sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Vereda da Poesia = 136 =


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Quem nasceu 
Pirilampo
Não precisa que ninguém 
Lhe segure a lanterna.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Eu sou príncipe tristonho
porque, na história real,
não há, na escada do sonho,
sapatinhos de cristal!...
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Quando a alma voa, há um poeta dentro dela

A dor insiste, mas o amor não se perverte,
sonhos convertem solidões em paraísos.
Se cada guizo é uma serpente que adverte,
o amor diverte-se com os sonhos imprecisos.

Uns se dedicam à própria sobrevivência,
outros descobrem o tempo da rebeldia,
e quem desfia os novelos da ciência,
adia o tempo infeliz que o desafia.

O amor resiste e se junta à fantasia,
chama a alegria que completa os sentimentos,
nesse momento se sublima a ousadia,
à revelia do que sinta o sofrimento.

Se do lamento, se compõe a melodia,
a harmonia organiza novos tons
e se os neons têm o amor por moradia,
é no sonhar que o coração produz neons.

Tanto poeta se completa num amigo...
quando há abrigo, nem se sente a tempestade,
na amizade, me abençoas e eu bendigo
o que só possa te trazer felicidade.

A dor insiste, mas a alma é passarinho,
cujo caminho é o céu mais azulado.
Pobre coitado que só quer voar sozinho,
quando o amigo lhe oferece um ombro... alado.

Pois que se viva cada instante e que se creia
que a vida é cheia de momentos tão felizes,
que até a dor transfunde amor na própria veia,
quando ela anseia libertar os infelizes.

Em cada flash, uma história é recontada,
alicerçada na pureza da amizade,
assim, no enredo de uma vida abençoada,
o amor insiste em pôr a dor em liberdade.

Quem pinta aquilo que não vê, faz um rascunho
de próprio punho, da revolta que o irrita,
porém, se a dor constrói um falso testemunho,
o amor maltrata-se na dor que nele habita.

Que tu resistas, coração ao que magoa...
quando a alma voa, há um poeta dentro dela
e se a sequela de uma dor não te abençoa,
o amor ecoa na emoção que te revela
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
CIPRIANO FERREIRA GOMES 
São Paulo / SP

Por entre as pedras e o limo,
um fio de água corrente, 
canta feliz sendo o arrimo
da sede de muita gente. 
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

A Janela e o Tempo

Da janela, vejo a rua,
Observo o tempo de cada pessoa que passa...
O tempo das flores renascerem lindas!
O tempo das folhas de Ipê caindo na calçada...
Da janela, vejo o portão,
sinto o vento, a chuva e sonho...
Espero você chegar,
de uma longa viagem...
= = = = = = 

Trova Popular

Eu amava-te, ó menina,
se não fora um só senão:
seres pia de água benta
onde todos põe a mão.
= = = = = = 

Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Crepuscular

Poente no meu jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.

Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção com que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.

Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.

Ninhos, onde vencidas de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Brincam na praça os pequenos: 
castelos, canções, corrida... 
São seus primeiros acenos 
aos grandes sonhos da vida!
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Soneto de
ANTERO DE QUENTAL
Ponta Delgada/Portugal, 1842 – 1891

Noturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém!
= = = = = = 

Trova Humorística de
JANE PIRES PALUMA
São Gonçalo/RJ

Desmaiou em plena missa
o padre da freguesia,
quando viu tanta cobiça
no decote da Maria...
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

O sabiá

Em minha casa tem um sabiá
Que canta sempre, desde manhãzinha,
Escondido em um lindo jatobá
Que fica logo atrás de minha cozinha.

Nem os gritos do forte carcará,
À cata de indefesa andorinha,
Na luta para ver quem vencerá,
Sobrepujam essa minha avezinha!

O seu cantar anima a minha vida,
Que vai chegando ao fim de sua corrida,
Pois apesar de triste, é uma doçura...

E consegue alegrar os dias meus!
Creio até que seu canto de ternura
Não mereço, mas ganho de meu Deus!
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

De “mau jeito” o Zé Baleia,
pescador de sorte estranha,
noivou com uma sereia,
casou com uma piranha..
= = = = = = 

Poema de
ISABELA REGINA NASCIMENTO
Ponta Grossa/PR

Fantasia perfumada

A poesia e a mulher se encontram
Palavra feminina forte
Como música suave que toca
Em sinfonia de almas
Fêmeas arteiras, escrevem
Fantasias perfumadas
Saborosas como frutos
Impressos em tinta
Desenhados no papel da vida
Cada verso, um traço
Instantâneos de emoções
Rastros de sentimentos
Coloridos, vibrantes
Riscos que escrevem
Palavras que nascem
Do coração de quem cria
Do mundo de quem sente
É a música dos versos
Corre viva, pulsante
A fotografia da alma
Impressa na página da vida
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Quando morreu minha Rosa,
o mundo ficou sem luz,
porém ficou minha mãe
pra carregar minha cruz.
= = = = = = 

Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Lágrimas Sombrias no Vento

Sou no ar frio do outono
sentimento alvorecendo,
a procura da guarida
em caquinhos coloridos,
os raios da tempestade
tecendo gritos em ecos

Sou no ar frio do outono
a leveza em benquerer,
o olhar na sombra perdida,
distante em silencioso
pranto, a prece aquecendo
corações em cacarecos.
= = = = = = 

Trova de 
FRANCISCO GARCIA
Caicó/RN

Cantamos feito cigarras,
meu violão de risos francos,
que as nossas vozes bizarras
estão de cabelos brancos!
= = = = = = 

Poema de 
NÉLIO CHIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Não sei se vou bem ou mal
Mas vou dando o meu jeito 
Para não fazer tudo sempre igual.

Levo sonhos no pensamento,
Esperanças no peito
E o sentimento
De que não sou perfeito,

Mas tenho o entendimento
De que o tropeço é natural
No processo de crescimento.

Não posso é parar no tempo
Para lamentar o contratempo
E parar no que já foi feito.

Tento ser como o rio
Que contorna as pedras do leito
Com a força de seu caudal
Para chegar ao mar, seu destino final.

Vou vivendo e aprendendo
Com o calor da luta,
Com o frio do desafio,

Aproveitando a hora boa,
Superando o trajeto sombrio,
Caminhando na paz de Deus
E corrigindo os defeitos meus.

Quem sabe,
Ao atravessar a minha ponte,
Reconheça a fonte
Que me fez alma serena,
Ao olhar para trás
E dizer: valeu a pena!
= = = = = = 

Trova de
NELSON DA LENITA FACHINELLI
Porto Alegre/RS (1935 – 2006)

No abecedário da dor
aprendi o que ora gravo:
- esta vida, sem amor,
não vale nem um centavo.
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

"In fine"

Para trás, pela rua do Passado,
foram ficando angústias e alegrias,
na mentira sonâmbula dos dias
feita de um grande sonho espedaçado

Em cada hora , um sonho massacrado,
pelas mãos das mais fundas nostalgias!
E a cada passo, as agulhadas frias
dos sofrimento caminhando ao lado.

Um ano se despede, vem outro ano,
sobraçando esperanças e ilusões
com que mima o teimoso ser humano.

É assim a vida: um ajuntar de dores,
um receber feridas e empurrões,
um triturar de mágoas e de amores…
= = = = = = 

Poetrix de
RICARDO ALFAYA
Rio de Janeiro/RJ

exposição

enxugo dilemas
no varal, toalhas
manchadas de poemas.
= = = = = = 

Poema de
LUÍSA DUCLA SOARES
Lisboa/Portugal

Um amigo para falar comigo.
Um navio para viajar
Um jardim para brincar
Uma escola para levar debaixo do braço
Livro um abraço para além do tempo e espaço.
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Ladrão alto, bem vestido,
já sai, do quarto, ligeiro,
e ouve a voz... quase um gemido:
“Só lhe interessa... dinheiro”?
= = = = = = 

Poema de 
JOÃO PEDRO MÉSSEDER
Porto/Portugal

Um Livro

Levou-me um livro em viagem
não sei por onde é que andei.
Corri o Alasca, o deserto
andei com o sultão no Brunei?
Pra falar verdade, não sei.

Com um livro cruzei o mar,
não sei com quem naveguei.
Com marinheiros, corsários,
tremendo de febres e medo?
Pra falar verdade não sei.

Um livro levou-me pra longe
não sei por onde é que andei.
Por cidades devastadas
no meio da fome e da guerra?
Pra falar verdade não sei.

Um livro levou-me com ele
até ao coração de alguém
e aí me enamorei –
de uns olhos ou de uns cabelos?
Pra falar verdade não sei.

Um livro num passe de mágica
tocou-me com o seu feitiço:
Deu-me a paz e deu-me a guerra,
mostrou-me as faces do homem
– porque um livro é tudo isso.

Levou-me um livro com ele
pelo mundo a passear.
Não me perdi nem me achei
– porque um livro é afinal…
um pouco da vida, bem sei.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Das cores, qual a mais bela?
- "A negra" - diz o ceguinho...
"pois, dentre todas, é aquela
que eu vejo no meu caminho."
= = = = = = 

Hino de 
Ivaiporã/PR

No cenário que a mata se inclina
Ante a força, a coragem e o amor,
Vive em paz, sob a graça divina,
Todo um povo, em ardente labor.

Rio imenso, de rara beleza
Que ao indígena outrora encantou,
Beija e embala a ideal natureza
Que recanto ideal batizou.

Ivaiporã!
Com orgulho e devoção
Repetimos teu nome querido
Que é uma esplendida oração
Sobre o altar deste solo florido.

Ivaiporã!
Tua estrela benfazeja
Para o mundo amanhã mostrará
O tesouro que viceja
No coração do Paraná!

Antevemos teu nobre porvir
No milagre que a terra produz,
Os cereais em contínuo florir
Sobre os Vales, nas ondas da luz.

Cada gota de suor dos teus filhos
Se reflete na grande torrente
Das douradas espigas de milho
Que os caminhos têm à frente.
= = = = = = 

Trova de 
NILTON DA COSTA TEIXEIRA
Monte Alto/SP, 1920 – 1983, Ribeirão Preto/SP

Neste abraço em que te aperto,
com a beatitude de um monge,
sinto meu amor tão perto...
minha esperança tão longe!
= = = = = = 

Poema de 
WALLACE STEVENS
Reading/ Pensilvânia, 1879 – 1955, Hartford/Connecticut

A casa estava quieta e o mundo calmo

A casa estava quieta e o mundo calmo.
Leitor tornou-se livro, e a noite de verão

Era como o ser consciente do livro.
A casa estava quieta e o mundo calmo.

Palavras eram ditas como se livro não houvesse,
Só que o leitor debruçado sobre a página

Queria debruçar-se, queria mais que muito ser
O sábio para quem o livro é verdadeiro

E a noite de verão é como perfeição da mente.
A casa estava quieta porque tinha de estar.

Estar quieta era parte do sentido e da mente:
Acesso da perfeição à página.

E o mundo estava calmo. Em mundo calmo,
Em que não há outro sentido, a verdade

É calma, é verão e é noite, a verdade
É o leitor insone debruçado a ler.
(Tradução: Paulo Henriques Britto)
= = = = = = 

Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Deus ao criar as estrelas
zeloso cumpriu a meta,
mas para alguém descrevê-las
criou também o poeta.
= = = = = = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O leão namorado

Leão de alta prosápia*
Passando por um prado,
Certa zagaia viu mui de seu gosto
E esposa foi pedi-la.
Quisera o pai menos feroz o genro.
Bem duro lhe era o dar-lhe:
Mas também o negar-lhe mal seguro;
E que ainda a ser possível
Negar-lhe, é de temer não venha a lume
Clandestino consórcio;
Que amava os valentões a mocetona.
De grado se encasquetam
As moças, de estofadas cabeleiras.
O pai, que não se atreve
A despedir o amante tanto às claras:

«Minha filha é mimosa,
E vós podeis, entre esponsais carícias,
Arranhá-la com as unhas:
Consenti um cerceio em cada garra,
E em cada dente a lima,
Porque os beijos lhe sejam menos ásperos,
E a vós mais voluptuosos.
Que, sem tais sustos, há de a minha filha
Prestar mais meiga a boca.»

Consente o leão: desmantelada a praça,
Falto de unhas e dentes,
Lançam-lhe os cães, vai-se o leão. Sem unhas
Como há de resistir-lhes?

Quando, Amor, nos agarras, bem podemos
Dizer: «Adeus prudência!»
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
* Prosápia = linhagem.

Clarisse da Costa (Trabalho coletivo)


Você perde muitas coisas seguindo padrões. O bom profissional pensa fora da caixa. Primeiro que trabalhar no coletivo é pensar coletivamente. Temos que ser visionários. Eu não organizo uma antologia pensando no lucro, mas sim, visando o futuro de todos, pois é um trabalho coletivo.

A base de um trabalho coletivo é dedicação, troca de ideias, parcerias, diálogos abertos e ocupação de espaços, para o melhor andamento do projeto.

É necessário conhecer as pessoas com quem iremos trabalhar, por isso a importância de diálogos abertos.

Claro que conhecer as técnicas e todas as teorias faz parte do processo, entretanto precisamos usar o lado humano em algumas em algumas questões. Afinal de contas, usamos máquinas no nosso trabalho, mas não precisamos ser máquinas.

Fonte: Texto enviado por Samuel da Costa

Recordando Velhas Canções (Eu não existo sem você)

(samba-canção, 1958)


Compositores: Vinícius de Moraes e Tom Jobim

Eu sei e você sabe,
já que a vida quis assim
Que nada nesse mundo
levará você de mim
Eu sei e você sabe
que a distância não existe
Que todo grande amor
só é bem grande se for triste

Por isso, meu amor, não tenha medo de sofrer
Pois todos os caminhos me encaminham prá você

Assim como o oceano só é belo com o luar
Assim como a canção só tem razão se se cantar
Assim como uma nuvem só acontece se chover
Assim como o poeta só é grande se sofrer
Assim como viver sem ter amor não é viver
Não há você sem mim e eu não existo sem você

A Intensidade do Amor em 'Eu Não Existo Sem Você'
A música 'Eu Não Existo Sem Você', é uma expressão lírica da intensidade e da profundidade do amor romântico. A letra transmite a ideia de que o amor verdadeiro é tão essencial à existência dos amantes que um não pode viver sem o outro. Através de comparações poéticas, Vinicius de Moraes enfatiza que a vida sem o ser amado é incompleta, assim como a canção precisa da voz para existir ou o oceano precisa da lua para ser belo.

O poeta também aborda a inevitável presença da tristeza no amor, sugerindo que o sofrimento é um componente natural e até mesmo necessário para que o amor seja grandioso. A aceitação da dor como parte do amor é um convite para enfrentar os desafios sem medo, pois todos os caminhos levam ao encontro do ser amado. A música reflete a visão de Vinicius de que o amor é um sentimento sublime, capaz de transcender distâncias e adversidades.

A canção é um clássico da música popular brasileira e reflete o estilo lírico e emocional de Vinicius de Moraes, que era conhecido como 'o poeta do amor'. Suas obras frequentemente exploram os temas do amor, da paixão e da saudade, e 'Eu Não Existo Sem Você' é um exemplo marcante dessa temática, ressoando com ouvintes que se identificam com a experiência universal do amor profundo e suas complexidades.
Fonte: https://www.letras.mus.br/vinicius-de-moraes/49268/

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 41

 

José Feldman (A Arte da Filinha: Uma Comédia da Vida Cotidiana)

Ah, as filas! Essas longas serpentes de impaciência que se estendem como uma obra de arte moderna, sempre nos convidando a uma reflexão profunda sobre a condição humana. Se você pensa que a vida é feita de momentos gloriosos, experimente passar um dia inteiro na fila de um supermercado. Aí sim você vai entender o verdadeiro significado de “esperar”.

O supermercado, esse templo da alimentação onde, em teoria, você vai apenas comprar um pão e um litro de leite. Mas, ao entrar, você se depara com um labirinto de prateleiras e, claro, a fila do caixa. Você observa a cena: uma senhora, que parece ter saído de um filme de ação, está examinando cada item no seu carrinho como se fosse uma missão secreta. E ali está você, atrás dela, questionando suas escolhas: “Por que alguém precisaria de 17 pacotes de bolacha de água e sal?”

Enquanto isso, a jovem à sua frente está tentando pagar com um cartão que claramente já passou pela guerra. O caixa, que é um ser humano como você, tenta, com todas as suas forças, persuadir a máquina a aceitar aquele pedaço de plástico. E você, que estava apenas querendo um pão, agora se encontra em um drama digno de Shakespeare.

Saindo do supermercado, você pensa: “Pelo menos no banco as filas são mais organizadas.” Ah, ingênuo! A fila do banco é como um jogo de xadrez. Você se posiciona cuidadosamente, mas logo percebe que está cercado. À sua esquerda, um homem que parece ter uma consulta de emergência com o gerente, e à sua direita, uma mãe tentando explicar a importância da conta bancária para sua filha de cinco anos. “Não, querida, você não pode comprar um unicórnio com moedinhas.” O diálogo se arrasta, e você, que só queria sacar dinheiro, começa a imaginar a vida em uma ilha deserta.

E, claro, quando finalmente chega sua vez, o caixa está fora do ar. “Desculpe, o sistema está lento hoje.” Ah, o sistema! Essa entidade mística que nunca parece funcionar quando você mais precisa. Agora você se pergunta se é mais fácil sacar dinheiro de um caixa eletrônico ou se deve arriscar mais uma fila.

Ah, os caixas eletrônicos, essas máquinas que prometem a liberdade financeira, mas que muitas vezes se tornam um verdadeiro campo de batalha. Você se aproxima do caixa, triunfante, e aperta os botões como se estivesse jogando um videogame. Mas, claro, a máquina não reconhece seu cartão. “Cartão não identificado.” Que mistério! Você olha ao redor, esperando que alguém aponte a solução mágica, mas todos estão tão absortos em seus próprios dramas que você se sente como um personagem secundário em um filme sem roteiro.

E quando finalmente consegue fazer a transação, você se depara com a tela que pergunta: “Deseja realizar outra transação?” Você hesita, pensando: “Desejo, sim, mas não desejo ficar aqui mais um segundo.”

Depois do drama do banco e do caixa eletrônico, você decide que é hora de ir para casa. Mas, claro, o destino reserva mais uma fila para você: a do estacionamento. Você roda em círculos, como um hamster em uma roda, à procura de uma vaga. E quando finalmente encontra uma, tem que lidar com a arte de estacionar. O carro da frente parece ter sido estacionado por um artista surrealista, e você se pergunta se realmente precisa de uma licença de piloto para isso.

Uma vez estacionado, você se dirige à saída, apenas para se deparar com uma fila de pessoas tentando pagar seus tickets. O caixa, que parece ter saído de um filme de terror, tenta processar os pagamentos, mas a máquina de cartão está mais lenta que um caracol em um dia preguiçoso.

E assim, ao final de um dia repleto de filas, você volta para casa exausto, mas também um pouco mais feliz. Porque, no fundo, as filas são um microcosmo da vida. Elas nos ensinam paciência, resiliência e, claro, a arte de fazer amigos. Você pode até sair de uma fila com um novo conhecido, alguém que também estava preso no labirinto do supermercado ou tentando desvendar os mistérios do caixa eletrônico.

Portanto, da próxima vez que você se encontrar em uma fila, lembre-se: não é apenas uma espera. É uma oportunidade de rir, refletir e, quem sabe, fazer uma nova amizade. Afinal, o verdadeiro tesouro da vida pode muito bem estar escondido entre os carrinhos de compras e as máquinas de cartão. 

E se não estiver, pelo menos você terá uma boa história para contar!

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.