, flor, bendita sejas, luz!

O poeta:
– Ah! Que sombria dor e que profunda mágoa
De não poder ser eu aquela gota d’água,
Que depois de fulgir, assim como uma estrela,
Derrete-se na luz, funde-se dentro dela!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

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