sábado, 5 de novembro de 2011

Júlia Lopes de Almeida (Carta)


"Minha querida.

Venho do circo. Lá ao fundo, na noite escura, em uma baixada do morro, há ainda um clarão avermeIhado rompendo o toldo e as paredes de lona suja, onde a rapaziada do bairro assobia ao ritmo da charanga desafinada. As personagens da pantomima esbordoam-se na última cena, fazendo voar as cabeleiras e as longas abas das casacas imundas. O povo ri, mas começa a voltar costas ao espetáculo.

Vêem já umas lanternas de doceiras trôpegas pela encosta, como estrelinhas cansadas. No meio da treva, mal atenuada pelos espaçados lampiões de gás, diviso as linhas ondeantes do morro, de onde escorre o aroma agreste das plantas, que o relento refresca e ativa.

Sinto-me triste; e a placidez da noite silenciosa, acolhe a minh'alma como um seio materno. Nunca a escuridão me pareceu mais doce; posso mostrar ao céu a amargura da minha face, porque só Deus a vê, e deixar que o desalento do meu
espírito se infiltre e transpareça no meu corpo.

Quem há que não tenha tido, ao menos, uma hora dessas, em que toda a força vital parece esgotada e não nos resta nem ao menos a vontade de reagir?

A meu lado uma voz fala, como um rumor continuado de água rolando em pedregulhos baixos. Mal me atrevo a esboçar um gesto com que lhe responda.

Decididamente a tristeza é o agente da preguiça!

A última bexiga da pantomima deve ter rebentado agora nas costas do estalajadeiro, que era velhaco e sonso. Calou-se a charanga, e o clarão rosado do circo sumiu-se de repente na treva. Aumenta a bulha de passos; ouço uma voz dizendo:

— O palhaço é muito engraçado!

Eu por mim achei-o estúpido, repetidor de trapaças antigas, de um rancismo bolorento. Engraxou-se mal, não tocou ao violão e pouco dançou da chula. Mas a razão não estaria do meu lado; a razão nunca está do lado da gente triste.

O palhaço devia ter cumprido a sua missão. Lembrei-me de ter visto torcer-se toda, em um acesso de hilaridade, uma espectadora velha, expondo no auge da expansão o seu único dente descarnado e longo. Outras caras da arquibancada foram surgindo na minha memória.

Olhar para os espectadores é, em certos espetáculos, o melhor espetáculo, e o único pitoresco num circo de roça.

O rosto dos velhos tem, sobretudo uma cândida expressão de deleite, mais demonstrativa de enlevo que os das crianças mesmo. A alegria desabrocha-lhes por entre as gilhas da face e as pálpebras franzidas, com o frescor viçoso de flores em ruínas. Aquela alegria curiosa, que eu invejo causa-me, entretanto uma certapiedade... É a profanação do uso, a abjeção do gosto. Parece-me que aquelas cozinheiras e operárias que pasmam radiantes para as misérias da arena só se deveriam sentir à vontade em um circo de sedas claras, com festões de lâmpadas elétricas e ramos de violetas em cada camarote...

Um equilibrista fecha a primeira parte, sustentando maravilhosamente uma pena na ponta do nariz.

A vaidade do homem devia ser grande naquele indivíduo! Cruzaram-se fardas de belbutina e casacas lutuosas dos ajudantes na arena.

Cerrei as pálpebras, aspirei o aroma de meu lenço e fiz de conta que estava vendo a pompa circensis com que se precediam os jogos no circo de Maxencio... e a ilusão talvez se prolongasse, se uma preta moça e tafula se não lembrasse de roçar pelos meus joelhos, exalando o cheiro de um raminho de arruda espetado na carapinha. Entonteci; e logo tudo me pareceu ignóbil: as desafinações da charanga, as pernas grossas das écuyères mal calçadas o ondear das fitas e das tarlatanas baratas, a repetição das sortes tantas vezes vistas, os assobios do povo, os estalos dos chicotes e das bofetadas, o ruído da mastigação de um vizinho, que enchia a boca de mendobi, o fumo dos cigarros, a deficiência das luzes, e os pregões de um espanhol maltrapilho anunciando biscoitos.

Restabelecido o equilíbrio, notei com surpresa que alguns daqueles saltimbancos tinham logrado prender-me a atenção em uma matinée do S. Pedro. Sim, era a mesma gente, era o mesmo trabalho. Somente a atmosfera através da qual eu os via era outra. Não se comia mendobi, mas pastilhas de chocolate; a sala era clara, limpa, e nos camarotes apinhavam-se crianças lavadas e cheirosas. Nesse dia os artistas tinham trabalhado bem, pareceram-me até pessoas de qualidade, que vinham por excepcional obséquio divertir a gente...

Para penitência relembro uma página de Tolstoi, sinto sobre o meu ombro fraco a sua mão pesada e como que o seu espírito sussurra ao meu:

— A alegria e a verdade estão neste barracão armado à pressa, como uma tenda de campanha, para a cambalhota e as miséria mal disfarçadas. Sedas? Flores? Luzes elétricas! São fantasias para gente de casaca, que não sabe rir. Só a gente rude conserva frescura e sensibilidade de alma. Os únicos velhos que têm riso gostoso são os ignorantes. Vai-te embora.

E eu vim-me embora, pensando nessas coisas quando, eis passa por mim um médico ilustrado a quem ouço dizer:

— Pois senhores, o palhaço tem graça! A opinião dos homens confunde-me. O homem, pelo simples motivo de ser homem, está determinado que tenha de tudo uma visão mais positiva, mais clara e mais perfeita do que a minha. Relembro a cena principal do clown:

Um sujeito de casaca e de chicote dá-lhe a incumbência de levar um embrulho de doces a certa moça...

Procuro fixar o resto: não posso foge-me a idéia para outro assunto.

O céu está estrelado, o ar doce, o aroma das magnólias sai dos jardins e envolve-me toda, como uma túnica invisível, que dá à minha alma uma pureza de Vestal.

Pirilampos salpicam o ar de fulgurantes esmeraldas viajoras. Chego ao alto e volto a vista para o local do circo: tudo em trevas; a noite como que suspira de alívio.

Passa-me ainda uma vez pelo espírito o romance explorado pelos velhos contistas: o riso agudo do palhaço que se rebola na arena e que se transmuda em soluços quando nos intervalos se atira sobre o corpo moribundo do filho; as sovas nas crianças roubadas, nos estudos da acrobacia, e o pudor das écuyères, virgens e recatadas.

Para mim, todo o palhaço tem sempre no bastidor um filho moribundo e todas as crianças sinais de pancada sob os maillots rosados.

E é talvez por isso que este circo de roça, grotesco, e em que as misérias se mostram tanto a nu, não consegue divertir-me nem dissipar-me a tristeza.

À hora em que vou chegando a casa, está o palhaço, e estão os seus companheiros refazendo as forças com o bife e o vinho da ceia, e rindo-se, ainda por cima, porque a féria foi boa.

Entretanto, (oh! Prodígios da imaginação enfeitiçada pelos romancistas!) como que distingo no ar, lá muito perto do céu, o senhor clown enfarinhado e choroso sustentando nos braços um filhinho morto!

E como são horas de dormir, digo-te adeus!"

Tua
Francisca

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte XII


A BORBOLETA AZUL

No alegre sol de então
De uma manhã de amor,
A borboleta solta no fulgor
Da luz, lembrava um leve coração.

Ia e vinha e a voar
Gentil e trêfega, azul,
Sonoramente a percorrer pelo ar,
Como um silfo tenuíssimo e taful.

Sobre os frescos rosais
Pousava débil, sutil,
Doirando tudo de um risonho abril
Feito de beijos e de madrigais.

Que doce embriaguez
O vôo assim seguir
Da borboleta azul, correndo, a vir
Do espaço pela Etérea candidez!

Fazendo, tal e qual,
O mesmo giro assim,
O mesmo vôo límpido, sem fim,
Nos mundos virgens de qualquer ideal.

Ir como ela também
Em busca das loucas
E tropicais e fulgidas manhãs
Cheias de colibris e sol, além...

Ir com ela na luz
De mundos através,
Sem abrolhos nas mãos, cardos nos pés,
Ó alma, minha, que alegria a flux!...

No alegre sol de então
De uma manhã de amor
A borboleta solta no fulgor
Da luz, lembrava um leve coração.

RENASCIMENTO

Canta ao sol, como as cigarras
A tua nova alegria.
No Azul ressoam fanfarra
Da grande vida sadia.

Alerta, um clarim de alerta
Àquela antiga saúde:
-- À clara janela aberta
Para o mar salgado e rude.

Que volte, ruidosa, agora,
Como um pássaro marinho,
A tua saúde, a aurora
Do teu sangue, estranho vinho.

E como espiga madura
Floresce outra vez a vida,
Resplandece à formosura,
Ó torre de ouro florida!

Quero-te em rosas festivas
A polpa das carnes brancas.
E rindo-te às forças vivas
Com rubras risadas francas.

Formosa, soberba e nua,
Nesse olhar que tudo abrange,
Na fronte um diadema, em lua
Num talhe curvo de alfanje;

Vem! o sol é teu amante!
Ah! vem mergulhar nos braços
Do flavo sultão radiante
Do harém azul dos espaços.

ABELHAS


Gotas de luz e perfume,
Leves, tênues, delicadas,
Acesas no doce lume
De purpúreas alvoradas.

Pingos de ouro cristalinos
Alados na esfera, ondeando,
Dispersos por entre os hinos,
Da natureza vibrando.

Sorrisos aéreos, soltos,
Flavas asas radiantes,
Que levam consigo envoltos
Da aurora os sóis fecundantes.

Da aurora que a primavera
Faz cantar, brota no peito
E floresce em folhas de hera
O coração satisfeito.

Essa aurora produtiva
Do amor soberano e eterno,
Que é nas almas força viva
E nas abelhas falerno.

Nas doudejantes abelhas
Que dentre flores volitam
E do sol entre as centelhas
Resplendem, fulgem, palpitam.

Zumbem, fervem nas colméias
E rumorejam no enxame
Pelas flóridas aléias
Onde um prado se derrame.

Assim mesmo pequeninas
E quase invisíveis, quase,
Com as suas asitas finas,
De etérea de fluida gaze.

Ah! quanto são adoráveis
Os favos que elas fabricam!
Com que graças inefáveis
Se geram, se multiplicam.

Nos afãs industriosos
Que enlevo, que encanto vê-las
Com seus corpos luminosos
D'iriante brilho d'estrelas.

E nas ondas murmurosas
Dos peregrinos adejos
Vão dar ao lábio das rosas
O mel doirado dos beijos.

BESOUROS...

Marche, marche, marche a verve!
Bandeiras, clarins, tambores,
Marchar!
A poncheira ideal, que ferve,
Sons, aromas, chamas, cores!
Cantar!

Que este diabo vem, saudoso,
Das profundezas do arcano,
Viver!
O vinho maravilhoso
Da forma raro e renano,
Beber!

Vem beber o vinho iriado,
O Falerno, claro e quente,
Haurir!
Num paladar requintado,
Todo inflamado e fremente
Sentir!

Que o sangue da verve vibre
Raja, raja, raja, raja,
Taful!
E a alma do sol se equilibre
Para que mais sonhos haja
No azul!...

Mas este diabo tão fino,
Que de tudo dá o acorde
Genial!
Este capróide genuíno,
Verde, verde, morde, morde,
Fatal.

PAPOULA

A Oscar Rosas

Assim loura és mais formosa
Do que se fosses trigueira:
Corpo de eflúvios de rosa
Com esbeltez de palmeira.

Vestida de cor da aurora
Leve dos fluidos da graça,
És uma estrela sonora
Que, em sonhos, pelo éter passe.

Resplandece em teu cabelo
Um fulgor de sol dourado,
Que só de senti-lo e vê-lo
Fica tudo iluminado.

Do teu branco leque aberto
Que lembra uma asa de garça,
Aspiro um perfume incerto,
Talvez a tua alma esparsa.

Num resplendor de madona
E altivez de corça arisca
Surges da luz entre a zona
Com quebrantos de odalisca.

Que venha o duque normando
De castelos escoceses
Com seu ar bizarro e brando
Amar-te os olhos ingleses.

E entre aromas e frescores
E revoadas de abelhas,
Como num campo de flores
Que esse olhar vibre centelhas.

Que cantem na tua boca
As alegrias radiadas,
Numa ideal rajada louca
De vôos de passaradas.

Que como os astros no espaço,
Teu encanto resplandeça...
Com pelúcias no regaço
E asas de ave na cabeça.

E que os teus dois seios puros
Que o amor fecundando beija
Fiquem cheios e maduros
Com dois bicos de cereja.

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Sítio do Picapau Amarelo III – A Pescaria


III A pescaria

Afinal acabaram as jabuticabas. Somente nos galhos bem lá do alto é que ainda se via uma ou outra, todas furadinhas de vespa.

Rabicó — rom, rom, rom, — volta e meia aparecia por ali por força do hábito. Ficava imóvel, muito sério, esperando que caíssem cascas; mas, como não caísse coisa nenhuma, desistia e retirava-se, rom, rom, rom...

Narizinho também ainda aparecia de vez em quando de comprida vara na mão e nariz para o ar, na esperança de “pescar” alguma coisa.

— Arre, menina! — gritou lá do rio tia Nastácia, numa dessas vezes. — Não chegou quase um mês inteiro de tloc, tloc? Largue disso e venha me ajudar a estender esta roupa, que é o melhor.

Narizinho jogou a vara em cima do leitão, que fez coim! e foi correndo para o rio, com a Emília de cabeça para baixo no bolso do avental.

Lá teve uma idéia: deixar a boneca pescando enquanto ela ajudava a preta.

— Tia Nastácia, faça um anzolzinho de alfinete para a Emília. A coitada tem tanta vontade de pescar...

— Era só o que faltava! — respondeu a negra, tirando o pito da boca. — Eu, com tanto serviço, a perder tempo com bobagem.

— Faz? — insistiu a menina. — Alfinete, tenho aqui um. Linha, há no alinhavo da minha saia. Vara não falta. Faz?

A negra não teve remédio.

— Como não hei de fazer, demoninho? Faço, sim... Mas se ficar atrasada no serviço, a culpa não é minha.

E fez. Dobrou o alfinete em forma de gancho, amarrou-o na ponta duma linha e descobriu uma vara — uma varinha de dois palmos, imaginem! Narizinho completou a obra, atando a vara ao braço da boneca.

— E isca? — indagou depois.

— Isca é o de menos, menina. Qualquer gafanhotinho serve.

Salta daqui, salta dali, Narizinho conseguiu apanhar um gafanhoto verde. Espetou-o no anzol. Depois arrumou a boneca à beira d’água, muito tensa, com uma pedra ao colo para não cair.

— Agora, Emília, bico calado! Nenhum pio, senão espanta os peixes. Logo que um deles beliscar, zuct!, dê um puxão na linha.

E, deixando-a ali, foi ter com a preta.

— Você me frita para o jantar o peixinho da Emília, Nastácia? Frita?

— Frito, sim! Frito até no dedo!...

— Não caçoe, Nastácia! Emília é uma danada. Ninguém imagina de quanta coisa ela é capaz.

Palavras não eram ditas e — tchíbum!... pescadora de pano revirava dentro d’água, com pedra e tudo.

— Acuda, Nastácia! Emília está se afogando!... — gritou a menina aflita.

De fato. Um peixe engolira a isca e, lutando por safar-se do anzol, arrastara a boneca para o meio do rio.

Tia Nastácia arranjou uma vara de gancho e com muito jeito foi puxando para a beira do córrego a infeliz pescadora, até o ponto onde a menina a pudesse agarrar.

Assim aconteceu. e qual não foi o assombro de Narizinho vendo sair d’água, presa ao anzol de Emília, uma trairinha que rabeava como louca!

A negra pendurou o beiço.

— Credo! Até parece feitiçaria! — resmungou.

Muito contente da aventura, Narizinho disparou para casa com o peixe na mão.

— Vovó — gritou ela ao entrar, — adivinhe quem pescou esta trairinha...

Dona Benta olhou e disse:

— Ora, quem mais! Você, minha filha.

— Errou!

— Tia Nastácia, então.

— Qual Nastácia, nada!...

— Então foi o saci — caçoou Dona Benta.

— Vovó não adivinha! Pois foi a Emília...

— Está bobeando sua avó, minha filha?

— Juro! Palavra de Deus que foi a Emília. Pergunte a tia Nastácia, se quiser.

A preta vinha entrando com a trouxa de roupa lavada à cabeça.

— Não foi mesmo, tia Nastácia? Não foi Emília quem pescou a trairinha?

— Foi, sim, sinhá — respondeu a preta dirigindo-se para dona Benta. — Foi a boneca. Sinhá não imagina que menina reinadeira é essa! Arranjou jeito de botar a boneca pescando na beira do rio e o caso é que o peixe tá aí...

Dona Benta abriu a boca.

— Bem diz o ditado, que quanto mais se vive mais se aprende.

Estou com mais de sessenta anos e todos os dias aprendo coisas novas com esta minha neta do chifre furado...

— Criança de hoje, sinhá, já nasce sabendo. No meu tempo, menina assim desse porte andava no braço da ama, de chupeta na boca. Hoje?... Credo! Nem é bom falar...

E com a menina dançando à sua frente, tia Nastácia lá foi para a cozinha fritar a traíra.
–––––––––
Continua... As formigas ruivas

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

57a. Feira de Livros de Porto Alegre (Programação de 6 de novembro, domingo)


A Arte Levada a Sério
06/11/2011 - 09:00
Projeto Cadeira da Leitura - Oficinas de literatura, música e dramatização para crianças, jovens e adultos

Mostra dos projetos do Instituto Cultural Elias José
06/11/2011 - 09:00
Mostra de atividades realizadas pelo instituto

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
06/11/2011 - 09:30
Oficina

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
06/11/2011 - 09:30
Oficina

O sanduiche da Maricota, de Avelino Guedes
06/11/2011 - 10:30
Contação de Histórias com Valquíria Cardoso

Veja a luz ao seu lado, encontre seu eu e ame quem você é
06/11/2011 - 14:00
O mundo do autoconhecimento e a descoberta do apoio para a própria evolução

Contação de histórias com o Grupo Passarim do Instituto Cultural Elias José
06/11/2011 - 14:00

Contação de Histórias
06/11/2011 - 14:00

A Arte Levada a Sério
06/11/2011 - 14:00
O Cintinho e o Agente Camarada - Secretaria de Trânsito de Cachoeirinha

O Código da Luz
06/11/2011 - 14:00

A Bela Baratinha
06/11/2011 - 14:00

Petipoá
06/11/2011 - 14:00

Vozes do Partenon Literário III
06/11/2011 - 14:00

Como evoluir espiritualmente em um mundo de drogas
06/11/2011 - 14:30
O uso de drogas, socialmente aceitas ou não, e como elas afetam nosso templo corpóreo

Maria Teresa e o javali
06/11/2011 - 15:00

Chirú Velho e Pai-Quati
06/11/2011 - 15:00

A gatinha Fran
06/11/2011 - 15:00

Era uma vez uma Pipoca...
06/11/2011 - 15:00

Contação de histórias
06/11/2011 - 15:30

Zefirelo e seus amigos
06/11/2011 - 15:30
Contação de Histórias com Péricles Augusto de Cenço

Espetáculo Poético do Poesia Inclusiva
06/11/2011 - 15:30

Retratos da Alma Poética
06/11/2011 - 15:30

O aniquilador de egos
06/11/2011 - 15:30

Zefirelo e seus amigos
06/11/2011 - 15:30

Para a mesa e para a cama, uma vez só se chama...
06/11/2011 - 16:00
Contação de trechos do romance "Como água para chocolate", de Laura Esquivel

Brincadeiras de Faz de Conta - Histórias da Tia Teca
06/11/2011 - 16:00

Línguas que botam a boca no mundo: reflexões sobre teorias e práticas de línguas
06/11/2011 - 16:00

Só o mar é azul
06/11/2011 - 16:30

O Peixinho Vermelho - Inter
06/11/2011 - 16:30

Livros da mesa de cabeceira
06/11/2011 - 17:00
Psicanalistas e poetas analisam leituras e como a vida que vivemos está marcada pelos livros que lemos

Cadu procura no Rio Grande do Sul
06/11/2011 - 17:00
Contação de Histórias seguida de sessão de autógrafos

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
06/11/2011 - 17:00

Mesa-redonda - Tema: A narração oral na biblioteca pública

As aventuras de Joãozinho
06/11/2011 - 17:00

Férias no Sítio - Histórias da Tia Teca
06/11/2011 - 17:00

Meu Nome é Jorge
06/11/2011 - 17:30

Vamos fazer arte com o azul anil
06/11/2011 - 17:30

O processo de alfabetização: teoria e prática
06/11/2011 - 17:30

Retrato de Família
06/11/2011 - 17:30

Meu cão e eu - Uma fidelidade recíproca
06/11/2011 - 17:30

Inquietações da Madrugada - vol.1 e vol.2
06/11/2011 - 17:30

Poesia volátil - amor e versos em expansão
06/11/2011 - 17:30

Postigos
06/11/2011 - 17:30

Farrapos & Sabinos
06/11/2011 - 17:30

Minha vida, meus sabores
06/11/2011 - 18:00
Bate-papo com autora sobre a maneira original de tratar sua paixão pela culinária, associando sabores e aromas a momentos de sua vida

Santa Sede - Crônicas de Botequim - Safra 2011
06/11/2011 - 18:00

Medusa/Perseu
06/11/2011 - 18:00

Vênus/Cupido
06/11/2011 - 18:00

Uakti/Uiara
06/11/2011 - 18:00

Arte às 18:30
06/11/2011 - 18:30

Encontro com autor
06/11/2011 - 18:30

Larica Total
06/11/2011 - 18:30

O grito e outras vozes - retratos de arrabalde
06/11/2011 - 18:30

Umas e outras
06/11/2011 - 18:30

Sombra e Luz
06/11/2011 - 18:30

Los Pacientes de Ana
06/11/2011 - 18:30

As Aventuras de Zanza:Em Esporte para que?
06/11/2011 - 18:30

Cine Santander Cultural
06/11/2011 - 19:00
Sessão Comentada

Bate-papo com autor
06/11/2011 - 19:00

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
06/11/2011 - 19:30
Sessão de Histórias

Poesias Escolhidas
06/11/2011 - 19:30

Justiça restaurativa na escola: Perspectiva pacificadora?
06/11/2011 - 19:30

Antologia de Crônicas Mãos à Obra Literária
06/11/2011 - 20:00

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 385)


Uma Trova Nacional

Se eu for a todos dizer
o que está no coração,
num livro não vai caber
toda a minha gratidão.
–CIDINHA FRIGERI/PR–

Uma Trova Potiguar

Quando a noite me apavora,
entre as sombras, não me esqueço
que o luzir da nova aurora
traz consigo um recomeço.
–HÉLIO ALEXANDRE/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - M/H

Minha infância – que linguagem!
Se no céu relampejava,
eu sentia, nessa imagem,
que Deus me fotografava!
–ROZA DE OLIVEIRA/PR–

Uma Trova de Ademar

O dia quando se encerra,
ao pedir ao sol que ele entre,
causa a impressão de que a terra
abriga o “Astro-Rei” no ventre.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Felicidade é um momento
que dura uma eternidade.
Se durar mais de um momento,
já não é felicidade.
–CLEÓMENES CAMPOS/SE–

Simplesmente Poesia

O Trovadoresco
–PAULO DE TARSO/CE–

Recebi Trovadoresco
Com uma imensa alegria
Não foi cheque do Bradesco
Um caderno de poesia.

Ademar um devotado
Que trabalha pra valer
Homem muito organizado
Dono de grande saber.

Do Rio Grande do Norte
Manda pra todo Brasil
Um importante suporte
De verso muito sutil.

E continue mandando
Que eu gosto de receber
Pra outros vou enviando
Esse importante saber.

Sou poeta de Tauá
Nascido na Confiança
Meu Estado é o Ceará
Estado da esperança.

Assino Paulo de Tarso
Caboclo lá do sertão
Sinto dor no metatarso
Perdi um dedo da mão.

Mas estou sempre disposto
Para fazer poesia
E não conheço desgosto
Só vivo com alegria.

Estrofe do Dia

Quem falava da lua cor de prata
clareando uma casa de fazenda
e do sereno que cai e molha a renda
que protege o painel verde da mata,
do matuto batendo em uma lata
imitando Luís, rei do baião,
e do pretume da sombra do oitão
invadindo uma banda do terreiro
- Se não fosse o poeta violeiro
quem cantava as belezas do sertão?
–PEDRO ERNESTO/CE–

Soneto do Dia


Patativa... Paixão e Vida
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Nasceu Patativa... Poeta emoção!
Santana, seu chão... Assaré, sua vida!
Sorbone o estudou e curvou-se vencida...
Fenômeno e luz que brilhou no sertão!

Poeta maior, de uma vida sofrida,
compôs os seus versos com inspiração.
Nasceu e cumpriu sacrossanta missão,
vive em Assaré... Após "Triste Partida"!

Os versos que fez e que são imortais,
seu povo e Assaré... Não esquecem jamais:
São seus sentimentos de amor/fantasia!...

Meu mestre maior, viverá entre nós.
Em mim permanece com trêmula voz
a sua sublime e divina poesia!...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

57a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 5 de novembro, sábado)


Contos Cantados com Valquíria Cardoso
05/11/2011 - 09:00

A Arte Levada a Sério
05/11/2011 - 09:00

Projeto Cadeira da Leitura - Oficinas de literatura, música e dramatização para crianças, jovens e adultos

Mostra dos projetos do Instituto Cultural Elias José
05/11/2011 - 09:00
Mostra de atividades realizadas pelo instituto

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
05/11/2011 - 09:30
Oficina

O sonho de Angelina
05/11/2011 - 10:30
Contação de Histórias

Moda, literatura e memória
05/11/2011 - 14:00
Ler a roupa, a partir de clássicos da literatura, como objeto carregado de memórias e identidade em seu papel decisivo nas narrativas

Oficina: Contando histórias para crianças hospitalizadas
05/11/2011 - 14:00

Oficina de contação de histórias em hospitais para crianças e adolescentes. Módulo 2/3
Princesa Violeta
05/11/2011 - 14:00
Contação de Histórias

Contação de Histórias da Escola Infantil Arco-Iris, orientada pela pedagogia Waldorf
05/11/2011 - 14:00

Seminário Adaptações de textos clássicos: Convite para novas leituras? Como usar as adaptações nas escolas e nas bibliotecas?
05/11/2011 - 14:00
Mesa-redonda

Sessão de Autógrafos da Revista GeraPaz - Movimento pelos Direitos da Criança e do Adolescente
05/11/2011 - 14:00

Apresentação musical
05/11/2011 - 14:00

A Arte Levada a Sério
05/11/2011 - 14:00
Apresentação dos alunos da Escola de Educação Infantil Descobrindo o Saber

Voo Independente 10
05/11/2011 - 14:00

Experiências da Educação Popular
05/11/2011 - 14:30

Tenda.doc: Histórias do Sul : Um Pobre homem e Melancia e Côco Verde, Volta Gervasio
05/11/2011 - 14:30

Adaptação de contos de escritores gaúchos como Dyonélio Machado, João Simões Lopes Neto e Luís Fernando Verissimo

Uma aventura na fazenda
05/11/2011 - 14:30

Políticas de inclusão: gerenciando riscos e governando as diferenças
05/11/2011 - 14:30

Transversos
05/11/2011 - 14:30

Kuan Yin
05/11/2011 - 14:30

Jardim de Ísis
05/11/2011 - 14:30

Recado aos mergulhões
05/11/2011 - 14:30

Ciranda de Amores
05/11/2011 - 14:30

Literatura francesa do século XIX para jovens do século XXI
05/11/2011 - 15:00
A tradução de textos do século XIX visando a atração dos jovens do século XXI. Leitura de fragmentos dos contos de Guy de Maupassant

Maria Teresa e o javali
05/11/2011 - 15:00

Lua Luana//Palavras Mágicas//A história do gato azul
05/11/2011 - 15:00

Envelhecer com sabedoria
05/11/2011 - 15:30

Bate-papo com a autora do livro sobre envelhecer, arteterapia, sabedoria e psicologia analítica
Contação de Histórias
05/11/2011 - 15:30

Contação de histórias
05/11/2011 - 15:30

Oficina de origami
05/11/2011 - 15:30

A Arte Levada a Sério
05/11/2011 - 15:30

Apresentação musical do grupo Tudo Vira Bossa

Céu - Trilogia das Fronteiras
05/11/2011 - 15:30

Aprendendo palavras através da leitura
05/11/2011 - 15:30

Da teoria à prática: gêneros discursivos & práticas escolares de leitura e escrita
05/11/2011 - 15:30

Pesquisa, Políticas e Formação de Professores
05/11/2011 - 15:30

Os Sonhos de Vandinho
05/11/2011 - 15:30

Hades volume I terra - inversa
05/11/2011 - 15:30

O grande pajé
05/11/2011 - 15:30

Novíssimos contistas
05/11/2011 - 16:00
Um diálogo entre gerações distintas e estilos diferentes com um ponto em comum: a paixão pela história curta

Oficina: O narrador no cinema
05/11/2011 - 16:00
Abordagem sobre a narrativa cinematográfica. Módulo 3/3

Oficina: O voo da gaivota
05/11/2011 - 16:00
A crônica, da busca do assunto à aventura fonológica, passando pela discussão do gênero e o exemplo dos grandes mestres. Módulo 2/2

O que faltava ao peixe
05/11/2011 - 16:00
Autora lança livro em uma conversa descontraída entre escritores

Bate-papo com autor seguido de sessão de autógrafos
05/11/2011 - 16:00

Animais se Divertem
05/11/2011 - 16:00

Monstrotaro
05/11/2011 - 16:00

Simplesmente Mulher
05/11/2011 - 16:00

Mundo pra que te quero
05/11/2011 - 16:00

Disse me disse
05/11/2011 - 16:00

A pedra do Conhecimento
05/11/2011 - 16:00

Sonhos e sua interpretação
05/11/2011 - 16:30
Homenagem ao centenário de publicação de "O manejo da interpretação dos sonhos em psicanálise" de Sigmund Freud

Rosário do Sul - Villa, Cidade e Município
05/11/2011 - 16:30

O Borralho
05/11/2011 - 16:30

Poesia na Praça
05/11/2011 - 16:30

Alice para sempre
05/11/2011 - 16:30

Obra inacabada
05/11/2011 - 16:30

O caminho da asa da borboleta
05/11/2011 - 17:00
A poesia e o nascimento das palavras

A viagem dos bichos
05/11/2011 - 17:00
Contação de histórias com Rosane Castro

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
05/11/2011 - 17:00
Mesa-redonda - Tema: A narração oral na biblioteca comunitária

Sessão de Autógrafos
05/11/2011 - 17:00

Sol e as ovelhas
05/11/2011 - 17:00

Contação de Histórias
Libras e o mundo escolar - Bate-papo com pais, educadores e outros mediadores de leitura sobre a questão dos deficientes auditivos
05/11/2011 - 17:00

Abra a boca e feche os olhos
05/11/2011 - 17:00

A Arte Levada a Sério
05/11/2011 - 17:00

A Viagem dos Bichos
05/11/2011 - 17:00

A poética do conto: de Poe a Borges, um passeio pelo gênero
05/11/2011 - 17:30
A história crítica do conto moderno, a partir de Nathanael Hawthorne, Edgar Alan Poe, Julio Cortázar e Jorge Luis Borges

Milongueiro
05/11/2011 - 17:30

Noitadas - Crônicas, Devaneios e Reflexões
05/11/2011 - 17:30

Histórias do Dr.Asdrúbal 2º Volume
05/11/2011 - 17:30

O que faltava ao peixe
05/11/2011 - 17:30

Oficina: O trânsito criativo entre os gêneros
05/11/2011 - 18:00
Um trânsito entre as formas de criação e gêneros. Módulo 2/2

Prosa (di)versos
05/11/2011 - 18:00
Contos, poemas e quadrinhas

Contos da coleção Contador de Histórias de Bolso, de Ilan Brenman
05/11/2011 - 18:00
Contação de Histórias com Valquíria Cardoso

Terceira Antologia
05/11/2011 - 18:00

Ofícios antigos de Porto Alegre
05/11/2011 - 18:30

Lançamento do livro

Arte às 18:30
05/11/2011 - 18:30

A Arte Levada a Sério
05/11/2011 - 18:30

Em Algum Lugar no Paraíso
05/11/2011 - 18:30

Raízes de Gravataí
05/11/2011 - 18:30

Domingo pra sempre e outras histórias sobre nunca mais
05/11/2011 - 18:30

A Pedra do Dr.Getúlio
05/11/2011 - 18:30

Os Filhos da Mãe
05/11/2011 - 18:30

O Caso do Buraco
05/11/2011 - 18:30

Há Prendisajens com o Xão
05/11/2011 - 18:30

Literatura e liberdade através dos tempos
05/11/2011 - 19:00
Análise a respeito de como a liberdade - um dos principais motivos da literatura - foi sendo tratada por contistas brasileiros do século XIX aos dias atuais

Oficina: Entenda o livro digital e seu mercado
05/11/2011 - 19:00
Oficina sobre o mercado do livro digital, a partir da experiência da produção de e-books. Oficina em módulo único

Cine Santander Cultural
05/11/2011 - 19:00

Sessão Comentada

Seminário Adaptações de textos clássicos: Convite para novas leituras? Como usar as adaptações nas escolas e nas bibliotecas?
05/11/2011 - 19:00
Mesa-Redonda

4º Seminário A Arte de Contar Histórias: O território mágico da Biblioteca
05/11/2011 - 19:30
Sessão de Histórias

Poemas Famintos
05/11/2011 - 19:30

Fim das coisas velhas
05/11/2011 - 19:30

Ciranda Negra
05/11/2011 - 19:30

Menina e o Mendigo
05/11/2011 - 19:30

A poética do conto: de Poe a Borges, um passeio pelo gênero
05/11/2011 - 19:30

Borralheiro
05/11/2011 - 19:30

Tecendo raízes, restinga seca e personalidades que construíram sua história
05/11/2011 - 19:30

Armazém de Idéias III Tecendo uma Rede de Saberes na Pluralidade de Conhecimentos
05/11/2011 - 20:00

Sarau Elétrico
05/11/2011 - 20:00

Domingos sem Deus
05/11/2011 - 20:30

Póstero
05/11/2011 - 20:30

Enquanto Água
05/11/2011 - 20:30

Liberdade até agora
05/11/2011 - 20:30

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Trova 207 - Francisco J. Pessoa (CE)

A. A. de Assis (Lançamento da Revista Virtual Trovia n. 143 - novembro de 2011)






Carolina Ramos e
Maria Nascimento

Olga Agulhon,
Jeanette De Cnop e
Eliana Palma




Inesquecíveis

Meus versos são dos piores;
não sou poeta distinto...
Mas talvez fossem melhores,
se os lessem como eu os sinto.
Antonio Aleixo

No portão os namorados
são como barcos no cais:
pelos beijos amarrados,
querem ir e ficam mais.
Cleonice Rainho

Dei-te amor sem falsidade,
uma floresta de amor.
E tu, só por crueldade,
te fizeste lenhador.
Lilinha Fernandes

Tudo a juntar-nos: o amor,
o gênio igual, a constância,
até mesmo a própria dor. . .
- Só nos separa a distância.
Luiz Otávio – RJ

Não pisco os olhos ao vê-la
para não correr o risco
de, por momentos, perdê-la,
a cada instante em que pisco.
Orlando Brito

Quem parte devagarinho,
mas vai de rumo traçado,
ao começar seu caminho,
tem meio caminho andado.
Waldir Neves – RJ

Se você fez uma trova, / já fez seu diário bem. /
E’ uma forma sempre nova / de dar alegria a alguém.

Brincantes

Pego no flagra, fugia,
quando o cachorro o mordeu...
– Como é que se implantaria
o que o danado comeu?!...
Darly O. Barros – SP

Fio dental, na verdade,
com seu cercado pequeno,
delimita a propriedade,
mas não esconde o terreno!
Edmar Japiassú Maia – RJ

Nessa roupa provocante,
chamando a atenção do povo,
você fica semelhante
àquela tal... que põe ovo!
Eliana Palma – PR

Com “fome zero”... zerado,
a fome em mim fez um poço,
que o intestino delgado
tá quase engolindo o grosso...
Francisco Macedo – RN

Namorar sem beliscar,
querida, isso eu não faço...
Conforme seja o lugar,
é melhor do que um abraço.
Haroldo Lira – CE

O forró, diz meu amigo,
me esbraseia e deixa quente:
o esfrega-esfrega de umbigo
é um perfeito “antecedente”.
Héron Patrício – SP

Companheiro, estenda a mão,
que nem um bom cavalheiro,
ao colega, amigo, irmão...
porém lave a mão primeiro!
Osvaldo Reis – PR

Tentando aparentar trinta,
o cinquentão se “ferrou”.
Comprou um estoque de tinta,
mas... o cabelo acabou.
Wandira F. Queiroz – PR

Líricas e filosóficas

Benditos, no mundo inteiro,
os que ao plantio procedem.
– São filhos do Jardineiro
que o verde implantou no Éden.
A. A. de Assis – PR

Perdão... palavra bonita
que até nos causa emoção,
se realmente for dita
pela voz do coração!
Ademar Macedo – RN

Entre as escolhas que fiz,
eu sofri e sei por quê;
uma só me fez feliz:
foi essa de amar você!
Almir Pinto Azevedo – RJ

Meu estro virou espuma
nas bravas ondas do mar...
Não faço mais trova alguma
até meu amor voltar!
Amilton Maciel – SP

No clarão da velha chama
de ritmos e de valores,
curitibano conclama:
– Rimai por nós, trovadores!
Andréa Motta – PR

Nesta vida, meus amores
são flores do alvorecer,
mas, se murcharem as flores,
de solidão vou morrer.
Ari Santos de Campos – SC

A praia é sempre pisada,
mas nos dá grande lição,
pois, mesmo sendo humilhada,
massageia o coração.
Arlene Lima – PR

Partiste... eu sonho... tu sonhas
e nós seguimos mentindo:
nós somos dois sem-vergonhas
que vivem se despedindo.
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Os beijos são evidências
que a vida teima em mostrar.
São também as reticências
de um amor por despertar.
Carmem Pio – RS

Devotamento é virtude
de todo bom professor,
que conquista a juventude
usando as armas do amor!
Delcy Canalles – RS

Saudade – eterna pontada
que a gente sente e não diz;
uma lembrança apagada
do tempo em que foi feliz!
Diamantino Ferreira – RJ

Eu sou, na “Terceira Idade”,
quatro estações do meu jeito:
no corpo a precariedade,
mas primavera no peito!
Divenei Boseli – SP

Ao buscar uma esperança,
a verdade se conclui:
– Só quando a cultura avança
é que a pobreza reflui.
Eduardo A. O. Toledo – MG

Uma vida sem amor
é qual comida sem sal:
em ambas falta sabor,
por ausente o principal.
Eliana Jimenez – SC

É tão forte a intensidade
das loucuras da paixão,
que no amor a insanidade
é o que eu chamo de razão!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Olho a tapera habitada
e em minha fé me concentro:
– Feita de restos de “nada”!...
e quanta paz tem por dentro!!!
Ercy Marques de Faria – SP

Minha casa é meu cantinho,
onde tudo é natural;
no beiral fizeram ninho
as aves do meu quintal.
Evandro Sarmento – RJ

No coração de quem ama
transborda felicidade,
mas, quem perdeu essa chama
vive a chorar de saudade.
Gasparini Filho – SP

Felicidade não cabe
no coração de quem diz
que é feliz, porque não sabe
o quanto é que é ser feliz!
Francisco Pessoa – CE

Ainda guardo lembranças
de coisas não permitidas:
pedacinhos de esperanças,
restinhos de nossas vidas.
Francisco Garcia – RN

Nos lençóis brancos, macios,
de nossa cama deserta,
o tempo desmancha os fios
da minha pobre coberta.
Gislaine Canales – SC

Se a liberdade gozamos,
em nosso amor sem dilemas,
é que os anéis que trocamos
não foram jamais algemas!
Hermoclydes S. Franco – RJ

Lembra a lágrima um gemido
de ternura e redenção,
que não chega ao nosso ouvido,
mas comove o coração.
Humberto Del Maestro – ES

Se me dessem o direito
de um só pedido fazer,
pediria, então, sem jeito:
ser criança até morrer!
Istela Marina – PR

Se sofres, poeta, canta,
que essa cantiga, aonde for,
consola, embala, acalanta
quem vive pobre de amor!
Jeanette De Cnop – PR

Ao conforto acorrentado,
quem se prende corta acesso
ao caminho acidentado
que levaria ao sucesso!
J. B. Xavier – SP

A ninguém eu não oculto
isto que acho desatino:
quando durmo, sou adulto;
quando acordo, sou menino...
José Fabiano – MG

Fiz de você minha musa,
minha vida e coração,
meu pijama, minha blusa,
a tábua de salvação.
José Feldman – PR

O bom pintor, quando pinta,
para dar vida à aquarela,
põe mais amor do que tinha
no sentimento da tela!
José Lucas de Barros – RN

Teu olhar, tímido e arisco,
quando embebido em luar,
revela audácias de um risco
que nem me arrisco a explorar!
José Ouverney – SP

Renúncia, pra São Francisco,
foi total libertação:
ter posses é sempre um risco
para a alma em ascensão.
Lóla Prata – SP

A língua é feita pelos que ousam fazê-la. Ouse você também.

Se não me dás teu carinho,
se não me queres amar,
sou barco triste e sozinho,
que já não quer navegar.
Luiz Carlos Abritta – MG

Só, eu vivo bem comigo,
pois sou boa companhia;
nem preciso de um amigo
para sentir harmonia.
Lygia Lopes dos Santos – PR

Sem o meu consentimento,
tua imagem atrevida
invade o meu pensamento
e tranca qualquer saída.
Maria Lúcia Daloce – PR

A imensidão desse amor,
que me transcende o presente,
faz suportar minha dor,
quando seu corpo está ausente.
Mª Luiza Walendowsky – SC

Ao teu amor me escravizo
sem um lamento sequer,
porque escrava eu realizo
os meus sonhos de mulher.
Maria Nascimento – RJ

Os cílios fazem cortina
para um palco de emoção,
que a luz do amor ilumina
quando canta o coração.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

Inspiração, não me deixes
neste mundo imerso em dor!
– Sem ti, sou rio sem peixes...
sou coração... sem amor!...
Marisa Vieira Olivaes – RS

Tenho por certo, em verdade,
bem vivo, embora pungente
que a mais pungente saudade...
é aquela de alguém presente!
Maurício Friedrich – PR

Todo tipo de poesia que você faça lhe dará prazer.
Porém para fazer amigos nada há que se iguale à trova.

O poeta, com certeza,
pelo que ganhou de bom,
ajudando a natureza
complementa o próprio dom.
Nei Garcez – PR

Sou mulher e sou guerreira,
lutando em busca da paz;
da vida sou passageira
que não desiste jamais!
Neiva Fernandes – RJ

Diante do encanto desfeito
por promessas não cumpridas,
eu sempre encontro outro jeito
de entrelaçar nossas vidas.
Olga Agulhon – PR

Voltei a ter confiança
neste mundo tão ruim,
ao descobrir a criança
que ainda habitava em mim.
Renato Alves – RJ

Foi no banco de uma praça,
no tempo da bela idade,
que encontrei cheia de graça
quem agora é só saudade.
Roberto Acruche – RJ

O vento, com peraltice,
leva folhas pelo espaço.
Que bom se um dia o sentisse
levando as preces que faço...
Ruth Farah – RJ

No embalo da serenata,
quisera ser como a lua,
vestindo com tons de prata
os homens tristes da rua!
Selma Patti Spinelli – SP

As dores e os desencantos
não foram tantos assim...
Tua boca e os teus encantos
calaram bem mais... em mim!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Quando a família do trovador percebe o quanto a trova lhe faz bem
à saúde, dá-lhe todo o apoio e alegremente bendiz cada verso que ele faz.

Quando a chuva do céu desce
e o ventre da terra alcança
a vida se reverdece
e tem o tom da esperança.
Sônia Martelo – PR

Meu coração não se acalma
quando a saudade me vem;
é o soluçar de minha alma
chorando a ausência de alguém...
Sônia Sobreira – RJ

Quixote demais propenso
a crer num Bem mais profundo,
eu faço da trova um lenço
que enxuga os prantos do mundo.
Thalma Tavares – SP

A travessia é mais triste
se, no meio do caminho,
nossa esperança desiste
e a gente segue sozinho.
Therezinha Brisolla – SP

Na vida, eu prefiro o jogo,
não de azar, de sedução...
e, em vez de cartas, o fogo
que incendeia uma paixão.
Vanda Alves da Silva – PR

Cada página que é escrita
para o livro de nós dois
diz que é ainda mais bonita
a história que vem depois.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

A feliz trova que eu faço,
quer no verso, quer na rima,
não me traz nenhum cansaço,
sua luz sempre me anima.
Vidal Idony Stockler – PR

O perdão é tão sublime
que, por mais que a ofensa doa,
põe uma paz que redime
no coração que perdoa.
Zenaide Marçal – CE

Vencer concurso é muito bom. Porém o mais importante são
as novas trovas que cada concurso nos incentiva a compor.

Fonte:
Revista enviado por Assis

Carlos Drummond de Andrade (O Poeta Singrando Horizontes IV)


SENTIMENTO DO MUNDO

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desafiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais que a noite.

SEGREDO

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance de nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varesse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.

SALÁRIO

Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.
Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!

ROMARIA
A Milton Campos

Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
e vão deixando culpas no caminho.

Os sinos tocam, chamam os romeiros:
Vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
mas trazemos flores, prendas e rezas.

No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.

Jesus no lenho expira magoado.
Faz tanto calor, há tanta algazarra.
Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa

No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.

Meu Bom Jesus que tudo podeis,
humildemente te peço uma graça.
Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.

Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas a minha mulher.

Jesus Jesus piedade de mim.
Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.

RETRATO DE UMA CIDADE

I

Tem nome de rio esta cidade
onde brincam os rios de esconder.
Cidade feita de montanha
em casamento indissolúvel
com o mar.

Aqui
amanhece como em qualquer parte do mundo
mas vibra o sentimento
de que as coisas se amaram durante a noite.

As coisas se amaram. E despertam
mais jovens, com apetite de viver
os jogos de luz na espuma,
o topázio do sol na folhagem,
a irisação da hora
na areia desdobrada até o limite do olhar.

Formas adolescentes ou maduras
recortam-se em escultura de água borrifada.
Um riso claro, que vem de antes da Grécia
(vem do instinto)
coroa a sarabanda a beira-mar.
Repara, repara neste corpo
que é flor no ato de florir
entre barraca e prancha de surf,
luxuosamente flor, gratuitamente flor
ofertada à vista de quem passa
no ato de ver e não colher.


II

Eis que um frenesi ganha este povo,
risca o asfalto da avenida, fere o ar.
O Rio toma forma de sambista.
É puro carnaval, loucura mansa,
a reboar no canto de mil bocas,
de dez mil, de trinta mil, de cem mil bocas,
no ritual de entrega a um deus amigo,
deus veloz que passa e deixa
rastro de música no espaço
para o resto do ano.

E não se esgota o impulso da cidade
na festa colorida. Outra festa se estende
por todo o corpo ardente dos subúrbios
até o mármore e o fumé
de sofisticados, burgueses edifícios:
uma paixão:
a bola
o drible
o chute
o gol
no estádio-templo que celebra
os nervosos ofícios anuais
do Campeonato.

Cristo, uma estátua? Uma presença,
do alto, não dos astros,
mas do Corcovado, bem mais perto
da humana contingência,
preside ao viver geral, sem muito esforço,
pois é lei carioca
(ou destino carioca, tanto faz)
misturar tristeza, amor e som,
trabalho, piada, loteria
na mesma concha do momento
que é preciso lamber até a última
gota de mel e nervos, plenamente.

A sensualidade esvoaçante
em caminhos de sombra e ao dia claro
de colinas e angras,
no ar tropical infunde a essência
de redondas volúpias repartidas.

Em torno de mulher
o sistema de gesto e de vozes
vai-se tecendo. E vai-se definindo
a alma do Rio: vê mulher em tudo.
Na curva dos jardins, no talhe esbelto
do coqueiro, na torre circular,
no perfil do morto e no fluir da água,
mulher mulher mulher mulher mulher.


III

Cada cidade tem sua linguagem
nas dobras da linguagem transparente.
Pula
do cofre da gíria uma riqueza,
do Rio apenas, de mais nenhum Brasil.
Diamantes-minuto, palavras
cintilam por toda parte, num relâmpago,
e se apagam. Morre na rua a ondulação
do signo irônico.
Já outros vêm saltando em profusão.
Este Rio...
Este fingir que nada é sério, nada, nada,
e no fundo guardar o religioso
terror, sacro fervor
que vai de Ogum e Iemanjá ao Menino Jesus de Praga,
e no altar barroco ou no terreiro
consagra a mesma vela acesa,
a mesma rosa branca, a mesma palma
à Divindade longe.

Este Rio peralta!
Rio dengoso, erótico, fraterno,
aberto ao mundo, laranja
de cinqüenta sabores diferentes
(alguns amargos, por que não?),
laranja toda em chama, sumarenta
de amor.

Repara, repara nas nuvens; vão desatando
bandeiras de púrpura e violeta
sobre os montes e o mar.
Anoitece no Rio. A noite é luz sonhando.

Carlos Drummond de Andrade (A Cor de Cada Um)


Na República do Espicha-Encolhe cogitava-se de organizar partidos políticos por meio de cores.

Uns optaram pelo partido rosa, outros pelo azul, houve quem preferisse o amarelo, mas vermelho não podia ser. Também era permitido escolher o roxo, o preto com bolinhas e finalmente o branco.

- Esse é o melhor - proclamaram uns tantos. - Sendo resumo de todas as cores, é cor sem cor, e a gente fica mais à vontade.

Alguns hesitavam. Se houvesse o duas-cores, hem? Furta-cor também não seria mau. Idem, o arco-íris. Havia arrependidos de uma cor, que procuravam passar para outra. E os que negociavam: só adotariam uma cor se recebessem antes 100 metros de tecido da mesma cor, que não desbotasse nunca.

- Justamente o ideal é a cor que desbota - sentenciou aquele ali. - Quando o Governo vai chegando ao fim, a fazenda empalidece. e pode-se pintá-la da cor do sol nascente.

Este sábio foi eleito por unanimidade Presidente do Partido de Qualquer Cor.


Fonte:
ANDRADE, Carlos Drummond de. A cor de cada um. 3a. ed. RJ: Record, 1998.

Wagner Marques Lopes (Onde Estão os Azulões?)


Azulão – um azul-tinto
a mergulhar no azul do céu!...
Naquele tempo, muito mais gente ouvia
o canto em surdina dos azulões!...
Rompiam das matas para beirar nossas casas.

Certas tardes, um casal era visto...
A fêmea com traje azulíneo
e sua cauda negra... Elegante,
pousada na cerca do fundo do quintal...

Passaram-se os verões...
Foram queimadas, estilingues,
tantos senões...
Um tempo que vai distante -
o azul-tinto mergulhando no azul-celeste!...
Não mais os vemos,
nem mais se ouve falar dos azulões.

Por onde voam?
Ou quiçá, por onde andam?
Nas gaiolas?!...
O quanto isso me enfastia!...
Espero ainda aquele encantado dia
para que eu possa ver azulões
pousados na cerca do fundo do quintal!...
***

Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor

Júlia Lopes de Almeida (Brutos!)


Daqui a umas largas dezenas de anos, quem for amigo de ler crônicas deste século XX, que despontou com aspirações de paz universal e bondades aperfeiçoadoras do coração humano, poderá dizer que nestes dias houve um rei, que por amor da sua dama quebrou as mais rijas lanças. Para conquistá-la, expulsou ele o seu real pai e senhor, deportando-o para fora do reino, onde o mísero morreu sem amigos, no desamparo da ingratidão... Para colher dos lábios dela a cheirosa flor do beijo, houve o rei de arcar com a basta chusma dos preconceitos da época. A pobre não era de sangue real, e por isso, mal estimada pelos súditos da enfeitiçada majestade, todos se opunham a que o rei se unisse àquela mulher, que nem era moça como Julieta, nem era portadora de um título de princesa, como Cordélia.

Por sua parte a imprudente, fascinada pelo prestígio daquele homem, caminhava para ele como a fina agulha de aço para um grande pedaço de imã. As mulheres não se emendam, e tanto mais amam quanto menos devem amar. Com o perigo, aumentava o encanto da paixão. Não amar, quando se recebeu do céu uma alma feita para o amor, é privar-se, a si e a outrem, de uma grande felicidade. Seria como uma laranjeira que não florescesse com medo de pecar, — como dizia Stendhal, um escritor de então... É verdade que em páginas adiante ele acrescentava, em outras conclusões: a firmeza de que resiste ao seu amor, é a coisa mais admirável que pode existir na terra; todas as outras provas possíveis de coragem são bagatelas ao pé desta, tão forte e tão penosa.

Raciocinando a dama que esses heroísmos são bons para os livros, e que, sendo a missão da mulher obedecer à natureza, mais lhe quadrava a alegoria da laranjeira, assim fez, como devia, a vontade ao seu sentimento e ao seu rei: casou com ele.

Desditosa! O povo, que já não a via com bons olhos, entrou a aborrecê-la. Para que todas as antipatias chovessem sobre a sua cabeça fraca, o velho rei exilado, homem que fora sempre de amores efêmeros e costumes fáceis, morreu longe da pátria, e logo começaram a dizer que ele se finara de paixão, ressentido daquele filho ingrato, e que a culpada de tudo era a rainha, que por não ser de estirpe real não devia merecer o amor de um rei. Teceram logo uma trama de enredos e falsidades, dizendo que ela mentia à sua religião e à sua consciência. O beijo do amor não a fecundara, e na sua murcha esterilidade ela divulgava um sonho
que embevecia a corte e o rei.

O sonho da maternidade.

Gente do palácio, muito embusteira, inventou logo que a rainha simularia um parto, vindo uma criança estranha ocupar no berço principesco o lugar que só deveria competir ao filho do soberano... Intriga foi esta que se espalhou por toda a nação e transbordou para países alheios e terras de além mar. E, como formiguinhas, iam as perfídias entrando pelos ouvidos do rei...

No seu grande palácio sumptuoso vivia a mísera rainha desconfiada, sem se poder lavar das máculas que lhe atribuíam. Assim, a flor da sua beleza outoniça enlanguescia, e o rei, aturdido, cheio das queixas dos vassalos, que lamentavam a morte de um rei que nunca tinham amado, só por acinte à rainha intrusa, caiu em acreditar que a esposa só o quisera por vaidade e ambição de reinar. Por isso, quanto mais ela se debulhava em pranto, mais ele se enfastiava dela, que sempre as lágrimas foram causa de aborrecimento aos olhos dos maridos. Todo o seu grande afeto se tornou depressa em ojeriza que também do pai naturalmente herdara uma certa inconstância no amor: e ver sempre os mesmos olhos, de mais a mais queixosos, não lhe sabia bem.

Correram meses nesse desagrado, até que um dia, em pleno palácio, a macia e régia mão de um rei da culta Europa caiu com bruteza sobre a pálida face de uma rainha.

No triunfo da alegria correram damas de honor e fiéis criados de el-rei a soprar aos quatro ventos aquela ignomínia, rindo da triste rainha ofendida.

Esta, humilhada, quis matar-se; mas não a deixaram acabar com a vida, guardando-a dia e noite de perto, com os olhos arregalados e as unhas afiadas.

Os vendavais desnudam as mais floridas laranjeiras; a alma da rainha já não tinha perfumes, só tinha espinhos; e o rei, por onde andasse, lá ouvia o eco das canções maliciosas das ruas e dos teatros, em que se dizia a aventura de uma mulher que só se unira a um rei pela vaidade e o desejo de reinar...

Entendiam no século XX que o Amor devia viver encarcerado, e ainda com muitos selos nas portas e nas janelas gradeadas, que lhe atestassem a legalidade.

De modo que, quando cansado da reclusão, ele quisesse fugir, teria de debater-se e deixar na cadeia o sangue de seu corpo e as penas de suas asas.

Ele arrependido, ela resignada, parecia até que tinham voltado a amar-se, foram uma alta noite surpreendidos no seu castelo por uma imensa horda de assassinos, que arrombando portas, derrubando sentinelas, alcançou-os a ambos e os matou sem dó...

Não fosse ele fraco; não fosse ela ambiciosa...

Dirá mais coisas a lenda do rei da Sérvia, tratando com injustiça a pobre Draga, sua mulher, só porque não tinha nas veias sangue real.

Outra lenda, sua contemporânea, provará daqui a uma centena de anos, que as mulheres, mesmo rainhas, não tinham no começo deste século XX as prerrogativas que hão de ter então. Esta será talvez em forma de balada. Uma soberana moça, de perfil doce, elevando ao seu trono um príncipe estrangeiro, recebeu dele a mesma injúria que a pobre Draga, do seu real senhor! Somente, à dor da linda Guilhermina acudiu chorando todo o seu povo. Enquanto que à outra...

O que pensarem deste nosso tempo os futuros comentadores da história, parecer-se-á de perto com o que pensamos das velhas idades, em que esposos ciumentos prendiam pelas tranças ao ferrolho dos seus castelos as esposas ultrajadas pelo seu ciúme.

E então, como hoje, a queixa ouvida e que perdure pela sua sinceridade, será a exalada pelos lábios femininos...

Michelet, que tão bem penetrou no coração da mulher, escreveu em L'Amour:

"Os insetos e os peixes são mudos; o pássaro canta, querendo articular; o homem tem a linguagem distinta, a palavra clara e luminosa, o verbo límpido. Mas a mulher, acima do verbo do homem e do canto do pássaro, tem uma linguagem mágica com que intercala esse verbo ou esse canto; o anhelo, o suspiro apaixonado."

Feita para o amor, ela é o ser mais sensível do universo. Toda ela vibra às blandícias ou às crueldades daquele que entre todos os homens escolheu e a quem não sabe fazer compreender a sua paixão, porque as suas expressões são apenas balbucios com que interrompe os gorgeios da sua alegria ou os temores do seu raciocínio. Ele, que passa, pune, mata ou esquece; que olha para ela como o jequetibá para a roseira, do alto da sua superioridade e da sua grandeza, não percebe que, na sua humildade doce, a voz da mulher, como o perfume das rosas, pode chegar muito mais alto, até ao céu, que só se abre para a sinceridade dos sentimentos grandes e verdadeiros!

E é por não a compreender que ainda um ou outro a brutaliza.

Ainda não há muitos anos uma pobre rainha asiática sentiu no rosto a pesada valentia da mão de seu marido. Como no palácio da Servia, o mesmo alvoroço no da China.

A pressa com que o telégrafo anuncia ao mundo estas misérias!

Mas o que não deixaram fazer a Draga, consentiram que fizesse a imperatriz chinesa. Matou-se.

Afigura-se-nos que uma imperatriz, mesmo da China, deve olhar para todo o seu povo, não com a doçura com que um pastor olha pai a o seu rebanho, mas com fria altivez e soberana indiferença. Ela está ali, no trono brilhante e forte, para que a vejam e para que a amem. Não querendo deixar penetrar os seus pensamentos, torna-se impassível e austera; sentindo em cada beijo a baba da adulação, começa a desgostar-se da humanidade e a ter repugnância dos cortesãos mentirosos. Os seus pensamentos devem ser estranhos, bem analisados, sentidos com inteligência.

Nós não compreendemos as rainhas senão assim. Uma imperatriz que ame o marido, que discuta com vivacidade, que o censure com paixão, e que (santo e misericordioso Deus, como isto até custa a escrever!) leve dele pancada... Uma rainha que, em vez do cinismo de salvaguardar aparências para que o seu povo a julgue invulnerável, encontra rancor no peito e sangue vivo nas veias, para acabar com a vida, vingando a ofensa recebida, é digna de figurar na galeria feminina dos últimos tempos, como um dos mais interessantes tipos de mulher.

A verdade é que não é suportável a idéia de que um homem, seja ele quem for, possa levantar a mão para uma mulher, seja ela quem for também.

Se ele se julga e se proclama o forte, o senhor dominador e poderoso, deve encontrar na palavra todo o fel da censura, sem se rebaixar num aviltamento que oamesquinha. É melhor matar do que bater. Uma mulher apunhalada poderá perdoar, mas uma mulher esbofeteada, nunca!

Lã ficará sempre o ressentimento, quando não fique imediatamente o nojo, ou não haja a coragem da vingança.

Dizem por aí que as mulheres que apanham pancada são as que mais amam... Não acrediteis! A mulher descida a essa ignomínia é incapaz de tudo. É preciso que se compreenda bem, que afinal de contas os mesmos ramos de veias que fazem circular no corpo do homem o sangue que os altera, fazem nascer na mulher os mesmos desejos, as mesmas violências. Somos mais tenazes, talvez, mais frias no amor, mas mais excessivas no ódio.

O exemplo do imperador da China levou tempo a medrar, mas medrou e desponta na velha Europa civilizada, em velhos tronos de ouro e púrpura, que dão norma ao povo, como uma lei de justiça e um direito da força indiscutível.

Dizem que a mulher do povo gosta do amor cruel, que a brutalize; se assim é, que bons maridos e que magníficos trabalhadores de enxada se perderam naqueles régios senhores coroados!

Baladas e lendas destas rainhas, nossas contemporâneas, atrairão a magoada simpatia de outras mulheres que, chegado o tempo do amor, do céu azul e do sol dourado, se vejam, como laranjeiras floridas, cobertas de ilusões!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte XI


HARPAS ETERNAS

Hordas de Anjos titânicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vívidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.

Passam, nos sóis da Glória redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivos

E as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cântico pagão, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando...

E fica no ar, eterna, perpetuada
A lânguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.

DUPLA VIA-LÁCTEA

Sonhei! Sempre sonhar! No ar ondulavam
Os vultos vagos, vaporosos, lentos,
As formas alvas, os perfis nevoentos
Dos Anjos que no Espaço desfilavam.

E alas voavam de Anjos brancos, voavam
Por entre hosanas e chamejamentos...
Claros sussurros de celestes ventos
Dos Anjos longas vestes agitavam.

E tu, já livre dos terrestres lodos,
Vestida do esplendor dos astros todos,
Nas auréolas dos céus engrinaldada

Dentre as zonas de luz flamo-radiante,
Na cruz da Via-Láctea palpitante
Apareceste então crucificada!

TITÃS NEGROS

Hirtas de Dor, nos áridos desertos
Formidáveis fantasmas das Legendas,
Marcham além, sinistras e tremendas,
As caravanas, dentre os céus abertos...

Negros e nus, negros Titãs, cobertos
Das bocas vis das chagas vis e horrendas,
Marcham, caminham por estranhas sendas,
Passos vagos, sonâmbulos, incertos...

Passos incertos e os olhares tredos,
Na convulsão de trágicos segredos,
De agonias mortais, febres vorazes...

Têm o aspecto fatal das feras bravas
E o rir pungente das legiões escravas,
De dantescos e torvos Satanases!...

ENTRE CHAMAS...

Sonhei que de astros no Infinito presa
Vagavas, brandamente adormecida,
Nas chamas siderais resplandecida,
A carne, em chamas, no Infinito, acesa...

E eu pasmava de encanto e de surpresa
Vendo a constelação indefinida
Da tua carne flamejando vida,
Dentre os íris radiantes da beleza...

E o teu corpo, nas chamas palpitando,
Os astros em redor maravilhando,
Por entre a auréola dos clarões cantava...

Então, de sonho em sonho, absorto, mudo,
Eu senti alastrar, vibrar por tudo
Toda a infinita sensação da lava!...

O ANJO DA REDENÇÃO

Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mão de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sóis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.

Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do ódio bifronte, torso, torvo e duro.

Maravilhas nos olhos e prodígios
Nos olhos, chega dos azuis litígios
Desce à tua caverna de bandido.

E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!

[SONETO]

Brancas Aparições, Visões renanas,
Imagens dos Ascetas peregrinos,
Hinos nevoentos, neblinosos hinos
Das brumosas igrejas luteranas.

Vago mistério das regiões indianas,
Sonhos do Azul dos astros cristalinos,
Coros de Arcanjos, claros sons divinos
Dos Arcanjos, nas tiorbas soberanas.

Tudo ressurge na minh’alma e vaga
Num fluido ideal que me arrebata e alaga,
No abandono mais lânguido mais lasso...

Quando lá nos sacrários do Cruzeiro
A lua rasga o trêmulo nevoeiro,
Magoada de vigílias e cansaço...

VIOLINOS

Pelas bizarras, góticas janelas
De um tempo medieval o sol ondula:
Nunca os vitrais viram visões mais belas
Quando, no ocaso, o sol os doura e oscula...

Doces, multicores aquarelas
Sobre um saudoso céu que além se azula...
Calma, serena, divinal, entre eras,
A pomba ideal dos Ângelus arrula...

Rezam de joelhos anjos de mãos postas
Através dos vitrais, e nas encostas
Dos montes sobe a claridade ondeando...

É a lua de Deus, que as curves meigas
Foi ondular pelos vergéis e veigas
Magnólias e lírios desfolhando...

GUERRA JUNQUEIRO

Quando ele do Universo o largo supedâneo
Galgou como os clarões -- quebrando o que não serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crânio,
As gemas da razão e os músculos da verve;

Quando ele esfuziou nos páramos as trompas,
As trompas marciais -- as liras do estupendo,
Pejadas de prodígios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporções, crescendo e recrescendo;

Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular -- rasgando das misérias
O ventre do Ideal na forte hematemese.

Clamando -- é minha a luz, que o século propague-a,
Quando ele avassalou os píncaros da águia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!

CAMPESINAS

AO AR LIVRE
A Virgílio Várzea

Tu trazes agora o peito
Como essas urnas sagradas,
Repleto de gargalhadas,
Sonoro, bom, satisfeito.

Por dentro cantam assombros
E causAs esplendorosas
Como latadas de rosas
Dos muros entre os escombros.

Quando o ideal nos alaga,
Embora as lutas do mundo,
Levanta-se um sol fecundo
Do peito em cada uma chaga.

Voltou-se a seiva de outrora,
De outro, mais forte e destro,
Iluminado maestro,
Das harmonias da aurora.

Fulgurem por isso as musas,
As belas musas, por isso...
Voltou-te o passado viço,
Foram-se as mágoas, confusas.

Agora, quando eu dirijo
Meus passos, à tua porta,
Sinto-te um bem que conforta,
Vejo-te alegre e mais rijo.

Porque afinal pela vida
Nem tudo se desmorona
Quando se vaga na zona
Da mocidade florida.

Gostas de ver pelos ramos
Das verdes árvores novas,
A chocalhar umas trovas,
Coleiros e gaturamos.

Já podes bem comer frutas,
Os teus simpáticos jambos,
E ouvir alguns ditirambos
Da natureza nas grutas.

Podes olhar as esferas,
Com ar direito e seguro,
De frente para o futuro,
De lado para as quimeras.

Não tenhas cofres avaros
De santos -- na luz te afoga,
E a alma arremessa e joga
Por esses páramos claros.

Reúne os sonhos dispersos
Como andorinhas vivaces
E o colorido das faces
Ao coberto dos versos.

Como uns lábaros vermelhos,
Contente como os lilazes,
As crenças dos bons rapazes
Tem prismas como os espelhos.

NOS CAMPOS

Por entre campos de seara loura
De alegre sol puríssimo batidos,
Passam carros chiantes de lavoura
E raparigas sãs, de coloridos

Que a luz solar que as ilumina e doura
Lembram pomares e jardins floridos,
Por entre campos de seara loura.
A Natureza inteira reverdece

Pelos montes e vales e colinas;
E o luar que freme, anseia e resplandece,
Movido por aragens vespertinas,
Parece a alma dos tempos que floresce...

Enquanto que por prados e campinas
A Natureza inteira reverdece.
A paz das coisas desce sobre tudo!
E no verde sereno d’espessuras,

No doce e meigo e cândido veludo,
Tremem cintilações como armaduras
Ou como o aço brunido dum escudo;
Enquanto que das límpidas alturas
A paz das coisas desce sobre tudo!

A casa, a rude tenda construída,
Onde habitam as mães e as crianças
Promiscuamente, nessa mesma vida
De perfume lirial das esperanças,
Como é feliz, dos astros aquecida!

Aquecida do Amor nas asas mansas
A casa, a rude tenda construída.
As bocas impolutas e cheirosas
Das raparigas, pródigas belezas
De finos lábios púrpuros de rosas,
Abrem, cheias de angélicas purezas,
As cristalinas fontes murmurosas
De risos, refrescando em correntezas
As bocas impolutas e cheirosas.

Da vida aurora rica do seu sangue
Flameja a carne em báquicas vertigens!
E quem tiver uma epiderme exangue
Para ficar com essas faces virgens,
Para não ser mais pálida nem langue,
Tem de beber das cálidas origens
Da viva aurora rica do seu sangue.

Lindas ceifeiras percorrendo. searas
Nos campos, ó bizarras raparigas,
Pelas manhãs e pelas tardes claras
Vós desfolhais sorrisos e cantigas
Que deixam ver as pérolas mais raras
Dos dentes brancos, frescos como estrigas...
Lindas ceifeiras percorrendo searas!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Sítio do Picapau Amarelo II – O Enterro da Vespa

II O enterro da vespa

De noite, à hora de deitar-se, Narizinho lembrou-se de que havia deixado a boneca debaixo da jabuticabeira.

— Pobre da Emília! Deve estar morrendo de medo das corujas... e pediu a tia Nastácia que fosse buscá-la.

A negra foi e trouxe Emília, toda úmida de orvalho, danadíssima com o esquecimento da menina. E só com a promessa de um belo vestido novo é que desamarrou o burro. Um vestido de chita cor-de-rosa com pintinhas.

E de saia bem comprida.

— Por que, Emília? — indagou a menina estranhando aquele gosto.

— Porque sujei a perna aqui no joelho e não quero que apareça.

— O mais fácil será lavar o joelho.

— Deus me livre! Tia Nastácia diz que sou de macela por dentro e por isso não posso me molhar. Emboloro. Um dia ainda posso virar condessa e não quero ser chamada a condessa do Bolor.

— Testo, panela, bolor, fedor! Tem razão, Emília. O melhor é fazer um vestido de cauda. Para condessas fica bem. Mas condessas de quê?

— Quero ser a condessa de Três Estrelinhas! Acho lindo tudo que é de três estrelinhas.

— Pois muito bem, Emília. Desde este momento fica você nomeada condessa de Três Estrelinhas e para não haver dúvida vou pintar três estrelinhas na sua testa. Todas as criaturas do mundo vão torcer-se de inveja!...

— Todas menos uma — observou a boneca.

— Quem?

— A vespa que ferrou sua língua.

— Explique-se, Emília. Não estou entendendo nada.

— Quero dizer que a tal vespa está morta e bem enterrada no fundo da terra — explicou a boneca. — Assisti a tudo. Quando ela mordeu sua língua e você fez pluf! antes de berrar ai! ai! ai!, a jabuticaba cuspida, ainda com a vespa dentro, caiu bem perto de mim. Vi então tudo o que se passou depois que você desceu da árvore, berrando que nem um bezerro, e lá foi de língua de fora.

E a boneca contou direitinho o triste fim da pobre vespa.


— Ela ficou ainda quase uma hora metida dentro da casca, toda arrebentadinha, movendo ora uma perna, ora outra. Afinal parou. Tinha morrido. Vieram as formigas cuidar do enterro. Olharam, olharam, estudaram o melhor meio de a tirar dali. Chamaram outras e por fim deram começo ao serviço. Cada qual a agarrou por uma perninha e, puxa que puxa, logo a arrancaram de dentro da jabuticaba. E foram-na arrastando por ali afora até à cova, que é o buraquinho onde as formigas moram. La pararam à espera do fazedor de discursos...

— Orador, Emília!

— FAZEDOR DE DISCURSOS. Veio ele, de discursinho debaixo do braço, escrito num papel e leu, leu, leu que não acabava mais. As formigas ficaram aborrecidas com o besourinho (era um besourinho do Instituto Histórico) e apitaram. Apareceu então um louva-a-deus policial, de pauzinho na mão. “Que há?” — perguntou. “Há que estamos cansados e com fome e este famoso orador não acaba nunca o seu discurso. Está muito pau”, disseram as formigas. “Para pau, pau!” — resolveu o soldado — e arrolhou o orador com o seu pauzinho. As formigas, muito contentes, continuaram o serviço e levaram para o fundo da cova o cadáver da vespa. Em seguida apareceu uma trazendo um letreiro assim, que fincou num montinho de terra:

“AQUI NESTE BURACO JAZ UMA POBRE
VESPA ASSASSINADA NA FLOR DOS ANOS
PELA MENINA DO NARIZ ARREBITADO.
ORAI POR ELA!”

Feito isso, recolheu-se. Era noite quase fechada. No pomar deserto só ficou o besourinho, sempre engasgado com o pau. Queria à viva força continuar o discurso. Por fim conseguiu destapar-se e imediatamente continuou: “Neste momento solene...” Nisto um sapo, que ia passando, alumiou o olho dizendo: “Espere que eu te curo!...” Deu um pulo e engoliu o fazedor de discursos!

— Não reparou, Emília, se esse sapo era o Major Agarra-e-não-larga-mais? — perguntou a menina.

— Não era, não! — respondeu a boneca. — Era o Coronel Come-orador-com-discurso-e-tudo...
–––––––––
Continua... A Pescaria

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa