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quarta-feira, 13 de abril de 2022

Sammis Reachers (A pouca valentia de Anésio)

O hoje motorista Carlos Pompeu era então cobrador, trabalhava na linha 62, na parte da tarde, tendo por parceiro o motorista Anésio. Anésio, por sua vez, era um grande zoador.

Certa feita, tarde da noite, eis que dá sinal para o ônibus uma moça aparentemente muito bonita. Mas, ao encostar o veículo para o embarque, Anésio percebe que aquela moça não tinha selo de originalidade...

A roleta era na parte de trás, Anésio, que nunca perdia a chance de sacanear o cobrador, não perdoou e lá da frente foi logo zoando o Carlos, rapaz tranquilo e pacato:

- Aêê, hein, Carlos, ganhou pra hoje!!! Já não vai perder de zero!!!
 
Carlos ficou muito sem graça. Mas a menina, na verdade um enorme travesti, percebeu que a zoação envolvia a sua distinta pessoa.

- O que ele está dizendo lá? - perguntou.

-Acho que ele tá dizendo que eu vou ficar com você...

- Ah, é, né, ele então é o espertão...

Dito isto, a 'menina' foi lá para a frente, sentou-se próxima ao    motorista e se espreguiçou no banco, fingindo dormir.

Anésio olhou pelo retrovisor, e viu a figura aparentemente dormindo. Era a chance de ele continuar a zoar.

- Como é que é Carlos, levanta daí. Sente-se ao lado da moça, rapaz. Seja macho! Vem dar um beijinho nela, cê tá solteiro mesmo...

De repente, a 'moça' se endireitou no banco, e olhou fixamente para o espelho central do carro, olhos nos olhos de Anésio. Só então que o sacana do piloto reparou que a menina era bem grande, e tinha ombros largos e braços grossos.

O ponto da moçona descer se aproximava, e ela levantou-se. Chegou ao lado de Anésio e falou com uma até ali insuspeita voz grossa e rouca:

- Seu velho babaca, o que você estava falando de mim aí?

- Eu? Eu nada... Só disse que o cobrador precisava de uma namorada...

- E porque você não namora ele, seu babaca?!!

- Ei, olha como você fala comigo, hein! Tá me faltando com o respeito!!!

- Respeito é o caramba! Onde estava seu respeito quando eu subi no ônibus? Levanta daí desse banco que eu vou te mostrar meu respeito!

- O quê, o quê???!!! Tá me chamando pra porrada? Se eu levantar eu arrebento contigo!!!

- Então levanta, seu babaca!!!

Nesse ponto, o pacato (e perdoador) Pompeu já havia se levantado e ido até a frente, para apartar as duas 'meninas'. O ônibus parou, e por fim o travesti maior desceu no seu ponto.

Num momento de rara sinceridade, Anésio olhou para seu parceiro e falou:

- Sabe Carlinhos, que bom que você não deixou eu brigar com aquele traveco. Eu estava reparando o tamanho dele daqui, e se eu entrasse numa acho que ia é entrar na porrada! Com aquele tamanho e aquele bração, ela ia bater em mim e em você!!!

- Eêê, para! Em mim não, cara-pálida, o espertão aqui é você. Agora, veja que coisa! O zoador deu mole, o valentão do volante amarelou para um traveco, imagine o que a galera vai dizer...

- Qué isso, Pompeu, faz isso não, cara, sabe que somos amigos e tudo aqui é na brincadeira...

- Pois se você me fizer passar vergonha só mais uma vez, eu vou explanar a sua amarelada pr'aquela boneca...

E, enquanto durou aquela simpática dupla, nunca mais o valente e zoador Anésio sacaneou o pacato Carlos…

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 31 de março de 2022

Sammis Reachers (Nildo, a lição de Jaú e o balde de cal)

Amigos, o Nildo, anos depois, já como motorista da empresa Pendotiba, certa vez foi obrigado a pegar um veículo 'normal' (grande) na garagem, para fazer linha, lá pelas 07h00 da matina. Acontece que Nildo, desde que iniciara ao volante, trabalhara sempre em micro-ônibus, pelo que estava desacostumado de rodar em ônibus grandes. Mas, vida que segue.

Indo nosso querido Nildo em direção ao ponto final, para começar a fazer linha, na altura da rotatória do bairro Baldeador, nosso amigo, desacostumado com carroções, raspou o pneu no meio-fio.

Naquela época os pneus dos veículos da Pendotiba, assim como de algumas outras empresas, eram pintados com algo em torno de cinco ou seis bolinhas brancas na lateral:    para cada bolinha  daquela que    aparecesse raspada, o motorista era obrigado a pagar uma quantia em dinheiro!

Sentindo a raspada, Nildo parou o veículo e desceu para avaliar o 'prejuízo'. A raspada fora à vera: quatro bolinhas haviam desaparecido! E ele ainda nem começara a fazer linha, a apanhar passageiros...

Mas, ali próximo havia um galpão da CLIN, a companhia de limpeza e conservação urbana de Niterói. Por uma incrível sorte, Nildo observou um funcionário da CLIN munido de uma lata de cal e pintando os meios-fios, alguns metros adiante. Nosso amigo imediatamente lembrou-se da lição do velho Jaú, o "liquid-paper", e não se fez de rogado: apanhando no lixo uma pequena garrafa plástica de 6OO ml de Coca-Cola, foi até o gari, pediu um pouco de cal, e em seguida, voltando para o carro, apanhou em sua bolsa um chumaço de papel higiênico.

Após limpar o borrado do pneu, com o papel encharcado de cal, o bom Nildo pintou novamente as quatro bolinhas faltantes, e ficaram redondinhas, perfeitas as meninas! Tão certinhas que Nildo rodou o resto do dia e ninguém percebeu sua obra de arte...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

domingo, 13 de março de 2022

Sammis Reachers (O patrão, o lambão e a festa de aniversário)

Era ainda naquela época romântica onde não tínhamos os rádios Nextel: era tudo na base do radinho PX mesmo.

Em cada ponto final das linhas da Ingá, havia um desses rádios. O canal era um só, e sendo  assim o que um falava era ouvido por todos. Sim, TODOS, em cada ponto.

Então vamos lá: Certa feita, o veículo do motorista Marcelo, modelo novíssimo, acendeu uma das luzes de alerta    de    problema    (que    chamamos    na    gíria    dos rodoviários    de    "belga")    no    painel.     Problema    por problema, o motorista não sabia que símbolo era aquele, ou o que ele representava. Bem, ele sabia que era um problema mecânico ou elétrico, e a norma era uma só: que ele parasse o carro e ligasse para a oficina da garagem, requisitando instruções sobre como proceder.

Enquanto o motorista passava os passageiros para outro carro, solicitou ao cobrador que fosse até um telefone público (o popular orelhão) próximo, e ligasse para a empresa.

Ao atender, do outro lado, o rapaz da portaria colocou-o em contato via rádio com a oficina. Lá, o responsável perguntou:

– Alô, é da oficina. É para comunicar alguma belga?

- Sim, sim, é o carro prefixo Nit 101.045... Belgamos aqui perto da faculdade Plínio Leite.

- O que houve?

- Acendeu uma luz no painel, aí paramos o carro.

- Que luz que acendeu?

- Olha, eu não sei não...

- Você é o motorista? Como não sabe?

- Eu sou o cobrador. Mas ele também não sabe!

- Ué?!! Ele está aí perto? Chame ele aí, ou pergunte como é o símbolo que se acendeu.

O cobrador então perguntou ao motorista, que já havia colocado os passageiros em outro veículo, e foi lá novamente olhar no painel, comunicando então seu parecer ao cobrador.

- Olha, ele está dizendo aqui que nunca havia nem visto nem reparado nesse símbolo... Ele disse que se parece com um bolo... e outro símbolo por cima como uma faca... Ele tá dizendo que parece um bolo de festa ou aniversário...

Nesse terrível instante, o dono da empresa, o senhor Francisquinho, que ouvia a todo o estranho diálogo pelo rádio que havia em sua sala, tomou o comunicador e assumiu a palavra:

- Pois seu cobrador, aqui quem fala é seu patrão, o senhor Francisco. Diga ao motorista que a luz "que parece um bolo de aniversário" acendeu porque hoje é o aniversário desse carro. Isso mesmo. E diga para ele sair do volante e bater palmas, e você bata palmas também com ele, para comemorar!!!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Sammis Reachers (Cleomir e a saída do baile funk)

Cleomir era um camarada baixinho e magricela, antigo morador do morro do Juca Branco, em Niterói, Era a figura do malandro: bom de lábia, cheio de ginga e com as gírias na ponta da língua. Cleomir trabalhou durante alguns anos na empresa Ingá, como cobrador. No início da carreira, não teve jeito: o malandro magricela teve que trabalhar no sereno (horário da madrugada) por algum tempo. Das linhas de sereno da Ingá, a pior naquela época (e ainda hoje?) era com certeza a linha 26 (Caramujo x Centro). O bairro do Caramujo quase sempre foi um bairro chapa-quente.

Durante alguns anos, lá ocorreu um tradicional baile funk. O baile era tão requisitado e conhecido que vinham galeras de outras comunidades (controladas, claro, pela mesma facção criminosa) para curtir o baile. Se você é rodoviário, deve saber como são as festas: as pessoas vão chegando aos poucos, espalhadas. Mas, na hora de ir embora, parecem sair todas ao mesmo tempo, e lotam o primeiro ônibus que estiver na reta.

E assim era o tal baile, até porque não havia mesmo outro ônibus senão aquele único que fazia o sereno.

Num belo (pelo menos até ali) final de madrugada, já prestes a dar sua última viagem, por volta das 4h20 da manhã, eis que o motorista chega à pracinha do Caramujo, onde a carona rolava solta, até mesmo durante o dia. Final de baile. O motorista parou o veículo e, macaco velho e vacinado, diante daquela multidão, abriu as duas portas. Todos ali, claro, entraram pela porta dianteira, sem pagar. O Cleomir estava lá atrás, na roleta, tranquilamente observando a movimentação e tentando perceber algum conhecido naquela    multidão,    ou    ao    menos    alguma gatinha. Mas que nada: nem havia mulher alguma, nem algum conhecido, e olha que o Cleomir conhecia era malandro!

Parte então o velho carroção, indo em direção ao centro de Niterói, onde faria ponto final no Terminal Rodoviário João Goulart. Mas antes de sair do Caramujo, uma discussão se estabeleceu entre alguns passageiros. Enquanto o ônibus avançava,    o    tom rapidamente    foi    subindo;    algum desentendimento entre uma galera da Vila Ipiranga com uma turma vinda de São Gonçalo era o motivo do falatório, Ao sair do bairro para pegar a estrada, parece que    um    sinal    tocou    em    algumas    daquelas    cabeças alcoolizadas, e a pancadaria rufou, como se diz. O que era uma troca de sopapos entre dois elementos rapidamente foi crescendo e contaminando todo o ônibus, para susto e desespero de Cleomir, que era malandro, mas sempre correu de briga. Rapidamente a pancadaria chegou à parte de trás do busão, e Cleomir viu-se encurralado.

Tentou gritar para o parceiro:

- Pare esse ônibus aí, Alfredão!

Mas lá na frente alguns elementos já haviam dito ao motorista, Alfredo,    que se parasse ele também    iria apanhar, e deveria acelerar para chegar logo na Vila Ipiranga.

Acontece que o porradal estava tão intenso que até o Cleomir, coitado, acabou levando uma cipoada de raspão na cara. Não sabendo o que fazer e desesperado, o malandro pensou: "Em rosto que mamãe beijou ninguém mete a mão não!"

Em seguida pulou de seu trono, enfiou-se entre dois elementos que se esmurravam perto dele e abriu a janela. Era mesmo uma "janela de emergência": o malandro havia há muito tirado os parafusos que impediam que a janela se abrisse por completo, e assim o vidro abriu-se de par em par.

Mas haviam dois problemas: Um - o dinheiro. Este Cleomir resolveu pegando as notas que estavam na gaveta, e deixando para trás as muitas moedas e seus apetrechos, como o carimbo que se usava para carimbar os vales-transportes, que naquele tempo eram de papel.

O outro problema era mais indigesto: Seguindo as ordens da vagabundagem, o motorista Alfredão acelerara o ônibus à toda, e neste exato momento descia o morro da Caixa D'água por conta de Satã! Ao tomar mais uma pancada, o pequeno Cleomir não pensou duas vezes: tomou coragem (ou chegou ao limite o medo de apanhar?) e pulou pela janela do carroção encantado em alta velocidade, se esborrachando no chão!

Mas o malandro estava com o sangue tão quente que parece nem ter sentido o baque: levantou-se e saiu correndo, e correndo sem parar, da descida da Caixa D'água até a portão dos fundos da empresa (a Ingá), algumas centenas de metros distante.

Chegou na garagem esbaforido, ralado e sujo. Os poucos funcionários presentes o reconheceram, mas estranharam tanto seu estado quanto a ausência do ônibus.

- O que houve, Cleomir? Dormiu na rua? Cadê o ônibus?

Cleomir recuperava as forças para falar.

- Ah... ah... a porrada comeu... a porrada comeu dentro do ônibus... mais de trinta cabeças...

- Caramba! - disse um. - E o carro tá aí fora?

– ... Tá não... aff... tá não.

- Ué, e como você chegou aqui? Tá todo sujo e lanhado por quê? Te baixaram a porrada também???

- Não... é ruim hein?! Tô todo ralado mas porrada eu não levei não! Eu vi que não tinha jeito e pulei pela janela, que não sou otário!

- Mas mano, e o motorista, cara, e seu parceiro Alfredão? Deixou ele lá com os trinta?

- Amigo, sei lá de Alfredão, quero saber lá de parceiro! Quem tem parceiro é bandido! Pulei pra salvar a minha vida e nem olhei pra trás! Farinha pouca, meu pirão primeiro!!!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Sammis Reachers (Flashes: Pequenos toques de humor Ácido)

O motorista era o Jaime Cigano.

A mulher entra no veículo e, sem nem cumprimentar o profissional, indaga:

- Motorista, de que lado do ônibus fica o sol?

- Do lado de fora, senhora. Tenha um bom dia.
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Motorista Cocoroca, linha 730 (Charitas x Castelo), O chofer já cansado, devido ao engarrafamento quilométrico no centro do Rio. Tudo parado, em todas as direções: Minutos se passam e o veículo só consegue andar dez metros. Ele imobilizado na fila do meio, corre uma transeunte e bate com toda força na porta. Cocoroca, mesmo fora de ponto e sob o risco de tomar uma multa, abre. A mulher coloca um pé na escada e dispara:

- Oi, o trânsito está engarrafado?

Cocoroca não aguenta:

- Se ele estivesse dentro de uma garrafa... Mas me parece que congestionado ele está. Não lhe parece?
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O mesmo Cocoroca, a mesma linha. Uma chuva torrencial desabando, nosso amigo na última viagem para em frente à  Central do Brasil, para o embarque de passageiros. Ao abrir a porta, escuta esta:

- Quanto custa esse ônibus?

- Não sei... Isso só o dono da empresa pode lhe informar, pois foi ele quem comprou.
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Motorista Fernando e cobrador Silvio, carro cheio, ponto cheio, de repente uma mulher empaca na porta e pergunta, já berrando:

- Ô motorista, esse ônibus é o 49?

- É sim.

- E você vai direto nessa rua aqui? - disse ela, apontando para a frente, por sinal a única rua que havia.

- Não senhora, direto não. Eu vou parando.
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Motorista Hélio "Lindão":

- Seu motorista, esse ônibus pode levar meu cachorrinho?

- Aí do lado tá escrito "carrocinha"?
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Mesmo Hélio:

- Passa no shopping?

- Passa sim.

- Mas passa na porta?

- Eu nunca tentei, mas se tirar as escadas eu tento.

- Cavalo!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Sammis Reachers (Ele não queria ser motorista...)

Alcemir 'Maricá' trampava há 25 anos como cobrador da Ingá. Era homem de baixa estatura e corpo magro, conservado apesar da idade. Rosto sempre de sobrancelhas franzidas, como se fosse um cara 'brabo'.

Mas de brabo só mesmo a cara, e acerta o ditado quando diz que quem vê cara, não vê coração...

Entre lutas e dívidas, certo dia sua mulher, morena forte e enfezada, de estatura bem maior que a dele, mandou esse recado na cara do pequeno Alcemir:

- Agora chega, Alcemir! Com esse seu salário de fome não dá pra gente viver! Ou você vira motorista, ou eu largo de você e arrumo um!

No dia seguinte lá foi o nosso Alcemir, triste e amuado, falar com a chefia da empresa. Antigo e bom funcionário, ele imediatamente conseguiu uma chance na garagem, ou 'escolinha',

- Hoje à tarde mesmo você pode vir fazer o teste.

E assim, à tarde lá estava o assustado Maricá. O chefe da garagem era o lendário 'Seu' Joel, excelente, mas muito, muito exigente profissional. Um verdadeiro sargentão. Após as apresentações, Joel diz:

- Bem senhor Alcemir, sei que o senhor já sabe dirigir, pois possui carteira de motorista, categoria B. Está vendo aquele ônibus ali? Vá até lá, ligue o carro e saia bem devagarinho.

Missão dada é missão cumprida; Maricá entrou no veículo, sentou-se no 'cockpit', limpou o suor do rosto tenso. Girou então a chave na ignição e ligou o motor; mas em seguida, ao invés de liberar o freio de mão e passar a marcha à ré. Maricá levantou-se do banco e desceu do veículo bem, mas bem devagar (afinal Seu Joel não lhe mandara ligar o carro e sair bem devagarinho?), na ponta dos pés e olhando assustado para o Seu Joel, que não acreditava no que via...

Hoje o Alcemir, conformado, é um ótimo profissional do volante e continua a prestar serviços para a mesma casa, com ótima conduta e presteza.

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

domingo, 23 de janeiro de 2022

Sammis Reachers (A insanidade de Marival)

Finais da década de 90, eu havia acabado de entrar na função de cobrador, na empresa Ingá. Certo dia, em meio aos trabalhos, chegou a notícia de um feito quase inacreditável, de tão louco. Vamos aos fatos.

A linha era a 49-(mas naquela época as duas linhas 49 eram designadas, e não me pergunte o porquê, por 49-3 e 49-4). O cobrador era o Marival, mulato invocado e conhecido por seus arroubos de fúria. O dia de verão estava especialmente quente; eram por volta das três da tarde, os ônibus da tinha ainda não possuíam ar condicionado. Para completar, o carro estava rodando 'no buraco', a muita distância do carro da frente, e já lotado.

O furioso Marival estava transtornado. As roletas ficavam na parte de trás do veículo, no meio do salão, e a lotação era tanta que nem uma brisa conseguia entrar pelas janelas e alcançar Marival. O bruto suava em bicas, o sol batia diabólicos 43 graus, e chegando à praia de Icaraí, pra fechar o caixão, um engarrafamento fora de hora...

O amigo Marival já estava sentindo tonteiras, e de saco cheio. De repente, ele se levanta da cadeira e dá um berro lá pra frente:

- Chicão, abre aí! Abre essa droga de porta e espera que eu vou ali...

O motorista Chicão não entendeu nada, mas abriu a porta e viu Marival pular e correr para a praia.

– Vai pegar troco no quiosque - pensou o velho Chicão.

Qual não foi sua surpresa quando, alguns segundos depois, um dos passageiros gritou:

- Motorista, o Cobrador mergulhou na água!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

sábado, 15 de janeiro de 2022

Sammis Reachers (Aidano e o marimbondo de fogo)

Nosso amigo Aidano é um camarada polivalente. Mecânico de mão cheia, já foi gerente de loja, trabalhou em agência de aluguel de automóveis e por fim resolveu ganhar a vida como motorista de ônibus.

O ocorrido que iremos relatar aconteceu enquanto Aidano trabalhava na empresa Fagundes, em São Gonçalo. Uma das linhas onde nosso amigo  ficou efetivado foi na linha Alcântara x Curuzu, que ele mesmo classificou como "a melhor linha de ônibus em que já trabalhei".

Aidano trabalhava com uma cobradora da pá virada, enfezada e meio doida. Em certa viagem, ainda em Alcântara, o ônibus quase sempre era tomado por estudantes, que faziam a maior algazarra no veículo, enquanto voltavam para suas casas no Curuzu. A cobradora, muito aporrinhada, dizia para Aidano:

- Quando chegarmos no Curuzu, naquela rua cheia de buracos e quebra-molas, pode acelerar o ônibus pra essa galerinha que gosta de agitar, sentir um agito de verdade.

- Mas e você lá atrás? (as roletas ainda ficavam na parte de trás do veículo).

- Não esquenta comigo não, eu levanto e vou em pé. Mete bronca!!!

Pois assim Aidano fazia: era chegar no Curuzu e ele acelerava a velha jardineira à toda, botando a molecada pra pular. A cobradora vibrava, vendo o sofrimento dos agitadores...

Certa feita, chegando no Curuzu na viagem fatídica, nosso companheiro fez conforme o combinado. Mas, de repente, um grande marimbondo entrou pela janela ao lado de Aidano, e, sem ele ver, foi pousar diretamente em seu colo. Foi aí que o inacreditável aconteceu. O Infeliz do inseto foi dar uma ferroada lá, justamente no ponto fraco do homem; Ele sentiu aquela  pontada e imediatamente afastou o marimbondo. Mas em instantes a ferroada fez efeito e Aidano passou a gritar de dor, fazendo caras e bocas, xingando mais que a saudosa Dercy Gonçalves, mas sem diminuir a velocidade do veículo. Afinal, ele pensava, precisava chegar logo no ponto final para ir ao banheiro e avaliar o estrago, além de poder jogar uma água naquela fervura.

Enquanto isso, a molecada, já meio acostumada com o pula-pula, gritava adoidado. E lá de trás, em pé ao lado da roleta, a cobradora, ao ver Aidano berrando como um louco, imaginou que ele estava zoando junto com os moleques devido ao pula-pula, e resolveu entrar na onda: passou ela também a gritar e a rir alucinadamente, enquanto Aidano berrava e acelerava e o ônibus corria e sacolejava como se fosse desmanchar-se! Quem visse de fora aquela zona pensaria que aquilo era ônibus especial levando foliões de carnaval...

Pobre Aidano, somente ao chegar no ponto final é que pode ver que o lugar atingido estava inchado, do tamanho de uma laranja, e das grandes...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

sábado, 8 de janeiro de 2022

Sammis Reachers (O valentão da madrugada)

Algumas histórias por que passamos em nosso dia-a-dia envolvem certa violência, e sabemos que o melhor, em relação à violência, é mantermos distância dela. Afinal, "violência gera violência." Mas, trabalhando nas ruas, estamos sujeitos a tudo, e muitas vezes nossa única opção é dançar conforme a música. Trabalhando durante a madrugada então, ah, aí é que 'o bagulho fica doido'.

Tudo começa com nosso amigo Sílvio, hoje motorista e homem de Deus, mas na época trabalhando como cobrador, e dado a tomar alguns tragos da "marvada" cachaça. A madrugada ia em seus inícios, lá pelas uma da manhã. A empresa era a ABC de São Gonçalo; a linha era a 12, Santa Luzia x Covanca. Havia já alguns passageiros no carro, dentre    os quais alguns maus    elementos, bandidagem conhecida do bairro Jardim Catarina. Sempre pegavam carona    quando iam ou voltavam de suas 'atividades'. Área de chapa quente é sempre igual: Se não uma amizade, ao menos alguma tolerância se estabelece entre eles, os marginais, e os rodoviários que, acuados, não têm outro recurso senão fazer vista grossa a certos movimentos e caronas.

Pois bem, em certo ponto sobe no veículo um elemento, moreno parrudo, acompanhado de duas mulheres, bonitas e vestidas como 'mulheres da vida'. As mulheres passam pela roleta, e em seguida o cara que, mal-encarado, saca uma nota de cem cruzeiros, algo como 100 reais de hoje. Ao que Sílvio, o cobrador, pergunta:

- O senhor não teria nota menor aí não?

- Só tenho esse, dá seu jeito aí.

Sílvio disse então para o elemento aguardar, pois não havia ainda troco suficiente. O indivíduo, muito cheio de si e querendo se mostrar para as duas mulheres, que sorriam, começou a bater boca com nosso amigo. Ofensa vai, ofensa vem, um dos tais malandros, que estava lá no fundão do buzu, se levanta, vai até Silvio e diz baixinho:

- Aí, cobra, esse malandro tá chiando muito. Segura aqui essa peça e põe na cara dele - e em seguida sacou um trabuco da cintura e fez menção de entregá-lo a nosso amigo.

- Não, não, quero não, tá tranquilo - disse Sílvio, assustado.

Enquanto isso o indivíduo, entretido com as mulheres, sequer percebera a movimentação. Mas continuou a falar grosso, enquanto o malandro voltava para seu lugar.

Mas, meus amigos, o problema foi que o indivíduo não parou de falar. Não se aguentando mais, dois dos malandros se levantaram, e um deles foi logo apontando o canhão direto na cara do 'brabo'.

- Abre a porta aê, motorista. O otário aqui vai descer. Bora otário, desce!

O cara, levantando-se assustado e contrariado, ainda perguntou:

- E o meu troco?

– Troco?!! Tem troco não mané! Desce, vaza!!!

O indivíduo, agora sem a expressão de homem valente, desceu. Mas, como bom otário, cometeu mais um erro: do lado de fora, foi até a porta de trás, que se abrira para apanhar outro passageiro, e perguntou novamente ao cobrador:

- E o meu troco? Quero meu troco.

Ao ouvir isso, os malandros não se aguentaram:

- Para, para, para aê, motô, que nós vamos limpar esse mané.

Os quatro elementos desceram atrás do 'valentão', e o ônibus seguiu viagem, tranquilamente, com Sílvio aliviado por se ver livre da encrenca.

Uma semana depois, um dos malandros do Catarina apanhou novamente o ônibus da dupla. Ao reconhecer Sílvio, o marginal foi logo contando:

- Aí, cobra, lembra daquele otário? Limpamos ele e as duas meninas. Até a camisa e o tênis dele levamos.

Moral da história: Cuidado quando for pegar um ônibus na madrugada. Toda humildade é pouca!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Sammis Reachers (Malandro demais se atrapalha)

Agora vamos falar de um motorista que passou toda a sua carreira na empresa Ingá. Bom malandro, mulherengo e beliscador, nosso amigo tem um apelido inusitado: Videocassete. Isso mesmo, um malandro com alcunha de eletrodoméstico.

Bem, nosso amigo era chegado numa 'infração'. No tempo em que os ônibus da empresa não tinham câmeras, ele, se encontrasse um cobrador que também gostasse do 'belisco', fazia a festa: eram montes de passageiros pela porta da frente.

Eis que um belo dia nosso personagem está na garagem, e seu cobrador efetivo, que já estava acostumado aos trâmites e métodos de Videocassete, faltou ao serviço. Na garagem, 'torrando' (na sobra ou sem linha fixa) um cobrador novato, com somente uma semana de casa; negro magrinho, cria do morro Santo Cristo, no Fonseca, em Niterói. Nosso sagaz Videocassete olhou e pensou: "Êpa, olha ali um frango novo, vou colocar ele do jeito que eu gosto."

E lá foram os dois, fazendo linha na saudosa 62 Fonseca x Charitas. Mas, ainda saindo da garagem, enquanto estavam sozinhos no veículo. Videocassete perguntou ao rapaz, a quem ele avaliara como muito parado, muito devagar:

- E aí meu compadre, me diz ai: Você gosta de arrumar o do lanche? (Do lanche, fique claro, era a senha para roubar algumas passagens).

- Pô, gosto sim. Mas eu sou novo e fico meio cabreiro...

- Esquenta não, deixa comigo. Hoje a gente vai arrumar muito dinheiro.

E lá foram eles para a jornada de trabalho. Lá pelas tantas, já perto da última viagem, Videocassete chama o rapaz e lhe diz:

- Filho, você está começando agora, então vou lhe ensinar: Eu joguei um monte de passageiro pela porta da frente. Em compensação, a maior parte da arrecadação é minha. Entendeu? Se der cem reais, setenta são meus e trinta seus, pois o trabalho foi todo meu.

Ao ouvir isso, o cobrador pulou:

- Espere aí, mas Isso está errado! O certo é ser meio a meio! E se algum fiscal ver, quem vai pra rua sou eu, que não estou rodando a roleta quando me pagam!

Videocassete insistiu, desesperado para engabelar o rapaz:

- Rapaz, aqui funciona assim. Todo mundo faz assim. Ou você se enquadra no esquema ou fica ruim pra você.

O jovem, encurralado, resolveu assentir, para que Videocassete acreditasse que ele aceitou a sinistra divisão.

Ao fim    dos trabalhos,    o jovem calcula o valor conseguido: algo em torno de oitenta reais. Ao comunicar a Videocassete, ele disse:

- Imaginei isso mesmo, daqui da frente eu fico só contando... Então, já sabe: cinquenta para mim e trinta para você.

Já na garagem, o rapaz, após marcar junto ao despachante o número final da roleta e encerrar a guia (ficha) de trabalho, vai em direção ao nosso querido Videocassete, para lhe entregar, de maneira encoberta, a sua parte do despojo que amealharam. Faz de conta que está apertando a mão do mesmo, lhe entrega seu crachá e junto, a soma em dinheiro, em notas bem dobradinhas.

Videocassete, malandro velho, coloca imediatamente a soma no bolso, sem conferir, para que ninguém visse o movimento.

Dias depois. Videocassete avista o jovem rapaz na garagem. Faz menção de chamá-lo, mas o rapaz faz sinal de que não tem nada pra falar com ele. Videocassete, bastante irritado, vai em direção ao jovem, e ao chegar perto, cochicha:

- Rapaz, qual é a sua? Você me deu uma porrada de notas de dois reais enroladas, um volume enorme, mas tinha só vinte reais! E você ficou com sessenta!

Ao que o rapaz respondeu;

- Amigo, você acha que por eu ser novo aqui, sou algum otário seu? Fui criado na favela, no pé da malandragem. Acha que vim aqui pra tomar volta? Na escola em que você estudou, eu já dei muita aula.

E saiu andando, rindo de nosso velho Videocassete, que, dentro da garagem e à vista dos chefes, nada mais poderia fazer ou dizer.

É como se diz: O mal do malandro é achar que todo mundo é otário…

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Sammis Reachers (A garganta do Topete)

Sim, essa é outra história de nosso querido Paulo Paixão, o homem que vive em apuros.

No tempo de Fagundes, Paulo fazia o chamado turno duplo. Após a primeira pegada ou etapa, os carros eram levados para a Ilha da Conceição, em Niterói, onde se localizava uma garagem de apoio da empresa.

Bem, diversos motoristas largavam ao mesmo tempo, e juntos se dirigiam para o bairro de Ponto Cem Reis, onde pegavam o ônibus para a garagem do bairro Laranjal, em São Gonçalo, para prestar conta da féria arrecadada.

Pois lá foi o Paulo, junto a diversos cobradores e motoristas, dentro de um ônibus da linha Apolo x Niterói. Naquela hora da manhã, só haviam leões (rodoviários) dentro do ônibus. Paulo sentou-se num dos bancos da frente. Do outro lado do salão sentou-se o motorista Márcio, conhecido popularmente como Topete.

Falador, Topete logo sacou um enorme celular, e começou a contar vantagem:

- Tá vendo esse celular aqui, Paulinho? Achei ontem! Olha aí, que pancadão! Bluetooth, WiFi, autofalante potente.... Fui ver nas Casas Bahia: um celular desses custa uma grana, mano!

Realmente o celular era, à época, de último modelo, com todas as melhores funcionalidades que a tecnologia permitia. Paulo apenas observava, em silêncio.

Pois então eis que, aproximando-se o veículo da altura do bairro de Novo México, se levanta um indivíduo que estava sentado logo no banco grande lá da frente, até então apenas ouvindo a história que estava sendo contada às suas costas. Ele olha para Topete e Paulo, saca uma arma e aponta para... Paulo.

- Você aí! Perdeu, mané! Me passa o celular de que você tá falando aí!

Paulo, pego de surpresa, ainda tentou argumentar, ao perceber que o ladrão imaginara ser ele quem falava do tal celular:

- Eu? Mas meu celular é velhinho e está com defeito...

O malandro não acreditou e apanhou o celular que Paulo apresentou.

- O dinheiro, agora me dá o dinheiro!

- Mas eu não tenho dinheiro. Eu sou motorista e trabalho com cobrador, e não fico com o dinheiro.

Enquanto todo esse diálogo transcorria, o presepeiro do Topete já havia escondido seu poderoso celular. Vendo que Paulo não tinha mais nada para perder, e satisfeito por ter ganho o celular, o malandro puxou a cigarra (campainha) e desceu no ponto do Novo México, sem roubar mais ninguém, deixando para trás alguns passageiros bastante assustados.

Quanto ao sacana do Topete, ele ria baixinho, feliz por o indivíduo ter confundido o Paulo com ele. Já o nosso querido Paulo, lendário sofredor que, de "bucha", perdera seu velho Motorola "tijolão", estava desconsolado...

Só mais um detalhe: O celular de Paulo, que o malandro levara achando tratar-se de um último modelo, além de velho, estava com defeito: o miserável só falava no viva-voz.

Pobre Paulo. E pobre ladrão.

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

domingo, 12 de dezembro de 2021

Sammis Reachers (Cavalo ou égua?)

O motorista Marcão havia há pouco tempo saído da manobra ou escolinha. Como é de praxe na empresa Ingá, foi posto para trabalhar no sereno ou bacurau (o turno da madrugada}, para ganhar experiência.

Em mais uma noite de serviço, após rodar pra lá, rodar pra cá, lá pelas cinco da manhã, nosso amigo Marcão, homem tímido porém mulherengo, segue sonolento, carro vazio, já em sua última viagem. A linha é a 24, Palmeiras x Gragoatá. O dia começava a clarear, e Marcão apagou as luzes do salão, deixando o carro na penumbra.

Chegando em frente ao Plaza Shopping, no sentido de quem ia para o bairro do Gragoatá, àquelas horas, tranquilo e deserto, uma mulher dá sinal. Marcão para, abre a porta, ainda sonolento e desinteressado. A moça passa na roleta. Ao perceber que não havia outros passageiros no veículo, ela diz:

- Carro vazio, hein! Que legal. Bom para namorar... E aí, como você vai querer que eu pague a passagem, no dinheiro ou... Quer fazer alguma outra coisa?

Ao ouvir tal pergunta indiscreta, nosso sonolento e tímido Marcão deu como que um pulo no banco, entre assustado e já eriçado. Pensou em seu coração;

- É hoje! É hoje que eu tiro o atraso!

Já prestes a responder à moça, Marcão, agora sim bastante interessado, acende as luzes do salão e olha bem para a menina, pelo espelho retrovisor. Era bonita, a danada! Mas Marcão nota algo estranho, olhando para o pescoço dela: a "moça" possui um enorme pomo-de-adão, um enorme gogó, como se diz. Bem, para um bom entendedor, um pomo basta: aquilo significava que aquela Coca-Cola era Fanta, que aquela égua era na verdade um cavalo: um tremendo traveco...

Já murchinho em seu banco, Marcão respondeu:

– Dinheiro mesmo...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários. São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Sammis Reachers (Perseguição perigosa)

Este mesmo motorista, o nosso querido Paulo Paixão, em anos anteriores havia sido cobrador na empresa Fagundes, tendo depois passado para a manobra (a escolinha de motoristas dentro das garagens).

Uma bela tarde, lá vai Paulo para o município de Itaboraí, levando um carro desde a garagem da empresa, que ficava no bairro Laranjal, em São Gonçalo. Após deixar o veículo no destino, Paulo dirigiu-se tranquilamente ao ponto de ônibus para pegar uma viação e voltar para a garagem. Era de tardinha, por volta das três e pouco da tarde.

De repente para ou ancora no ponto, dando uma grande freada, um veículo da empresa Maravilha, lotado até gargalo. Imediatamente, nosso amigo Paulo escutou um grande estouro, parecido com um tiro. E na verdade era mesmo um tiro! As portas do ônibus se abriram, e muitos passageiros saltaram à toda, desesperados.

Todos já engataram a correr, assustados com o que quer que tinha acontecido dentro do ônibus.

O primeiro a descer foi um 'coroa', um idoso aparentando seus sessenta anos.

Paulo, não sabendo o que ocorrera, mas entendendo que coisa boa não fora, resolveu não pagar pra ver e imediatamente pôs-se a correr, acompanhando de perto o tal coroa, e sem olhar pra trás!

À certa altura, um carro encostou numa rua à frente, na direção para onde ambos corriam. O coroa imediatamente entrou no carro, que saiu à toda, cantando pneus.

Paulo, esbaforido, imaginou então que alguma coisa estava errada. Tinha que estar. Olhando para outros que corriam logo atrás dele, perguntou;

- Mas afinal o que houve lá?

Ao que um dos corredores, assustado, respondeu:

- Foi um assalto dentro do ônibus! O cara roubou a bolsa de uma senhora e ainda por cima atirou nela! E aquele coroa com quem você corria era o ladrão! Vocês estavam correndo tão próximos que pensei que você estivesse com ele...

Imagine se o velho ladrão, armado com um belo trabuco, pensasse que o pacato Paulo o estava perseguindo.

Escapou por pouco, o inocente!

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Sammis Reachers (As "belgas"* de Claudinho)

* “Belga”: sujeitar à quebra

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Cláudio Pereira, de Claudinho, que é seu carinhoso apelido não tem nada. É um camarada muito sério e com pinta de brabo, embora no fundo daquele coração seja bem tranquilo. Mas não pise no calo dele.

Claudinho começou na Ingá como cobrador. Não queria ser motorista, e após alguns anos, surgiu a oportunidade de ser auxiliar de plataforma, que eram aqueles camaradas que ficavam nas estações (baias ou plataformas) da Alameda São Boaventura, no objetivo de auxiliar a população e o tráfego de ônibus. Dois anos se passaram, e Claudinho se rendeu: Foi para a escolinha (manobra) para se tornar motorista.

Certa feita, após sair da garagem com o ônibus, e já indo em direção ao bairro da Ilha da Conceição, onde trabalhava na linha 60 (Ilha da Conceição x Icaraí), o motorista Alan, amigo de Cláudio, lhe manda um "zap":

- Ô Claudinho meu amigo, você esqueceu a lanterna do seu carro acesa aqui, do lado de fora da garagem da empresa... E o pior; o alarme disparou, e fica tocando de cinco em cinco minutos...

Claudinho pensou rápido e se assustou. Era ainda oito da manhã, e ele só iria largar lá pelas quinze horas. E mais, havia acabado de pagar trezentos reais naquela bateria – que além de descarregar, corria o risco de estragar. Ele precisava fazer alguma coisa, mas como? Belgar o ônibus?

Aí ele se lembrou do validador. O validador, a máquina que fazia a leitura dos cartões eletrônicos dos passageiros (RioCard e as gratuidades) estava bem lento. Não era bem um defeiiiiiiiito, mas... Tinha que servir!

Chegando no ponto final da Ilha, Claudinho foi logo avisando ao despachante:

- Olha aí Paulinho, este validador está muito lento e assim não dá pra trabalhar não. Já me aborreci ontem à beça com essa porcaria, vou levar esse carro pra garagem para eles darem uma olhada.

E lá foi Cláudio. Mas havia um problema: Ao passar a mensagem de áudio pelo Whatsapp para Cláudio, Alan estava próximo ao inspetor da empresa, Gilson, que marotamente ouviu toda a conversa. Mesmo sem saber que Claudinho iria belgar, ele já imaginava que alguma coisa ele iria aprontar só pra vir desligar a lanterna do carro? que era seu xodó, comprado com muito suor e algumas lágrimas.

Ao adentrar com o veículo na garagem, como era de praxe, Cláudio o levou até os fundos, onde fica a oficina, e depois voltou andando para a portaria da empresa, onde se reuniam os funcionários. Lá, antes de Cláudio abrir a boca, Gilson mandou:

- Fala Cláudio! E aí, qual é a belga?

-A belga é o validador, Gilson. Está muito lento...

- Não, não. A belga do ônibus eu sei, eu estou falando da belga do seu carro lá fora, com a lanterna acesa e o alarme tocando...

Claudinho mais uma vez pensou rápido, e pelo sorriso irônico de Gilson, percebeu que ele desconfiava que a belga do ônibus era só pra poder desligar a lanterna de seu querido Corsa. Mas, sincero que era, não se fez de rogado:

- Olha Gilson, a belga de um é o validador, e ele está lento mesmo, a gente pode ir lá e fazer o teste. Agora, a belga do outro eu vou lá ver. Confesso que vim aqui foi mesmo por isso. Gilson, a bateria do meu carro me custou trezentos reais. Mesmo se você me der três dias de suspensão, pra mim sai mais barato do que eu comprar uma nova. Sou sincero, chefia, meu carro é prioridade. Vê o que o senhor vai fazer aí.

Gilson, um chefe sério mas no fundo possuidor de um bom coração, ao invés de repreender e mais, punir Claudinho, disse apenas:

- Eu gosto desse moleque, gosto desse moleque... Moleque sincero, moleque macho.

E assim Claudinho, que não é pilantra, mas de bobo também não tem nada, escapou de uma bela punição - e ainda salvou sua bateria novinha...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Sammis Reachers (A velhota matreira)

Na linha 49 rodam muitos veículos. Por vezes chegam ao ponto final dois ou três, ao mesmo tempo.

Por motivos diversos, foi proibida a mudança de passageiros do carro de trás para o da frente. Tal fato gerou muita reclamação da parte dos passageiros, que preferiam adiantar-se no carro da frente a ter que aguardar a vez daquele em que já estavam poder sair.

Num belo dia chega o cordial e prestativo motorista Cleber ao ponto, tendo um carro já estacionado à sua frente. Ao estacionar e preparar-se para descer e levar a ficha (guia) ao despachante, para a marcação do horário, uma senhora idosa, bem franzina, lhe pergunta:

– Posso passar para o carro da frente, meu filho?

– Não, senhora, infelizmente não pode mais.

– Mas eu estou com pressa!

– Mas não pode mais, minha senhora, é ordem do dono.

– Mas o que eu vou ficar fazendo aqui dentro?

Cleber, homem tranquilo, mas já se estressando, disse:

– Olha, minha senhora, a senhora pode fazer o que quiser.

Disse isso e desceu do veículo, junto com o cobrador, deixando apenas a porta dianteira (embarque) aberta, para caso algum passageiro quisesse ir logo subindo.

Cerca de dois minutos depois, enquanto conversava com o despachante no ponto final, Cleber sentiu um toque em suas costas. Era a velhinha.

– Meu filho, como é? Esse ônibus sai ou não sai?

– Mas, minha senhora, a porta de desembarque estava fechada! Como a senhora conseguiu descer?

– Ué, meu filho, eu passei por baixo da roleta! Tá pensando que eu sou quadrada???

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Minha Estante de Livros (Renato Cascão & Sammy Maluco: Uma dupla do balacobaco, de Sammis Reachers)

 
 
Introdução do Livro, pelo autor

Este pequeno volume reúne algumas memórias de minha infância, transcorrida entre meados da década de 80 e inícios da década de 90 do século passado. Não faz assim tanto tempo, mas ainda era numa época em que as crianças, então não feridas pelas virtualidades da web ou enjauladas pelo risco da violência lá fora, brincavam de fato e de direito. E era um brincar na acepção plena do termo, na configuração máxima das 24 horas do dia, onde os pequerruchos exploravam o seu geralmente vasto espaço vital à exaustão.

Claro, nem tudo eram flores; a pobreza exercia o seu duro reinado, e aprendendo a driblá-la levávamos a vida – uma vida sofrida, transida de malandragem e inocência, mas, atropelando os pesares, profundamente feliz. Afinal, o chão da memória é apagar o grosso das sofrências, ou romantizar pela nublagem o rude dos amargos momentos.

Há um texto anônimo de grande beleza, e que acredito sirva de excelente introdução às pequenas e divertidas narrativas que aqui vão rascunhadas:

O QUE É UM MENINO?

Os meninos se apresentam em tamanho, peso e cores sortidas. Encontram-se por toda a parte, em cima, em baixo, dentro, fora, trepados, pendurados, caindo, correndo, saltando. As mães os adoram, as meninas os detestam, as irmãs e os irmãos mais velhos os toleram, os adultos os ignoram e o céu os protege. Um menino é a verdade de cara suja, a sabedoria de cabelo esgadelhado, a esperança de calças caindo. Tem o apetite do cavalo, a digestão do avestruz, a energia da bomba atômica, a curiosidade do mico, os pulmões de um ditador, a imaginação de Júlio Verne, a timidez da violeta, a audácia da mola, o entusiasmo do buscapé e tem cinco polidáctilos em cada mão, quando pratica suas reinações. Adora os doces, os canivetes, as serras, o Natal e a Páscoa; admira os reis e os livros de figuras coloridas; gosta do guri do vizinho, do ar livre, da água, dos animais grandes, do papai, dos automóveis e dos trens, dos domingos, das bombas e traques. Abomina as visitas, o catecismo, a escola, os livros sem figuras, as lições de música, as gravatas, os casacos, os barbeiros, as meninas, os adultos e a hora de dormir.

Levanta cedo e está sempre atrasado à hora das refeições. Nos seus bolsos há sempre um canivete enferrujado, uma fruta verde mordida, um pedaço de barbante, dois botões e algumas bolinhas de gude, um estilingue, um pedaço de substância desconhecida e um objeto raro, que lhe é precioso por 24 horas. É uma criatura mágica. Você pode fechar-lhe a porta do seu quarto de ferramentas, mas não a do seu coração... Pode expulsá-lo do seu escritório, mas não do seu pensamento. Toda a sua importância e a sua autoridade se desmoronam diante dele, que é o seu carcereiro, seu chefe, seu amo... Ele, um despótico e ruidoso mandãozinho!... Mas quando você volta para casa, à noite, de esperanças e ambições despedaçadas, ele pode compô-las num instante com as suas palavrinhas mágicas: "OH! — MAMÃE!".

É de se imaginar que as travessuras aqui narradas tenham como personagens principais esses dois aí do título: Meu amigo de infância, Renato “Cascão”, e o Sammy “Maluco”, este pacato alucinado que vos escreve. Mas não apenas eles ou nós: Outros atores desta ópera bufa que é a vida numa periferia se fazem presentes, emprestando suas histórias para, queira Deus, trazer um pouco de alegria e diversão a você, amigo leitor.
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Sobre o Autor
Nascido em 1978, em Niterói, mas desde sempre morador de São Gonçalo, ambos municípios fluminenses, Sammis Reachers é poeta, escritor, antologista e editor. Autor de dez livros de poesia e três de contos/crônicas, organizador de mais de quarenta antologias e professor de Geografia no tempo que lhe resta – ou vice-versa. Possui textos em vários blogs e sites.

Como autor, publicou:
São Gonçalo de Todos os Santos (poesias, 1999); Uma Abertura na Noite (poesias, 2006); A Blindagem Azul (poesias, 2007); Poemas da Guerra de Inverno (poesias, 2012); Deus Amanhecer (poesias, 2013); Pulsátil – Poemas canhestros & prosas ambidestras (poesias, 2014); Grãnadas (poesias, 2015); O Pequeno Livro dos Mortos (crônicas, 2015); Rodorisos – Histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários (contos, 2017); Poemas de Amor em Trânsito (poesias, 2018); Cartas & Retornos (poesias, 2021); Renato Cascão e Sammy Maluco – Uma dupla do balacobaco (crônicas, 2021).


Fonte:
Sammis Reachers. Renato Cascão e Sammy Maluco – Uma dupla do balacobaco. São Gonçalo/RJ: Ed. Do Autor, 2021.

sábado, 6 de novembro de 2021

Sammis Reachers (A gravata solucionadora de tretas)

Nos idos de 2016, quando a empresa Rosana, pertencente à Ingá, resolveu acabar com os cobradores, alguns deles, os mais antigos, foram realocados para a Ingá.

Nessa leva de cobradores, veio um irmãozinho muito sério e de pouquíssimas palavras. Negro de raiz nordestina, ele estava sempre com sua camisa de manga fechada na gola e de gravata por cima, mesmo trabalhando em carros sem ar condicionado, situação em que a empresa não requisitava o uso de camisa de manga longa, e muito menos da gravata.

Acontece que um velho e sacana cobrador da Ingá, o controvertido dinossauro Joair, cismou de ficar manjando o tal cidadão. E assim os dias se passavam e Joair se espantava vendo o bitelo, num calor des-gra-ça-do, trabalhando com aquela gravata apertando-lhe o pescoço, gravata que ele não tirava nem mesmo após largar do trabalho. Além do Joair, a galera toda já estava com medo:

"Vai que essa moda pega? Vai que o homem decide que todos devem usar gravata, mesmo no ônibus 'quentão'?"

Num belo dia de terrível calor, sufocante, Joair, após sair do trabalho e ver que o indivíduo largara ao mesmo tempo que ele, e se dirigia para o ponto de ônibus, sempre encapado até o gargalo, não aguentou mais e perguntou:

- Ô, ô meu irmão, com licença. Querido, um calor desses... porque você não tira ao menos essa gravata?

- Eu vou resolver um problema - respondeu o irmão, pego de surpresa.

Joair, que nunca foi de perdoar um mole, concluiu:

– Ué? Mas quem vai resolver o problema? É você ou a gravata?

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Sammis Reachers (A pinga, os pinguços e a vala de óleo)

O motorista era o Sidnei, que além de militar como chofer de busão era também soldado da Polícia Militar, no tempo em que era possível aos tais manterem dois empregos. Sidnei era o que podemos chamar de 'bandalha', aquele motorista meio amalucado, que quando dá na venta, faz o que quer.

Bem, nesse dia Sidnei vinha com o carro para a garagem da Ingá, já encerrados os trabalhos no turno da tarde, recolhendo de seu expediente na linha 31 (Beltrão X Ponta da Areia). O ônibus era um antigo queixo duro, com portas enormes.

O cobrador, outro presepeiro de responsa, o lendário Chacrinha, deitou-se no banco de trás do ônibus e veio dormindo enquanto Sidnei dirigia-se à garagem.

O bom Sidnei, bandalha como só ele, havia tomado umas cachaças antes de levar o carro para a garagem, mais até do que ele estava acostumado. Sim, grave infração, mas o cara era cana... Ao entrar na garagem, alguém lhe disse para colocar o carro 'na vala', que é uma parte elevada onde se lavam as partes inferiores e se fazem reparos nos ônibus. Sidnei, muito mamado, arremeteu à toda em direção à vala.

Segundos antes, ele havia aberto as duas portas, para que o marcador de roletas (catraca) na portaria da empresa pudesse anotar o número do encerrante, mas ao andar esquecera-se de fechá-las. Enquanto isso o velho Chacrinha, o cobrador, também mamado, nada de acordar.

Ao aproximar-se da vala, ao invés de diminuir a velocidade para posicionar o veículo no estreito espaço, o maluco do Sidnei se atrapalhou e acelerou ainda mais. O resultado? Deu uma grande bordoada no muro ao fim da vala, que foi ao chão.

Quanto ao cobrador Chacrinha, o boneco caiu do banco fim rolou como uma jaca madura e caiu para o fundo da vala, que sempre estava molhada e cheia de óleo e graxa.

Levantou-se desnorteado e todo torto, xingando, efeito da cachaça...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Sammis Reachers (Antônio e os malandros voadores)

Conheci Antônio enquanto ele trabalhava como cobrador na linha 24 (Palmeiras x Gragoatá), em Niterói. Ele já era um coroa, e sempre gente fina. Antônio hoje está encostado pelo INSS, e prestes a se aposentar. Mas, nos idos da década de 80, Antônio era um jovem cobrador iniciando seus trabalhos na empresa Ingá. Tirava o horário do chamado vice-pelanca (penúltimo horário da tarde), 16:45, na linha 49 circular.

Ao entrar na empresa, naquela época, Antônio se deparou com uma realidade singular: as caronas eram 'permitidas', ou melhor, toleradas: se algum fiscal visse a dupla dando carona, deixava passar batido ou no máximo chamava verbalmente a atenção dos responsáveis. Mas, se visse o cobrador ou o motorista pegando dinheiro, aí era rua na certa. O jovem Antônio, muito temeroso, evitava seja dar carona, seja principalmente, quando a carona era 'inevitável', aceitar qualquer dinheiro.

Pois bem. Uma bela tarde, já em início de noite, nosso Antônio vinha em sua terceira viagem, na altura do que hoje é o terminal rodoviário João Goulart (que na época não    existia). Tremendo verão, os reflexos do dia escaldante ainda se faziam sentir. Eis que sinalizam ao veículo e embarcam dois elementos um tanto suspeitos. Antônio estranhou: os camaradas estavam de blusas de manga longa, naquele início de noite muito quente. As roletas, claro, ficavam na parte de trás do veículo.

Um dos rapazes, sacando uma moeda e fazendo menção de dá-la para Antônio, disse:

- Segura aí essa moeda, sangue bom. Nós vamos dar um voo (passar por baixo da roleta).

Antônio recusou a moeda e disse que não poderia deixá-los passar. A fiscalização estava acirrada e, infelizmente, seria preciso que pagassem a passagem.

Um dos malandros, se irritando, sacou um grande bolo de notas de dinheiro, e disse para o cobrador:

- Dinheiro nós temos, otário. O negócio é que nós não queremos pagar passagem. Libera logo pra gente passar aí, vambora, rapál

Enquanto esse diálogo transcorria, um cidadão, sentado próximo ao cobrador, levantou-se e, já empunhando um tremendo três oitão e apontando-o para os caras, disse para Antônio;

- Não está vendo que eles querem te assaltar, rapaz? Num calor desses e esses dois de blusa comprida?

Os passageiros presentes no veículo, ao perceberem toda essa movimentação, ficaram assustados. Uma velhinha começou a gritar.

- Calma, calma todo mundo! Eu sou policial!

Os dois malandros olhavam assustados para o policial. Antônio, atordoado, não sabia o que fazer.

- Vocês vão pular ou vão morrer aqui? - Disse o policial.

E, antes que os elementos pudessem responder, ele gritou:

- Motorista, acelera! Acelera e abre a porta!!!

O motorista, que de santo não tinha nada, entendeu logo o recado. Acelerou à toda a velha carroça, e lá quase na altura do Moinho Atlântico, abriu a porta.

- Bora cambada! Ou pula ou morre! Ou pula ou morre!!!! - gritou o policial.

Sem pensar duas vezes, os dois elementos saltaram do ônibus em grande velocidade, dois malandros voadores...

Olhando para trás, tudo que Antônio pôde ver foram os dois malandros, pássaros sem asas, capotando diversas vezes no asfalto duro. Duro e ainda quente...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes
 do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Sammis Reachers (O valente Marcondes e o ancião larápio)

Atualmente, Marcondes abandonou a vida de rodoviário e está trabalhando no comércio. Vários podem ser os motivos, e quem sabe um deles é o que passaremos a relatar...

Jovem despachante, Marcondes iniciou sua carreira como cobrador, na empresa Ingá. Moleque malandro, desenrolado, gente fina mas também valente, "brabo" que só ele.

Efetivo no ponto em frente à estação das Barcas, no centro de Niterói, nos finais de semana ele costumava ser escalado para trabalhar do outro lado da rua, em frente à loja Leader, próximo ao Plaza Shopping. Não me pergunte como, mas nessas vezes Marcondes aparecia por lá com um banquinho de madeira, que era pra poder ficar sentado quando houvesse uma trégua na frenética movimentação de ônibus.

Posicionando seu banquinho tranquilamente encostado na parede da loja, nosso amigo costumava pôr sua mochila embaixo do mesmo, pois não havia mais onde guardá-la e ele não queria ficar com a mesma pendurada nas costas, durante oito longas horas. No mais, ali era prático e fácil de vigiar, pois ele só precisava levantar-se, ir até o veículo da vez e marcar a ficha, a apenas uns quatro metros do tal banquinho.

Certo dia, durante uma dessas marcações, um homem, já bastante idoso, viu o banco de apoio desocupado e simplesmente sentou-se nele. Marcondes percebeu, mas resolveu ficar quieto, pois isso acontecia às vezes, e geralmente com idosos: o cidadão ou cidadã via um banco solitário, parado no meio do nada, e já devia imaginar que era público, pois ia logo sentando-se, como se estivesse no sofá de casa. Nosso amigo então permaneceu em pé, e seguiu com as atividades. Marca carro daqui, marca carro dali, e nada de o velhinho levantar-se. Entretido com o trabalho, Marcondes    esqueceu-se momentaneamente do velhote.

De repente, sentiu    uma pontada, uma intuição latejando lá no fundo de seu ser, mandando observar o tal banquinho. Ao olhar, percebeu que o banco estava lá, mas agora vazio. "Ufa!", pensou nosso amigo, já cansado de ficar em pé. Mas sua alegria durou pouco; a parte abaixo do banco também estava 'vazia': sua mochila havia desaparecido!

Naquela região, num tremendo domingo, as ruas ficavam bastante desertas. O valente do Marcondes passou a vista para todos os lados, como uma águia, quando viu, a certa distância, o velhote, meio capenga, correndo e levando sua mochila. Imagine a fúria do nosso despachante!

Dando uma forte arrancada, já de punhos fechados, certo de que alcançaria rapidamente o ancião larápio, nosso herói sentiu algo atravancando o seu avanço: sua calça nova e da melhor qualidade, que ele comprara recentemente... Acontece que nosso amigo, vaidoso, mandara uma costureira apertar bem as pernas da calça, para que ficassem bem justinhas e sexys. Só que ficaram tão, mas tão justas, que impediam o valente de correr!

Imagine a tristeza do bruto, preso em suas calças apertadas, vendo o coroa capenga fugindo com sua mochila, sozinho, em plena luz do dia... e ele sem poder alcançá-lo. Por sorte do nosso amigo, a cidade estava tão deserta àquela hora que praticamente nem testemunhas havia para presenciar aquele ultraje, aquela humilhação de nosso guerreiro gladiador e sua calça de cantor sertanejo...

E assim nosso herói, mano sagaz, malandro bom de briga mestrado e doutorado na faculdade da favela, dentro dela, seus tesouros: três moedas de um real, uma penca de bananas d'água (era o almoço do bruto), uma garrafa de água (quente), um boné encardido da Cyclone e dois cuecões samba-canção sujos, que era tudo o que ele tinha...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.