segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Vereda da Poesia = 133 =


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Eterna ausência

Esse teu olhar
Abriu uma janela
Em meus arquivos.
Revivi a mesma
Paixão.
Senti calado
A mesma ausência
De outrora.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Estás só... Mas, mesmo assim,
como se fora um castigo,
sinto um ciúme sem fim
do "ninguém" que está contigo!
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

À deriva

Quem me deixa à deriva, desconhece
Que meu barco é movido a sentimentos
Pois meus sonhos, toda vez que a maré cresce,
Agradecem ao poder feliz dos ventos.

Mesmo que a dor me exponha ao relento,
Movimento o meu amor com a fantasia
E é assim que sobrevivo: eu me alimento
Do momento que alimenta a poesia.

A magia de quem sofre e faz sua parte
Vem da arte que se despe da moldura,
Pois nem mesmo um folhetim é um encarte
Para a arte que se esculpe com ternura.

Só quem sabe repintar-se com nobreza,
Vê beleza em cada riso que se doa
E se um riso é feliz por natureza,
Num sorriso, a alegria empluma... e voa.

Num rabisco inusitado, a parceria
Que há com Deus, mais espontânea se revela...
É assim que Ele desenha a fantasia
Da poesia a que harmoniza a cor da tela.

Só quem tem dom de amar e transcrevê-lo
Faz quem lê-lo, transportar-se e compreender
Que a linha solitária de um novelo
Só termina, quando quem sabe tecer

Abençoa o terno olhar embevecido
De quem vê, num simples risco de um bordado,
A ternura que repousa num tecido
Construído om amor, luz e cuidado.

Quem me deixa à deriva, não me deixa,
Alimenta minha eterna inspiração,
Porque, quando minha emoção se queixa,
Ela deixa tão triste meu coração...
Que até mesmo a invenção de alguma gueixa,
Complementa minha dor de solidão.

Quem me deixa, nunca foi meu par perfeito,
Não me deito com olhares insensíveis...
Conteúdos sempre têm algum defeito
E os defeitos também são imprevisíveis...

Meu navio só precisa de um motor:
É o amor que ainda tens para me dar
E se amar é recriar um sonhador,
Deixa ao menos, pelo menos, eu te amar.
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
MARIA LÚCIA DALOCE 
Bandeirantes / PR 

Quem constrói os seus caminhos
com base em reais valores,
enfrenta as pedras e espinhos
e, ainda, semeia flores!
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Entrelinhas 

  Há no entrelaçar das nossas linhas
      Um mágico encontro,
     Desenhado e tecido pelo destino.
 Há no entrelaçar dos nossos lábios
 Carícias que realizam sonhos,
    Sonhos repletos de cores,
      Aromas,  lindas lembranças...
       Há no entrelaçar dos nossos corações,
  Uma aquarela,
    Um bailado encantado, juntinhos
        Num mesclar de vidas,
    Amor e desejo,
Êxtase e desassossego...
= = = = = = 

Trova Popular

À noite quando me deito
eu rezo à Virgem  Maria,
para sonhar toda  a noite
com quem penso todo o dia.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Serenidade

Feriram-te, alma simples e iludida.
Sobre os teus lábios dóceis a desgraça
Aos poucos esvaziou a sua taça
E sofreste sem trégua e sem guarida.

Entretanto, à surpresa de quem passa,
Ainda e sempre, conservas para a Vida
A flor de um idealismo, a ingênua graça
De uma grande inocência distraída.

A concha azul envolta na cilada
Das algas más, ferida entre os rochedos,
Rolou nas convulsões do mar profundo;

Mas inda assim, poluída e atormentada,
Ocultando puríssimos segredos,
Guarda o sonho das pérolas no fundo.
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

“Bem-vinda à vida, criança!”, 
diz o parteiro sorrindo. 
E a frase é um hino à esperança, 
no seu momento mais lindo! 
= = = = = = 

Soneto de
VICENTE DE CARVALHO
Santos/SP, 1866 – 1924

Soneto da mudança

Não me culpeis a mim de amar-vos tanto
Mas a vós mesma, e à vossa formosura:
Que, se vos aborrece, me tortura
Ver-me cativo assim do vosso encanto.

Enfadai-vos. Parece-vos que, em quanto
Meu amor se lastima, vos censura:
Mas sendo vós comigo áspera e dura
Que eu por mim brade aos céus não causa espanto.

Se me quereis diverso do que agora
Eu sou, mudai; mudai vós mesma, pois
Ido o rigor que em vosso peito mora,

A mudança será para nós dois:
E então podereis ver, minha senhora,
Que eu sou quem sou por serdes vós quem sois.
= = = = = = 

Trova Humorística de
SÉRGIO BERNARDO
Nova Friburgo/RJ

Vovó se afoga ... e, no cais,
com vovô tentando a cura,
o boca a boca foi mais
dentadura a dentadura.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Doce prisão

Este vaivém do mar beijando a areia
bem se assemelha à nossa vida a dois:
Também o que nos ata é uma cadeia
que solta... e prende bem, logo depois...

Não cansa o sangue em seu volver na veia,
nem eu por ser cativo seu só, pois
você não é prisão que me aperreia
como a canga que enreda os mansos bois!

Se para ficar livre eu for deixar
a minha praia, ou minha artéria, o quê
além de desengano irei achar?

Prefiro ser cativo nesse ambiente
a que me acostumei, tendo você...
E ser feliz assim, eternamente!
= = = = = = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Unindo a seresta ao verso
quero compor na amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
= = = = = = 

Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Arte do Chá

ainda ontem
convidei um amigo
  para ficar em silêncio
comigo

  ele veio
meio a esmo
  praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Pra resistir tua falta,
minh'alma não tem coragem.
Só se iludido pensar
que não perdi tua imagem.
= = = = = = 

Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Sou uma leve brisa,
o beijo do dia.
Uma lágrima na noite
fria, solidão sombria.
Sou doce perfume,
suave sangria.
Gargalhada aprisionada
ou veneno, sua alforria.
Sou a rosa do tango,
drama na alegria.
Rodopiando na valsa
sorrio, faço poesia.
= = = = = = 

Trova de 
HENRIETTE EFFENBERGER
Bragança Paulista/SP

A paz nem sempre é perfeita,
esconde-se em descaminhos,
entre dores, fica à espreita,
como rosa entre os espinhos.
= = = = = = 

Poema de 
ALBERTO MARTINS
Santos/SP

O editor

Passa o dia entre livros
Que não existem, ainda estão por ser escritos
Ou nunca chegarão a ser impressos.
Não trabalha no campo
Mas tem as mãos escalavradas:
A pele dos dedos descama feito pergaminho.
De noite voltam para casa
Ele e sua sombra – enxertada de palavras.
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

- Vou ganhar... meu santo é forte!...
E o santo: - Eu não sei jogar...
Nem sei porque pede sorte,
se aposta em “jogo de azar”?!
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

Ao passar do vento

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuvens no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.
= = = = = = 

Trova de
ARY VIOTTI
Belo Horizonte/MG

Eu só queria entender...
quem poderia explicar
por que o amar faz sofrer
e o sofrer não faz amar?
= = = = = = 

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Naquela noite

1
Ainda sinto o sabor
Da tua meiguice
na minha ternura...
Enraizando sublime amor...
Ainda sinto o calor
Do teu coração de encontro ao meu...

2
O perfume,
a maciez das ondas negras
dos teus cabelos,
a embriagar-me
e a afogar-me
os sentidos...

3
A tua doce voz, aos meus ouvidos,
ainda ouço, a sussurrar baixinho,
ao som do “meu castigo”
que, de fato, nos castigava,
nos torturava,
de amor... E de carinho...

4
Sinto, igualmente, o compasso,
do passo,
dolente,
da dança,
que encanta,
ainda, em mim...

5
E sinto mais:
O afago dos teus braços...
E tu,
toda envolvida,
e quase vencida,
enfim...

6
Ainda agora, escuto o teu “não...”
Assim cheio de suavidade
no eco da minha saudade
Depois que tomei-te,
E apertei-te,
Em meu coração.
= = = = = = 

Trova de
GLÓRIA TABET MARSON
São José dos Campos/SP

Cor da pele? Quer saber?
não faz ninguém diferente.
Diferente é sempre ter
coração benevolente!
= = = = = = 

Poema de
EUGÉNIO DE ANDRADE
Fundão/Portugal, 1923 – 2005, Porto/Portugal

Os livros

Os livros. A sua cálida,
terna, serena pele. Amorosa
companhia. Dispostos sempre
a partilhar o sol
das suas águas. Tão dóceis,
tão calados, tão leais,
tão luminosos na sua
branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Angústia, imensa, dorida,
pior que a dor de morrer,
é não ter apego à vida
e ser forçado a viver…
= = = = = = 

Hino de 
Olinda/PE

Olinda, cofre sublime
de brilhantes tradições.
Teu nome beleza exprime
e produz inspirações.
Teu céu, teu mar, teus coqueiros,
ruínas, praias, luar,
despertam sonhos fagueiros,
deslumbrando o nosso lar.

Estribilho:
Glória a Duarte Coelho,
que ouvindo o justo conselho
de inspiração genial,
deu luz, prestígio, beleza,
força, progresso e grandeza,
a ti, Olinda imortal.

Olinda, tão sedutora,
quanta beleza contens!
sendo assim merecedora
do lindo nome que tens,
De nossa brasilidade
foste o berço singular!
No teu solo a liberdade
nunca deixou de brilhar.

Olinda, honrando a memória
do artista que te fundou,
com ele reparte a glória
que a tua fama alcançou.
Que majestade suprema
existe em tudo o que é teu!
tu és, Olinda, um poema
que a natureza escreveu!…
= = = = = = 

Trova de 
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

Se a vingança é seu intento,
pense antes de iniciar.
Ela só traz sofrimento
e o mal não vai reparar. 
= = = = = = 

Poema de 
LUÍS DA MOTA FILIPE 
Sintra/Portugal

De uma Lisboa esquecida

Das ondas, das maresias
Dos mares, dos rios
Das canastras, das varinas
Dos barcos, dos pescadores

Das vielas, das guitarras
Dos fados, dos destinos
Das revistas, das canções
Dos teatros, dos aplausos
Das tertúlias, das declamações
Dos poetas, dos Cafés
Das sinas, das sortes
Dos pregões, dos cauteleiros
Das floristas, das feiras
Dos arraias, dos mercados
Das rosas, das sardinheiras
Dos cravos, dos manjericos
Das esquinas, das calçadas
Dos Pátios, dos azulejos
Das praças, das fontes
Dos jardins, dos namorados
Das janelas, das varandas
Dos telhados, dos beirais
Das rezas, das procissões
Dos devotos, dos amantes
Das saudades, das paixões
Dos amores, dos corações

De uma Lisboa… esquecida
= = = = = = 

Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Passado, velhas histórias,
vivas ainda em jornais,
são relíquias, são memórias,
que a imprensa fez imortais!
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O lobo e o cão magro

A pequena distância duma aldeia,
Um lobo encontra um gozo,
E quer ferrar-lhe o dente.
O cão, manhoso,
E vendo a coisa feia,
Rabo entre pernas, diz humildemente:
«Peço perdão, mas Vossa Senhoria,
Ou não vê bem de perto,
Ou vê decerto
Em mim pobre iguaria!...
Eu sou o que se chama um carga-d’ossos;
Vendido em qualquer talho,
Não valho
Dois tremoços!...
Quer um conselho? Espere. Muito breve,
Meu dono casar deve;
Convidado
Já fui para o noivado;
Tempo de boda,
Tempo de fartura:
Faz-se gordura
Esta magreza toda!...
Tal como sou, não passo dum lambisco;
Enquanto que, depois de uns dias ledos
— Não é por me gabar — mas... um petisco
Eu devo ser
De se lamber
Os dedos!...
Deixe que eu tire o ventre de miséria,
E venha, venha então!»
O lobo crê na léria,
E larga o cão.

Passam dias — e, muito cauteloso,
Entra o lobo na aldeia.
A ver se acha no gozo
Melhor preia.
Mas em lugar seguro, o cão, velhaco:
«Por cá, meu caro? — diz; — prazer sem par!...
Dois dedos de cavaco
Eu e o guarda-portão te vamos dar;
Espera aí portanto,
Abrimos-te o ferrolho!»
Era o guarda-portão
Um canzarrão
Capaz de estrangular um lobo enquanto
O demo esfrega um olho!
O lobo, ao vê-lo, diz todo assustado:
«Senhor guarda-portão, um seu criado!»
E as pernas pôs em rápido exercício!

Ora aqui está um lobo que, a meu ver,
Mostrava não saber
Do seu ofício!

José Valdez de Castro Moura (Trovas em Preto & Branco)


por José Feldman

Análise das trovas e relação de suas temáticas com literatos brasileiros e estrangeiros de diversas épocas e suas características

Trova 1.
As afrontas do passado
não guardo! Vou esquecê-las!
Pois bem sei que um céu nublado
não me deixa ver estrelas!

O eu lírico expressa um desejo de libertação das mágoas do passado. A metáfora do "céu nublado" representa a obscuridade das lembranças que obscurecem a visão das "estrelas", simbolizando esperanças e sonhos. Aqui, a luta interna entre lembrar e esquecer é palpável.

Álvares de Azevedo explora a melancolia e a luta contra as recordações dolorosas em suas obras, como em "Noite de Luar". A ideia de esquecer o passado para ver as estrelas reflete seu tema da busca por libertação das mágoas.

Adélia Prado escreve sobre a complexidade das memórias e a necessidade de superação. Seus versos transmitem um tom de reflexão que ressoa com a ideia de deixar o passado para trás.

O indígena brasileiro Ailton Krenak (1953, Minas Gerais) aborda a memória e a luta dos povos indígenas diante da colonização e da perda de suas terras. Em "Ideias para Adiar o Fim do Mundo", ele reflete sobre a importância de lembrar e resgatar a história, ressoando com a ideia de esquecer as "afrontas do passado".

John Keats (1795-1821, Inglaterra) lida com a ideia de memória e a luta para esquecer em poemas como "Ode a uma Urna". Sua sensibilidade em relação ao tempo e à beleza efêmera reflete a busca por libertação das mágoas do passado.

Billy Collins (1941, EUA) explora a memória e a nostalgia com um tom leve e irônico, como em "The Lanyard", refletindo sobre a luta entre lembrar e esquecer.

Trova 2. 
Cante a paz, o amor fecundo,
torne a vida mais risonha
e sem mágoas, porque o mundo
não perdoa a quem não sonha!

O convite para cantar a paz e o amor sugere uma busca ativa por felicidade e harmonia. O contraste entre "paz" e "mágoas" enfatiza que o mundo não perdoa a inatividade; sonhar é fundamental para superar as dores da vida.

Guilherme de Almeida frequentemente exalta o amor e a busca pela felicidade, como em "Soneto da Fidelidade". Sua poesia é otimista e busca celebrar a vida, alinhando-se à ideia de cantar a paz e o amor.

A poetisa indígena brasileira Eliane Potiguara (1955, Paraíba), celebra a cultura e a conexão com a natureza em seus poemas. Sua obra, que aborda a paz e o amor entre os povos, reflete a busca por harmonia e respeito, alinhando-se à temática da trova.

A poetisa nativa americana Joy Harjo (1949, EUA), a primeira poeta laureada dos EUA, frequentemente celebra o amor e a conexão com a natureza em seus poemas, como em "An American Sunrise". Sua ênfase na paz e na harmonia com o mundo reflete a busca por um amor fecundo.

Pablo Neruda (1904-1973, Chile) é conhecido por sua celebração do amor e da vida em poemas como "Soneto XVII". Sua linguagem apaixonada e imagética destaca a importância da paz e do amor.

Mary Oliver (1935-2019, EUA) frequentemente aborda a beleza do amor e a simplicidade da vida em seus poemas, como em "Wild Geese", transmitindo uma mensagem de esperança e conexão.

Trova 3.
Coração, inda pranteias
tantas perdas, nostalgias...
E, de angústias estão cheias
as minhas noites vazias!

O coração é personificado e expresso como um ente que sofre. As "perdas" e "nostalgias" refletem a tristeza acumulada ao longo do tempo. As "noites vazias" simbolizam solidão e desespero, sugerindo uma luta interna constante.

Casimiro de Abreu conhecido por sua poesia sentimental, aborda a dor da perda e a nostalgia em versos como "Meus Oito Anos". A tristeza do eu lírico ecoa a dor expressa na trova.

Lígia Fagundes Telles, em suas narrativas, explora a solidão e a nostalgia, refletindo sobre emoções profundas e complexas que se conectam com o sofrimento do eu lírico.

O indígena brasileiro Daniel Munduruku (1964, São Paulo) explora a dor e a tristeza em sua obra, abordando a luta do povo indígena e a saudade das tradições perdidas. A sua sensibilidade em relação às emoções ressoa com a ideia do coração que pranteia.

Alfred Lord Tennyson (1809-1892, Inglaterra) explora a dor da perda em poemas como "In Memoriam". Seu tom melancólico e reflexivo ressoa com a tristeza do eu lírico.

Sylvia Plath (1932-1963, EUA) aborda a dor e a angústia emocional em sua obra, especialmente em "Lady Lazarus", refletindo a luta interna do eu lírico.

Trova 4.
Discórdia, sonhos frustrados
e as mágoas não resolvidas
são os nós não desatados
das cordas das nossas vidas…

Esta trova fala sobre as tensões e desilusões que permeiam a vida. Os "nós não desatados" representam conflitos não resolvidos e a complexidade das relações humanas, sugerindo que essas questões internas afetam a realização pessoal.

Olavo Bilac toca em temas de desilusão e conflitos em sua obra, especialmente em sonetos que refletem sobre a vida e suas frustrações.

Hilda Hilst aborda a complexidade dos relacionamentos e os conflitos internos, refletindo sobre a discórdia e a busca por resolução em poemas como "A Obscena Senhora D".

W.B. Yeats (1865-1939, Irlanda) frequentemente lida com conflitos e desilusões em sua poesia, como em "The Second Coming", onde a discórdia e a crise são temas centrais.

Ted Hughes (1930-1998, Inglaterra) explora a frustração e a dor em seus poemas, refletindo sobre a luta humana contra as adversidades, como em "The Thought-Fox".

Trova 5.
Enfrento a dor tão constante
deste sofrer que é demais:
quero a volta de um instante
que não volta nunca mais…

A dor é descrita como uma presença constante e desgastante. O desejo pela "volta de um instante" perdido revela uma nostalgia profunda, sublinhando a impossibilidade de recuperar momentos passados. Essa reflexão sobre a efemeridade do tempo é central na obra.

Augusto dos Anjos, conhecido por sua poesia sombria, Anjos explora a dor e a melancolia em obras como "Eu". Sua visão do sofrimento ressoa com a busca do eu lírico por momentos perdidos.

Márcio Antônio Ramos escreve sobre a dor existencial e a luta contra a passagem do tempo, refletindo sobre momentos que não podem ser recuperados, semelhante à busca na trova.

A indígena brasileira Kátia Emygdio (1978, Rio de Janeiro) aborda a dor e as lutas diárias enfrentadas pelos povos indígenas, refletindo sobre a persistência da dor em suas poesias e na vida cotidiana.

A poetisa nativa americana N. Scott Momaday (1934, EUA) escreve sobre a dor e a luta em suas obras, como em "House Made of Dawn". Sua poesia reflete a constante presença da dor e a busca por momentos de beleza perdida.

Charles Baudelaire (1821-1867, França) aborda a dor e a melancolia em "As Flores do Mal", refletindo sobre o sofrimento contínuo e a busca por momentos perdidos.

Derek Walcott (1930-2017, Santa Lúcia) explora a dor e a busca por identidade em sua obra, refletindo sobre a relação com o passado e a dor persistente.

Trova 6.
Jamais busco o falso atalho
da glória não merecida...
É no suor do trabalho
que se constrói uma vida!

O eu lírico valoriza a autenticidade e o trabalho duro em contraposição à busca por reconhecimento não merecido. Essa estrofe enfatiza a construção de uma vida digna e significativa por meio do esforço e da honestidade.

Cecília Meireles valoriza a autenticidade e o esforço real em sua obra, refletindo a necessidade de construir uma vida com dignidade e honestidade, como em "Romanceiro da Inconfidência".

Fabrício Carpinejar fala sobre a importância do trabalho e da honestidade em suas crônicas e poesias, refletindo a busca por um caminho verdadeiro e significativo.

O indígena brasileiro Kaka Werá Jecupé (1953, Paraná) fala sobre a autenticidade e a necessidade de viver em harmonia com a natureza. Sua obra enfatiza a importância do verdadeiro caminho, ressoando com a valorização do trabalho duro e da autenticidade.

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832, Alemanha) valoriza o autoconhecimento e o trabalho árduo em obras como "Fausto", enfatizando a importância da autenticidade na vida.

Rupi Kaur (1992, Canadá) fala sobre a autoaceitação e a importância de viver de forma autêntica em suas poesias, promovendo a ideia de construir uma vida com dignidade.

Trova 7.
Luz débil que bruxuleia,
mesmo assim ela persiste:
- a minha paz é candeia
no viver de um homem triste !

A "luz débil" é uma metáfora da esperança que persiste, mesmo em meio à tristeza. A "candeia" simboliza a paz interior que se mantém acesa, mesmo quando o eu lírico se sente perdido ou desolado.

Fernando Pessoa (heterônimo Alberto Caeiro), escreve sobre a simplicidade e a luz da natureza, refletindo a ideia de esperança e persistência, mesmo em tempos de tristeza.

A poetisa nativa americana Linda Hogan (1947, EUA) utiliza a natureza e a luz como metáforas de esperança e resistência em sua poesia. Em "Solar Storms", ela fala da persistência da vida e da esperança, refletindo a busca pela paz em meio à tristeza.

Emily Dickinson (1830-1886, EUA) utiliza a imagem da luz como símbolo de esperança e persistência em poemas como "Hope is the thing with feathers", refletindo a busca por paz em tempos difíceis.

Nayyirah Waheed (1983, EUA) aborda a luta pela paz interior e a busca por esperança em seus versos, utilizando metáforas poderosas que ressoam com a luz que persiste na escuridão.

Trova 8.
Malgrado as tristes lembranças
prossigo a viver sonhando,
acalentando esperanças
que a tristeza foi matando…

Apesar das "tristes lembranças", o eu lírico continua a sonhar e alimentar esperanças. Isso sugere uma resiliência e uma determinação de não se deixar vencer pela tristeza, embora essa luta seja difícil.

Machado de Assis explora a memória e a esperança em várias de suas obras, como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", refletindo sobre as tristezas passadas.

Ana Cristina César, em seus poemas frequentemente lida com a memória e a busca por novos começos, refletindo a resiliência diante de lembranças dolorosas.

O indígena brasileiro Davi Kopenawa Yanomami (1956, Roraima) fala sobre a memória e a importância de recordar as tradições e a cultura Yanomami em sua obra "A Queda do Céu". Sua reflexão sobre a luta e as lembranças ressoa com a ideia de acalentar esperanças.

Robert Frost (1874-1963, EUA) explora a memória e a transição entre a tristeza e a esperança em poemas como "The Road Not Taken", refletindo sobre a resiliência diante das lembranças.

Claudia Rankine (1972, EUA) lida com a memória e a luta contra a opressão em sua obra "Citizen", onde a resiliência frente às tristezas é um tema central.

Trova 9.
Não lastime as tristes horas
da viagem que angustia...
Viver é criar auroras
no ocaso de cada dia…

A estrofe sugere um olhar positivo sobre as dificuldades. "Criar auroras" no "ocaso de cada dia" é uma metáfora poderosa que enfatiza a possibilidade de renovação e esperança, mesmo nas horas mais sombrias.

Vinicius de Moraes frequentemente fala sobre a passagem do tempo e a beleza do cotidiano, como em "Soneto de Separação", onde há um convite à renovação e à criação de novas possibilidades.

Rupi Kaur (1992, Canadá) aborda a transformação e a beleza que podem surgir do sofrimento, refletindo sobre a criação de "auroras" em momentos difíceis.

Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882, EUA) fala sobre a beleza da vida e a possibilidade de renovação em poemas como "A Psalm of Life", abordando a criação de novas oportunidades.

Ocean Vuong (1988, EUA) reflete sobre a passagem do tempo e a criação de novos começos em sua obra "Night Sky with Exit Wounds", enfatizando a beleza que pode surgir da dor.

Trova 10.
Nos garimpos desta vida,
que o destino abandonou,
eu sou bateia esquecida
que nem cascalho pegou.

O eu lírico se compara a uma "bateia esquecida", sugerindo sensação de desvalorização e abandono. Essa imagem evoca a busca por algo precioso em uma vida que parece não oferecer recompensas, refletindo a luta existencial.

Carlos Drummond de Andrade explora a busca por significado em uma vida que parece vazia, como em "Quadrilha", onde a insatisfação é um tema central.

Alexandre de Almeida reflete sobre a desilusão e a busca por valor em sua poesia, abordando a sensação de abandono e a luta pela realização pessoal.

O nativo americano Sherman Alexie (1966, EUA) explora a busca por identidade e significado em suas obras, como em "The Lone Ranger and Tonto Fistfight in Heaven". Sua reflexão sobre as experiências difíceis da vida ressoa com a ideia de garimpar valor nas dificuldades.

William Wordsworth (1770-1850, Inglaterra) explora a busca por significado e beleza nas experiências cotidianas em "I Wandered Lonely as a Cloud", ressoando com a busca por valor na vida.

David Whyte (1955, Inglaterra) aborda a busca por significado e a exploração da vida em suas poesias, refletindo sobre as experiências que moldam nossa jornada.

Trova 11.
O tempo, só por maldade,
deixou marcas do desgosto,
nas rugas de ansiedade
que hoje trago no meu rosto.

O tempo é personificado como um agente maligno, responsável por deixar "marcas do desgosto". As "rugas de ansiedade" são uma representação física do sofrimento emocional, indicando que as experiências de vida deixam cicatrizes visíveis.

Mário de Andrade explora a passagem do tempo e suas consequências em obras como "Macunaíma", refletindo sobre as marcas que o tempo deixa na vida das pessoas.

Adriana Falcão fala sobre o tempo e suas marcas em suas poesias e crônicas, refletindo sobre as experiências que moldam a vida e deixam cicatrizes.

T.S. Eliot (1888-1965, EUA) explora a passagem do tempo e suas consequências em "The Love Song of J. Alfred Prufrock", transmitindo uma sensação de ansiedade e marcas deixadas pelo tempo.

Alice Oswald (1966, Inglaterra) reflete sobre o tempo e suas marcas em sua obra "Dart", explorando a relação entre memória e passagem do tempo.

Trova 12.
Tanta mentira e incerteza
vivi nessa vida e, assim,
eu constato, com tristeza,
que a vida passou por mim…

O eu lírico reflete sobre as desilusões e a incerteza que permeiam sua vida. A afirmação de que "a vida passou por mim" expressa um sentimento de impotência e a percepção de que, apesar das vivências, algo essencial foi perdido.

Cruz e Sousa aborda a incerteza e a busca por sentido em seus versos, refletindo o desencanto com a vida em obras como "Broquéis".

Elisa Lucinda lida com a verdade e a mentira em sua poesia, abordando a incerteza da vida e as desilusões de forma intensa e reflexiva.

Friedrich Hölderlin (1770-1843, Alemanha) aborda a incerteza e a busca pela verdade em sua poesia, refletindo sobre a condição humana em obras como "Hyperion".

Anne Carson (1950, Canadá) lida com a complexidade da verdade e da incerteza em sua obra "Autobiography of Red", refletindo sobre as desilusões da vida contemporânea.

IMPORTÂNCIA DAS TROVAS DE VALDEZ PARA A SOCIEDADE ATUAL

Promoção do Diálogo Emocional:
As trovas de José Valdez incentivam a expressão emocional e a reflexão sobre questões que muitas vezes são silenciadas na sociedade contemporânea. Essa abertura pode ajudar a formar comunidades mais empáticas e solidárias.

Inspiração e Esperança:
Em tempos desafiadores, as mensagens de esperança e resiliência encontradas nas trovas podem servir como um bálsamo, motivando as pessoas a continuarem lutando por seus sonhos e a encontrarem beleza nas pequenas coisas.

Valorização da Cultura e da Poesia:
A leitura e a apreciação de poesia, como a de Valdez, podem revitalizar a cultura literária, incentivando novas gerações a se conectar com a linguagem e as emoções. Isso pode enriquecer a educação e promover um maior entendimento das nuances da experiência humana.

Reflexão e Autoconhecimento:
As trovas estimulam a introspecção, levando os leitores a refletir sobre suas próprias vidas, experiências e sentimentos. Essa prática de autoconhecimento é essencial em uma sociedade que frequentemente prioriza o externo em detrimento do interno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trovas de José Valdez, com suas profundas reflexões sobre a dor, a esperança, o amor e a passagem do tempo, encontram um eco ressonante no mundo atual. Em uma sociedade marcada por incertezas, ansiedades e um ritmo acelerado, as temáticas que Valdez aborda se tornam ainda mais relevantes. Demonstram como essas questões se conectam com a contemporaneidade e suas relações com poetas brasileiros e estrangeiros, além dos benefícios que essas trovas podem trazer à sociedade.

A luta para lembrar ou esquecer experiências passadas é uma questão universal. Em tempos de redes sociais e constante exposição, muitos enfrentam o desafio de lidar com lembranças e traumas. As trovas de Valdez abordam essa luta de maneira sensível, promovendo a reflexão sobre o passado como um elemento formador da identidade.

Em um mundo frequentemente marcado por crises — sejam sociais, políticas ou ambientais — a busca pela esperança e pela paz se torna fundamental. As mensagens do trovador sobre manter a luz acesa em tempos escuros ressoam profundamente, inspirando a resiliência e a capacidade de sonhar.

A solidão e a dor são experiências comuns na vida moderna, exacerbadas pela despersonalização das interações digitais. As trovas oferecem um espaço para reconhecer e validar esses sentimentos, promovendo empatia e compreensão coletiva.

A valorização do trabalho árduo e da autenticidade, presente nas trovas de Valdez, é um chamado para a ética e o esforço sincero em um mundo muitas vezes marcado pela superficialidade e pelo imediatismo.

A conexão entre Valdez e poetas como Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado é evidente na forma como ambos exploram a condição humana. Drummond, por exemplo, lida com a angústia e a busca de sentido em uma sociedade complexa, enquanto Prado celebra a simplicidade e a beleza das pequenas coisas. Essas influências refletem uma continuidade na busca por expressar a experiência humana em suas múltiplas facetas.

Poetas como Pablo Neruda e Emily Dickinson também dialogam com as temáticas de Valdez. Neruda, com sua celebração do amor e da vida, e Dickinson, com suas reflexões sobre a esperança e a solidão, oferecem uma perspectiva enriquecedora sobre os sentimentos que Valdez expressa. Essas conexões ampliam o entendimento das emoções humanas, mostrando que, apesar das diferenças culturais, as experiências universais permanecem.

As trovas de José Valdez de Castro Moura não são apenas uma expressão poética de sentimentos profundos; elas são um convite à reflexão sobre a condição humana em um mundo contemporâneo repleto de desafios. Ao dialogar com poetas de diferentes épocas e culturas, Valdez nos convida a explorar as complexidades da vida, promovendo um entendimento mais profundo de nós mesmos e dos outros. Em última análise, suas trovas oferecem um espaço para a cura, a esperança e a conexão, essenciais para uma sociedade mais empática e resiliente.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. 
Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

domingo, 13 de outubro de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 58

  

José Feldman (Pafúncio e o Prêmio Nobel de Literatura)

 
Era uma noite de gala em Estocolmo, onde as luzes brilhavam intensamente e a expectativa estava no ar. O Prêmio Nobel de Literatura seria entregue, e Pafúncio Epaminondas, o jornalista da revista “Fuxicos & Fofocas”, foi enviado para cobrir o evento. Ele não tinha a menor ideia do que estava prestes a enfrentar, mas estava determinado a fazer sua cobertura ser a mais memorável de todas.

Vestido com um terno que mais parecia uma colcha de retalhos e uma gravata com estampas de frutas, Pafúncio entrou no elegante salão onde a cerimônia aconteceria. Ele olhou ao redor, admirando o luxo, mas também se sentindo um pouco deslocado. Afinal, ele estava ali para entrevistar os vencedores do Prêmio Nobel, e ele, que mal conseguia escrever uma frase sem errar, estava prestes a se encontrar com os maiores escritores do mundo.

Assim que chegou, Pafúncio se dirigiu a uma mesa onde estavam distribuindo os crachás aos convidados, premiados e jornalistas, recebendo um crachá. Então se deparou com um grupo de jornalistas renomados, todos vestidos impecavelmente. Ele respirou fundo e decidiu que precisava se misturar. 

Ao invés de ser discreto, acabou esbarrando na mesa de um buffet, derrubando uma bandeja cheia de canapés. Os petiscos voaram pelo ar como se fossem confetes, e ele, em um gesto de desespero, tentou agarrar um deles, mas acabou pegando uma taça de champanhe que, por sua vez, foi parar na cabeça de uma senhora idosa que estava perto.

“Desculpe! Aqui está seu novo penteado!” – Pafúncio exclamou, tentando ser engraçado. 

A senhora, com a taça ainda na cabeça, apenas olhou para ele com um olhar de reprovação.

Após esse início desastroso, Pafúncio se lembrou de seu verdadeiro objetivo: entrevistar os vencedores. Ele se dirigiu à área onde os laureados estavam sendo recebidos. O primeiro que encontrou foi um renomado escritor de romances, Odic Poesia, conhecido por suas obras profundas e filosóficas. 

Com um sorriso nervoso, Pafúncio perguntou: “Odic, se você pudesse descrever sua obra em uma fruta, qual seria?”

Odic, um tanto confuso, respondeu: “Uma laranja, porque é cheia de camadas.”

“E também azeda se você não a escolher bem!” – Pafúncio completou, sem saber se deveria rir ou se encolher. 

O escritor olhou para ele, um tanto perplexo, mas acabou sorrindo, aliviado por não ter sido ofendido.

Seguindo em frente, Pafúncio encontrou a ganhadora do Nobel de Literatura, uma mulher chamada Toda Prosa. 

Ele estava tão empolgado que, sem pensar duas vezes, soltou: “Toda, se você tivesse que escolher um animal para descrever seu estilo de escrita, qual seria?”

Toda, tentando manter a compostura, respondeu: “Talvez um pássaro, porque minhas palavras voam livremente.”

Pafúncio, em sua mente, transformou isso em uma manchete: “Toda Prosa diz que sua escrita é como um pássaro! Cuidado com as janelas abertas!” 

A escritora olhou para ele, sem saber se ria ou se se preocupava com a sua sanidade.

A cada nova entrevista, Pafúncio se sentia mais confiante, mesmo que suas perguntas continuassem absurdas. 

Ele encontrou um outro laureado, um autor de contos chamado Miguel Fábula. 

“Miguel, se você pudesse trocar sua pena por qualquer objeto da sua casa, qual seria?” Pafúncio perguntou.

“Uma colher,” Miguel respondeu, intrigado. “Porque eu adoro mexer nas coisas.”

“Então, você é um escritor que adora misturar ideias!” Pafúncio exclamou, anotando tudo. 

Miguel sorriu, mas não conseguiu esconder a confusão.

Após algumas entrevistas, um incidente inesperado ocorreu. Pafúncio, distraído enquanto escrevia suas anotações, tropeçou em uma cadeira e caiu, derrubando uma mesa cheia de flores que caíram como uma avalanche sobre ele. “Parece que estou sendo atacado por um buquê assassino!” ele gritou, enquanto tentava se levantar, coberto de pétalas.

Os jornalistas ao redor não conseguiam conter a risada, e Pafúncio, mais uma vez, se viu no centro das atenções. Ele decidiu aproveitar a situação e começou a improvisar uma performance, falando sobre “as flores da literatura” e como algumas eram mais traiçoeiras que outras.

Quando finalmente chegou a hora de se despedir dos laureados, Pafúncio percebeu que precisava fazer uma pergunta final que realmente deixasse uma marca. Ele se aproximou de Odic e perguntou: “Se a literatura fosse uma dança, qual seria e por quê?”

Odic, agora mais relaxado, respondeu: “Um valsa, porque é uma dança que exige tanto coordenação quanto imaginação.”

“Então, se eu me atrapalhar, posso chamar isso de ‘dança literária’!” Pafúncio completou, rindo de si mesmo.

Com sua cobertura cheia de perguntas malucas, incidentes hilários e uma quantidade inusitada de flores, Pafúncio voltou para a redação. Ele escreveu uma matéria que misturava a seriedade do Prêmio Nobel com seu estilo trapalhão, transformando cada entrevista em um momento de pura comédia.

Ao final, Pafúncio provou que, mesmo sem entender completamente o mundo da literatura, era capaz de trazer um sorriso ao rosto das pessoas. Afinal, a vida é uma grande história, e, como um jornalista de uma revista de fofocas, ele sabia que o mais importante era saber rir das próprias trapalhadas.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024