quinta-feira, 11 de maio de 2023

Doralice Gomes da Rosa (Canteiro de Trovas)


Abrindo as portas da vida,
a juventude é o centro...
E a velhice, intrometida,
vai entrando porta a dentro...
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A lua entrou em recesso
por ciúme e por vaidade
quando as luzes do progresso
deram mais brilho à cidade.
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A noite, sem teus abraços,
minha saudade se agranda...
Parece-me ouvir teus passos
no silêncio da varanda...
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A saudade me fez triste
por uma lembrança antiga...
Diz a ele que me viste,
porém nada mais lhe diga...
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A vida passa depressa,
igual a um rio que corre:
para o que nasce - começa.
Termina - para o que morre.
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Cai a chuva, e com malícia,
num jeito todo atrevido,
vai moldando com perícia
teu corpo sob o vestido.
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Das sobras do teu carinho
fiz os meus versos tristonhos,
embriagada no vinho
da cantina dos meus sonhos.
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Deixei caminhos risonhos,
dos grilhões cortei os laços,
cruzei a ponte dos sonhos
e fui morar em teus braços.
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De que nos vale a riqueza
e uma vida de esplendor,
quando nos falta a grandeza
de um mundo com mais amor.
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Enquanto o rio chora as mágoas
pelas cheias impolutas,
o sarandeio das águas
acarinha as pedras brutas.
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Estas rugas no meu rosto
que o tempo deixou sem ver,
são rabiscos de um sol posto
desenhando o entardecer.
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Este amor que nós vivemos
se eterniza a cada hora.
tanto que nós esquecemos
que existe um mundo lá fora...
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Eu quis falar de ternura,
quis abrir meu coração,
quando vi tanta amargura
nos olhos do meu irmão.
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Me chamastes de caipira?
Não me confunda, índio vago*:
– Sou gaúcha que suspira
pelas belezas do pago!...
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* Índio vago = Denominação dada ao antigo gaúcho, em sentido depreciativo, andarengo, pessoa que viaja muito, que não tem ocupação séria e vive à custa dos outros.
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Minha morada é singela,
com riquezas não me iludo:
há tanto amor dentro dela
e uma paz que me dá tudo.
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Montei meu pingo* e num “upa”
parti, deixando meu povo,
levando em minha garupa
a aurora de um sonho novo.
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Pingo = cavalo, no linguajar gaúcho.
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Murchavam, por falta d’água,
as flores do campo santo...
Desafoguei minhas mágoas
e reguei-as com meu pranto!
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Não quero saber de intriga,
pois cheguei à conclusão:
É melhor viver sem briga,
do que brigar sem razão.
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Na solidão do meu rancho,
nossa rede, que ironia,
ainda presa no gancho,
embala a noite vazia.
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Na vida qualquer riqueza
perde sempre seu valor
quando nos falta a beleza
de um mundo com mais amor.
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No delírio da cachaça,
me sinto dono do mundo:
bebo no bico, na taça,
e até num copo sem fundo...
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No jardim da mocidade
plantei amor, plantei flores,
colhi carinho e amizade
e a rosa dos trovadores.
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No lugar do meu ranchinho,
desprovido de artifício,
o progresso abriu caminho
a um majestoso edifício!...
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No meu peito, ódio não medra,
não há lugar pra revolta,
se alguém jogar-me uma pedra,
recebe flores de volta.
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No picadeiro da vida
sou um palhaço tristonho
chorando a ilusão perdida
desse amor que foi um sonho.
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O sol e a lua se amaram,
às escondidas, ao léu.
Tempos depois despontaram
milhões de estrelas no céu.
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O tempo, em louca voragem,
já varreu tudo o que quis.
Só não levou-me a coragem
de ser bom e ser feliz.
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Pra chegar no meu ranchinho,
não precisa desafio:
basta seguir o caminho
que desemboca no rio.
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Por uma batalha inglória
não despreze a fé cristã.
Terás sempre uma vitória
ao viver outro amanhã.
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Progresso! Onde estão meus campos?
Só vejo asfaltos, imóveis...
Em lugar dos pirilampos
brilham faróis de automóveis.
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Quem cultiva a valentia,
e vive a fazer maldade,
cuidado que a ventania
faz frente à tempestade.
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Quem levar o beijo a sério,
e analisar com carinho:
– Num adulto ele é mistério...
– Na criança dá sapinho...
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Quem visitar meu rincão,
vai ver só que maravilha:
– A gloriosa tradição
desta terra farroupilha.
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Queria ter a existência
passageira de uma flor:
-Morrer na doce inocência.
com todo o seu esplendor!
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Se eu morrer ainda nova,
partirei com alegria:
lá no céu vou fazer trova
pra Deus e a Virgem Maria...
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Se nos causa grande dor,
nesta vida, amar alguém,
é melhor sofrer de amor
que chorar sem ter ninguém.
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Sinto em cada trova escrita.
que a saudade amarelou,
a lembrança mais bonita
que a tua ausência deixou...
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Sonhei, em loucos desejos,
ser um beija-flor colosso,
fechando um colar de beijos
na curva do teu pescoço.
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Teu amor é uma jangada
que aportou, com muito jeito,
e agora vive ancorada
nas amarras do meu peito...
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Teus olhos trazem mensagem
de luz, de amor, de carinho...
São dois fachos de coragem
brilhando no meu caminho.
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Todas manhãs, na ramagem
das madressilvas em flor
escuto a doce mensagem
de um sabiá trovador!
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Todo conselho é pequeno,
se, na canha afoga o tédio.
Chega um, diz que é veneno,
vem outro, diz que é remédio...
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Vejo em tudo encantamento,
vejo no espinho uma flor.
Até no choro do vento
ouço mensagens de amor.
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Fonte:
Enviado pelo editor (Milton S. Souza)
UBT Porto Alegre/RS.Terra e Céu XXVII. Doralice Gomes da Rosa e Conrado da Rosa. (Coleção Terra e Céu). Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2016.

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