quinta-feira, 24 de outubro de 2024

José Feldman (Pafúncio no Manicômio)

(mais uma aventura da série Pafúncio, o jornalista trapalhão)

Era uma manhã ensolarada quando Pafúncio, o jornalista da revista “Fuxico & Fofocas”, recebeu uma ligação do editor que o deixou perplexo. 

“Pafúncio, precisamos de uma cobertura especial. Você vai ao manicômio e vai fazer uma reportagem sobre a vida lá dentro.”

Pafúncio, que não tinha a menor ideia do que significava cobrir um manicômio, apenas respondeu: “Claro! Vou fazer isso! Não se preocupe!” 

Ele estava tão animado que mal conseguia pensar na seriedade da situação.

Vestindo uma camisa de estampas psicodélicas e uma gravata que parecia ter sido desenhada por uma criança, Pafúncio chegou ao manicômio. Ao entrar, foi recebido por um enfermeiro que o olhou com desconfiança. “Você é o jornalista?” perguntou o enfermeiro.

“Sim, sou eu! Estou aqui para fazer uma matéria incrível!” Pafúncio respondeu, com um sorriso largo que parecia mais uma careta.

Assim que entrou na ala dos pacientes, Pafúncio começou a fazer perguntas aleatórias, sem prestar atenção nas respostas. “O que você acha do almoço servido aqui? É tão bom quanto o que servem em um restaurante chique?” perguntou a um paciente que estava sentado em um canto, olhando para o nada.

O paciente olhou para ele, confuso, e disse: “Eu só queria um pedaço de bolo…”

“Bolo! Ótima ideia! Vou anotar isso!” Pafúncio exclamou, enquanto anotava freneticamente. Ele estava tão entusiasmado que não percebeu que a conversa não estava indo a lugar algum.

A sua primeira trapalhada aconteceu quando ele decidiu que precisava tirar fotos para a reportagem. Ele começou a disparar flashes incessantemente, fazendo com que os pacientes se assustassem. 

Um deles, que estava concentrado em montar um quebra-cabeça, se levantou e gritou: “Pelo amor de Deus, pare com isso! Eu estou tentando focar!”

“Desculpe! É para a revista!” Pafúncio respondeu, mas já estava se distraindo com um paciente que estava dançando em cima de uma mesa.

“Olha, uma apresentação de dança!” ele gritou, enquanto começava a gravar em seu celular. O paciente, animado, começou a dançar ainda mais, mas acabou escorregando e caindo, fazendo com que uma série de cadeiras se derrubassem.

“Isso vai render uma ótima reportagem sobre talento escondido!” Pafúncio comentou, enquanto os enfermeiros começavam a correr em direção ao local do acidente.

A cada nova interação, Pafúncio se aprofundava mais em sua própria confusão. Ele encontrou um grupo de pacientes jogando cartas e decidiu que precisava participar. 

“Ei, posso me juntar a vocês? O que estamos jogando? Pôquer? Ou é um jogo de tabuleiro?” ele perguntou, sem entender que estavam jogando um jogo inventado por eles, que envolvia adivinhar quem era o “rei do dia”.

Os pacientes, rindo, decidiram que Pafúncio deveria ser o “rei” por um dia. 

Ele começou a fazer declarações absurdas, como: “A partir de agora, todos devem usar chapéus de papel alumínio!” e todos aplaudiram histericamente, enquanto Pafúncio se sentia como uma verdadeira celebridade.

Depois de algum tempo, um dos médicos entrou na sala e, ao ver a cena, ficou perplexo. “O que está acontecendo aqui?” ele perguntou, olhando para Pafúncio, que estava sentado em uma cadeira com um chapéu de papel alumínio.

“Sou o novo rei! E vocês todos são meus súditos!” Pafúncio exclamou, levantando os braços como se estivesse em um espetáculo.

O médico, já desconfiado, decidiu acompanhar o “jornalista” por mais um tempo. Pafúncio, ignorando completamente a seriedade do ambiente, começou a fazer perguntas sobre os tratamentos dos pacientes. 

“Então, como é receber terapia? É como ir a um spa, mas sem as toalhas quentes?” ele perguntou a uma mulher que estava desenhando.

A mulher olhou para ele, incrédula. “Depende… você gosta de água fria?” ela respondeu, enquanto Pafúncio anotava tudo como se estivesse em uma conferência de imprensa.

A situação foi se agravando quando Pafúncio decidiu que precisava entrevistar o diretor do manicômio. Ele se dirigiu ao escritório do diretor, sem saber que estava invadindo uma reunião importante. 

“Oi, sou Pafúncio! Estou aqui para fazer uma reportagem sobre a vida no manicômio! Posso fazer algumas perguntas?” ele interrompeu, enquanto os médicos olhavam para ele, atônitos.

“Desculpe, mas estamos ocupados,” respondeu o diretor, tentando manter a compostura. “Isso é uma reunião de emergência.”

“Uma emergência? Isso é ótimo! Posso fazer uma matéria sobre isso! ‘Emergência no Manicômio: O Que Está Acontecendo?’” Pafúncio disse, enquanto tentava se acomodar na mesa.

Os médicos começaram a se olhar, preocupados. 

“Acho que precisamos conversar com você,” disse um deles, levantando-se.

Com a confusão tomando conta, Pafúncio decidiu que era hora de fazer uma pausa e se dirigiu ao banheiro. Ao entrar, ele se deparou com um espelho e começou a fazer caretas, como se estivesse se preparando para uma grande apresentação. “E se eu me tornar o novo rosto da fama? Pafúncio, o jornalista que transforma manicômios em palcos!” ele pensou alto, rindo de sua própria ideia.

Enquanto isso, os médicos decidiram que ele era um risco para si mesmo e para os pacientes. Quando Pafúncio saiu do banheiro, foi cercado por enfermeiros e médicos que tentaram convencê-lo a se sentar e “conversar”.

“Mas eu só quero fazer uma reportagem!” ele protestou, mas os médicos não estavam ouvindo.

“Precisamos te internar por um tempo, você está se comportando de maneira estranha.” disse um dos médicos, enquanto Pafúncio olhava em volta, confuso.

“Estranho? Eu sou apenas um jornalista divertido! Olhem para mim!” ele exclamou, fazendo uma pose exagerada. “Não sou louco! Sou apenas… bem, um pouco excêntrico!”

Os médicos, já sem paciência, começaram a levá-lo para uma sala. 

“Pafúncio, por favor, não faça mais alarde! Você está atrapalhando a rotina do manicômio!” um deles gritou, enquanto Pafúncio tentava escapar.

“Isso não é uma prisão! Isso é uma reportagem!” ele respondeu, mas no fundo sabia que a situação tinha saído do controle.

Finalmente, em um último esforço para se libertar, Pafúncio começou a agir como se estivesse em um espetáculo, fazendo gestos grandiosos. 

“Eu sou o rei do manicômio! Vocês não podem me internar! Eu tenho que escrever sobre o talento escondido aqui!”

Mas, ao ouvir a palavra “internar”, um dos médicos, que já estava estressado, decidiu que já era suficiente. “Vamos colocar um ponto final nisso,” ele disse, enquanto Pafúncio continuava a protestar.

Finalmente, em uma cena digna de um filme de comédia, Pafúncio foi levado para fora do manicômio, enquanto gritava: “Isso vai ser uma ótima matéria! ‘Pafúncio, o jornalista que se tornou paciente!’”

E assim, ele saiu, rindo, sem saber que sua trapalhada se tornaria a maior história de todas. Afinal, a vida de Pafúncio era um grande espetáculo.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Vereda da Poesia = 141 =


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Saudade
é um
pedacinho
da gente
que ficou
pra trás.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A violência eu detesto,
porque é pelo amor que eu luto,
sem amor o mundo é um “resto”
eternamente de luto!
= = = = = = 

Poema de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Sudoeste

Olhando o mar, vi gaivotas, albatrozes,
garças, fragatas, pelicanos e golfinhos,
orcas, jubartes, tubarões... e vi peixinhos,
porém não vi, no horizonte, o teu veleiro.
... ventos uivantes, traiçoeiros e velozes
são os algozes do meu sonho aventureiro
e o meu olhar, fitando ondas tão ferozes,
sentiu a dor do meu amor chegar primeiro.

Se não te vi, meu doce amor, onde estarias?
...alçando velas ao sabor de alguma brisa?
... o sudoeste implacável não avisa
e é preciso conhecer sua emoção
pois, como o mar, amar nem sempre é calmaria,
porém o vento escolhe a própria direção
e quem não sabe conviver com a ventania
sequer conhece os vendavais de uma paixão.

Preso no cais, com meu olhar oceanando
abstrações nos horizontes passionais,
busquei sonhar, sentindo as brisas matinais
na minha na pele, qual tua boca tão macia
... brisa do mar... num sonho bom, acariciando
as emoções, quando o carinho faz poesia,
na areia clara que o mar vai apagando...
mas o desejo mais feliz sempre copia.

Fechei meus olhos e soltei meus devaneios
num céu azul... livre... no ar da esperança...
e quanto mais, no meu sonhar, me fiz criança,
mais eu voava e... quando... enfim... senti o mar,
tu me tocavas com a ternura dos teus seios
e eu percebi o quanto doce era te amar
num sudoeste que acordou os meus anseios,
e ainda trouxe a maciez... do teu olhar.
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2023
FERNANDO ANTÔNIO BELINO 
Sete Lagoas / MG

O tempo, indomável, faz
o rochedo em pedregulho,
mas segue sendo incapaz
de quebrar o teu orgulho!
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Na curvatura dos teus cílios

Em tuas cristalinas e macias asas
O pôr do sol cintila -
Escrevo as inicias do teu nome
Em uma  nuvem, àquela... lembra?
Com formato de coração
E, busco
Nas linhas dos teus lábios
O beijo com gosto
Das manhãs... do anoitecer
Das aguadas,
Tingidas com chá de romã,
Deslizando no Canson,
E na curvatura dos teus cílios
Faço uma pausa,
Emociono-me com tua lágrima
E, sinto o pulsar do teu coração
Nas asas de cristal,
Em tons de azul
Tinta, ainda molhada -
Inebria-se o vento,
A umedecer meus olhos...
= = = = = = 

Trova Popular

Ó alegria do mundo
por onde é que tens andado?
Tenho corrido mil terras,
e não te tenho encontrado...
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Tesouro brasileiro

As águas riscam mágico roteiro,
transformam-se na espuma alabastrina
e adornam com babados a cortina
que veste o colossal despenhadeiro.

No rasgo da floresta é rotineiro
o encanto derramado na retina
de quem conhece a graça que domina
a imagem do tesouro brasileiro.

Os cílios verdes dançam reverentes
ao firmamento preso na enxurrada
urdida pelas sôfregas correntes.

É justa toda láurea dedicada
às Cataratas do Iguaçu, presentes
da natureza, sempre desvelada.

(5° lugar no Concurso Literário-2023, pela Academia Literária do Oeste do Paraná)
= = = = = = 

Trova de
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO
Niterói/RJ (1929 – 2012) Nova Friburgo/RJ

A vagar pela cidade,
desde os tempos de menino,
procuro a felicidade
que mora além do destino!…
= = = = = = 

Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Pausa da natureza

Aprendi a seguir o exemplo da natureza...
Parar, observar todos os detalhes que a visão ainda me permite ver...
sentada no chão, sobre folhas mortas, caídas, já ressequidas
vejo a beleza do rio passar;
ele não para, é igual ao tempo que passa.
Ninguém pode parar suas águas que fluem,
agora lentas, ou rápidas, dependendo das estações...
Seguem seu percurso indiferente até chegar ao fim do vale,
quando abraçarão o mar...
A tarde passada olhando essa imagem calmamente,
até as árvores verdes fazem reverência ao rio,
as outras, com folhagem outonal, também estão na pausa,
logo o vento irá despi-las para o inverno passar...
Depois, para elas, virá a primavera mais uma vez.
Assim é a lei da natureza,
olho para o azul do céu,
nuvens brancas passando,
mudam a sintonia do meu pensamento.
Também reverencio minha pausa,
com gratidão ao tempo!
= = = = = = 

Trova de
HEDER RUBENS SILVEIRA E SOUZA 
Natal/RN

Numa garrafa vazia,
entregue ao mar, confidente,
um retrato reunia 
seu passado ao meu presente...
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Crepúsculo e aurora

Crepúsculo e aurora são dois marcos
suaves que norteiam meu viver;
seu lusco-fusco que nos lembram zarcos,
para o meu caso é fonte de prazer...

Mas esse par, de fato, são dois barcos:
um que me leva em pelo amanhecer...
e outro que, vendo os meus recursos parcos,
no ocaso, traz-me até meu bem-querer.

O sair e voltar, há longos anos
sempre esteve persente nos meus planos
de eterno amor por minha linda fada...

Saio bem cedo para trabalhar,
e à tardinha regresso ao doce lar,
para os beijos febris de minha amada.
= = = = = = 

Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Quem vive pela saudade,
por longos anos ou meses,
possui a felicidade
de reviver várias vezes.
= = = = = = 

Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Tarde no Mar

A tarde é de ouro rútilo: esbraseia
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia.
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas, 
São as asas do sol, agonizantes...
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Se queres saber se eu choro,
me empresta a tua mortalha,
com ela enxuga o meu pranto,
e o nosso filho agasalha.
= = = = = = 

Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Um olhar pode eternizar um momento
mas uma noite não dura para sempre.
Um sorriso às vezes é aconchego, ou
pode ser um retrospecto, um lamento.
Mas na noite... O sonho torna-se cura.
= = = = = = 

Trova Humorística de 
ALMIRA GUARACY REBELO
Belo Horizonte/MG

Sempre a rebaixar a idade...
Mania da tia Stela,
que chegou à raridade
de voltar a ser donzela!
= = = = = = 

Poema de 
FABIANE BRAGA LIMA
Rio Claro/SP

A mais bela poesia

Páginas… minha escrita sem nexo, hoje gritam
Há uma certa repetição de palavras
Poemas incoerentes, sem lucidez...
Palavras aglomeradas, infindas e rimadas.
Leio um livro, talvez tenha inspiração
Mas a saudade me faz companhia
Sempre presente, me faz melancólica
Aonde se esconde...!? Não a vejo!
Leal e afável. De repente me deixou...
Palavras belas, tua essência incógnita
Formoso, não sei! Vasto de encanto...
Tento te decifrar, mas não consigo, não lhe ouço
Preciso recomeçar, viver. Largo tua mão!
Cativou-me, seremos a mais bela de todas as poesias...
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Canoando mar afora, 
a esperança me conduz. 
Já vejo lá adiante a aurora 
trazendo uma nova luz.
= = = = = = 

Soneto de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ

Meu Conselho

Eu não gostei, amigo, do seu vício.
É fumaça demais na atmosfera.
Deixe o tempo correr, é primavera,
não lance o seu futuro em precipício.

Não use, em sua vida, um artifício
para matar o tempo enquanto espera
o fechar da cortina e da quimera
que envolve o nosso mundo, desde o início.

Viva a paz, viva o amor, a natureza!
Seja o seu corpo rocha, fortaleza,
dê, então, ao seu vício longas férias.

Com saúde não faça brincadeira.
Para que entupir, dessa maneira,
o caminho do sangue nas artérias?
= = = = = = 

Poetrix de
RICARDO MANIERI
Porto Alegre/RS

do tempo

Contemplo o tempo
do alto de meus dias
e sinto alguma vertigem…
= = = = = = 

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Desilusão

Qualquer dia, qualquer hora,
ponho minha viola no saco,
pego um par de chinelos e sapatos,
arrumo a mochila e vou embora.

Não quero ficar pra assistir o final,
esforçar pro filme não acabar mal,
se não posso mudar o roteiro
tenho direito de querer estar fora.

Minha bagagem é mesmo pequena.
sou coadjuvante em qualquer cena,
e no fim, do longa, sempre alguém chora.

Nunca fui muito bom de comédia,
virou drama e eu perdi as rédeas.
Substitua-me que eu quero ir embora.
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Gera corrida e surpresa,
notícia mal pontuada:
"A Mulata Globeleza
visita a Serra Pelada"!
= = = = = = 

Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Tudo quanto penso 

Tudo quanto penso, 
Tudo quanto sou
É um deserto imenso 
Onde nem eu estou. 

Extensão parada 
Sem nada a estar ali, 
Areia peneirada 
Vou dar-lhe a ferroada 
Da vida que vivi.
= = = = = = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

O mar da vida parece
que, às vezes, quer me afogar,
mas, Deus, que nunca me esquece,
atira a boia no mar!...
= = = = = = 

Hino de 
Piracuruca/PI

Água que vem da terra fria
E no nosso peito deságua
Feliz daquele que um dia
Bebe dessa água

Terra da lenda e da magia
Das Sete Cidades encantadas
Onde as pedras são vivas esculturas
Que se movem pelas madrugadas

E Olho D’Água do Padre
Rua da Goela e majestosa Igreja
De Nossa Senhora Do Carmo
Que eu adoro onde quer que eu esteja

Por todo lugar onde passo
Hospitaleira ela me aninha
Do Casarão do Padre Sá Palácio
Ao regaço da Prainha

Fogo que é fé e chama e luz
E traduz a força do lugar
Piracuruca dos Tocarijus
Quero este teu ar

Teu ar de grandeza e liberdade
Que os Dantas heróis precursores
Legaram a toda cidade.
= = = = = = 

Trova Premiada no Japão
DÁGUIMA VERÔNICA DE OLIVEIRA
Santa Juliana/MG

O sertanejo migrante,
fugindo à seca que avança,
nos sonhos de retirante
põe o resto da esperança. 
= = = = = = 

Sonetilho de 
OLIVALDO JUNIOR
Mogi-Guaçu/SP

No barzinho do Olivaldo

No barzinho do Olivaldo,
bebedor, só de poesia, 
que poesia que dá caldo 
para a nossa freguesia. 

No barzinho do Olivaldo, 
todo mundo tem valia, 
devedor, o eterno saldo 
que se paga dia a dia. 

Quem faz falta nesse bar 
é "cliente" para enchê-lo, 
gente amiga a papear. 

Um "Toquinho" pra tocar, 
e o Olivaldo, num "apelo", 
pode o bar inaugurar.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Quando a lua me abre as frestas
das lembranças que são tuas,
eu choro as velhas serestas
feitas à luz de outras luas!
= = = = = = 

Fábula em Versos
adaptada das Fábulas de Monteiro Lobato 
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Fábula do Pato e da Garça 

Um pato nadava, feliz na lagoa, 
Enquanto a garça, elegante, voava à toa. 
“Venha comigo, vamos dançar!” 
Disse o pato, com jeito de encantar. 

Mas a garça, com graça, apenas sorriu, 
“Cada um tem seu jeito, sigo o meu.” Ela arguiu.
No final, aprenderam a respeitar, 
Que a beleza está em cada um, ao brilhar.

Renato Frata (O sapo)

Na barranca havia um sapo ao abrigo de folhas de taioba. Sonhava conhecer a outra margem, mas permanecia na alfombra a observá-la perdido no tempo entre sussurros, resmungares e roncos.

As horas passavam com ele a admirar o outro lado, o verde mais verde da margem de lá. As árvores mais fortes, sinal de que a terra era melhor que a do seu lado. Diferente, majestoso, uma visão a criar fantasias que o punham a delirar. Os pássaros que cantavam lá possuíam vozes possantes e até o céu, das cercanias da taioba, era mais azul e o sol mais reluzente.

- Que belo! - exclamava. - Num lugar tão especial os insetos devem ser mais saborosos... Um dia ainda me mudo.

E permanecia sonhando desejos repetidos: o lado de lá, bonito e próspero, prometia...

Olhando, entretanto, para seu corpanzil, viu-se mais velho do que era e bem cansado, mesmo sem ter feito coisa alguma além de imaginar o quão bom poderia ser o outro lado, especialmente pelos apetitosos insetos que imaginara viverem ali.

A prova da velhice era sua respiração trôpega que o obrigava a ficar de boca aberta, puxando e expelindo ar, o que lhe tirava roncos do peito como uma máquina barulhenta. Não se poderia dizer se era obstrução respiratória ou a perda de elasticidade do decorrer da idade.

O fato é que, enquanto pensava, resmungava.

Era um sapo resmungão!

Como não se conhece a língua dos sapos, só outro entenderia o que expressava e, como vivia só, talvez fosse o peso da consciência a lhe cobrar a inanição e covardia por nunca ter atravessado o ribeirão.

Sua pele rugosa tingida de terra indicava que ele se preparava sem o saber, para voltar a ser terra como ditam os ciclos da vida, mas o que importa é que ele, sob as folhas, sugeria apenas desejo, e não o ímpeto.

Sonho sonhado não passa de vão desejo.

Uma dúvida surge nessa reflexão; por que não atravessava o ribeirão, se era anfíbio? Por que não fora pela ponte abaixo de onde estava a taioba? Perguntas sem respostas.

Há coisas que como o sapo nos põem sob camisa de força, com pensamentos a voarem flanando qual asas de borboleta, sem se importarem se está frio ou calor, se chove ou não, porque o importante é a aventura, a realização. Mas há os que flanam em mariposas em volta da luz e acabam por morrer chamuscados. Esses são os insensatos.

Com o sapo seria assim; covarde ou preguiçoso? Se não queria enfrentar a correnteza nem atravessar a ponte, por que sonhava?

Como disse Madre Tereza de Calcutá, "a disciplina é a ponte entre os objetivos e as concretizações".

Mas cobrar isso de um sapo que não conheceu a Madre e nem não sabia ler, seria um contrassenso. O que apavora, contudo, é que muitas vezes nós, que sabemos da Madre tanto quanto da leitura, por preguiça ou desmazelo nos transformamos em sapo sob taioba.

Olhamos a outra margem e viajamos... apenas na inveja...

Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Chega de saudade)

(bossa nova, 1958)
Compositores: Tom Jobim e Vinicius de Moraes


Vai minha tristeza e diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer
Chega de saudade,
A realidade é que sem ela não há paz,
Não há beleza, é só tristeza
e a melancolia que não sai de mim
Não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar,
Qua coisa linda,  que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca

Dentro dos meus braços os abraços
hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, calado assim, colado assim
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é prá acabar com esse negócio
de você viver sem mim

A Melodia da Saudade
A canção "Chega de Saudade", é um marco na história da música brasileira, sendo considerada por muitos como o ponto de partida do movimento Bossa Nova. A letra da música expressa um sentimento profundo de saudade e o desejo ardente pelo retorno de um amor ausente. A tristeza é personificada e enviada para convencer a amada da necessidade de seu regresso, destacando a dor e o vazio deixados por sua falta.

A repetição do verso "Chega de saudade" ressalta o limite da tolerância do eu lírico para com a ausência da pessoa amada, enquanto a descrição da realidade sem ela é pintada como desprovida de paz e beleza, repleta apenas de tristeza e melancolia. Essa intensidade emocional é característica das composições de Jobim, que frequentemente explorava temas de amor e natureza em suas obras.

A música também utiliza metáforas, como a comparação dos beijos que serão dados com a quantidade de peixes no mar, para ilustrar a imensidão do amor que o eu lírico sente. A promessa de abraços e carinhos sem fim reforça a ideia de um reencontro apaixonado e a necessidade de pôr um fim à distância que separa os amantes. A canção é um apelo emocional que reflete a universalidade do sentimento de saudade e a esperança de reencontro.

Embora considerada o marco zero da bossa nova, “Chega de Saudade” não é na opinião de Tom Jobim uma composição bossa nova. Em depoimento ao jornalista Tárik de Souza (para o livro Tons sobre Tom), ele esclareceu: 

“Minha mãe criou uma menina, que também se chamava Nilza (nome da mãe do Tom) e me pediu para comprar um método de violão para ela, que tinha boa voz. Comprei o método do Canhoto que trazia (...) aquele sistema antigo (de acordes) primeira, segunda, terceira. (...)

Fui obrigado a explicar para ela naquele método (...) e acabei me envolvendo com aquela sequência de acordes, completamente fáceis. Inventei uma sucessão de acordes, que é a coisa mais clássica do mundo, e botei ali uma melodia.

Mais tarde, Vinícius colocou a letra. De certa forma, sentindo a novidade da bossa nova, do João Gilberto e daquele meio em que a gente vivia, talvez Vinicius tenha sido levado a intitular a música ‘Chega de Saudade’. (...) Esse título é engraçado porque a música tem algo de saudade desde a introdução. Lembra aquelas introduções de conjuntos de violão e cavaquinho, tipo regional. (...).

Na segunda parte, passa para maior (modo maior). Acontecem todas aquelas modulações clássicas que você encontra na música antiga. Isso cria um absurdo: o ‘Chega de saudade’ já é uma saudade jogando fora a saudade!”.

Realmente, a bossa nova de “Chega de Saudade” está quase toda na harmonia, nos acordes alterados, pouco utilizados por nossos músicos da época, e na nova batida de violão executada por João Gilberto. A novidade rítmica fica muito clara, especialmente sob os versos “dentro dos meus braços os abraços / hão de ser milhões de abraços / apertado assim...”, com o violão indo na contramão da forma institucionalizada de se tocar samba. Aliás, a inovação já está presente na gravação de Elizeth Cardoso, a primeira de “Chega de Saudade”, feita para o elepê Canção do amor demais, que tem a participação de João Gilberto como violonista.

Esse disco, lançado pela pequena marca Festa, do produtor Irineu Garcia, é considerado por Tom Jobim (em depoimento a Zuza Homem de Mello, em outubro de 68) “um marco, um ponto de fissão, de quebra com o passado”. No dia 10.7.58, seis meses depois da gravação da Elizeth, aconteceu a do João, naturalmente repetindo a mesma batida de violão e apresentando o seu estilo bossa nova de cantar.

Este disco histórico, que traz na outra face o baiãozinho “Bim-Bom” (classificado no selo como samba), provocaria a pitoresca e mal-humorada reação de Álvaro Ramos, gerente das Lojas Assunção, quebrando o disco, indignado com o que o Rio lhe mandava. Atribuída no anedotário da bossa nova a Osvaldo Gurzoni, diretor de vendas da Odeon em São Paulo (que também não gostara do disco), a verdadeira identidade do autor da façanha (Ramos) seria revelada por Ruy Castro no livro Chega de saudade. Esse episódio aconteceu em São Paulo, em agosto de 58, às vésperas do lançamento do disco de 78 rotações, que precedeu em alguns meses o elepê homônimo.

Fontes: 
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo. vol.2.
https://www.letras.mus.br/tom-jobim/49028/significado.html