terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Aluisio de Azevedo (O Japão Crônica) final

Pintura de Isis Lucena
---------------------------------------
5.o Capítulo

A ABERTURA

O leonino arreganho não produziu porém o efeito que esperava o leão, e as ovelhas acabaram por lhe fazer amargar um bem mau quarto de hora. Contavam sem dúvida os britânicos que as coisas se passariam como pouco antes na sua brutal e desumana expedição de Changai. — Quia nominor leo! mas os japoneses não eram chineses, não tremeram de medo com as ameaças da Soberana dos Mares, ao contrário, mal o Micado teve notícia da atrevida reclamação, expediu ostensivamente o seguinte manifesto aos trinta e seis mais importantes dos duzentos e sessenta e dois principais daimos do Império, no qual transparece toda a singela fortaleza de sua alma:

"Meus príncipes. As gentes desses navios de guerra ingleses; que por teima estão aí fundeados em Yokohama, pedem-nos contas pela morte de alguns de seus compatriotas assassinados em nosso país, e como satisfação querem não sei quais e quantas coisas, de que nem vale a pena tratar, porque nenhuma delas sem dúvida lhes será concedida. Mas, como a formal e desprezível recusa há de dar em resultado a guerra imediata, preparai-vos para ela com ânimo seguro. De minha própria mão vos envio Eu, Micado, este aviso para que estejais prontos no primeiro momento. A campanha será aberta por mim em pessoa."

O que há de mais notável neste ato é o modo pelo qual o Imperador já se dirige diretamente aos daimos, a quem chama "Meus Príncipes", pondo assim inteiramente de lado a autoridade shogunal. E não pára aí a inesperada ação do ex-fantasma de Kioto: calculando este que o astucioso Shogun lhe poderia destruir a obra tão bem começada, trata de isolá-lo dos ministros estrangeiros e de evitar que entre eles se tramem novas maquinações contra os seus planos; manda chamá-lo com a máxima urgência, dizendo-lhe que lhe precisa fazer em segredo de Estado importantíssimas revelações. Iyemochi cai no laço e vai a Kioto. Declara-lhe o Micado, em confidência íntima, achar-se o país em crise, e que pois a capital do Imperador e os seus arredores devem ser defendidos pelas forças permanentes do Estado confiadas ao Shogun; e que decidida como está a expulsão dos estrangeiros, haverá guerra provavelmente e daí negociações e ajustes a fazer pelo competente Poder Executivo debaixo das vistas do Chefe da Nação; o que só pode ter lugar no porto de Osaka por ser o mais próximo da Corte Imperial (trinta e poucas milhas de distância); e mais que, declarada a guerra, competirá ao Shogun assumir o comando geral das forças e entrar logo em ação.

E, depois de uma pausa, em que o silêncio foi absoluto, o Micado acrescentou, franzindo levemente as sobrancelhas:

— Será essa ocasião, meu jovem Shogun, a de melhor patenteardes a lealdade devida ao vosso Imperador e de pordes em relevo a vossa dedicação pela causa pública, usando daquela mesma energia e veemência com que repelistes à mão armada o miserável bando de maltrapilhos e famintos que vos foi importunar em Yedo!

Iyemochi fingiu não compreender e disse com um meio sorriso:

— Mas... tenho então de abandonar o governo do país? ... Parece-me que...

- Não vos dê isso cuidado, príncipe, atalhou o Imperador, far-vos-ei substituir durante a guerra por pessoa competente. Cumpra cada qual o seu dever observando as minhas ordens e o resto ficará por minha conta, que também saberei cumprir com o meu. Na ocasião solene de assumirdes o comando das armas, confiar-vos-ei, de mão a mão, a mesma sacrossanta espada que o imortal fundador da vossa dinastia recebeu diretamente das divinas mãos do meu antepassado Goyo Zei, quando tiveram que repelir, em condições talvez piores que as de hoje, a primeira invasão ousada pelos bárbaros do Ocidente nesta nossa terra tão bem fechada dentro das "Cem Leis" por Tokugawa Ieiás, e a qual os descendentes deste pretendem agora abrir à cobiça e à sensualidade dos nossos inimigos! (Iyemochi tossiu sem levantar os olhos.) Aprontai-vos para a guerra seguro da vitória, Tokugawa Iyemochi! Hão de chegar-vos à boca o peixe e o sakê do triunfo! Com a espada de Goyo Zei não podereis sair senão vencedor; além de que, é minha intenção ajudar-vos pelo meu lado, suplicando ao poderoso espírito de meus avós que lá das sublimes alturas vos proteja diretamente na patriótica expedição. Confiai nisso! e ficareis satisfeito comigo, suponho eu, pois creio não ter regateado convosco as minhas graças.

Iyemochi curvou-se até poder olhar pela frente os seus próprios joelhos e respondeu:

— Satisfeitíssimo, Imperial Senhor! Longe de haverdes regateado as vossas mercês, confundistes o meu cabal imerecimento com tanta prodigalidade. Vou daqui, sem perda de um instante, dar todas as providências para que as vossas sagradas ordens sejam cumpridas à risca... Parto imediatamente para Yedo e...

— Não! contrapôs o Imperador. Convém aos interesses do Estado que vos quedeis em Kioto; dar-vos-ei parte quando for oportuno o tomardes à vossa capital. Por enquanto vos deterei amigavelmente ao meu lado e, para que nada vos falte aqui, vou mandar pôr à vosas disposição os domésticos de que houverdes mister e, além das gueichas e menestréis mais escolhidos do meu kókio (harém), uma guarda de honra na altura da vossa condição.

O Shogun baixou a cabeça sem responder palavra. Estava prisioneiro. O coração naturalmente lhe estalava de cólera, mas na sua fisionomia não transluziu dela o menor vislumbre, porque não era debalde que os chins durante muitos séculos tinham ensinado ao Japonês o segredo da inalterável compostura do gesto, a fria ciência búdica de governar com a vontade a expressão do rosto no meio das mais fortes comoções morais, anestesiando os nervos condutores e impedindo-lhes levarem ao semblante nem a menos lúcida centelha do oculto incêndio, tapando a tempestade interior com uma indecifrável máscara de cadáver; triste e amarela ciência que é bem da Ásia, e que só poderia ter sido refinada a tal extremo por uma raça velha, impassível e hipócrita como a raça chinesa.

Foi com o mais fino e perfeito sorriso nos lábios e com a mais airosa reverência que o galante chefe dos Tokugawas se afastou do seu carcereiro, a recolher aos principescos aposentos de papel de seda que lhe haviam destinado no chiro imperial.

E aqui tem o leitor como conseguiu o Micado fechar na mão a influência do Shogun. Produziu logo o fato grande escândalo nos paços de Sua Majestade; ninguém atinava como poderia funcionar daí em diante a administração pública, pois que o Imperador não haveria de ser ao mesmo tempo poder deliberativo e poder executivo. Qual então seria agora o seu intermediário para com os daimos, se o chefe dos príncipes ficava preso em Kioto? Iria o Monarca chamar à alçada do Trono as Cortes Shogunais de Yedo? Mas isso, — que lhes valesse Amateras! — daria uma balbúrdia de todos os diabos! rosnavam entre si, perplexos e formigantes os cortesãos imperiais, que nada entendiam de administração e viam periclitar muito a sério o seu doce e defumado ócio.

Entretanto Komei, sem consultar nenhum dos seus Conselhos, nomeia o prestigioso Owari para substituir em Yedo o Shogun durante a guerra; encarrega Nabeschima, daimo com direito à sua inteira confiança, de defender militarmente a vasta bacia de Kuanto, onde se acha aquela capital, e entrega ao príncipe de Hizen, de quem já conhece a lealdade, a direção das forças marítimas que devem proteger as duas baías de Suruga e Sagami e as costas da península de Izo. E a todos os daimos, cujos principados confinem com o litoral, ordena que se recolham às competentes províncias e que se provenham para a guerra.

Quanto à indenização inglesa, nada, nem a mais ligeira referência nos seus atos oficiais; apenas, entre as instruções secretas dadas a Owari, no momento da partida deste, recomenda-lhe que, a todas as perguntas do Ministro inglês sobre o caso, vá respondendo sempre que o Shogun, em razão de interesse público e ordem direta do Imperador, se acha, por tempo indeterminado, ausente da sua capital, e que só ele pessoalmente pode dizer qualquer coisa sobre o assunto, pois foi o Shogunato quem, lá por conta própria; engendrou essa pantominice dos tratados, da qual, como contrária que é às leis do pais, não cogita o Chefe da Nação, nem está disposto a cogitar; e mais que, se os ingleses impugnassem tais razões com ofensas graves, então prendesse o Ministro e todos os mais que pudesse da mesma nacionalidade, facultando-lhe todavia os meios de comunicarem à sua esquadra que serão irrevogavelmente enforcados na praia à primeira manifestação hostil partida de bordo para a terra.

Nada disso porém chegou a acontecer. Terminado o prazo dos vinte dias, quando a Nação, já disposta para a guerra, contava que o Almirante Kuper resolvesse lançar mão das tais medidas coercivas com que o Ministro a ameaçara, eis que este, à vista da ausência do Shogun, oferece um novo prazo de igual tamanho, e depois ainda outro, que naturalmente não seria o último, se um fato decisivo ocorrido em Yokohama, onde havia então o único settlement existente no Império, não viesse de modo imprevisto torcer o rumo da questão.

É que, enquanto no litoral se armavam as fortalezas e no interior as eminências das montanhas, e enquanto os Tokugawas, tendo à frente os príncipes Aidzu, Ongasawa e Joren In, recorriam a todos os meios para libertar o seu chefe das mãos do Imperador, começava em Yokohama a formar-se o vácuo em volta dos estrangeiros que aí residiam, em número maior do que era de esperar da má vontade dos donos da terra. Sem causa apreciável, sem nenhuma justificativa, nem o menor comentário, organizava-se, pela calada e metodicamente, a emigração do elemento indígena, de uma à outra ponta do settlement.

Que significaria isso?... Que novidade haveria?... Ninguém o explicava, e, um atrás do outro, lá se iam esgueirando os empregados do comércio e os serventes domésticos naturais do país, alguns até abandonando o saldo a receber, sem nenhum deles declarar ao patrão porque deixava o serviço, nem para onde se punha. Qual seria o motivo de tão estranha greve? Os operários largavam a obra ao meio, perdendo o que estava feito; desmanchavam-se ajustes vantajosos; retiravam-se compromissos e palavras; fechavam-se casas comerciais e particulares depois de absolutamente esvaziadas; cambistas, negociantes, corretores, bufarinheiros, kurumaias, kulis, todos enfim que constituíam o elemento nacional no settlement, desertavam silenciosamente, sem mostras de ressentimento, nem tristeza, carregados de trouxas e com a filharada às costas. Afinal, um ou outro retardatário, preso por interesses de alta monta, liquidava às pressas, sem olhar prejuízo, as últimas transações e, já com as bagagens e a carroça ou o barco à espera, despedia-se para sempre.

E então?

Os europeus, a olharem de boca aberta uns para os outros, sem atinar nenhum com a razão daquele súbito abandono, viram-se reduzidos aos seus recursos pessoais, porque já não havia quem os servisse; muito gentleman teve que escovar as próprias botas, e muita Iady que pôr o avental de cozinheira; e começaram logo a imaginar em iminência toda a sorte de perigos, acabando, como era natural, por apoderar-se deles o pânico, que ao fim de alguns dias tomava já as proporções de intolerável angústia.

E no meio desse sobressalto terrível, dessa expectação de uma desgraça que ninguém explicava, ou cada qual explicava a seu modo para maior ansiedade e desespero de todos, no meio dessa incógnita calamidade que ia rebentar sem se saber donde, nem quando, começaram a chegar, como um sopro de morte, as primeiras notícias de que as forças japonesas já se mobilizavam ganhando os litorais; que o Imperador havia marcado o dia definitivo para a expulsa-o dos estrangeiros, e que o "Bando dos Roninos", como chamavam eles aos agitados nativistas, já em fúria descia a estrada do Tokaido na direção de Yokohama para invadir e saquear.

Os ingleses, que eram os mais de perto ligados ao instante desastre e eram também os mais afligidos pelo terror, foram agarrar-se ao seu Ministro pedindo-lhe garantias de vida e de propriedade. Houve reunião de diplomatas, conselhos de autoridades navais, de chefes de corporação e companhias; trocaram-se notas entre as diversas legações presentes; e afinal o Ministro inglês comunica oficialmente aos seus compatriotas que "As forças reunidas nas águas japonesas sob o comando em chefe do Almirante Kuper não eram suficientes para proteger a colônia, garantir a existência e os bens dos súditos de Sua Majestade Britânica, residente no settlement de Yokohama, e que por conseguinte convidava os mesmos a tomarem até o dia 26 desse mês (julho de 1863) as medidas que lhes parecessem necessárias para se porem ao abrigo da guerra marcada para aquela data."

E esta?'

Foi pior que uma bomba explosiva tão inopinado ultimatum da Chancelaria inglesa, caindo em cheio sobre a ávida e orgulhosa colônia, cujos membros, justamente nesses dois últimos anos, tinham em grande número feito vir da Europa as competentes famílias para junto de si. E semelhante confissão de fraqueza por parte dos enviados oficiais da mais forte Potência marítima que ali se achava, punha, nem só os ingleses, mas todos os estrangeiros de Yokohama, em estreitíssimo apuro: se a Grã-Bretanha não podia proteger os seus súditos quanto mais os outros Estados!

E para onde diabo queria o Ministro inglês que fugissem os seus compatriotas? Para onde, se de um lado estavam as forças japonesas, aos milhares e assanhadas de ódio; e do outro o Oceano, sem um só navio que os abrigasse, pois os existentes eram todos indispensáveis para o combate? E como os ingleses, os mais se encheram de pavor; holandeses, russos, alemães, norte-americanos e franceses viam-se já encurralados no estreito setilement, com suas famílias e seus haveres, dentro de um círculo de fogo, exterminados até o último por uma guerra feroz e bárbara, feita a ponta de azagaia e bombas incendiárias como usavam os japoneses.

A agonia foi terrível. A cada momento contavam com o ataque do bando assolador. Então, nem era de esperar menos de tão superiores raças, acudiu ao alto espírito de todos os representantes estrangeiros as idéias filantrópicas e os deveres morais da civilização. Foram lembradas, na ardente eloqüência dos momentos críticos, todas as conquistas humanitárias feitas até esse ponto do nosso século de luz pelo Internacionalismo liberal e triunfante! "Para que a guerra? — pergunta oficialmente o Coronel Neale, em nome de todos os diplomatas residentes em Yokohama, no seu longo Manifesto de 19 de julho de 1863 dirigido ao Governador de Kanagawa e daquela cidade. — Para que a guerra, se o fim da Europa no formoso Oriente é a confraternização e a paz? Em vez de lutarmos, melhor será que nos entendamos e que nos amemos. O que por si impõe antes de mais nada, como indeclinável necessidade do progresso humano, é que o nobre, o corajoso Povo Japonês, a tantos títulos obrigado moralmente a compreender as nossas boas intenções, resolva por uma vez abandonar essa idéia de má vontade e resistência contra os povos amigos, contra os seus irmãos do Ocidente, que o procuram para a consorciação universal, e nos abra os braços e nos receba como nós outros em nossos países fazemos, nem só com os japoneses, mas com todo e qualquer indivíduo proveniente seja de que nação for."

O manifesto em que vinha este tópico de requentada ternura produziu o seu efeito, graças aos Tokugawas que trabalhavam ativamente contra a guerra. Desceu logo de Yedo uma Embaixada presidida pelo transator Sakai Ukio, ministro do Shogun e amigo dos estrangeiros, com o qual chegaram os ingleses à fala e logo entraram a negociar as pazes, ficando inteiramente de parte a pendência da indenização.

Entre os nativistas porém o efeito do manifesto foi bem diverso. Um deles chegou a litografar um violento libelo que fez espalhar por Yokohama e no qual, entre muitas coisas, dizia:

"Com que então esse Colosso Europeu, esse roncador atrevido, até aqui tão arrogante nas suas indevidas reclamações, encolhe-se agora diante do perigo, porque, diz ele, receia lhe matem a mulher e os filhos?! Mas não foi o perigo que os foi buscar à casa; foram eles que vieram buscar o perigo à casa alheia! Que se agüentem! se lhes é duro o transe, mais dura é a pedra em que a sua audácia nos converteu o coração! Tremem pela mulher, os filhos; e nós? nós acaso não teremos também família, que vivia feliz e tranqüila ao nosso lado, e agora se vê, talvez para sempre, privada do seu chefe que, em vez de cuidar dela; anda à aventura das armas para defender a outra sua família maior, que é a pátria?! Que é feito das tais medidas coercivas do famoso Almirante Kuper? Pois então, apesar de todo esse espetaculoso aparato de força; apesar dessas numerosas máquinas de guerra contra as quais só temos para opor o nosso brio nacional; apesar da tão celebrada ciência e tão decantada coragem desses orgulhos donos dos mares alheios; apesar dessas dragonas de ouro e desses chapéus de pluma que fizeram rebentar de medo o Imperador da China nas profundezas empedradas de Pekin; pois, apesar de tudo isso, nós, os japoneses, esparsos e mal disciplinados, sem outra arte na guerra mais do que a luta corpo a corpo e sem outra força além da própria coragem e da convicção patriótica, por tal modo os aterramos que, à primeira notícia de um ataque eventual, declaram-se impotentes para defender o território cinicamente ocupado contra a vontade do dono, e escondem-se atrás das saias da família, a pedir pazes com fementidas palavras de ternura?! Para que então gritaram tão alto?! Por que nos ofenderam, se não tinham coração para resistir?! Não! Nós, como o nosso Imperador, não queremos a paz, nem queremos amizade com estrangeiros! Guardem eles para si a sua civilização e os seus progressos e com eles se fartem para longe de que lhos não pediu! Resistiremos até o fim! Se os degenerados Tokugawas conseguirem reter os Daimos, não conseguirão jamais reter o nosso ódio mortal e a enorme sede de vingança que nos devora; e nós, que já não temos outro chefe, além dos deuses e do Micado, havemos de tapar com terra a boca que nos insultou!"

Quando subiu ao conhecimento do Imperador a proposta de paz, fez ele logo enviar, como resposta, a todos os representantes diplomáticos estrangeiros as seguintes singelíssimas palavras:

"Meu Povo não quer relações com estrangeiros. A cada momento a gente do país está matando ou está com vontade de matar ingleses, e a Inglaterra quer que se pague. O meu Governo fez já quanto pôde a ver se as coisas se acomodavam, nada porém conseguiu, nem conseguirá, em razão do entranhado ódio do meu Povo pelos estrangeiros; ódio que aperta de dia para dia que nem o sol do mês de agosto. Assim resolvi fechar definitivamente os portos e convidar por bem os estrangeiros a que se retirem do país para evitar novas questões."

Enquanto o Micado procedia deste modo, tão franco, tão superior e tão singelo, o Ministro inglês, de mãos dadas ao da França, obtinham ambos corresponder-se com o Shogun e, aproveitando a falsa posição política em que se achava este perante o Imperador e perante o povo, de um prisioneiro e do outro desprezado, propunham-lhe secretamente uma aliança ofensiva e defensiva, comprometendo-se a auxiliá-lo com as forças navais de que dispunham, caso ele quisesse readquirir o alto poder que lhe havia escapado das mãos.

Este fato não precisa comentários; basta dizer que é um caso histórico corrente em todas as crônicas japonesas, mas que nenhum europeu ou norte-americano o narra de modo claro e positivo nos seus livros.

Compreende-se que aos estrangeiros não conviesse de maneira alguma o aniquilamento do Shogun, principalmente depois que o Imperador declarara não cogitar dos tratados lá entre eles feitos; compreende-se ainda que, conhecendo aqueles um pouco melhor agora o mecanismo da política japonesa e reconhecendo ter pisado em falso, quisessem a todo custo salvar de modo airoso a própria situação; mas o que se não compreende é que essa gente civilizada não tivesse um pouco de consciência ou de escrúpulo em urdir o mal, que estava a tramar contra a paz e os direitos desse pobre povo, a quem pediam pazes em nome da filantropia e do amor universal. Positivamente tinham os japoneses razão em chamar-lhes bárbaros! E note-se que, se por um lado os diplomatas estrangeiros se mostravam desumanos, por outro se revelavam inábeis, porque pretender destronar o Micado era pisar muito mais em falso ainda do que ter tomado o Shogun pelo Imperador do Japão como fizeram na primeira descaída. Seria mais fácil arrasar o Fuji Yama ou transladar para a Califórnia o Daibutsu, como diligenciaram os yankees na sua impertinente megalomania, do que pôr abaixo o divino espectro de Kioto do místico pedestal em que havia dois mil e duzentos anos imperava. Tentando semelhante coisa, o que conseguiriam os estrangeiros havia de ser, e com efeito foi, ensangüentar a presa que acossavam e agravar a desgraça dos Tokugawas, a quem aliás deviam gratidão por serem esses no país a única força ativa que os não desprezava, nem odiava. Verá depois o leitor em que espécie pagou o Inglês aos descendentes de Ieiás essa excepcional proteção, sem a qual todavia não teriam penetrado no sedutor arquipélago, senão depois de arrasá-lo com a sua civilização de grande alcance forjada na universidade de Krupp.

O Shogun, coitado! acolheu com as duas mãos a proposta que solicitamente lhe levavam os dois civilizadores ministros; mas, ao aconchegá-la reconfortado ao peito, picou-se logo num espinho que ia dentro dissimulado no embrulho, era o ultimatum da indenização.

— Ah! isso era sagrado! explicou o inglês; antes de mais nada, convinha satisfazer Sua Majestade Britânica a respeito daquelas belas cento e tantas mil libritas reclamadas. Sem isso não havia negócio feito!

E o que a isto se seguiu é inacreditável. O Shogun que, apesar de tudo, dispunha ainda do Tesouro público e era por si mesmo e sua família imensamente rico, entrou com o Ministro inglês no seguinte acordo. Pagava as cento e cinqüenta e cinco mil libras esterlinas, mais que fossem, porque a questão não era de dinheiro; pagava, com uma condição porém — o Ministro inglês havia de comprometer-se, sob palavra de honra, a guardar segredo, de modo que o fato não transpirasse dentro do Japão e que jamais, em nenhuma hipótese, fosse sabido pelo Micado, nem pelo povo.

O Inglês aceitou. Pudera! E a indenização foi efetivamente paga em segredo, às quatro horas da madrugada do dia 24 de agosto de 1863. O dinheiro foi levado à Legação da Inglaterra em carretas de mão e dentro de cunhetas abarrotadas de muito boa moeda de prata e ouro.

Vergonhas de parte a parte. Ah! mas o Japão heróico e brioso não tinha morrido com a família Tokugawa. Enquanto essas baixezas se mercadejavam no balcão da Chancelaria londrina com um indigno descendente de Ieiás, o destemido Mori, o príncipe de Nagato, em cujas veias corria o mesmo sangue de Mito, ao saber do ocorrido,. corre às fortalezas do litoral, denuncia o revoltante caso e toca com os seus três frágeis navios para as águas de Chimonoseki na entrada do Mar Interior, onde se ostentavam vasos de guerra de todos os Estados ocidentais com pretensões no Japão, e aí, cercado de seus samurais intransigentes e protegido pelas baterias de terra, lavrou o protesto da honra nacional, cuspindo balas sobre aqueles, do primeiro ao último, ao mesmo tempo, sem medir forças, nem escolher bandeiras. Bombardeou o navio inglês Euryalus, os franceses Kien-Chan, Tancrêde, os norte-americanos Pembroke e Wyoming, o alemão Semiramis, e o holandês Medusa, que ficou incendiado, a arder no meio daquelas águas profanadas, com a triunfante pira do patriotismo, ali acesa por um raio vingador para iluminar a eterna desafronta.

Agora, que vencessem os estrangeiros! só venceriam já esbofeteados!
---------------------------------------

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Machado de Assis (Poesias Dispersas)



A PALMEIRA
A FRANCISCO GONÇALVES BRAGA

Como é linda e verdejante
Esta palmeira gigante
Que se eleva sobre o monte!
Como seus galhos frondosos
S’elevam tão majestosos
Quase a tocar no horizonte!

Ó palmeira, eu te saúdo,
Ó tronco valente e mudo,
Da natureza expressão!
Aqui te venho ofertar
Triste canto, que soltar
Vai meu triste coração.

Sim, bem triste, que pendida
Tenho a fronte amortecida,
Do pesar acabrunhada!
Sofro os rigores da sorte,
Das desgraças a mais forte
Nesta vida amargurada!

Como tu amas a terra
Que tua raiz encerra,
Com profunda discrição;
Também amei da donzela
Sua imagem meiga e bela,
Que alentava o coração.

Como ao brilho purpurino
Do crepúsculo matutino
Da manhã o doce albor;
Também amei com loucura
Ess’alma toda ternura
Dei-lhe todo o meu amor!

Amei!... mas negra traição
Perverteu o coração
Dessa imagem da candura!
Sofri então dor cruel,
Sorvi da desgraça o fel,
Sorvi tragos d’amargura!
........................................
Adeus, palmeira! ao cantor
Guarda o segredo de amor;
Sim, cala os segredos meus!
Não reveles o meu canto,
Esconde em ti o meu pranto
Adeus, ó palmeira!... adeus!

RJ, 6 jan. 1855

ELA

Nunca vi, — não sei se existe
Uma deidade tão bela,
Que tenha uns olhos brilhantes
Como são os olhos dela!
F. G. BRAGA

Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.

Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em doce poesia
Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um — sim —
Pr’a alívio do coração!

Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh’alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
“Dá-lhe um suspiro de amor!”

TEU CANTO

A UMA ITALIANA
É sempre nos teus cantos sonorosos
Que eu bebo inspiração.

DO AUTOR [“Meu Anjo”.]

Tu és tão sublime
Qual rosa entre as flores
De odores
Suaves;
Teu canto é sonoro
Que excede ao encanto
Do canto
Das aves.

Eu sinto nest’alma,
Num meigo transporte,
Meu forte
Dulçor;
Se soltas teu canto
Que o peito me abala,
Que fala
De amor.

Se soltas as vozes
Que podem à calma,
Minh’alma
Volver;
Minh’alma se enleva
Num gozo expansivo
De vivo
Prazer.

Donzela, esta vida
Se eu tanto pudera,
Quisera
Te dar;
Se um beijo eu pudesse
Ardente e fugace
Na face
Pousar.

29 jun. 1855

UM ANJO

À MEMÓRIA DE MINHA IRMÃ

Se deixou da vida o porto
Teve outra vida nos céus.
A. E. ZALUAR

Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade,
Pr’a sorrir mais animada,
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.

Rasgaste o manto da vida,
E anjo subiste ao céu
Como a flor enlanguecida
Que o vento pô-la caída
E pouco a pouco morreu!

Tu’alma foi um perfume
Erguido ao sólio divino;
Levada ao celeste cume
C’os Anjos oraste ao Nume
Nas harmonias dum hino.

Alheia ao mundo devasso,
Passaste a vida sorrindo;
Derribou-te, ó ave, um braço,
Mas abrindo asas no espaço
Ao céu voaste, anjo lindo.

Esse invólucro mundano
Trocaste por outro véu;
Deste negro pego insano
Não sofreste o menor dano
Que tu’alma era do Céu.

Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade
Pr’a sorrir mais animada
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.

RJ, out. 1855

MINHA MUSA

A Musa, que inspira meus tímidos cantos,
É doce e risonha, se amor lhe sorri;
É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.
Saudades carpindo, que sinto por ti.

A Musa, que inspira-me os versos nascidos
De mágoas que sinto no peito a pungir,
Sufoca-me os tristes e longos gemidos,
Que as dores que oculto me fazem trair.

A Musa, que inspira-me os cantos de prece,
Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.
Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece
Ao último arranco de esp’ranças de amor.

A Musa, que o ramo das glórias enlaça,
Da terra gigante — meu berço infantil,
De afetos um nome na idéia me traça,
Que o eco no peito repete: — Brasil!

A Musa, que inspira meus cantos é livre,
Detesta os preceitos da vil opressão,
O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,
Na lira engrandece, dizendo: — Catão!

O aroma de esperança, que n’alma recende,
É ela que aspira, no cálix da flor;
É ela que o estro na fronte me acende,
A Musa que inspira meus versos de amor!

RJ, 22 fev. 1856

COGNAC!...

Vem, meu Cognac, meu licor d’amores!...
É longo o sono teu dentro do frasco;
Do teu ardor a inspiração brotando
O cérebro incendeia!...
Da vida a insipidez gostoso adoças;
Mais val um trago teu que mil grandezas;
Suave distração — da vida esmalte,
Quem há que te não ame?
Tomado com o café em fresca tarde
Derramas tanto ardor pelas entranhas,
Que o já provecto renascer-lhe sente
Da mocidade o fogo!
Cognac! — inspirador de ledos sonhos,
Excitante licor — de amor ardente!
Uma tua garrafa e o Dom Quixote,
É passatempo amável!
Que poeta que sou com teu auxílio!
Somente um trago teu m’inspira um verso;
O copo cheio o mais sonoro canto;
Todo o frasco um poema!
-------------------
Fonte:
LEAL, Cláudio Murilo (org.). Toda poesia de Machado de Assis. RJ: Record, 2008.

Laé de Souza (E se o mundo acabasse?)

Aquele dia foi de alvoroço. Cruzei com um amigo acostumado a prosa, numa correria e recusou-se a conversa, alegando que não podia perder tempo, pois tinha algumas coisas a concluir antes de começar a escurecer. Espantou-se com a minha ignorância de que o mundo estava prestes a acabar. (Preciso encontrá-lo para ver o que tanto não podia ficar sem fazer.) Por preguiça não escrevi no momento. Se acabasse mesmo, seria desperdício de tempo. Mas entre a dúvida de ficar no meu canto a rezar e sair a indagar e a observar, venceu a curiosidade.

Uma mulher que tinha um caso antigo com um vizinho, convenceu-o a se levantar bem cedo e sem dar satisfação aos cônjuges se dirigiram a um jardim e com olhos fixos no firmamento, de mãos dadas, esperavam a chegada do Senhor.

Uns doaram bens numa atitude desesperada da busca do paraíso. Juliano vendeu esperanças e garantiu lugar privilegiado a quem tinha posses. Aos de menos recurso, por preço camarada um lugar mais na frente da fila. E faturou um troco legal.

Mães de santo cobraram fortuna para prorrogar o fim. O Pastor Queixada me garantiu que o mundo só não acabou como previsto, por sua intercessão e para que desse tempo a alguns irmãos se arrependerem. Mas me avisou que não vai dar para segurar por muito tempo, portanto, desapeguem-se dos seus bens.

Muitos rezaram, confessaram e se arrependeram.

Minha filha me fez perguntas que nunca ousou. Minha mulher me questionou umas coisas esquisitas, que prometi responder assim que escutasse a primeira trombeta tocar e visse os anjos descendo do céu.

Gumercindo não despregava os olhos do relógio e de nada resolveram os calmantes. Chorava que dava dó e pedia perdão à mulher por falhas e contou coisas que só se conta na hora da morte e morte certa mesmo.

Chiquinho abriu as gaiolas, soltou todos os pássaros e se escondeu debaixo da cama.

Roberval, devedor contumaz, fez mais compras e mandou que todos os credores viessem no dia seguinte.

MAS NÃO ACABOU.

Assim, por culpa de um tal de Nostradamus, o que ia até mais ou menos se encrencou. A mulher do Gumercindo retirou o perdão e foi para a casa da mãe com as crianças, não sem antes dar uma bofetada no sujeito e ameaçá-lo de proibir visitas aos filhos.

Chiquinho chora a falta dos pássaros e Roberval se esconde dos cobradores. A mulher com o vizinho tiveram que juntar as trouxas e fugir. Eu ando me esquivando da mulher, mas sinto que a qualquer hora ela vai me pegar de jeito e vou ter que responder àquela pergunta, e aí, não sei não.

Por tudo isso, Manelão se interrogou: "Ele erra na profecia e nós é que se ferra?

Fonte:
http://www.projetosdeleitura.com.br/cronica03.html

João Guimarães Rosa (Sagarana)



Sagarana reúne nove contos nos quais estão presentes os temas básicos de João Guimarães Rosa: a aventura, a morte, os animais metaforizados em gente, as reflexões subjetivas e espiritualistas. Cinco deles - O burrinho pedrês, Duelo, São Marcos, A hora e a vez de Augusto Matraga e Corpo fechado - trazem para os sertões de Minas Gerais peripécias de antigas histórias épicas ou heróicas. O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha e Minha gente. O conto A Volta do Marido Pródigo, é o mais farto em citações de lugares e personagens da região de Itaguara. Neste conto ele descreve saborosamente a epopéia de Lalino ou Laio, que na história, empenha a sua mulher em garantia a um empréstimo feito a um espanhol. Este espanhol, que vivia nas redondezas, era de confiança do chefe político local, o Major Anacleto, enquanto que as reflexões sobre o poder e a fraqueza centralizam-se em Conversa de bois.

O narrador dos contos de Sagarana muitas vezes caracteriza como folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e dando-lhes um tom épico e/ou de histórias de fada. Por exemplo, temos o Era uma vez que inicia o conto O burrinho pedrês (Era um burrinho pedrês). Neste conto, assim como em Conversa de bois e em A volta do marido pródigo, os animais se transformam em heróis, questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber.

O livro “Sagarana”, na sua primeira versão, foi escolhido em 1937 para concorrer ao prêmio literário “Graça Aranha”, patrocinado pela Livraria José Olympio. Apesar de ser bastante comentado pela crítica, ficou em segundo lugar e não foi escolhido para ser publicado.

Mais tarde, Guimarães Rosa decidiu revisar a obra e excluir algumas partes, até que em 1946, o calhamaço original, com cerca de 200 páginas mais enxuto, foi finalmente publicado.

O próprio título da obra foi inovador e criativo: Guimarães para compor a palavra, tomou um radical de origem germânica (Saga > Lenda) e juntou com outro de origem ameríndia (Rana > Maneira de, Espécie de) e chegou em “Sagarana”, para significar “Maneiras de Lendas ou Espécies de Lenda”.

O livro que destaca-se por expor de forma nítida toda a inventividade do autor no trato com a linguagem literária. Percebe-se nele o aproveitamento do colorido de expressões típicas do povo como “Estou como ovo depois de dúzia”, “Suspiro de vaca não arranca estaca”, “não é nas pintas da vaca que se mede o leite e a espuma”, entre tantas outras.

De cunho regionalista, Saragana surpreendeu a crítica e levou o escritor ao renome, em virtude da originalidade de sua linguagem e de suas técnicas narrativas, que apontavam uma mudança substancial na velha tradição regionalista.

Sarapalha

Este conto está na lista dos que menos Guimarães Rosa havia gostado. O seu título faz menção ao nome da região em que se passa a história. Era um lugar destinado ao abandono, pois havia sido dominado pela maleita. Seus protagonistas, os primos Argemiro e Ribeiro, estavam, inclusive, acometidos dessa doença. Aos poucos tomamos conhecimento dos dois e de todo o seu histórico. Ribeiro está no estágio crítico da doença e já torce pela morte. Só tem o primo como companheiro, principalmente depois que a esposa daquele, Luísa, o abandonou por um vaqueiro que aparecera por lá. Em vista de tudo isso, tem uma enorme gratidão com Argemiro. No entanto, este tem um remorso gigantesco, pois só havia largado suas terras não por companheirismo, mas porque havia se apaixonado por Luísa. Mas com a fuga dela, sente que a amizade entre os dois havia fortalecido, portanto, sente-se na obrigação de confessar seus sentimentos. Fá-lo logo após uma crise de febre e de delírio de Ribeiro e antes que a sua própria chegasse (essas manifestações da doença eram sazonais, funcionando até como relógio). Confessa e pede perdão, mas não o obtém, pois o primo percebe que Argemiro só fora morar ali por causa de Luísa e ficara ali não para cuidar dele, mas para esperar o possível retorno dela. Expulsa aquele que considera traidor. Argemiro parte, já às portas do seu acesso de febre, que de fato chega em meio à sua caminhada, no meio do mato. Pára de andar e espera a crise, que se anuncia numa sensação acolhedora que o faz sentir a paisagem ao seu redor de forma acolhedora. É o delírio instalando-se.

Sarapalha é um dos nove contos que compõem a obra Saragana, de Guimarães Rosa. No conto, o autor não faz nenhum mistério sobre o lugar da conversa dos dois primos que padeciam de alta febre por terem sido atacados pela malária: “é ali, na beira do Pará”. O lugar é o povoado de Pará de Vilelas, na estrada que liga a Rodovia Fernão Dias a Cláudio, (MG 260) único povoado do município de Itaguara, que margeia o citado rio.

O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha.

Há uma narrativa principal, que é bem simples: a sazão (febre/malária) avança por um povoado às margens do Rio Pará. As pessoas abandonam o povoado deixando tudo para trás, as que não se vão morrem.

O Mato toma conta do povoado. Primo Argemiro e Primo Ribeiro observam a doença avançar em si mesmos. Ribeiro faz Argemiro prometer enterrá-lo no cemitério do povoado.

Ribeiro começa lembrar da esposa (que era sua prima Luísa) que fugiu com um boiadeiro. Argemiro amava a mulher do primo e desejava ter sido ele a fugir com ela. Confessa ao primo que amava sua mulher e foi morar com eles por causa dela. Ribeiro expulsa o primo enquanto o tremor da maleita lhe atinge.

A outra história que aparece no conto é a da partida da esposa de Ribeiro, que o abandonou por um vaqueiro. Ribeiro, entretanto, prefere ouvir uma história em que ela é raptada pelo diabo...

PERSONAGENS
Primo Argemiro - das bandas do rio
Primo Ribeiro - das bandas do mato
Prima Luísa - Mulher de Ribeiro
Ceição - Preta velha
Jiló - cachorro

O Burrinho Pedrês

A trama desse conto, como nas demais narrativas de Guimarães Rosa, é relativamente simples. O velho burrinho Sete-de-Ouros, por falta de outras montarias, é engajado para levar uma boiada vendida pelo dono da fazenda, o major Saulo. Durante a viagem, ficamos sabendo que o vaqueiro Silvino quer matar o vaqueiro Badu, por causa de uma moça. Francolim, que é uma espécie de ajudante-de-ordens do major, denuncia a briga ao patrão, mas nada é feito para evitá-la.

Silvino chega a provocar um acidente, com o intuito de fazer os bois atropelarem Badu. Quando vê que não consegue matá-lo desta forma, planeja fazê-lo pessoalmente, na viagem de volta, depois de atravessarem o ribeirão cheio pelas chuvas. Nesse retorno, Badu está bêbado. Por isso, os demais vaqueiros deixam-no com o burrinho Sete-de-Ouros. Ao atravessarem o ribeirão, morrem na enchente oito vaqueiros, inclusive Silvino. Badu é salvo heroicamente pelo Sete-de-Ouros, que consegue chegar à outra margem e ao descanso merecido. Traz, vitorioso, o bêbado apaixonado na sela e Francolim agarrado no rabo...

TRECHO ESCOLHIDO

Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.

Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para espiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo à distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encardida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha, fatigada e respeitável - uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para cá, para lá, tangendo as moscas.

Na mocidade, muitas coisas lhe haviam acontecido. Foram comprado, dado, trocado e revendido, vezes, por bons e maus preços. Em cima dele morrera um tropeiro do Indaiá, baleado pelas costas. Trouxera, um dia, do pasto - coisa muito rara para essa raça de cobras - uma jararacuçu, pendurada do focinho, como linda tromba negra com diagonais amarelas, da qual não morreu porque a lua era boa e o benzedor acudiu pronto. Vinha-lhe de padrinho jogador de truque a última intitulação, de baralho, de manilha; mas, vida afora, por amos e anos, outras tivera, sempre involuntariamente: Brinquinho, primeiro, ao ser brinquedo de meninos; Rolete, em seguida, pois fora gordo, na adolescência; mais tarde, Chico-Chato, porque o sétimo dono, que tinha essa alcunha, se esquecera, ao negociá-lo, de ensinar ao novo comprador o nome do animal, e, na região, em tais casos, assim sucedia; e, ainda, Capricho, visto que o novo proprietário pensava que Chico-Chato não fosse apelido decente.

A marca-de-ferro - um coração no quarto esquerdo dianteiro - estava meio apagada: lembrança dos ciganos, que o tinham raptado e disfarçado, ovantes, para a primeira baldroca de estrada. Mas o roubo só rendera cadeia e pancadas aos pândegos dos ciganos, enquanto Sete-de-Ouros voltara para a Fazenda da Tampa, onde tudo era enorme e despropositado: três mil alqueires de terra, toda em pastos; e o dono, o Major Saulo, de botas e esporas, corpulento, quase um obeso, de olhos verdes, misterioso, que só com o olhar mandava um boi bravo se ir de castigo, e que ria, sempre ria - riso grosso, quando irado; riso fino, quando alegre; e riso mudo, de normal.

Mas nada disso vale fala, porque a estória de um burrinho, como a história de um homem grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida. E a existência de Sete-de-Ouros cresceu toda em algumas horas - seis da manhã à meia-noite - nos meados de mês de janeiro de um ano de grandes chuvas, no vale do rio das Velhas, no centro de Minas Gerais.

O burrinho permanecia na coberta, teso, sonolento e perpendicular ao cocho, apesar de estar o cocho de todo vazio. Apenas, quando ele cabeceava, soprava no ar um resto de poeira de farelo. Então, dilatava ainda mais as crateras das ventas, e projetava o beiço de cima, como um focinho de anta, e depois o de baixo, muito flácido, com finas falripas, deixadas, na pele barbeada de fresco. E, como os dois cavos sobre as órbitas eram bem um par de óculos puxado para a testa, Sete-de-Ouros parecia ainda mais velho. Velho e sábio: não mostrava sequer sinais de bicheiras; que ele preferia evitar inúteis riscos e o dano de pastar na orilha dos capões, onde vegeta o cafezinho, com outras ervas venenosas, e onde fazem vôo, zumbidoras e mui comadres, a mosca do berne, a lucília verde, a varejeira rajada, e mais aquela que usa barriga azul.

De que fosse bem tratado, discordar não havia, pois lhe faltavam carrapichos ou carrapatos, na crina - reta, curta e levantada, como uma escova de dentes. Agora, para sempre aposentado, sim, que ele não estava, não. Tanto, que uma trinca de pisaduras lhe enfeitava o lombo, e que João Manico teve ordem expressa de montá-lo, naquela manhã. Mas, disto último, o burrinho não recebera ainda aviso nenhum.

Para ser um dia de chuva, só faltava mesmo que caísse água. Manhã noiteira, sem sol, com uma umidade de melar por dentro as roupas da gente. A serra neblinava, açucarada, e lá pelas cabeceiras o tempo ainda devia de estar pior.

Sete-de-Ouros, uma das patas meio flectida, riscava o chão com o rebordo do casco desferrado, que lhe rematava o pezinho de Borralheira. E abria os olhos, de vez em quando, para os currais, de todos os tamanhos, em frente ao casarão da fazenda. Dois ou três deles mexiam, de tanto boi.

Alta, sobre a cordilheira de cacundas sinuosas, oscilava a mastreação de chifres. E comprimiam-se os flancos dos mestiços de todas as meias-raças plebéias dos campos-gerais, do Urucuia, dos tombadores do rio Verde, das reservas baianas, das pradarias de Goiás, das estepes do Jequitinhonha, dos pastos soltos do sertão sem fim. Sós e seus de pelagem, com as cores mais achadas e impossíveis: pretos, fuscos, retintos, gateados, baios, vermelhos, rosilhos, barrosos, alaranjados; castanhos tirando a rubros, pitangas com longes pretos; betados, listados, versicolores; turinos, marchetados com polinésias bizarras; tartarugas variegados; araçás estranhos, com estrias concêntricas no pelame - curvas e zebruras pardo-sujas em fundo verdacento, como cortes de ágata acebolada, grandes nós de madeira lavrada, ou faces talhadas em granito impuro.

Como correntes de oceano, movem-se cordões constantes, rodando remoinhos: sempre um vaivém, os focinhos babosos apontando, e as caudas, que não cessam de espanejar com as vassourinhas. Somam-se. Buscam-se. O crioulo barbeludo, anguloso, rumina, estático, sobre os maus aprumos, e gosta de espiar o céu, além, com os olhos de teor morno, salientes. O espúrio gir balança a bossa, cresce a cabeçorra, vestindo os lados da cara com as orelhas, e berra rouco, chamando a vaca malabar, jogada para o outro extremo do cercado, ou o guzerate seu primo, que acode à mesma nostalgia hereditária de bois sagrados, trazidos dos pascigos hindus do Coromandel ou do Travancor. Mudo chamado leva o garrote moço a impelir toda uma fileira, até conseguir aproximar-se de outro, que ele antes nunca viu, mas junto do qual, e somente, poderá sentir-se bem. E quando o caracu-pelixado solta seus mugidos de nariz fechado, começando por um eme e prolongando-se em rangidos de porteira velha, respondem-lhe o lamento frouxo do pé-duro e o berro em buzina, bem sustido e claro, do curraleiro barbatão.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga

“A Hora e a Vez de Augusto Matraga” é o nono e último conto de Sagarana, livro que em 1946 marcou a estréia de Guimarães Rosa em nossa literatura (o autor já vinha publicando seus textos na revista O Cruzeiro desde 1929. Mas Sagarana foi sua primeira obra em livro). Tal conto confirma a afirmação da crítica de que estava sendo inaugurado um terceiro tipo de regionalismo (o primeiro regionalismo deu-se durante o Romantismo, representado principalmente por Bernardo Guimarães, Franklin Távora e Visconde de Taunay, além do próprio José de Alencar. O segundo regionalismo ocorreu durante a Segunda Geração Modernista (de 1930 a 1945), sendo representada principalmente por Graciliano Ramos e José Lins do Rego). No entanto, basta uma leitura atenta para se conseguir elementos que coloquem nos eixos uma declaração um tanto exagerada.

É correto notar semelhanças na fidelidade de descrição dos costumes sertanejos, como havia no Romantismo, principalmente em Inocência, de Visconde de Taunay. No entanto, as semelhanças param por aí.

Como elemento diferenciador, o primeiro que pode ser lembrado é a elaboração da linguagem, que em muitos momentos ganha ritmo e musicalidade que a aproximam da poesia. É uma delicada prosa poética (note a poeticidade resgatadora de elementos populares no trecho “Você tem perna de manuel-fonseca, uma fina e outra seca!”. O conto está recheado de outros exemplos do mesmo quilate).

Outro aspecto que afasta o conto da tradicional prosa sertaneja é sua temática. Não se trata mais da idealização do amor como era no Romantismo ou do espírito engajado e político como era no Segundo Tempo Modernista. O que ocorre aqui é a utilização de uma fábula (entende-se por fábula uma narrativa que encerra simbolicamente uma moral, uma mensagem, tal qual as parábolas do Novo Testamento. E esse aspecto é até mencionado pelo próprio narrador, quando, metalingüisticamente, avisa que sua narrativa não é real, mas ficcional. Devemos, pois, entendê-la como uma representação) com a intenção de trabalhar com temas universais de caráter metafísico (aqui está uma diferença crucial entre o caráter universal de Graciliano Ramos (Vidas Secas, São Bernardo) e o de Guimarães Rosa. O primeiro envereda-se por questões político-sociais. O segundo preocupa-se com questões espirituais, existenciais e místicas).

Esse caráter é nítido no presente conto já a partir da referência constante a elementos religiosos. Seu protagonista, Augusto (o nome da personagem à primeira vista se opõe ao seu caráter tosco. No entanto, até o final da narrativa será estabelecida uma perfeita coerência com a personalidade que irá adquirindo) Esteves, o Augusto Matraga, fora criado por uma avó, que o queria padre. No entanto, pai frouxo e tio criminoso, entortou para o mal, pois estava fora do prumo, tornara-se desregrado. Além disso, a narrativa inicia-se em meio a um festejo santo, em que, num leilão, o protagonista arrebata por 50.000 réis uma prostituta, desagradando um capiau (sertanejo bastante primitivo, atrasado, rude) que estava interessado nela. Nem chega a usá-la, alegando que era muito feia.

Matraga de fato era pessoa rude, não civilizada (talvez por isso haja a menção constante a poeira e pó na primeira parte do conto). Além de bandido e violento, trata com pouco caso sua esposa, Dionóra, e sua filha, Mimita. Só quer jogo, caçada e mulheres de vida fácil.

No entanto, a sorte muda. Sua esposa o larga, passando a viver, com a filha, em companhia de um homem chamado Ovídio (haverá aqui uma idéia de que este sabia amar? Deve-se lembrar que Ovídio era um autor da Antigüidade Clássica de um livro sobre a arte de amar). Matraga não pôde vingar a ofensa, pois recebe a notícia de que seus capangas, com exceção de Quim Recadeiro, o abandonaram, passando para o lado do Major Consilva.

Augusto vai tomar satisfações pela afronta, sem se tocar de que o destino virou-se contra ele: não tem apoio político, está cheio de dívidas, suas terras estão hipotecadas. Como o próprio narrador comenta, não havia se tocado de que era momento de parar umas rodadas, deixar de jogar, pois o azar havia chegado. É um comentário que leva a crédito coisas de destino, o que justifica por que o protagonista insistiu em suas ações.

Seus feitos mostraram-se infrutíferos. Ao chegar à fazenda do Major, é cercado pelos capangas do vilão, alguns ex-subordinados de Matraga. Numa narrativa emocionante e bem contada, vemos que é espancado (um dos que participam do linchamento é o mesmo capiau que havia perdido a prostituta para Augusto. Parece haver a velha idéia do “aqui se faz, aqui se paga”, arrastando a narrativa tanto para os elementos populares como para os místicos), marcado por ferro em brasa e, antes de sofrer o pior, atira-se de um altíssimo barranco. Para seus inimigos, estava morto.

Há nesse ponto simbologias interessantes. A primeira está ligada à idéia de mergulho no abismo. O estilo de vida de Augusto é metaforicamente um mergulho para o lado mais baixo do ser humano, ao qual no fundo o protagonista não estava destinado, conforme se pode ver pelo seu próprio nome.

Outra simbologia, que faz lembrar a Bíblia, está no fato de os inimigos convencerem-se de que Matraga havia morrido porque os urubus estavam rondando o local de sua queda, já que lá havia, na verdade, morrido um bezerro. Pode-se aproximar Augusto ao animal, na medida em que este faz lembrar a seita primitiva e desregrada condenada por Moisés, em nome de um novo Deus. Era o mesmo que o protagonista estava fazendo. Aliás, ter sido descoberto no fundo do abismo por um casal de pretos velhinhos indica a ressurreição, outro elemento bíblico. Augusto morria para nascer de novo.

Como já se disse, a personagem principal é resgatada e cuidada. Dias inconsciente. Voltando a si, e conhecendo sua situação, deseja a morte. Uma pergunta, nesse ponto, sai da narrativa e chega ao leitor: com tanta desgraça, por que Augusto Matraga não havia morrido?

Com o tempo, o protagonista reconquista a paixão pela vida.

Os meses que passa recuperando-se das feridas e fraturas (uma delas exposta) equivalem a um período de incubação para o nascimento de um novo homem, o que se torna nítido com o arrependimento de seus pecados, a absolvição e o fervor com que abraça ao cristianismo. No seu jeito tosco, fica até cômica a convicção em afirmar que vai para o Céu, nem que seja a porrete.

Começa sua fase de penitências. Vai com os velhinhos a uma propriedade sua perdida e distante. Mostra-se trabalhador, misto de louco e santo no olhar do povo. Seis anos e meio vive assim.

Um dia, sofre uma dura tentação. Um antigo conhecido passa por lá e surpreende-se ao descobrir Matraga, ainda mais, mudado. Traz notícias por demais inconvenientes. Dionóra estava para se casar com Ovídio, crente de que estava viúva. Major Consilva apoderou-se das terras do protagonista. Quim, frouxo e atrapalhado, havia sido o único a se levantar em defesa do patrão, mas fora morto no momento em que, tomado de fúria, entrara nas terras do Major com a intenção de vingança. Mimita, sua filha, havia-se tornado prostituta.

É um momento cruel para Augusto. Deus o havia abandonado? Merecia mesmo o Céu? Mas, como o bíblico Jó, resiste bravamente à tentação de buscar vingança. Não percebe: já estava salvo.

Prova disso é que vem o período de chuvas, que, não por coincidência, é o momento em que Matraga acaba por sentir-se mais leve, aliviado, como se tivesse se livrado de um grande fardo. As águas, opondo-se ao pó de outras épocas, simbolizam o batismo, a sublimação, a elevação.

Por esse momento surge o bando de Joãozinho Bem-Bem, homem da mesma estirpe do antigo Augusto Matraga. Suas intenções provavelmente eram malévolas naquela região, mas o amor e a dedicação com que o protagonista o recebe o desarma.

O bandido intui o poder bélico de Matraga, por isso o convida a fazer parte da horda. É uma forte tentação: o herói sente saudade do poder de desmando que possuía. Imagina até a possibilidade de vingar a morte de Quim. Mas resistiu a mais essa tentação. Estava evoluindo a passos largos.

Joãozinho Bem-Bem parte, deixando Matraga, mas levando uma afeição enorme pelo protagonista.

Dias depois, enquanto Augusto trabalhava, presencia uma belíssima explosão de pássaros voando (os pássaros são vistos como psicopompos, ou seja, entidades que têm contato com o outro mundo. Assim, podem ser vistos como uma ponte com o tão desejado Céu, ou pelo menos mensageiros divinos. Indicam, pois, que a salvação está próxima de se concretizar). Intui algo maravilhoso, que o faz ficar matutando o dia inteiro. Até que toma uma resolução: decide partir. O interessante é que faz sua viagem em um jumento, animal carregado de simbologia cristã, pois havia carregado Maria às vésperas do nascimento de Cristo. Carregara, pois, o salvador. A aproximação Messias/Augusto não parece forçada.

Matraga viaja muitos dias, até chegar ao arraial do Rala-Coco, que estava em polvorosa. O bando de Joãozinho Bem-Bem lá estava, prestes a realizar um crime hediondo.

Um dos capangas do facínora o havia abandonado, ação que fora considerada traição. Joãozinho resolve se vingar em cima da família deste, querendo assassiná-la. No momento em que Augusto havia chegado, o pai do fugitivo tinha aparecido e pedido clemência pela vida de inocentes. A fúria do criminoso parecia não ter limite, pois já estava prestes a se derramar sobre o idoso.

É nesse instante que Augusto Matraga intercede. Mesmo havendo um enorme apreço entre Joãozinho e o herói, os dois começam a se desentender. O bandido está tomado de um maligno espírito vingativo. O protagonista está defendendo a bondade divina, sempre pedindo para seu opositor evitar uma tragédia injusta, sempre clamando pelo nome de Deus.

O inevitável acontece. Há uma terrível luta, muito bem narrada. Tiros de todos os lados. Os dois saem feridos, mas Matraga, sempre invocando o nome do Senhor e pedindo para seu amigo se arrepender dos pecados, acaba vencendo, rasgando a barriga de Joãozinho, que morre segurando nas mãos suas entranhas.

Augusto Matraga estava morrendo, mas contente. Aclamado como santo e salvador entre o povo que tenta socorrê-lo, ainda tem tempo para fazer com que respeitassem o cadáver de Joãozinho Bem-Bem, mandando que o enterrassem dignamente. Ainda teve tempo, além disso, de “abençoar” sua filha perdida.

Morre, porque havia chegado a sua hora e a sua vez. Morre, porque finalmente havia realizado sua missão. Morre, porque havia cumprido os planos de um misterioso desígnio divino. Estava salvo. Ia para o Céu.

Conversa de Bois

O fantástico boi Rodapião, de “Conversa de Bois”, onde Guimarães se revela também profundo conhecedor da “psicologia” bovina. Em “Conversa de Bois”, Guimarães Rosa, procura desenvolver a “psicologia” dos animais o que já se vislumbra em “O Burrinho Pedrês”, também aqui, e com largo uso, explorando “a plumagem e canto das palavras”.

A técnica narrativa é a terceira pessoa, narrado por Manuel Timborna, que é entrevistado pelo autor, que pede para recriar a história:

- Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e pouco...

- Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que não seja” (283)

E então Manuel Timborna começa a “contar um caso acontecido que se deu”, pro¬curando demonstrar que “boi fala o tempo todo”.

Buscapé, Namorado, Capitão, Brabagato, Dansador, Brilhante, Realejo e Canindé são os protagonistas bovinos da história, que vão na sua marcha lenta, carregando “o peso pesado” do carro-de-bois, carregado de rapaduras e um defunto.

O guia é Tiãozinho, filho do defunto carregado. Vai triste e “babando água dos olhos” (313). Visto pelos bovinos é “o bezerro-de-homem-que-caminha-sempre-na-frente-dos-bois”. (313)

O carreiro, orgulhosão e perverso, é o Agenor Soronho: “o homem-do-pau-comprido-com-o-marimbondo-na-ponta” que vem “trepado no chifre do carro...” (313).

Na sua marcha, os oito bovinos vão conversando. Criticam o modo de vida dos homens, o animal pensante: “É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor - tudo pensado, é pior...” (290)

Brilhante conta a história do boi Rodapião - “o boi que pensava de homem, o-que-come-de-olho-aberto...” (296, que saiu certa vez, com esse raciocínio silogístico:

... “Cada dia o boi Rodapião falava uma coisa difícil p’ra nós bois. Deste jeito:

- Todo boi é bicho. Nós todos somos bois. Então, nós todos somos bichos!... Estúrdio...” (300)

E porque pensava muito-pensava como o homem - o boi Rodapião tem fim trágico:

“Escutei o barulho dele: boi Rodapião vinha lá de cima, rolando poeira feia e chão solto... Bateu aqui em baixo e berrou triste, porque não pôde se levantar mais do lugar das suas costas...” (308)

Tiãozinho vai relembrando a morte do pai. Tem uma raiva danada do Agenor Soronho que “bate em todos os meninos do mundo: Seu Agenor Soronho é o diabo grande” (314)

O fim é trágico. Deus e o Demo: Agenor Soronho é castigado pelos bois e por Tiãozinho que “pensa quase como nós bois” (314): “A roda esquerda do carro lhe colhera o pescoço.” (317)

Tiãozinho fica como um possesso diante daquela tragédia.

- “Conversa de Bois” procura interpretar a psiquê bovina. É uma história trágica também, e pode ser aproximada de “O Burrinho Pedrês” pela relevância que dá ao animal. Dentro dessa perspectiva está implícita uma crítica ao comportamento do homem, o animal pensante.

Outra temática que me pareceu também bastante nítida no conto é a da oposição entre o Bem e o Mal, onde os maus têm sempre fim trágico, como foi o caso de Seo Agenor Soronho.

Fonte:
http://www.livrosparatodos.net/

Edna Barian Perrotti (Dicas para Escrever Bem)



Livre-se desta preocupação. Escreva de uma vez!

É bem possível que você já tenha adiado várias vezes o momento de escrever, repetindo para você mesmo e para as pessoas a seu lado: “Ai, eu preciso escrever meu texto”.

Passa um dia, dois... e lá está a frase martelando, aumentando a sensação de mal-estar: o trabalho tem de sair de qualquer jeito, mas a cada vez que você senta para escrever, as idéias não vêm e, quando vêm, escrever as primeiras frases vira um tormento. Escreve, apaga, muda, reformula... começa tudo de novo...

Será que você não deixa para escrever depois porque acredita que deve transmitir suas idéias de forma diferente daquela que utiliza nas conversações diárias? Ou não seria porque tem grandes expectativas com o julgamento de seus leitores? Afinal, expor as idéias é também uma forma de se expor.

Uma boa dica para não adiar mais, se você tem conhecimento do assunto, é começar a escrever seu texto para um amigo, alguém que possa se interessar pelo conteúdo da mensagem, não em criticar como você escreve.

Você verá que, se não pensar em um possível censor, as idéias fluem facilmente, as frases vêm com naturalidade, numa seqüência de sentido que expressa seu ponto de vista a respeito de um produto, de um fato, de um problema ou mesmo de uma pesquisa.

Lembre que a melhor maneira de se livrar das amarras que impedem você de escrever é... escrevendo. Então comece logo a desenvolver para seu amigo o texto que você precisa entregar esta semana. Depois é só fazer alguns ajustes – ou simplesmente colocar um título no lugar do nome do amigo – e envia-lo para a pessoa certa.

Observe como os outros escrevem

Se você pensa que escrever é bicho-de-sete-cabeças, não se preocupe. Você não está sozinho. Muita gente frequentou a escola vários anos e saiu dela tendo apenas uma vaga idéia de como fazer para escrever bem, para atingir a qualidade de texto exigida pelos professores. O máximo que muitos se lembram são as peripécias para fazer a redação “Minhas Férias”, tema que parecia não poder faltar em nenhum bom planejamento de ensino de português.

Quem nunca descreveu banhos de riacho na fazenda do vovô quando não saiu um dia sequer da cidade? Quem não narrou aventuras com uma turma de amigos na praia quando passou o mês inteiro em casa, na frente da televisão? E, cá entre nós: ainda bem que a exigência era só escrever sobre como tinham sido as férias. Para que pensar em outro tema se já se sabia que o texto ia ver cheio de anotações em vermelho, apontando incorreções, aniquilando o ponto de vista do autor, reafirmando sua incapacidade de se manifestar por escrito? Quem é que gosta de ser criticado toda vez que faz um trabalho, especialmente quando procura fazer o melhor?

Felizmente, muitas pessoas que, de alguma forma, tiveram seus textos valorizados, desenvolveram o prazer de escrever. Alguns fizeram desse prazer sua profissão. Estão aí os escritores, os publicitários, os jornalistas... dando seu testemunho. E eles constituem uma boa fonte para aprender a escrever bem.

Esta é uma boa dica se você deseja melhorar seus textos: observe como esses profissionais escrevem, como desenvolvem as idéias, como constroem as frases, como vão colocando no papel a sua mensagem.

Fonte:
PERROTTI, Edna Barian. Superdicas para escrever bem diferentes tipos de texto. SP: Saraiva, 2006.

Edgar Allan Poe (O Visionário)



Fica a esperar-me ali! não deixarei de te encontrar nesse profundo vale.
HENRY King, Bispo de Chichester: Elegia sobre a morte de sua mulher.

MALFADADO E MISTERIOSO HOMEM! Desnorteado no esplendor de sua própria fantasia e tombado nas chamas de tua própria juventude! De novo, na imaginação eu te contemplo! Mais uma vez teu vulto se ergueu diante de mim... Não, não como te encontras, no frio vale, na sombra!, mas como deverias estar, dissipando uma vida de sublimes meditação naquela cidade de sombrias visões, tua própria Veneza, que é um Eliseu do mar querido das estrelas, onde as amplas janelas dos palácios paladinos contemplam, com profunda e amarga reflexão, os segredos de suas águas silenciosas. Sim, repito-o como deverias estar! Há seguramente outros mundos que não este…outros pensamentos que não os pensamentos da multidão... outras especulações que não as especulações dos sofistas. Quem discutirá então tua conduta? Quem te censurará por tuas horas visionárias, ou denunciará aquelas ocupações como uma perda de vida, quando eram apenas a superabundância de tuas energias eternas?.

Foi em Veneza, por baixo da arcada coberta que chamam a Ponte di Sospiri que encontrei, pela terceira ou quarta vez, a pessoa de quem falo. É com uma confusa recordação que trago à mente as circunstâncias daquele encontro. Contudo, recordo.. . ah, como poderia esquecer!. .. a profunda treva da meia-noite, a Ponte dos Suspiros, a beleza de mulher e o Gênio Romântico que palmilhava abaixo e acima o estreito canal.

Era uma noite de insólita escuridão. O grande sino da Piazza havia soado a quinta hora da noite italiana. O Largo do Campanile jazia silente e deserto e as luzes, no velho Palácio Ducal, iam rapidamente morrendo. Voltava eu para casa da Piazzetta, através do Canal. Mas, quando minha gôndola chegou em frente à boca do canal San Marco, uma voz feminina irrompeu subitamente os seus recessos, dentro da noite, num grito selvagem, histérico e interminável. Abalado pelo grito, ergui-me, enquanto o gondoleiro, deixando deslizar seu único remo, perdeu-o naquela escuridão de breu sem nenhuma possibilidade de recuperá-lo. Em conseqüência, ficamos ao sabor da corrente, que ali existe vinda do grande para o pequeno canal. Como um imenso condor de penas de areia éramos vagarosamente levados para a Ponte dos Suspiros quando milhares de archotes acenderam-se nas janelas e nas escadarias do Palácio Ducal, transformando imediatamente toda aquela profunda treva num dia lívido e sobrenatural.

Uma criança, escorregando dos braços de sua própria mãe, tinha caído de uma das janelas de cima do elevado edifício dentro do fundo e sombrio canal. As águas tranquilas haviam-se fechado placidamente, sobre sua vitima; e, embora minha gôndola, fosse a única à vista, muitos nadadores ousados já se achavam água procurando em vão, na superfície, o tesouro que, infelizmente apenas deveria ser encontrado dentro do abismo. Sobre as negras lajes de mármore, à entrada do palácio, e a poucos passos acima da água, estava de pé um vulto que ninguém que o visse poderia daí por diante esquecer. Era a Marquesa Afrodite, adorada por Veneza inteira, a mais alegre das criaturas alegres, a mais bela onde todas eram belas, mas também a jovem esposa do velho e intrigante Mentoni e a mãe daquela linda criança, seu primeiro e único filho, que agora, mergulhado nas águas lôbregas, pensava cheio de amargura o coração, nas doces carícias de sua mãe e exauria sua pequenina vida lutando por chamá-la. Ela permanecia só. Seus pequeninos pés nus e prateados cintilavam no espelho negro do mármore sobre que pousavam. Seu cabelo, ainda mal desnastrado dos seus enfeites de baile para o sono da noite, enrolava-se, entre um chuveiro de diamantes, em torno de sua cabeça de linhas clássicas, em cachos como os de jacinto em botão. Uma túnica de gaze, branca como a neve, parecia ser a única coisa que lhe cobria as formas delicadas; mas o ar daquela meia-noite de verão era quente, soturno e silencioso, e nenhum movimento, naquela forma estatuária, agitava mesmo as dobras daquele vestuário vaporoso, que a envolvia como o pesado mármore envolve Níobe . Contudo - estranho é dizê-lo! Seus grandes e brilhantes olhos não estavam voltados para baixo, para aquela sepultura onde jazia mergulhada sua mais brilhante esperança, mas fixavam-se numa direção completamente diversa. A prisão da Velha República é, penso eu, o mais majestoso edifício de toda Veneza. Mas como poderia aquela mulher olhar tão fixamente para ele, quando abaixo dela estava-se extinguindo seu próprio filho?

Aquele sombrio e lúgubre nicho também escancarava justamente diante da janela de seu quarto. Que, pois, poderia haver nas suas sombras, na sua arquitetura, nas suas cornijas solene, cingidas de hera que a Marquesa de Mentoni não houvesse contemplado antes, milhares de vezes? Absurdo! Quem não se lembra que em ocasiões como esta, os olhos, como um espelho partido, multiplicam as imagens de seu pesar e vêem, em numerosos lugares distantes, a desgraça que está ali próxima?

Muitos passos acima da marquesa e sob o arco do portão que dava para a água, estava de pé, em trajes de gala, a própria figurasátiro de Mentoni. Ele se achava, na ocasião, ocupado em arranhar uma guitarra e parecia mortalmente aborrecido quando, a intervalos dava ordens para o salvamento de seu filho. Estupefato e horrorizado, eu mesmo não tinha forças para mover-me da posição ereta que tomara ao ouvir o primeiro grito e devo ter apresentado à vista do grupo agitado, um aspecto espectral e sinistro quando lívido e de membros rígidos, flutuava entre eles naquela funerária gôndola.

Todos os esforços resultaram vãos. Muitos dos mais enérgicos na busca tinham relaxado suas diligências e entregavam-se a um sombrio pesar. Parecia haver pouca esperança de salvar a criança (e quão muito menos para a mãe!). Mas então, do interior daquele escuro nicho já mencionado, como fazendo parte da prisão da Velha República - e fronteiro ao postigo da marquesa, um vulto, envolto numa capa adiantou-se para dentro do círculo de luz e detendo-se por um instante à beira da descida vertiginosa, mergulhou de cabeça para baixo no canal. Quando, um instante depois, ele se ergueu com a criança ainda viva e a respirar entre seus braços sobre as lajes de mármore ao lado da marquesa, sua capa, pesada da água que a embebia , desabotoou-se e, caindo em pregas, em volta de seus pés, descobriu aos olhos dos espectadores, tomados de surpresa, a figura graciosa de um homem muito jovem, cujo nome repercutia na maior parte da Europa. O salvador, nenhuma palavra pronunciou. Mas a marquesa... Receberá agora seu filho! Apertá-lo-á de encontro ao coração, abraçar-se-á estreitamente ao seu pequeno corpo e o cobrirá de carícias! Mas ai! os braços de outrem tomaram-no das mãos do estrangeiro; os braços de outrem tinham-no levado, tinham-no conduzido para longe, despercebidamente, para dentro do palácio! E a marquesa?.

Seus lábios, seus lindos lábios tremem; o pranto inunda-lhe os olhos, naqueles olhos que, como o acanto de Plínio, eram "macios e quase líquidos. " Sim, o pranto inunda aqueles olhos e - vede! - aquela mulher treme até a alma. . . a estátua recuperou a vida! O palor do rosto marmóreo, a marmórea turgescência dos seios e a alvura imaculada dos pés marmóreos vemo-los, de súbito, enrubescidos por uma onda de incoercível vermelhidão. E um leve tremor lhe agita as delicadas formas como a brisa em Nápoles agita os lírios prateados que brotam dentre a relva. Porque enrubesceu aquela mulher? Para esta pergunta não há, resposta, exceto que, tendo deixado, com a pressa ávida e com o terror de um coração de mãe a intimidade da sua alcova, tinha-se esquecido de prender os delicados pés nas sandálias e completamente deixado de lançar sobre seus ombros venezianos aquela túnica que eles mereciam. . . Qual outra possível razão haveria para que ela enrubescesse? para o lampejo selvagem daqueles olhos fascinantes? para o insólito tumulto daquele seio arfante? para a convulsa pressão daquela mão trêmula, aquela mão que caiu, acidente, quando Mentoni voltou para dentro do palácio, sobre a mão do estrangeiro? Que razão poderia haver para o som baixo, singularmente baixo, daquelas ininteligíveis palavras que a mulher apressadamente murmurou, ao dizer-lhe adeus?

- Venceste - disse ela, ou os murmúrios da água me enganaram. - Venceste... Uma hora depois do sol nascer... encontraremos... está combinado!

O tumulto se extinguira. As luzes se apagaram dentro do palácio e o estrangeiro, a quem eu agora reconhecia, ficara só sobre s lajes. Tremia inconcebivelmente agitado e seus olhos busca ao redor uma gôndola. Não pude deixar de oferecer-lhe os serviços da minha e ele aceitou o obséquio. Tendo arranjado um remo perto do portão, seguimos juntos até sua residência, enquanto ele rapidamente, recuperava o domínio de si mesmo e se referia ao nosso antigo e leve conhecimento, em termos aparentemente de grande cordialidade.

Há alguns pontos a respeito dos quais tenho prazer em ser minucioso. A pessoa do estrangeiro - deixe-me assim chamar quem para todo mundo era ainda um estrangeiro -, a pessoa do estrangeiro é um desses pontos. Seu porte era mais abaixo do que acima da altura média, embora em momentos de intensa paixão seu corpo como que se expandia e desmentia o acerto. A fraca e quase delgada conformação de seu vulto era mais adequada à pronta atividade que demonstrara na Ponte dos Suspiros do que à força hercúlea que, se sabe, ele revelara sem esforços, em ocasiões de mais perigosa emergência. Com a boca e o queixo de um deus, olhos estranhos, selvagens, amplos, líquidos, cujas sombras variam do puro castanho ao intenso e brilhante azeviche; bastos cabelos negros e cacheados, dentre os quais brilhava uma fronte, a intervalos, toda luminosa e ebúrnea, uma fronte de insólita amplitude; eram feições estas, cuja regularidade clássica eu jamais vira, a não ser talvez as feições marmóreas do Imperador Cômodo. Contudo sua fisionomia não era dessas que os homens fixam para sempre. Não tinha expressão característica, nem predominante, para se gravar na memória; uma fisionomia vista e instantaneamente esquecida, mas esquecida com um vago e incessante desejo de reevocá-la à recordação. Não porque o espírito de qualquer rápida paixão deixasse, a qualquer hora, de mostrar sua imagem distinta no espelho daquela face; mas porque o espelho, sendo espelho, não retinha vestígios da paixão quando a paixão se dissipava.

Ao deixá-lo, na noite de nossa aventura, solicitou-me ele, duma maneira que reputei urgente, que o visitasse bem cedo na manhã seguinte. Logo depois do amanhecer, achei-me, por conseguinte, em seu palazzo, um daqueles imensos edifícios de sombria porém, fantástica majestade que se erguem por cima das águas do Grande Canal, nas vizinhanças do Rialto. Subindo por uma larga escadaria circular de mosaicos, entrei num aposento cujo esplendor inigualável flamejava pela porta aberta, numa verdadeira cintilação que me tornava cego e entontecido, pela sua faustosidade.Verifiquei que meu conhecido era rico. O que eu ouvira a respeito de suas posses me parecera uma exageração ridícula. Mas, ao olhar em torno de mim, não podia ser levado a acreditar que a riqueza de qualquer súdito europeu pudesse suprir a principesca magnificência que flamejava e resplandecia ali. Embora, como disse, o sol já se tivesse erguido, o quarto ainda se achava brilhantemente iluminado. Julgo, por esta circunstância bem como pelo ar de cansaço de meu amigo, que ele não se deitara durante toda a noite precedente.

Na arquitetura e embelezamentos do quarto, o objetivo evidente fora o de deslumbrar e espantar. Pouca atenção se dera à decoração do que é tecnicamente chamado de "harmonia", ou ás características de nacionalidade. O olhar vagava do um objeto a outro e não se fixava em nenhum, nem nos grotescos dos pintores gregos, nem nas esculturas das melhores épocas italianas, nem nas imensas inscrições do primitivo Egito. Ricas tapeçarias, por toda parte do quarto, tremiam à vibração de uma música suave e melancólica cuja origem não podia ser descoberta. O olfato era sufocado pela mistura de perfumes heterogêneos que se exalavam de estranhos incensários retorcidos, juntamente com numerosas e agitadas línguas flamejantes dum fogo de esmeralda e violeta. Os raios do sol, que acabava de nascer, banhavam todo o quarto através das janelas formadas, cada uma, de simples peça de vidro cor-de-rosa. Cintilando para lá e para cá, em mil reflexos, das cortinas que pendiam de suas cornijas como cataratas de prata derretida, os raios da luz natural misturavam-se por fim, caprichosamente, com a luz artificial e rolavam, em massas avassaladoras, sobre um tapete de um rico tecido, que parecia o ouro líquido do Chile.

- Ah, ah, ah! Ah, ah, ah! - riu o proprietário, apontando-me uma cadeira, quando eu entrei no quarto, e lançando-se de costas, a fio comprido, sobre uma otomana. - Vejo - disse ele, notando que eu não podia imediatamente adaptar-me a esquisitice de tão singular acolhida -, vejo que está atônito à vista de meu aposento, de minhas estátuas, de meus quadros, de minha originalidade, de concepção em arquitetura e tapeçamento. . . Absolutamente embriagado, hein, com a minha magnificência? Mas, perdoe-me, meu caro senhor (e aqui o tom de sua voz encheu-se do verdadeiro espírito de cordialidade), perdoe-me a minha descaridosa gargalhada. O senhor se mostrou tão extremamente atônito! Além disso, algumas coisas há tão completamente ridículas que um homem deve rir ou morrer. Morrer rindo deve ser a mais gloriosa de todas as mortes gloriosas! Sir Thomas More - e que homem inteligente era Sir Thomas More! - morreu rindo, como o senhor se recorda. Também nos Absurdos de Ravisius Textor há uma longa lista de personagens que tiveram o mesmo magnífico fim. O senhor sabe, porém - continuou ele, reflexivamente -, que em Esparta (que é agora Palaeochori), em Esparta, como disse, a oeste da cidadela, entre um amontoado de ruínas dificilmente visíveis, há uma espécie de soco, sobre o qual se lêem ainda as letras "LASM". Fazem parte sem dúvida, da palavra "GELASMA". Ora, em Esparta havia milhares de templos e santuários dedicados a milhares de divindades diferentes. Como é excessivamente estranho que o altar do Riso tenha todos os outros! Mas, na presente circunstância - prosseguiu ele, com singular alteração da voz e das maneiras -, não tenho o direito de alegrar-me à sua custa. O senhor tinha bem razão de ficar admirado. A Europa não pode produzir qualquer coisa tão bela como esta, este meu régio gabinete. Meus outros aposentos não são, de modo algum, da mesma espécie; são meros de "ultras" de insipidez elegante. Isto é melhor do que a moda, não é? Contudo, basta o que se está vendo para provocar o despeito daqueles que só poderiam adquiri-lo à custa de seu inteiro patrimônio. Tenho evitado porém, semelhante profanação. Com uma exceção apenas: e é o senhor a única criatura humana, além de mim mesmo e de meu criado, a ser admitido dentro dos mistérios deste recinto imperial, desde que ele foi adornado da maneira que o senhor vê...

Curvei-me, reconhecido, pois a dominante sensação de esplendor, o perfume e a música, juntamente com a inesperada excentricidade da fala e das maneiras dele impediam-me de exprimir, com palavras, aquilo que eu compusera na mente como um cumprimento.

- Aqui - continuou ele, levantando-se e apoiando-se no meu braço, enquanto vagava pelo aposento -, aqui estão pinturas, desde os gregos até Cimabue, e de Cimabue até a época atual. Muitas foram escolhidas, como vê, com pouco respeito às opiniões da crítica da arte. Todas, porém, são tapeçarias adequadas a um quarto como este. Aqui, também, há algumas obras-primas dos grandes desconhecidos... e ali, desenhos inacabados de homens célebres na sua época e cujos verdadeiros nomes a perspicácia das academias abandonou ao silêncio e a mim. Que pensa o senhor - disse ele, voltando-se bruscamente, enquanto falava -, que pensa o senhor desta Madonna della Pietã?
- É do próprio Guido! - disse eu, com todo o entusiasmo de minha natureza, pois tinha estado de olhos atentamente fixos sobre beleza transcendente. - É do próprio Guido! Como pôde obtê-la? É, indubitavelmente, em pintura, o que Vênus é em escultura!…

- Ah! - disse ele pensativamente. -Vênus.. . a bela Vênus... A Vênus dos Médicis? A de cabeça pequena e de cabelo dourado? Parte do braço esquerdo (aí sua voz se abaixou, a ponto de ser ouvida com dificuldade) e todo o braço direito são restaurações; e no amaneirado daquele braço direito se encontra, penso eu, a quinta-essência de toda a afetação. Para mim, a Vênus de Canova! O próprio Apolo, também, é uma cópia... não pode haver dúvida... Oh, louco, estúpido cego que eu sou, que não posso apreender a ostentosa inspiração do Apolo! Não posso deixar - pobre de mim -, não posso deixar de preferir o Antinous. Não foi Sócrates quem disse que o escultor descobre sua estátua no bloco de mármore? Por isso Miguel Ângelo não foi, de modo algum, original nos seus versos:

Non ha l'ottimo artista alcun Concettoche un marmo solo in se non circunscriva.
(Não tem o ótimo artista algum conceito / que um mármore só em si não circunscreva. (N. T.)).

Tem sido ou deveria ter sido notado que na maneira dos verdadeiros homens de gosto nós sempre estamos cônscios de uma diferença do procedimento do homem vulgar, sem sermos imediata e precisamente capazes de determinar em que consiste tal diferença. Admitindo que a observação se aplicasse em todo o seu vigor à conduta estranha de meu conhecido, sentia, naquela manhã cheia de acontecimentos, que ela era mais plenamente aplicável ainda ao seu temperamento moral e ao seu caráter. Nem posso eu melhor definir aquela peculiaridade de espírito que parecia colocá-lo tão essencialmente a parte de todos os outros seres humanos do que chamando-a um hábito de intenso e continuo pensamento, tomando conta até mesmo de suas mais triviais ações, intrometendo-se seus momentos de ócio e interferindo nas suas explosões de alegria como serpentes que irrompem dos olhos das máscaras careteantes nas cornijas que cercam os templos de Persépolis.

Não podia deixar, porém, de repetidas vezes observar, através do tom de misturada leviandade e solenidade com que ele rapidamente comentava assuntos de pouca importância, certo ar de trepidação, um grau de fervor nervoso no agir e no falar, certa inquieta excitabilidade de maneiras que a mim me parecia, a todo tempo inexplicável e, em algumas ocasiões mesmo, me alarmava.

Frequentemente, também, parando em meio de uma frase cujo começo tinha sido, na aparência, esquecido, parecia estar escutando em meio da mais profunda atenção, como se esperasse, de momento, um visitante ou ouvisse sons que só deviam ter existência na sua imaginação. Foi durante um desses devaneios ou pausas de aparente abstração que, passando uma folha da bela tragédia do poeta e erudito Policiano, Orfeu (a primeira tragédia original italiana), que estava ao meu lado sobre uma otomana, descobri um trecho sublinhado a lápis. Era uma passagem, já no fim do terceiro ato, uma passagem da mais excitante comoção, uma passagem que, embora tinta de impureza, nenhum homem lerá sem um arrepio de nova emoção; e nenhuma mulher sem um suspiro. A página inteira estava manchada de lágrimas recentes e, na página oposta, viam-se os seguintes versos em ingleses, escritos numa caligrafia tão diferente da letra característica de meu conhecido que tive alguma dificuldade em reconhecer como de seu próprio punho:

Tudo quanto anelei foste, amor,
tudo quanto minha alma queria:
ilha verde nos mares, amor,
templo, fonte que límpida fluía
num jardim de encantado primor
onde a mim cada flor pertencia.
Ah, o sonho fulgiu demais, para
persistir! Foi anseio estrelado
que morreu, mal surgira e brilhara!
Diz-me "Avante" o Futuro em voz clara;
não o escuto! Somente o Passado
(triste abismo) é que o espírito encara,
mudo, lívido, petrificado.
Sim, a luz me fugiu desta vida!
Foi-se a chama! Ficaram-me os ais.
Nunca mais, nunca mais, nunca mais
(ah! com essas palavras fatais
fala às praias a vaga abatida),
fronde ao raio tombada, jamais
te hás de erguer, nem tu, águia ferida!
E meus dias em êxtases passo,
e meu sonho procura no espaço
teu olhar, onde quer que o escondas,
e o fulgor de teus rastros, o traço
de teus pés, em celestes, mil rondas,
junto a eternas, incógnitas ondas.

Causou-me pouca surpresa que aqueles versos estivessem escritos em inglês, língua que eu não acreditava fosse do conhecimento de seu autor. Mas também estava certo da extensão de seus conhecimentos e do singular prazer que ele experimentava em ocultá-lo à observação, para que me espantasse diante de semelhante descoberta. O lugar da data, porém, devo confessar, causou-me não pequeno espanto. Fora originariamente de Londres e depois cuidadosamente riscado, não porém de modo eficiente para ocultar a palavra a um olhar escrutinador. Afirmo que isto me causou não pequeno espanto, pois bem me recordo de que, em anterior conversa com meu amigo, inquiri particularmente dele se havia se encontrado em Londres, alguma vez, com a Marquesa de Mentoni (que durante alguns anos, antes de seu casamento, havia residido naquela cidade) quando sua resposta, se não me engano, deu-me a entender que ele nunca visitara a metrópole da Grã-Bretanha. Eu poderia, entretanto aqui mencionar que mais de uma vez ouvi (sem indubitavelmente dar crédito a um boato, que implicava tantas improbabilidades ) que a pessoa de quem falo era, não só de nascimento, mas de educação, inglês.

- Há um quadro - disse ele, sem saber que eu conhecia a tragédia- , há ainda um quadro que o senhor não viu.E afastando para um lado uma cortina, descobriu um retrato inteiro da Marquesa Afrodite.

A arte humana nada mais podia ter feito no delinear-lhe a sobre-humana beleza. O mesmo vulto etéreo que se erguera diante de mim na noite precedente sobre os degraus do Palácio Ducal ali permanecia à minha frente, mais uma vez. Mas, na expressão da fisionomia, toda a cintilar de sorrisos, ali ainda se ocultava (anomalia incompreensível!) aquela caprichosa sombra de melancolia que sempre se encontra como inseparável da perfeição do belo. Seu braço direito dobrava-se sobre seu seio. Com o braço esquerdo apontava para um vaso de formato estranho. Um pequeno e lindo pé, mal visível, tocava de leve a terra; e, dificilmente discernível, na brilhante atmosfera que parecia cercar e aureolar sua beleza, flutuava um par das mais delicadamente imaginadas asas.

Meu olhar desceu do quadro para o rosto de meu amigo e as vigorosas palavras do Bussy d'Amboise, de Chapman, palpitaram-me, instintivamente, nos lábios:

Está de pé ali
Como uma romana estátua. E assim ficará
Até que a morte em mármore o transforme!

- Venha! - disse ele afinal, voltando-se para uma mesa de prata maciça, ricamente esmaltada, sobre a qual se viam-se várias taças fantasticamente pintadas, ao lado de dois grandes vasos etruscos talhados no mesmo extraordinário modelo do primeiro plano do quadro, e cheios do que supunha eu ser Johannesburger. - Venha! - disse ele, bruscamente -, bebamos! É cedo ainda, mas bebamos! É realmente cedo - continuou ele, reflexivamente, quando um querubim, com um pesado martelo de ouro, fez o aposento retinir com a primeira hora depois do nascer do sol. - É realmente cedo... Mas, que importa? Bebamos! Façamos uma libação àquele solene sol que essas brilhantes lâmpadas e incensários estão tão ávidos de dominar!E, tendo-me feito brindá-lo com um enorme copo, engoliu, em rápida sucessão, várias taças de vinho.

- Sonhar - continuou ele, no tom de sua inconstante conversa ao erguer, diante da viva flama dum incensário, um dos magníficos vasos -, sonhar tem sido a ocupação de minha vida. Armei, pois, para mim, como vê, um camarim de sonhos. Poderia construir um melhor no coração de Veneza? O senhor observa em torno de si, é verdade, uma mistura de adornos arquitetônicos. A castidade da lônia é ofendida pelas inscrições antediluvianas e as esfinges do Egito se estendem sobre tapetes dourados. Contudo, o efeito só é incongruente para o tímido. Conveniências de lugares, e especialmente de tempo, são os fantasmas que afastam a humanidade aterrorizada da contemplação do magnificente. Fui outrora decorador, mas esta sublimação do disparate embotou a minha alma. Tudo isto é agora o mais apropriado para meu propósito. Como aqueles arabescados incensários, meu espírito se estorce em labaredas e o delírio desta cena está-me amoldando para as mais Insensatas visões daquela região de verdadeiros sonhos para onde estou agora rapidamente partindo.

Aqui parou subitamente, inclinou a cabeça sobre o peito e pareceu escutar um som que eu não podia ouvir. Por fim, erguendo o busto, olhou para cima e proferiu os versos do Bispo de Chichester:

Fica a esperar-me ali! Não deixarei
De te encontrar nesse profundo vale.

No momento seguinte, reconhecendo o poder do vinho, lançou-se, a fio comprido, sobre uma otomana.

Ouviu-se então um leve rumor de passos na escadaria, a que logo se seguiu pesada pancada à porta. Apressava-me em evitar segunda interrupção, quando um pajem da casa de Mentoni irrompeu pelo quarto e gaguejou, numa voz embargada de emoção, incoerentes palavras:

- A minha senhora … a minha senhora.. . envenenada... formosa... oh formosa Afrodite!

Atordoado, corri para a otomana e tentei despertar o adormecido para que soubesse a apavorante informação. Mas seus membros estavam rígidos, seus lábios estavam lívidos, seus olhos, ainda pouco cintilantes, estavam revirados pela morte. Recuei, cambaleante para a mesa. Minha mão caiu sobre uma taça partida e enegrecida e a consciência da completa e terrível verdade brilhou subitamente na minha alma.

Fonte:
POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. SP: Nova Cultural, 1993.

Nora Roberts (Estante de Livros)

Luzes do Norte

Um romance sobre duas almas solitárias que encontram amor e redenção numa remota vila do Alasca.

A vila de Lunacy é a última chance para Nate Burke. Como polícia em Baltimore, assistiu à morte do colega na rua, e a culpa ainda o persegue. Sem mais nenhum lugar para onde ir, aceita a função de Chefe da Polícia nessa pequena e remota vila do Alasca. Quando começa a perguntar-se se a mudança não terá sido um grande erro, um beijo imprevisto e arrebatador na passagem do ano, levanta o seu espírito e convence-o a ficar mais tempo.

Meg Galloway, nascida e criada em Lunacy, está habituada à solidão. Era apenas uma jovem quando o seu pai desapareceu e teve de aprender a ser independente, pilotando a sua pequena avioneta e vivendo nos arredores da vila na companhia dos seus huskies.

Depois do beijo ao novo Chefe da Polícia, permite-se ceder à paixão. E, agora, as coisas em Lunacy começam a aquecer. Há alguns anos, numa das majestosas montanhas que sombreiam a vila, ocorreu um crime que nunca foi resolvido e Nate suspeita que o assassino continua em Lunacy. A sua investigação vai desenterrar segredos e suspeitas, bem como trazer ao de cima o instinto de sobrevivência que fez dele um dos melhores polícias em Baltimore. O que ele não podia saber é que a sua descoberta vai ameaçar a nova vida e o novo amor...

A Dama Negra

O ar estava frio quando a Dra. Miranda Jones chegou a casa depois de uma longa semana de trabalho. Mas o seu sangue gelou quando sentiu encostarem-lhe uma faca ao pescoço. Depois de roubaram tudo o que trazia, os assaltantes desapareceram.

Profundamente abalada, Miranda decide esquecer aquela experiência assustadora. E, para isso, nada como aceitar o convite para ir a Itália confirmar a autenticidade de A Dama Negra, um bronze renascentista representando uma cortesã dos Medici.

Mas, em vez de cimentar a sua posição como a maior perita mundial nesse campo, a viagem a Itália destrói-lhe a reputação. Sentindo-se alvo de uma cilada, Miranda está decidida a limpar o seu nome. Mas ninguém parece disposta a ajudá-la... com a exceção de Ryan Boldari, um sedutor ladrão de arte, cujos objetivos são obscuros.

Agora torna-se evidente que o assalto à porta de sua casa foi muito mais do que isso... e que a Dama Negra possui tantos segredos quanto a cortesã que a inspirou. Com a ajuda de um homem em quem não deve confiar, mas por quem sente uma atração intoxicante, o futuro de Miranda parece repleto de traições, mentiras e perigos mortais

Tesouros Escondidos

Dora Conroy tem uma pequena loja de antiguidades e, num leilão de arte, compra um quadro que é muito mais do que parece. Depois há o novo inquilino do apartamento por cima da sua loja, Jed Skimmerhorn, um ex-polícia que tem tanto de rude quanto de charmoso. Mas é ele quem a salva quando a loja é assaltada e Dora descobre que os outros compradores do mesmo leilão estão a ser assassinados. Juntando forças com Dora para descobrir quem está por detrás dos roubos e das mortes, Jed é atraído para a vida agitada de Dora e para o dia-a-dia da sua família excêntrica mas imensamente calorosa.
A Villa

Sophia Giambelli jamais temeu a concorrência. Durante as três gerações, os vinhos Giambelli têm sido reconhecido pela sua espetacular qualidade. Orgulho da família e alta executiva de relações públicas, Sophia é apaixonada por seu trabalho, no qual se destaca imensamente.

Entretanto, importantes mudanças estão a caminho da Villa, Giambelli. Teresa, a matriarca, anunciou a fusão com a vinícola MacMillan,e Sophia passará a ter uma nova função. Como empresária eficiente devia estar preparada para tudo... Menos para Tyler MacMillan. Eles receberam ordens para trabalhar diretamente juntos, a fim de facilitar a fusão. Sophia precisa ensinar a Ty as particularidades do marketing, e ele, por sua vez, precisa mostrar a ela como se agachar e sujar as mãos de terra, e fazer um bom uso do sol, da chuva e do solo para obter as mais doces frutas do vinhedo.

Ao trabalharem juntos, nos campos e nos escritórios da empresa, Sophia se vê dividida entre uma poderosa atração e a rivalidade profissional. No fim da estação, o rumo da família - e o legado da Villa - talvez tome uma direção inteiramente nova. E quando atos de sabotagem ameaçam não só a empresa, mas principalmente a própria estrutura familiar, a luta de Sophia não será apenas pelo comando dos negócios, mas também pela própria sobrevivência.
Santuário

Fotógrafa de sucesso, Jo Ellen Hathaway pensava que tinha escapado de Sanctuary há muito tempo. Fora lá que passara seus anos mais solitários, depois que a família ficara abalada pelo súbito e inexplicável desaparecimento de sua mãe. Mesmo assim, a ilha na costa da Geórgia continua a atormentá-la em seus sonhos. Ainda mais angustiantes são as fotografias que alguém vem enviando para ela, estranhos closes, instantâneos agressivos... e a mais chocante de todas, uma foto de sua mãe, há muito tempo perdida, bela, nua e morta.
Jo compreende que é tempo de voltar a Sanctuary. A pousada na ilha, de sua família amargurada e desunida, traz de volta recordações dolorosas, enquanto ela se envolve mais uma vez em relacionamentos que tanto se esforçou para esquecer. Com a ajuda de um homem, ela precisa descobrir a verdade sobre o que a espreita... e sobre o trágico passado que ainda atormenta sua família. mas a ameaça que levou Jo a Sanctuary seguiu-a até lá. E as pessoas da ilha descobrirão que seu santuário pode ser o mais perigosos de todos os lugares.
--------------

Trilogia das Chaves

A Chave da Luz

Deve procurar a beleza, a verdade e a coragem. Uma sozinha não se aguentará. Duas sem a terceira ficarão incompletas. Procure no interior e descubra que ainda há mais a saber. Procure o que o escuro encobre mais frequentemente. Procure no exterior, onde a luz vence as sombras, como o amor vence a mágoa. Vertem-se lágrimas prateadas pela canção que ela aí cria, pois a canção vem das almas. Olhe adiante e no meio, veja onde a beleza floresce e a deusa canta. Poderá haver medo, poderá haver dor, mas o coração verdadeiro a ambos vence. Quando encontrar o que procura, o amor quebrará o feitiço, e o coração irá forjar a chave, trazendo-a à luz.» Três mulheres. Três chaves. Cada uma das três mulheres tem vinte e oito dias para encontrar o seu caminho através de uma perigosa busca que poderá completar-lhe o destino... ou destruir para sempre a sua vida.

A Chave do Saber

Pitte tirou da arca a caixa de vidro, dentro da qual dançavam as luzes azuis. Pousou a Caixa das Almas em cima de uma mesa, com grande cuidado, depois posicionou-se de um dos lados, imponente como um guerreiro, enquanto Rowena parava do outro. Ao ver aquelas luzes, Dana sentiu o coração apertado. Restavam duas fechaduras. Enfiou a chave na primeira e sentiu o ouro aquecer contra a sua pele, viu a luz percorrer o metal e os seus dedos, enquanto a rodava.» Três mulheres. Três chaves. Cada uma das três mulheres tem vinte e oito dias para encontrar o seu caminho através de uma perigosa busca que poderá completar-lhe o destino... ou destruir para sempre a sua vida.

A Chave da Coragem

A beleza e a verdade não são nada sem a coragem para as manter. Mas um par de mãos pode apertar com demasiada força, e o que é precioso corre por entre os dedos. Perda e sofrimento, mágoa e vontade, marcam o árduo caminho pela floresta. Ao longo da viagem há sangue, a morte da inocência e dos fantasmas do que podia ter sido. Sempre que o caminho se bifurca, é a fé que escolhe o caminho ou a dúvida que o bloqueia. Será desespero, ou alegria? Poderá haver realização sem o risco de perder? Tratar-se-á de um final, ou de um princípio? O caminho seguirá até à luz, ou regressará às trevas?» Três mulheres. Três chaves. Cada uma das três mulheres tem vinte e oito dias para encontrar o seu caminho através de uma perigosa busca que poderá completar-lhe o destino... ou destruir para sempre a sua vida.

Fontes:
http://www.saidadeemergencia.com/
http://www.livrosparatodos.net/

Nora Roberts (1950)



Nora Roberts (nascida Eleanor Marie Robertson a 10 de Outubro de 1950)

Uma das escritoras mais lidas, Nora Roberts nasceu em Silver Spring, Maryland, a mais nova de cinco filhos. Depois de um percurso escolar que incluiu algum tempo num colégio católico sob a disciplina das freiras, casou-se cedo e foi viver para Keedysville, Maryland.

Trabalhou por algum tempo como secretária. "Eu sabia dactilografar depressa mas não sabia escrever bem, fui a pior secretária de sempre", diz Nora agora. Depois de ter tido filhos, ficou em casa e experimentou todas as artes que lhe apareceram.

Uma tempestade de neve e vento, em Fevereiro de 1979, obrigou a sua mão a experimentar outras saídas criativas. Estava sobrecarregada com uma criança de três anos e outra de seis, sem o alívio temporário de um infantário em vista, e com um provisão de chocolate que ia diminuindo.

Nascida numa família de leitores, Nora não conheceu tempo algum em que não estivesse a ler e a inventar histórias. Durante a famosa tempestade de neve e vento, pegou num lápis e num caderno de notas e começou a escrever uma dessas histórias. Estava escrito que uma carreira tinha nascido.

Depois de muitos manuscritos e rejeições, o seu primeiro livro, Irish Thoroughbred, foi publicado pela Silhouette em 1981. Nora conheceu o seu segundo marido, Bruce Wilder, quando o contratou para que lhe fizesse umas prateleiras para livros. Casaram-se em 1985. Desde aí eles expandiram o seu lar, viajaram pelo mundo e abriram uma loja de livros juntos.

Ao longo dos anos, Nora esteve sempre rodeada de homens. Não era apenas a mais nova da família como também era a única rapariga. Criou dois filhos. O facto de ter passado a vida rodeada de homens deu-lhe uma visão razoavelmente boa do funcionamento da mente masculina, o que é um constante deleite para os seus leitores. Foi, tal como ela é citada por dizer, uma escolha entre decifrar os homens ou fugir dali a gritar.

Autora de maior destaque da lista de best sellers no New York Times e a primeira a ser escolhida para a Galeria da Fama dos Escritores Românticos dos Estados Unidos, Nora Roberts é considerada uma pintora de palavras que a cada pincelada, dá vida a personagens cheios de energia e vigor.

Escritora metódica e insaciável, Nora já publicou mais de 160 romances, a maior parte no gênero suspense romântico, traduzidos para 25 idiomas e editados em todo o mundo. Sua alta popularidade como romancista advém do grande talento que possui para sensibilizar o leitor ao escrever narrativas de suspense que também falam sobre turbilhão de emoções que acontecem quando entramos em contato com nossos sentimentos mais profundos, principalmente amor e paixão.

Suas histórias prendem o leitor com temas explícitos e intensos, descritos de forma clara e objetiva, passando uma mensagem curta e rica em detalhes. Os capítulos de seus livros são longos, e poucos, em média apenas 12. As paisagens descritas nos levam a viajar do México aos subúrbios de Washington, com certa suavidade e exatidão que sonhamos acordados, ou temos pesadelos!

Obras de Nora Roberts

- A Chave da Luz (Trilogia das Chaves 1)
- A Chave do Saber (Trilogia das Chaves 2)
- A Chave da Coragem (Trilogia das Chaves 3)
- A Dança da Sedução
- A Dália Azul (Trilogia do Jardim 1)
- A Rosa Negra (Trilogia do Jardim 2)
- O Lírio Vermelho (Trilogia do Jardim 3)
- A Villa
- Almas em Chamas
- Dançando no Ar (Trilogia da Magia 1)
- Entre o Céu e a Terra (Trilogia da Magia 2)
- Enfrentando o Fogo (Trilogia da Magia 3)
- Doce Vingança
- Cativado (Família Donovan 1)
- Fascinado (Família Donovan 2)
- Encantado (Família Donovan 3)
- Enfeitiçado (Família Donovan 4)
- Estrela Oculta (As Estrelas de Mithra 1)
- Estrela Cativa (As Estrelas de Mithra 2)
- Gritos Noturnos
- MacGregors 01 - Jogo de Seducao
- MacGregors 02 - Destino Tentador
- MacGregors 03 - Todas as Possibilidades
- MacGregors 04 - O Encanto da Luz
- MacGregors 05 - Hoje e Sempre
- MacGregors 06 - Instinto do Amor
- MacGregors 07 - Beijos Que Conquistam
- MacGregors 08 - Amor Nunca é Demais
- MacGregors 09 - Um Vizinho Perfeito
- MacGregors 10 - Um Mundo Novo
- MacGregors 11 - Rebelde
- Arrebatado Pelo Mar (Trilogia da Gratidão 1)
- Movido Pela Maré (Trilogia da Gratidão 2)
- Protegido Pelo Porto (Trilogia da Gratidão 3)
- O Amuleto
- O Retorno de Rafe Mackade (Irmãos Mackade 1)
- Atrever-se a Amar (Irmãos Mackade 2)
- Paixão Obscura
- Santuário
- Segredos
- Série Mortal 1 - Nudez Mortal
- Série Mortal 2 - Glória Mortal
- Série Mortal 3 - Êxtase Mortal
- Jóias do Sol (Trilogia do Coração 1)
- Lágrimas da Lua (Trilogia do Coração 2)
- Coração do Mar (Trilogia do Coração 3)
- Um Sonho da Amor (Trilogia do Sonho 1)
- Um Sonho de Vida (Trilogia do Sonho 2)
- Um Sonho de Esperença (Trilogia do Sonho 3)
- Uma Última Noite

Fontes:
http://www.saidadeemergencia.com/
http://pt.wikipedia.org
http://www.livrosparatodos.net/