quinta-feira, 5 de março de 2009

W Somerset Maugham (O Fio da Navalha)


Larry Darnell, um jovem americano da alta burguesia que conhecera a morte nos campos de batalha da Primeira Guerra na Europa, volta para a cidade em que nascera (Chicago) em estado de choque. Abandona tudo confortos materiais para buscar o sentido da vida. A ação transcorre entre os anos 20 e 40 em lugares tão díspares quanto Chicago, Paris, Marselha, Índia e ranchos no Texas.

Síntese

O século 20 produziu uma quantidade enorme de histórias sobre ex-combatentes de guerra que, ao voltarem para casa, não se reconhecem mais naquilo que vêem e precisam de algum modo reencontrar o fio da meada. No entanto poucas obras literárias se tornaram tão emblemáticas dessa situação quanto este romance de W. Somerset Maugham.

Depois de ver seu melhor amigo morrer nos campos de batalha da Primeira Guerra, o jovem norte-americano Larry Darrell retorna aos Estados Unidos completamente transformado. Em pouco tempo, decide deixar a vida burguesa de Chicago e adiar seu casamento com a bela Isabel. Como muitos jovens de sua geração, Darrell vai passar uma temporada de aprendizado existencial em Paris, onde perambula pelos cafés e começa a ler livros sobre a Índia e o Nepal.

Entusiasmado com as descobertas e a possibilidade de um mundo radicalmente novo, Darrell viaja para esses países em busca de iluminação espiritual --assim como o próprio autor fez na década de 30. Anos mais tarde, de volta a Paris, Darrell reencontra Isabel e vários amigos americanos que haviam deixado os EUA depois da crise financeira de 1929.

O Fio da Navalha, expressão retirada por Maugham de um dos upanixades (textos sagrados da Índia), rendeu várias versões para o cinema, entre elas a de 1946, com Tyrone Power no papel principal, e a de 1984, estrelada por Bill Murray.

Trechos do livro O Fio da Navalha
Capítulo 1

Nunca senti maior apreensão ao começar um romance. E se digo romance é por não saber de que outra maneira chamá-lo. Não tem grande enredo, não acaba com morte nem com casamento. A morte põe termo a todas as coisas e é, portanto, fim lógico para uma história; mas também o casamento é solução muito correta e os blasés fariam mal em escarnecer daquilo que comumente se diz que "acabou bem". O instinto popular anda acertado ao afirmar que, com isto, tudo o que devia ser dito foi dito. Quando, depois de inúmeras vicissitudes, macho e fêmea finalmente se reúnem, sua função biológica foi cumprida e o interesse passa à geração vindoura. Mas estou deixando o meu leitor no escuro. Este livro consiste das recordações que tenho de um homem com quem, em épocas muito espaçadas, tive íntimo contato; mas pouco sei do que lhe aconteceu nos intervalos. Creio que, recorrendo à imaginação, eu poderia preencher plausivelmente as lacunas e tornar mais coerente a minha narrativa; mas a tal não me sinto atraído. Quero unicamente relatar fatos de que tenho conhecimento.

Há anos escrevi um romance intitulado Um gosto e seis vinténs. Nele destaquei um famoso pintor, Paul Gauguin, e, valendo-me do privilégio do romancista, imaginei vários incidentes, no intuito de ilustrar o tipo que eu criara inspirado nos escassos fatos que conhecia da vida do artista francês. Na obra atual nada tentei de semelhante. Não inventei coisa alguma. Para poupar constrangimento a pessoas que ainda vivem, dei aos personagens desta história nomes fictícios e procurei, por outros meios, evitar que sejam reconhecidos. O homem sobre quem escrevo não é célebre; talvez nunca chegue a sê-lo. É possível que, ao atingir o fim da vida, não deixe, de sua passagem pela terra, vestígio maior que aquele que a pedra, atirada ao rio, deixa na superfície das águas. Neste caso, se o meu livro for lido, sê-lo-á exclusivamente pelo interesse intrínseco que possa ter. Mas é possível que o gênero de vida que esse homem escolheu para si próprio e a singular força e doçura do seu caráter tenham uma influência sempre crescente sobre seus semelhantes, de modo que, mesmo muito tempo depois de sua morte, talvez se compreenda que nesta época viveu uma criatura extraordinária. Ficará, então, claro sobre quem escrevi neste livro, e aqueles que desejarem conhecer alguma coisa dos primeiros anos da existência desse homem talvez aqui encontrem algo que lhes satisfaça. Creio que o meu livro, dentro de suas possibilidades, que reconheço limitadas, será uma útil fonte de informações para os biógrafos do meu amigo.

Não é minha intenção fazer crer que as conversas foram registradas literalmente. Não tomei nota sobre o que foi dito nesta ou naquela ocasião, mas tenho boa memória quanto ao que me diz respeito e creio que, embora expressas em minhas próprias palavras, essas conversas representam fielmente o que foi dito. Há pouco declarei nada ter inventado; quero agora modificar essa asserção. Tomei a liberdade, que desde o tempo de Heródoto os historiadores têm tomado, de pôr nos lábios dos meus personagens palavras que eu, pessoalmente, não poderia ter ouvido. Agi pela mesma razão que os fez agir; para dar vida e verossimilhança a cenas que teriam sido incolores se apenas relatadas. Quero ser lido, e creio estar no meu direito quando faço o possível para tornar agradável a leitura do meu livro. O leitor inteligente facilmente perceberá em que ocasiões me vali deste artifício e tem toda a liberdade de rejeitá-lo.

Outro motivo que me fez iniciar esta obra com apreensão foi o fato de eu aqui lidar a maior parte do tempo com americanos. É difícil a gente compreender bem as criaturas e não creio que possamos conhecer ninguém a fundo, a não ser os nossos próprios compatriotas. Pois os homens não são somente eles; são também a região onde nasceram, a fazenda ou o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos que brincaram quando crianças, as lendas que ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que freqüentaram, os esportes em que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que acreditaram. Todas essas coisas fizeram deles o que são, e essas coisas ninguém pode conhecê-las somente por ouvir dizer, e sim se as tiver sentido. Só pode conhecê-las quem é parte delas. E, por não se poder conhecer as pessoas de um país estrangeiro a não ser por observação, é difícil torná-las reais nas páginas de um livro. Mesmo um observador sutil e cuidadoso como Henry James, embora tivesse vivido quarenta anos na Inglaterra, jamais conseguiu criar um inglês que fosse cem por cento inglês. Quanto a mim, a não ser em alguns contos, nunca tentei manejar a não ser os meus próprios compatriotas; e, se nas histórias curtas me aventurei à exceção, foi porque nelas o escritor pode tratar os tipos mais sumariamente. Dá ao leitor indicações gerais e deixa por conta dele os detalhes. Possivelmente perguntarão por que motivo, já que transformei Paul Gauguin em inglês, não pude fazer o mesmo com os personagens deste livro. A resposta é simples: não pude. Eles não teriam sido quem são. Não quero dizer que sejam americanos como os americanos vêem a si mesmos; são americanos, sob o ponto de vista inglês. Não tentei reproduzir as singularidades do seu modo de falar. A barafunda que fazem os escritores ingleses quando se atiram à empreitada só pode ser comparada à confusão que fazem os escritores americanos quando tentam reproduzir o idioma inglês como é falado na Inglaterra. A gíria é a grande arapuca. Nos seus contos ingleses, Henry James sempre fez uso dela, mas nunca da mesma maneira que os ingleses; assim sendo, em vez de conseguir o desejado efeito coloquial, a maior parte das vezes dá ao leitor inglês um desagradável sobressalto.
2
Aconteceu-me estar em Chicago em 1919, a caminho do Extremo Oriente, pretendendo, por motivos que nada têm com esta história, ali me demorar durante duas ou três semanas. Pouco tempo antes eu publicara um romance que obtivera sucesso; estando, portanto, em evidência, fui entrevistado assim que desembarquei. No dia seguinte meu telefone tocou. Atendi.

- Quem fala aqui é Elliott Templeton.

- Elliott? Pensei que você estivesse em Paris.

- Não; vim visitar minha irmã. Queremos que você venha almoçar conosco.

- Com muito prazer.

Ele indicou a hora e o endereço.

Meu conhecimento com Elliott datava de quinze anos. Na ocasião em que me telefonou ele devia estar perto dos sessenta anos, homem alto e elegante, de traços agradáveis e espessos cabelos escuros e ondulados, com a nota grisalha apenas suficiente para acentuar a distinção de sua aparência. Ele comprava os acessórios de toalete em Charvet, mas seus ternos, chapéus e sapatos eram de Londres. Tinha em Paris um apartamento na Rive Gauche da elegante Rue St. Guillaume. As pessoas que não o apreciavam diziam que ele era negociante, acusação que o indignava. Elliott tinha gosto e entendia de arte, não se importando de confessar que, em anos idos, quando pela primeira vez se instalara em Paris, dera a ricos colecionadores o favor de sua opinião; e, quando devido às suas relações sociais ouvia falar de algum fidalgo arruinado, inglês ou francês, que estava disposto a vender um bom quadro, ficava satisfeito de poder pô-lo em contato com os diretores de museus americanos que, acontecia ele saber, estavam à procura de uma obra-prima de tal ou tal mestre. Havia na França e na Inglaterra muitas famílias antigas cujas circunstâncias as obrigavam a dispor de uma peça assinada, de Buhl, ou de uma escrivaninha feita pelo próprio Chippendale, se o negócio pudesse ser feito sem alarde, e que gostavam de conhecer um homem de grande cultura e finas maneiras que saberia tratar discretamente do assunto. Supunha-se, naturalmente, que Elliott lucrava com essas transações, mas a boa educação não deixava que se tecessem comentários a respeito. Pessoas pouco generosas afirmavam que em seu apartamento tudo estava à venda e que, depois de ter oferecido a milionários americanos um ótimo almoço, com vinhos velhos, uma ou duas de suas valiosas telas desapareceriam, ou uma cômoda de madeira entalhada seria substituída por uma outra, laqueada. Quando lhe perguntavam por que razão sumira determinada peça, ele muito logicamente explicava que não a achara bem à sua altura e resolvera, portanto, substituí-la por outra de superior qualidade. Acrescentava que era enfadonho estar sempre a ver as mesmas coisas.

- Nous autres américains, nós, americanos, gostamos de variar - dizia ele. - É, ao mesmo tempo, a nossa fraqueza e a nossa força.

Algumas das senhoras americanas residentes em Paris, que se gabavam de saber tudo a respeito de Elliott, diziam que sua família era muito pobre e que, se ele conseguia manter-se no padrão em que vivia, era por ter sido muito hábil. Não sei a quanto montava a sua fortuna, mas o duque de quem era inquilino certamente o fazia pagar muito pelo apartamento que, além do mais, era mobiliado com peças de valor. Havia, nas paredes, desenhos dos grandes mestres franceses, Watteau, Fragonard, Claude Lorraine e outros; tapetes Savonnerie e Aubusson exibiam sua beleza em soalhos de parquete; e na sala de visitas havia um conjunto Luís XV, em petit point, de tal elegância que poderia ter pertencido, como afirmava ele, a madame Pompadour. Em todo caso, Elliott possuía bastante para viver no estilo que considerava correto para um cavalheiro, sem precisar para isso ganhar dinheiro, e o método que no passado usara para consegui-lo era assunto que, a não ser que se quisesse romper relações com ele, era conveniente evitar. Liberto assim de preocupações materiais, ele se dedicou à paixão máxima de sua vida - relações sociais. Suas transações comerciais com os fidalgos empobrecidos, tanto na França como na Inglaterra, consolidaram a posição que ele conseguira ao chegar à Europa, moço, com cartas de apresentação a pessoas importantes. Sua origem o favorecia aos olhos das titulares americanas a quem vinha recomendado, pois ele pertencia à antiga família da Virgínia, e do lado materno podia reclamar parentesco direto com um dos signatários da Declaração da Independência. Tinha boa aparência, era vivo, dançava bem, atirava regularmente e sobressaía no tênis. Era elemento que valia a pena ter-se em qualquer festa. Ninguém mais pródigo, em se tratando de flores e caixas de bombons. Embora recebesse pouco, quando o fazia era com originalidade que agradava; aquelas ricaças achavam divertido ser convidadas a restaurantes boêmios em Soho ou bistrôs no Quartier Latin. Ele estava sempre pronto a servir e não havia favor, por maçante que fosse, que se lhe pedisse, que ele não fizesse com prazer. Esforçava-se bastante por ser agradável a senhoras maduras e rapidamente se tornava o ami de la maison, o queridinho de muita mansão imponente. Era extrema a sua gentileza; nunca se ofendia por ser convidado à última hora, quando alguém deixava a dona da casa em apuros, e a gente podia colocá-lo ao lado de uma velhota enfadonha, tendo certeza de que seria espirituoso e amável como só ele sabia ser.

Dentro de dois anos, tanto em Londres - para onde ia durante a última parte da temporada, e no princípio do outono para fazer algumas visitas a casas de campo - como em Paris, onde se instalara definitivamente, Elliott conhecia todas as pessoas que era possível a um jovem americano conhecer. As senhoras que o tinham introduzido na sociedade surpreenderam-se ao verificar como se alargara o seu círculo de relações. Os sentimentos dessas senhoras eram confusos. Por um lado, ficaram satisfeitas com o sucesso do seu protégé e, por outro, um tanto despeitadas ao vê-lo em tais termos de intimidade com pessoas com quem elas continuavam a manter relações de absoluta cerimônia. Embora Elliott continuasse a ser obsequioso e serviçal, elas tinham a desagradável impressão de que ele as usara como escada para o seu avanço social. Desconfiavam que ele fosse esnobe. Claro que o era. Incrivelmente esnobe. Um esnobe sem a menor vergonha. Ele engoliria qualquer afronta, ignoraria qualquer desfeita, toleraria qualquer descortesia para ser convidado a uma festa a que desejasse ir ou para conseguir aproximar-se de alguma rabugenta duquesa-mãe. Neste particular era incansável. Quando fixava o olhar na presa, perseguia-a com a tenacidade do botânico que, para conseguir uma orquídea rara, desafia enchentes, terremotos, febres e nativos hostis. A guerra de 1914 deu-lhe a sua oportunidade decisiva. Logo no início, entrou para o Corpo de Saúde e serviu, primeiro em Flandres, depois em Argonne; voltou ao fim de um ano com uma fita vermelha na lapela e conseguiu um posto na Cruz Vermelha de Paris. Nessa época, já estava em ótima situação financeira e contribuiu generosamente para obras de caridade patrocinadas por pessoas importantes. Com seu fino gosto e dom de organização, estava sempre pronto a trabalhar para qualquer festa de caridade que fosse amplamente anunciada. Ficou sócio de dois dos mais seletos clubes de Paris. Era ce cher Elliott para as maiores damas da França. Finalmente vencera.

Fontes:
http://vestibular.uol.com.br/ultnot/livrosresumos/ult2755u111.jhtm
Imagem =
http://outrasescritas.blogspot.com

William Somerset Maugham (1874 - 1965)



William Somerset Maugham(Paris, 25 de janeiro de 1874 — Saint-Jean-Cap-Ferrat, 16 de dezembro de 1965)

Infância e educação

O pai de Somerset Maugham era um advogado que se ocupava dos assuntos legais da embaixada britânica em Paris. Uma vez que a lei francesa previa que todas as crianças do sexo masculino nascidas em território francês estavam obrigadas a fazer o serviço militar, Robert Ormond Maugham mobilizou-se para que William nascesse na embaixada, tirando-lhe, assim, a obrigação de envolver-se em futuras guerras francesas e permitindo que, tecnicamente, ele nascesse em território britânico. Seu avô, também chamado Robert, também havia sido um prestigiado advogado e co-fundador da English Law Society (Sociedade Inglesa de Leis) e que pretendia que Willian seguisse os mesmos passos pela estrada jurídica. Porém as coisas não caminharam assim, apesar de seu irmão mais velho Frederic Herbert Maugham ter desenvolvido destacada carreira jurídica, convertendo-se em Lord Chancellor, entre 1938 e 1939.

A mãe de Maugham, Edith Mary (cujo nome de solteira era Edith Snell) sofria com a tuberculose, uma condição para a qual os médicos da época prescreviam ter filhos. Assim, Maugham tinha três irmãos mais velhos, já escolarizados em centros de internato e, desse modo, ele foi criado quase que como filho único. Desafortunadamente, a gravidez não foi remédio para a enfermidade, e Edith May Maugham morreu, aos 41 anos, seis anos depois de dar à luz o seu último filho. A morte de sua mãe deixou Maugham traumatizado por toda a vida e ele sempre teve consigo a foto dela na cabeceira da sua cama até a sua morte, aos 91 anos, em 1965.

Dois anos depois do falecimento de sua mãe, morreu o seu pai, vítima de cancro. William foi enviado para Inglaterra, ficando aos cuidados de seu tio Henry MacDonald Maugham, vigário de Whitstable, em Kent. A mudança foi catastrófica. Henry demonstrou ser frio e emocionalmente cruel. Na The King's School, em Canterbury, quase uma versão do purgatório, como contaria posteriormente o escritor, Willian ficou em regime de internato em seus anos de estudante. Lá foi ridicularizado por falar mal o inglês, já que sua língua materna era o francês, e pela sua baixa estatura, uma herança paterna. Nesse período Maugham desenvolveu a disfemia, que o acompanharia por toda vida, ainda que ela fosse esporádica e dependesse de seu estado de ânimo e das circunstâncias.

Sob os olhos do tio era submetido a um total controle e as emoções estavam proibidas. Foi forçado a esconder seu temperamento e não expressava suas emoções. Como garoto pacífico, reservado, porém, muito curioso, essa negação das emoções dos outros foi para ele tão dura como a negação dos próprios sentimentos. O resultado foi que Maugham viveu em desgraça, tanto na comunidade religiosa do tio, como na escola, onde era maltratado por companheiros. Tal fato fez com que desenvolvesse a habilidade de fazer observações sarcásticas daqueles que o enfureciam. Tal capacidade se refletiria em alguns de seus personagens e em certas narrações.

Aos dezesseis anos, Maugham recusou-se em continuar no The King's School, e seu tio deu-lhe permissão para viajar para a Alemanha, onde durante um ano estudou literatura, filosofia e alemão na Universidade de Heidelberg. Naquele país conheceu, John Ellingham Brooks, um inglês dez anos mais velho que ele, com quem teve sua primeira experiência sexual.

De volta a Inglaterra, seu tio conseguiu-lhe um emprego num escritório de contabilidade. No entanto, após um mês o escritor deixou o seu trabalho e retornou a Whitstable. O tio ficou desgostoso com a situação e procurou um novo emprego para o jovem. O trabalho na igreja foi abandonado, já que um pastor disfêmico pareceria ridículo. Também foi abandonado o emprego público, já que Maugham não se mostrava animado, e também devido às novas leis que obrigavam o candidato a passar por um exame para ingressar na máquina estatal. Para o tio do jovem, tal condição tornava o serviço público algo indecoroso para um cavalheiro.

O médico local sugeriu a medicina e o tio aceitou, mediante certas objeções. Maugham havia começado a escrever aos quinze anos e desejava de forma efervescente dedicar-se à literatura. Porém, por não ser maior de idade, não se atreveu a confessar seus desejos ao tutor. Como conseqüência, passou os cinco anos seguintes de sua vida como estudante de medicina em Londres.

Primeiras obras

Muitos leitores e alguns críticos assumem que os anos de estudante de medicina constituíram-se em um hiato na verve criativa do escritor. Porém, o próprio Maugham era de opinião contrária. Poder viver a agitação da cidade de Londres, conhecer pessoas das classes mais populares, tipos que nunca havia encontrado em outras profissões, ver pessoas em situações de extrema ansiedade e em busca de significados para suas vidas. Nos seus últimos anos, ele declarou o valor literário de tudo o que viu como estudante de medicina: "Vi homens morrerem. Os vi sofrer de dor. Aprendi o que era esperança, o medo e a ajuda...".

Naquele tempo, estavam na moda os livros escritos por homens e mulheres que viviam de maneira mais livre, que descreviam o valor moral de uma vida de padecimentos — porém, Maugham viu claramente, uma e outra vez, como é corrosivo o padecimento para os valores humanos, como a enfermidade envolvia de forma hostil e amarga as pessoas e nunca disso se esqueceu. Aqui finalmente estava a vida em toda a sua crueza e também a oportunidade de examinar toda a gama de emoções humanas.

Maugham cuidava de sua casa, tinha várias idéias literárias e escrevia todas as noites, concomitantemente aos estudos de medicina. Em 1897 apresentou seu segundo livro a uma editora — o primeiro havia sido uma biografia de Giacomo Meyerbeer, escrita aos dezesseis anos, em Heidelberg.

Liza of Lambeth (O Pecado de Liza), uma narração sobre um adultério na classe operária e suas conseqüências, bebe nas experiências do estudante praticante de obstetrícia no subúrbio londrino de Lambeth. A novela se enquadra no realismo social dos "escritores dos baixos fundos", como George Gissing e Arthur Morrison. Com toda a franqueza, Maugham ainda se sentiu obrigado a escrever no prólogo da novela que "... é impossível eliminar os erros de fala de Liza e dos outros personagens, portanto, o leitor terá de recompor seus pensamentos nas imperfeições necessárias dos diálogos".

O Pecado de Liza alcançou êxito entre a crítica e o público e a primeira edição foi vendida em semanas. Isso foi o suficiente para convencer Maugham, que já se havia licenciado, a abandonar a medicina e embrenhar-se na carreira literária, atividade na qual ele militaria por 65 anos. Sobre seu debut na profissão de escritor, ele diria posteriormente que "me senti como um peixe na água".

A vida de escritor lhe permitiu viajar e viver em lugares diferentes, como Espanha e Capri, durante a década seguinte. Porém, suas dez obras posteriores não conseguiram rivalizar com o êxito de O Pecado de Liza. A situação mudou radicalmente em 1907 com o extraordinário sucesso de sua peça de teatro Lady Frederick. Durante o ano seguinte, teve quatro obras teatrais representadas simultaneamente em Londres. A revista Punch chegou a publicar uma charge em que Shakespeare aparece roendo as unhas nervoso diante do grande número de peças encenadas do autor.

Êxito popular - 1914 a 1939

No ano de 1914, Maugham era um homem famoso, com dez obras de teatro representadas e dez novelas publicadas. Era grande demais para alistar-se na primeira guerra mundial. Maugham, porém, serviu na França, como membro da Cruz Vermelha Britânica, no chamado Literary Ambulance Drivers (Condutores de Ambulância Literários), um grupo de 23 conhecidos escritores, entre os quais estavam Ernest Hemingway, John dos Passos e E. E. Cummings. Nesse período, conheceu Frederick Gerald Haxton, um jovem de São Francisco (Estados Unidos da América), que se converteu em seu companheiro até a sua morte, em 1944. Haxton aparece com o nome de Tony Paxton na obra de teatro de Maugham, de 1917, denominada Our Betters. Mesmo durante a guerra, Maugham continuou escrevendo. Corrigiu nesse período as provas de Of Human Bondage (Servidão Humana) numa localidade próxima de Dunquerque, durante um período de folga de suas tarefas como condutor de ambulâncias.

Servidão Humana (1915) foi classificada pelos críticos da época como uma das novelas mais importantes do século XX. O livro parece ser bastante autobiográfico — a gagueira de Maugham se transforma em uma deformação congênita dos pés de Philip Carey, o pastor de Whitestable se converte no pastor de Blackstable, e Philip Carey é um médico —, não obstante, o autor insistiu que a obra se tratava muito mais de ficção que de realidade. Em todo caso, a estreita relação entre realidade e literatura foi uma das características da obra maughaniana, apesar da obrigatória declaração de que os personagens da obra eram fictícios. Em 1938, ele escreveu: "Realidade e ficção estão tão mescladas em minha obra que agora, olhando para ela, dificilmente posso distinguir uma de outra".

Maugham era bissexual. De sua relação com Syrie Wellcomo, filha do fundador de orfanatos Thomas John Barnardo e esposa do empresário farmacêutico inglês, Henry Wellcomo, teve uma filha chamada Mary Elizabeth Maugham, "Liza", nascida Mary Elizabeth Wellcomo, 1915-1998). Henry Wellcome deu entrada no processo de divórcio, designando Maugham como co-responsável. Em maio de 1917, depois da formalização do processo, Syrie e Maugham se casaram. A esposa se converteu em uma famosa decoradora de interiores que popularizou habitações em branco na década de 1920. Em 1922, Maugham lhe dedicou sua coleção de contos On a Chinese Screen (Em Uma Tela Chinesa). Se divorciaram entre 1927 e 1928, depois de um matrimônio tempestuoso agravado pelas freqüentes viagens de Maugham e por sua ininterrupta relação com Haxton.

Maugham voltou à Inglaterra, deixando suas tarefas na unidade de ambulâncias para promover Servidão Humana, porém, tão logo terminou essa divulgação, voltou para o campo de batalha. Incapaz de incorporar-se novamente na unidade de ambulâncias, foi apresentado por Syrie a um oficial da inteligência britânica e, em setembro de 1915, foi trabalhar na Suíça, recolhendo informações para o serviço secreto, apoiando-se em sua condição de escritor.

Em 1916 viajou para o Pacífico, para obter subsídios para sua próxima novela, The Moon and Sixpence, baseada na vida de Paul Gauguin. Foi a primeira das viagens através dos estertores do mundo imperial dos anos 20 e 30, que situaram Maugham de maneira definitiva no imaginário popular como o cronista dos últimos dias do colonialismo na Índia, sudeste asiático, China e Pacífico, ainda que as obras que fundamentam essa reputação não sejam mais que uma fração de toda sua literatura. Nessa viagem, e nas posteriores, esteve acompanhado de Haxton, a quem considerava indispensável para seu êxito como escritor. Maugham era profundamente tímido e o extrovertido Haxton o ajudava constantemente a conseguir material humano que seria convertido em ficção.

Em junho de 1917 foi chamado por Sir Eilliam Wiseman, chefe do Serviço Secreto Britânico, para executar uma missão especial na Rússia, para conseguir implicar o governo provisório russo na guerra, fazendo frente à propaganda pacifista da Alemanha. Dois meses e meio depois, os bolcheviques tomaram o controle do país. O trabalho se tornou impossível, porém Maugham defendeu posteriormente que se tivesse chegado seis meses antes poderia ter obtido êxito.

Tranqüilo e observador, Maugham tinha o temperamento idôneo para o trabalho da inteligência, que ele acreditava ter herdado do homem das leis que fora seu pai: uma destreza para emitir juízos frios e capacidade de não ser enganado pelas aparências. Não deixando perder nenhuma experiência da vida real para a literatura, Maugham aproveitou as suas ações como espião em uma coleção de contos sobre um espião cabeludo, distante e sofisticado, chamado Ashenden, (1928), livro que posteriormente Ian Fleming citaria como uma de suas influências para criar seu famoso James Bond.

Em 1928, Maugham adquiriu a Villa Mauresqe, uma propriedade de doze acres em Cap Ferrat, na Riviera Francesa, que seria a sua casa para o resto da vida e um dos melhores salões sociais e literários dos anos 20 e 30. Sua produção continuou sendo prodigiosa, escrevendo para o teatro, novelas, ensaios e livros de viagens. Por volta de 1940, com a tomada da França pelos alemães, foi forçado a abandonar a Riviera, e converteu-se em um "refugiado". Nessa época era um dos escritores em língua inglesa mais famosos do mundo e também um dos mais ricos.

O grande veterano das letras

Maugham, com seus 60 anos, passou quase toda a segunda guerra mundial nos Estados Unidos, primeiramente em Hollywood, onde trabalhou em diversos setores, e onde foi um dos primeiros escritores a conseguir lucros significativos com as adaptações cinematográficas de suas obras e, posteriormente, no sul. Durante sua estada, foi requerido pelo governo norte-americano para apresentar conferências de cunho patriótico em apoio à ajuda norte-americana à Grã-Bretanha. Gerald Haxton morreu em 1944 e Maugham voltou para a Inglaterra e, depois, em 1946, para a sua vila francesa, onde voltou a estabelecer residência, com interrupções devido às freqüentes e longas viagens, até a sua morte.

O vácuo deixado pela morte de Haxton foi preenchido por Alan Searle. Maugham o havia conhecido em 1928. Ele era um jovem do subúrbio londrino de Bermondsey e já havia mantido relações homossexuais com homens mais velhos. Foi uma companhia fiel, senão estimulante. Contudo, a vida sentimental de Maugham jamais foi tranqüila. Certa vez confessou: "Principalmente amei pessoas que não se preocupavam ou faziam pouco de mim. Quando alguém me amava eu me sentia preocupado... para não ferir seus sentimentos, várias vezes simulei uma paixão que não sentia".

Os últimos anos de Maugham foram tristemente marcados por alguns escândalos que, possivelmente, foram desencadeados devido à decadência intelectual do escritor, fruto da demência. O jovem Maugham teria sido demasiado astuto e discreto para cometer tais erros. O pior desses escândalos, e o que lhe custou a perda de muitos amigos, foi um amargo ataque à falecida Syrie, em um volume de memórias denominado Looking Back (Olhando para Trás), lançado em 1962. Ao final da vida, Maugham adotou Searle como filho, com o propósito de assegurar-lhe como herança a vila francesa, decisão que não foi bem aceita por sua filha Liza e seu esposo, Lord Glendevon, que deixou de mencionar Maugham em seus comentários públicos.

Êxito

O êxito comercial, com elevados volumes de vendas, as produções teatrais de sucesso e uma grande série de adaptações cinematográficas, além de pródigos investimentos em bolsa, permitiram a Maugham viver uma vida muito confortável. Pequeno e débil, Maugham sempre se orgulhou de sua resistência, que lhe permitiu como adulto manter uma abundante produção literário. No entanto, apesar de seus trunfos, jamais conseguiu um elevado respeito por parte dos críticos e companheiros escritores. Esses atribuíam uma carência de lirismo a sua obra, além de criticaram o reduzido vocabulário e um uso pobre da metáfora.

Contudo, parece que Maugham não seguia esse caminho só, pois escrevia em um estilo direto. Não há nada em um livro de Maugham que necessite de explicação ao público por parte dos críticos. Seu pensamento era claro e seu estilo lúcido. Expressava assertivas e, em algumas ocasiões, opiniões em uma prosa bonita e civilizada. Escreveu em um período em que a literatura modernista experimental, como a de William Faulkner, Thomas Mann, James Joyce e Virginia Woolf, ia ganhando popularidade e respeito da crítica. Nesse contexto, sua prosa foi qualificada como um "tecido de clichês de que só maravilha a capacidade do autor de envolver tantos e tantos e sua infalível incapacidade de contar qualquer coisa de maneira original", por Gore Vidal, em artigo de 1990, no The New York Review of Books.

Ao decidir conhecer o mundo e também por ter tido uma significativa aproximação com as classes mais baixas, Maugham assumiu um comportamento literário difuso do pedantismo aristocrático vigente na Europa. Trouxe à tona temas longínquos para o grande público e também trouxe para páginas de livros que repousaram em estantes milionárias um pouco da vivacidade e da dificuldade daqueles que viviam na parte mais baixa da escala social. Em Creatures of circumstance escreveu: "Eu nunca pretendi ser algo mais do que um contador de historias. Eu me divirto contando historias e escrevi muitas delas. Para mim é um infortúnio o fato de contar uma história somente pelo motivo dela em si é uma atividade que não conta com o favor da intelligentsia. É um infortúnio que tento escutar com fortaleza".

Sua inclinação homossexual também impregna sua obra. Dado que na vida real tendia a considerar as mulheres atrativas como rivais sexuais, por várias vezes apresenta as necessidades e tendências sexuais de seus personagens femininos de uma maneira bem diferente dos autores da época. Liza of Lambeth, Cakes and Ale e The Razor's Edge apresentam mulheres dispostas a não renunciar a seus intensos desejos sexuais, sem se preocuparem com as conseqüências.

Também o fato de que a tendência sexual de Maugham era desaprovada e até criminalizada em vários países que visitou, fez com que o escritor fosse particularmente tolerante com os vícios de seus pares. Os leitores e os críticos lamentavam que Maugham não condenasse clara e suficientemente os maldosos de suas obras. O artista replicou em 1938: "Pode ser um defeito meu, mas não me preocupam muito os pecados dos outros, excetuando aqueles que me afetam pessoalmente".

A percepção do mesmo Maugham sobre as suas próprias capacidades era modesta. No final de sua carreira, disse que poderia ser considerado como "um escritor dos melhores entre os escritores da segunda fila".

Maugham iniciou uma coleção de pinturas teatrais antes da primeira guerra mundial e tal coleção ganhou tanta magnitude até se converter na segunda mais importante do mundo, depois apenas da de Garret Club Mander & Mitchenson. Em 1948, ele doou o acervo ao Trustees of the National Theatre, que apresentou a exposição por mais de 14 anos após a morte do escritor. Em 1994, o acervo foi transferido para o Museu do Teatro de Covent Garden.

Principais obras
Considera-se que Servidão Humana, obra magna de Maugham, venha a ser uma novela autobiográfica, pois seu protagonista, Philip Carey, é órfão e criado por um tio impiedoso, como no caso do autor. A deformação dos pés de Philip provoca-lhe tormentos e vergonha, que evocam os problemas de Maugham com sua disfemia. As últimas novelas de êxito também foram baseadas em personagens reais: The Moon and Sixpence narra a vida do pintor Paul Gauguin e Cakes and Ale contém sutis caracterizações dos escritores Thomas Hardy e Hugh Walpole. Outra obra francamente inspirada em um personagem real é The Magician (O Mago), na qual o personagem Oliver Haddo é uma caracterização segundo algumas interpretações do místico e satanista Aleister Crowley que usava um acrônimo Maskmelin[1],codename 777(inspirado no antigo Abramelin,o Mago,de sua obra cabalista que foi editada e introduzida pelo Dr. Israel Regardie) um controvertido mágico e agente duplo, infiltrado pela oculta organização "The Seven Circle" nos serviços secretos de alguns paises da Europa .

Uma das obras mais importantes de Maugham, The Razor's Edge (No Fio da Navalha), publicada em 1944, foi um caso atípico de sua produção. A maior parte da história se desenvolve na Europa, seus principais personagens são norte-americanos e não britânicos. O protagonista é um decepcionado veterano da primeira guerra mundial que abandona seus amigos ricos e seu estilo de vida e viaja para a Índia em busca da iluminação. Os temas do misticismo oriental e o asco provocado pela guerra chocaram os leitores num momento em que a segunda guerra mundial terminava. Logo após o aparecimento do livro, uma adaptação cinematográfica dele foi realizada.

Dentre as suas narrações curtas, destacam-se aquelas sobre a vida dos colonos, muitos deles britânicos, e o preço que se paga pelo isolamento. Alguns dos mais destacados contos de Maugham são Rain, Footprints in the Jungle e Outstaions. Rain (Chuva), em especial, narra a desintegração moral de um missionário que tinha a intenção de converter Sadie Thompson, uma prostituta de uma ilha do Pacífico. O conto adquiriu uma grande fama e foi adaptado para o cinema. Maugham disse que muitos de seus contos eram baseados em histórias reais que viu durante suas viagens aos confins do Império Britânico. Deixou para trás uma grande coleção de anfitriões enojados e um escritor "anti-Maugham" contemporâneo escreveu uma memória de suas viagens intitulada Gin and Bitters.

Maugham foi um dos "escritores de viagem" que mais se destacaram nos anos de entreguerras e pode equipar-se com contemporâneos como Evelyn Waugh e Freya Stark. Entre suas melhores obras desse estilo vale destacar The Gentleman in the Parlour, sobre uma viagem através da Birmânia, Tailândia, Camboja e Vietnã, e On a Chinese Screen, uma séria de breves notas que podem ser considerados, inclusive, esboços de contos jamais desenvolvidos.

Influenciado pelos diários que publicou o escritor francês Jules Renard, Maugham publicou em 1949 uma seleção de seus próprios diários, com o título A Writer's Notebook. Os textos selecionados são, por natureza, episódicos e de qualidade variável, cobrindo mais de 50 anos de vida do escritor, e contendo muito material interessante para pesquisadores e admiradores da obra maughaniana.

Influência

Em 1947, Maugham instituiu o Prêmio Somerset Maugham para reconhecer o melhor escritor britânico com menos de 35 anos e que tivera uma obra de ficção publicada no ano anterior. Entre os escritores ganhadores do prêmio encontram-se Vidiadhar S. Naipaul, Kingsley Amis, Martin Amis e Thom Gunn. Após sua morte, os manuscritos do prêmio foram repassados para o Royal Literary Fundundation.

Um dos poucos escritores posteriores que reconheceram a influência de Maugham foi Anthony Burgess, autor de livros como Laranja Mecânica e Sementes Malditas, que incluiu um complexo e fictício retrato de Maugham na novela Earthly Powers. George Orwell também manifestou que seu estilo recebeu influências de Maugham. O norte-americano Paul Theroux, em sua compilação de contos The Consul's File, atualiza o mundo colonial do escritor britânico em um ambiente de expatriados na moderna Malásia.

O filme Seven, de 1995, presta homenagens a Maugham, contendo um personagem interpretado por Morgan Freeman chamado tenente Somerset, além de trazer referências explícitas à Servidão Humana.

Obras

Narrativas, livros de viagem e críticas

Liza of Lambeth (1897)
The Making of a Saint (1898)
Orientations (1899)
The Hero (1901)
Mrs Craddock (1902)
The Merry-go-round (1904)
The Land of the Blessed Virgin: Sketches and Impressions in Andalusia (1905)
The Bishop's Apron (1906)
The Explorer (1908)
The Magician (1908)
Of Human Bondage (Servidão Humana) (1915)
The Moon and Sixpence (1919)
The Trembling of a Leaf (1921)
On A Chinese Screen (1922)
The Painted Veil (1925)
The Casuarina Tree (1926)
The Letter (Stories of Crime) (1930)
Ashenden: Or the British Agent (1928)
The Gentleman In The Parlour: A Record of a Journey From Rangoon to Haiphong (1930)
Cakes and Ale: or, the Skeleton in the Cupboard (1930)
The Book Bag (1932)
The Narrow Corner (1932)
Ah King (1933)
The Judgement Seat (1934)
Don Fernando (1935)
Cosmopolitans - Very Short Stories (1936)
My South Sea Island (1936)
Theatre (1937)
The Summing Up (1938)
Christmas Holiday (1939)
Princess September and The Nightingale (1939)
France At War (1940)
Books and You (1940)
The Mixture As Before (1940)
Up at the Villa (1941)
Strictly Personal (1941)
The Hour Before Dawn (1942)
The Unconquered (1944)
The Razor's Edge (1944)
Then and Now (1946)
Of Human Bondage - An Address (1946)
Creatures of Circumstance (1947)
Catalina (1948)
Quartet (1948)
Great Novelists and Their Novels (1948)
A Writer’s Notebook (1949)
Trio (1950)
The Writer’s Point of View' (1951)
Encore (1952)
The Vagrant Mood (1952)
The Noble Spaniard (1953)
Ten Novels and Their Authors (1954)
Points of View (1958)
Purely For My Pleasure (1962)

Teatro

A Man of Honour (1903)
Lady Frederick (1912)
Jack Straw (1912)
Mrs Dot (1912)
Penelope (1912)
The Explorer (1912)
The Tenth Man (1913)
Landed Gentry (1913)
Smith (1913)
The Land of Promise (1913)
The Unknown (1920)
The Circle (1921)
Caesar's Wife (1922)
East of Suez (1922)
Our Betters (1923)
Home and Beauty (1923)
The Unattainable (1923)
Loaves and Fishes (1924)
The Constant Wife (1927)
The Letter (1927)
The Sacred Flame (1928)
The Bread-Winner (1930)
For Services Rendered (1932)
Sheppey (1933)

Adaptações para o cinema

Sadie Thompson (1928), filme mudo com Gloria Swanson e Lionel Barrymore. Baseado no conto Miss Thompson que posteriormente foi chamado de Rain.

The Letter (1929) com Jeanne Eagels, O.P. Heggie, Reginald Owen e Herbert Marshall. Baseado na obra de teatro homônima.

Rain (1932), a primeira versão sonora, com Joan Crawford e Walter Huston.

Of Human Bondage (1934) com Leslie Howard e Bette Davis. Baseada na novela homônima.

The Painted Veil (1934) com Greta Garbo e Herbert Marshall. Baseada na novela homônima.

The Vessel of Wrath (1938) com Charles Laughton; apresentada nos Estados Unidos como The Beachcomber. Baseada na novela homônima.

The Letter (1940) com Bette Davis, Herbert Marshall, James Stephenson, Frieda Inescort e Gale Sondergaard. Baseada na obra de teatro homônima.

The Moon and Sixpence (1942) com George Sanders. Baseada no conto homônimo.

The Razor's Edge (1946) com Tyrone Power e Gene Tierney. Baseado na novela homônima.

Of Human Bondage (1946) versão com Eleanor Parker.

Quartet (1948) Maugham aparece como ele mesmo na introdução. Baseado en alguns de seus contos.

Trio (1950) Maugham aparece como ele mesmo na introdução. Baseado en alguns de seus contos.

Encore (1952) Maugham aparece como ele mesmo na introdução. Baseado en alguns de seus contos.

Miss Sadie Thompson (1953), uma versão semi-musical com Rita Hayworth e José Ferrer.
The Beachcomber (1958). Baseada na novela The Vessel of Wrath; não confundir com a versão de 1938.

Julia, du bist zauberhaft (1962) com Lilli Palmer e Charles Boyer. Baseada na novela Theatre.

Of Human Bondage (1964) versão com Laurence Harvey e Kim Novak.

The Letter (1969) com Eileen Atkins. Baseada na novela homônima. (Telefilme)

The Letter (1982) com Lee Remick, Jack Thompson e Ronald Pickup. Baseada na obra de teatro homônima. (Telefilme)

The Razor's Edge (1984) com Bill Murray. Baseado na obra homônima.

Up at the Villa (2000) com Kristin Scott Thomas e Sean Penn, dirigida por Philip Haas. Baseada na obra homônima.

Being Julia (2004) com Annette Bening. Baseada na obra Theatre.

O véu pintado (2006) com Naomi Watts e Edward Norton. Baseada na obra homônima.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
Imagem = http://www.freepedia.co.uk

terça-feira, 3 de março de 2009

Balaios de Trovas de Famosos



Entre os suspiros dos vento,
da noite ao mole frescor,
quero viver um momento,
morrer contigo de amor!
Álvares de Azevedo

Piloto que dás teu giro
montado em peixe de prata,
carrega este meu suspiro
e leva a quem me maltrata!
Carlos Drummond de Andrade

Dessa tão ferrenha mágoa
de querer vos esperar,
meus olhos me encheram d’água,
salgada como a do mar!
Emiliano Perneta

No mundo são as verdades
como as nossas esperanças;
as que vêm nas tempestades
vão-se após nas águas mansas...
Gonçalves de Magalhães

Deus move a nuvem e ordena
que baixe à terra; entretanto,
ela vem com tanta pena
que desce em forma de pranto.
Humberto de Campos

Ao nosso espírito ardente,
na avidez do bem sonhado,
nunca o passado é presente,
nunca o presente é passado.
Machado de Assis

Saudade, perfume triste,
de uma flor que não se vê;
culto que ainda persiste
num crente que já não crê!
Menotti del Picchia

Deixando a bola e a peteca,
com que inda há pouco brincavam,
por causa de uma boneca
duas meninas brigavam.
Olavo Bilac

O amor perturbou-me tanto,
que este combate deploro:
querendo chorar, eu canto;
querendo cantar, eu choro!
Osório Duque Estrada

Duas almas deves ter...
é um conselho dos mais sábios:
uma no fundo do ser,
outra boiando nos lábios.
Raul de Leoni

Amar é fazer o ninho
que duas almas contém;
ter medo de estar sozinho,
dizer com lágrimas: – Vem!
Tobias Barreto

Haverá queixa mais justa
que a do feliz que se queixa?
Ai, o bem que menos custa
custa a saudade que deixa!
Vicente de Carvalho
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Carlos Vageler (O Escalador de Nuvens)



Pedro não se conformava com a vida que estava levando. Preso a uma cadeira de rodas, sua mente sempre estava repleta de lembranças dos momentos que antecederam o fatídico acidente de carro que lhe tirou os movimentos das pernas.

A festa, os amigos, as gargalhadas e os mais ínfimos detalhes. O número de passos até sentar-se atrás do volante, os minutos, o que falara e os outros também. Procurava incansavelmente algum detalhe no passado que pudesse ter-lhe salvo daquele destino. Conseguia apenas com isso se desencantar, entristecer-se. Mas a todo o momento procurava uma saída naquilo que não tinha mais volta. Se não tivesse com tanta pressa de sair da festa? Se não tivesse parado para conversar com aquela pessoa? Se o carro tivesse falhado ao sair...

A vida de Pedro de resumira a pensar no "Se" houvesse acontecido algo que pudesse ter evitado o acidente. O tempo passava e tudo o angustiava. Parou de estudar, perdera o estágio que fazia e os "amigos" dificilmente o procuravam para uma conversa que fosse, pois Pedro se tornara uma pessoa extremamente "amarga". Havia desistido de praticamente tudo.

Uma certa noite Pedro, na varanda do apartamento que dividia com sua mãe viúva, olhava o movimento da rua e começou a prestar mais atenção aos detalhes de tudo que ocorria ali a sua volta. O prédio que estava ficava numa esquina de uma rua movimentada com outra transformada em um calçadão, na qual se projetava a sua varanda. Isso lhe dava uma visão estratégica de uma ponta a outra do mesmo.

A princípio apenas como algo para passar mais rápido o tempo, que dizia ser seu maior suplício, ficava a olhar as pessoas que vinham e iam apressadamente e outras tantas de maneira despreocupada. Ao reparar numa especificamente, Pedro a seguia com os olhos desde o início da rua. Reparava em seus passos, se eram lentos ou não, sua cadência e até a velocidade entre um ponto e outro que passava, de uma árvore até a lixeira laranja, de um desenho a outro do mosaico que decorava o passeio. Isso tudo, de certa forma, amenizava aquela que já era sua mania de pensar no que poderia ou não ter acontecido no passado.

Uma certa hora apontou na esquina e virou para sua rua uma mulher de vestido azul, negros cabelos compridos ao vento, batom vermelho percebidos ao longe, sapatos pretos e brilhantes, barulhentos ao tocar no chão; toc toc, toc toc, que Pedro escutou logo que ela deu o primeiro passo após a esquina que conseguia avistar.

Aquela mulher por algum motivo lhe chamara muito a atenção, não somente pela beleza, pois já havia visto muitas outras beldades, mas o conjunto de detalhes, a forma de andar, de movimentar os braços, a cintura. Aquela criatura conseguiu fazer com que o tempo fluísse de uma maneira singular, própria de momentos de um filme onde um instante demora a acontecer. Os intervalos entre os passos e o que ocorria neste ínterim invadiam seu pensamento. De onde era? por que estava ali? Onde havia de ir?

Após percorrer toda rua a mulher postou-se diante o meio fio da calçada, bem abaixo de onde estava, para atravessar a rua. Parada, olhou para o lado do fluxo da via, esperou dois carros e uma moto passar. Com ar despreocupado e mente totalmente levada por algum pensamento, coloca seu pé direito na rua.

Pedro, como estava fazendo pelos longos últimos 100 metros percorridos pela morena, observava a cena, quando percebeu um carro saindo apressadamente de uma garagem, que de forma totalmente inconseqüente dá sinal de que vai entrar na rua pela contramão a poucos metros da mulher que, atentando aos veículos que acabavam de passar a sua frente pelo sentido correto, coloca o segundo pé na rua para começar a atravessar. Velozmente o carro recém saído da calçada por detrás de uma banca de jornal, avançou para cima da mulher que não percebia o perigo.

Desesperado e num impulso sem consciência, Pedro, com suas mãos não muito fortes, coloca seu corpo para frente e para cima apoiando nos braços da cadeira de rodas e se põe em pé. Por um pequeno instante parece flutuar. No momento seguinte, com a força do impulso bate o peito na grade da varanda e fica com a metade do corpo para fora, praticamente dependurado no segundo andar do prédio. Com a pancada na barriga e o susto de seu próprio ímpeto, apenas conseguiu soltar de dentro de suas entranhas um vigoroso e rouco som:

— Eiiiiiiiiiiiiii

A mulher, não sabendo de onde vinha o grito, desviou o olhar da linha que pretendia seguir até o outro lado da rua e voltou-se para seu lado esquerdo, de onde vinha o carro pronto para acertá-la. Deu um passo para trás, o carro freou, mas a pegou de raspão, o que a fez cair de costas e bater a cabeça no chão. A linda morena, com os cabelos agora sobre sua face está caída e fica desmaiada por alguns segundos. Recobrando a consciência, abre os olhos e com as imagens em sua retina ainda turvas, olha para cima, no que vê um homem bem no alto, como que a aparecer no meio das nuvens, com um grande sorriso de alegria e conforto ao perceber que estava bem. Parecia um anjo, outrora muito triste que havia realizado um sonho.

Pedro, ainda equilibrando-se com a metade do corpo para fora da varanda, permanece ali até a linda mulher de azul levantar-se amparada pelos que ali passavam. Tudo havia ocorrido em menos de um minuto. Ainda com a força dos braços conseguiu pendular-se para dentro da varanda.

No momento que percebeu estar em segurança, em pé, apoiando-se somente com uma das mãos, teve um turbilhão de pensamentos e questões começaram a lhe brotar:

E se ele não tivesse gritado para a mulher? E se ele não tivesse perdido tanto tempo pensando no passado? e se começar a tentar a andar novamente? e se começar uma nova vida? E, se ele quiser, poderia até escalar as nuvens.
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Sobre o Autor
Carlos Vageler (1967) reside em Vinhedo (SP). Formado em Educação Física, Fisiologia e Turismo, começou, em 1990, a escrever para o jornal "Diário do Povo" de Campinas (SP), relatos de viagens que fazia. Em 1997, passou a colaborar com na revista eletrônica "360graus Esportes e Aventura", escrevendo textos de sua área de formação e, também, contos. Participou em dois livros de autoria de Vera e Yuri Sanada — "De Carona com o Vento", Ed. LPM, e "Aventura nos Negócios", Ed. Termo. Faz planos para um livro "solo" em 2008. Atualmente trabalha com produção editorial, AVENTURAcomBR Edições.

Fontes:
http://www.releituras.com.br
Imagem = http://www.imotion.com.br

Machado de Assis (O Anel de Polícrates)



A
Lá vai o Xavier.
Z
Conhece o Xavier?
A
Há que anos! Era um nababo, rico, podre de rico, mas pródigo...
Z
Que rico? que pródigo?
A
Rico e pródigo, digo-lhe eu. Bebia pérolas diluídas em néctar. Comia línguas de rouxinol. Nunca usou papel mata-borrão, por achá-lo vulgar e mercantil; empregava areia nas cartas, mas uma certa areia feita de pó de diamante. E mulheres! Nem toda a pompa de Salomão pode dar idéia do que era o Xavier nesse particular. Tinha um serralho: a linha grega, a tez romana, a exuberância turca, todas as perfeições de uma raça, todas as prendas de um clima, tudo era admitido no harém do Xavier. Um dia enamorou-se loucamente de uma senhora de alto coturno, e enviou-lhe de mimo três estrelas do Cruzeiro, que então contava sete, e não pense que o portador foi aí qualquer pé-rapado. Não, senhor. O portador foi um dos arcanjos de Milton, que o Xavier chamou na ocasião em que ele cortava o azul para levar a admiração dos homens ao seu velho pai inglês. Era assim o Xavier. Capeava os cigarros com um papel de cristal, obra finíssima, e, para acendê-los, trazia consigo uma caixinha de raios do sol. As colchas da cama eram nuvens purpúreas, e assim também a esteira que forrava o sofá de repouso, a poltrona da secretária e a rede. Sabe quem lhe fazia o café, de manhã? A Aurora, com aqueles mesmos dedos cor-de-rosa, que Homero lhe pôs. Pobre Xavier! Tudo o que o capricho e a riqueza podem dar, o raro, o esquisito, o maravilhoso, o indescritível, o inimaginável, tudo teve e devia ter, porque era um galhardo rapaz, e um bom coração. Ah! fortuna, fortuna! Onde estão agora as pérolas, os diamantes, as estrelas, as nuvens purpúreas? Tudo perdeu, tudo deixou ir por água abaixo; o néctar virou zurrapa, os coxins são a pedra dura da rua, não manda estrelas às senhoras, nem tem arcanjos às suas ordens ...
Z
Você está enganado. O Xavier? Esse Xavier há de ser outro. O Xavier nababo! Mas o Xavier que ali vai nunca teve mais de duzentos mil-réis mensais; é um homem poupado, sóbrio, deita-se com as galinhas, acorda com os galos, e não escreve cartas a namoradas, porque não as tem. Se alguma expede aos amigos é pelo correio. Não é mendigo, nunca foi nababo.
A
Creio; esse é o Xavier exterior. Mas nem só de pão vive o homem. Você fala de Marta, eu falo-lhe de Maria; falo do Xavier especulativo...
Z
Ah! — Mas ainda assim, não acho explicação; não me consta nada dele. Que livro, que poema, que quadro ...
A
Desde quando o conhece?
Z
Há uns quinze anos.
A
Upa! Conheço-o há muito mais tempo, desde que ele estreou na rua do Ouvidor, em pleno marquês de Paraná. Era um endiabrado, um derramado, planeava todas as coisas possíveis, e até contrárias, um livro, um discurso, um medicamento, um jornal, um poema, um romance, uma história, um libelo político, uma viagem à Europa, outra ao sertão de Minas, outra à lua, em certo balão que inventara, uma candidatura política, e arqueologia, e filosofia, e teatro, etc., etc., etc. Era um saco de espantos. Quem conversava com ele sentia vertigens. Imagine uma cachoeira de idéias e imagens, qual mais original, qual mais bela, às vezes extravagante, às vezes sublime. Note que ele tinha a convicção dos seus mesmos inventos. Um dia, por exemplo, acordou com o plano de arrasar o morro do Castelo, a troco das riquezas que os jesuítas ali deixaram, segundo o povo crê. Calculou-as logo em mil contos, inventariou-as com muito cuidado, separou o que era moeda, mil contos, do que eram obras de arte e pedrarias; descreveu minuciosamente os objetos, deu-me dois tocheiros de ouro...
Z
Realmente...
A
Ah! impagável! Quer saber de outra? Tinha lido as cartas do cônego Benigno, e resolveu ir logo ao sertão da Bahia, procurar a cidade misteriosa. Expôs-me o plano, descreveu-me a arquitetura provável da cidade, os templos, os palácios, gênero etrusco, os ritos, os vasos, as roupas, os costumes...
Z
Era então doido?
A
Originalão apenas. Odeio os carneiros de Panúrgio, dizia ele, citando Rabelais: Comme vous sçavez estre du mouton le naturel, tousjours suivre le premier, quelque part qu'il aille. Comparava a trivialidade a uma mesa redonda de hospedaria, e jurava que antes comer um mau bife em mesa separada.
Z
Entretanto, gostava da sociedade.
A
Gostava da sociedade, mas não amava os sócios. Um amigo nosso, o Pires, fez-lhe um dia esse reparo; e sabe o que é que ele respondeu? Respondeu com um apólogo, em que cada sócio figurava ser uma cuia d'água, e a sociedade uma banheira. — Ora, eu não posso lavar-me em cuias d'água, foi a sua conclusão.
Z
Nada modesto. Que lhe disse o Pires?
A
O Pires achou o apólogo tão bonito que o meteu numa comédia, daí a tempos. Engraçado é que o Xavier ouviu o apólogo no teatro, e aplaudiu-o muito, com entusiasmo; esquecera-se da paternidade; mas a voz do sangue... Isto leva-me à explicação da atual miséria do Xavier.
Z
É verdade, não sei como se possa explicar que um nababo...
A
Explica-se facilmente. Ele espalhava idéias à direita e à esquerda, como o céu chove, por uma necessidade física, e ainda por duas razões. A primeira é que era impaciente, não sofria a gestação indispensável à obra escrita. A segunda é que varria com os olhos uma linha tão vasta de coisas, que mal poderia fixar-se em qualquer delas. Se não tivesse o verbo fluente, morreria de congestão mental; a palavra era um derivativo. As páginas que então falava, os capítulos que lhe borbotavam da boca, só precisavam de uma arte de os imprimir no ar, e depois no papel, para serem páginas e capítulos excelentes, alguns admiráveis. Nem tudo era límpido; mas a porção límpida superava a porção turva, como a vigília de Homero paga os seus cochilos. Espalhava tudo, ao acaso, às mãos cheias, sem ver onde as sementes iam cair; algumas pegavam logo...
Z
Como a das cuias.
A
Como a das cuias. Mas, o semeador tinha a paixão das coisas belas, e, uma vez que a árvore fosse pomposa e verde, não lhe perguntava nunca pela semente sua mãe. Viveu assim longos anos, despendendo à toa, sem cálculo, sem fruto, de noite e de dia, na rua e em casa, um verdadeiro pródigo. Com tal regime, que era a ausência de regime, não admira que ficasse pobre e miserável. Meu amigo, a imaginação e o espírito têm limites; a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a credulidade dos homens, nada conheço inesgotável debaixo do sol. O Xavier não só perdeu as idéias que tinha, mas até exauriu a faculdade de as criar; ficou o que sabemos. Que moeda rara se lhe vê hoje nas mãos? que sestércio de Horácio? que dracma de Péricles? Nada. Gasta o seu lugar-comum, rafado das mãos dos outros, come à mesa redonda, fez-se trivial, chocho...
Z
Cuia, enfim.
A
Justamente: cuia.
Z
Pois muito me conta. Não sabia nada disso. Fico inteirado; adeus.
A
Vai a negócio?
Z
Vou a um negócio.
A
Dá-me dez minutos?
Z
Dou-lhe quinze.
A
Quero referir-lhe a passagem mais interessante da vida do Xavier. Aceite o meu braço, e vamos andando. Vai para a praça? Vamos juntos. Um caso interessantíssimo. Foi ali por 1869 ou 70, não me recordo; ele mesmo é que me contou. Tinha perdido tudo; trazia o cérebro gasto, chupado, estéril, sem a sombra de um conceito, de uma imagem, nada. Basta dizer que um dia chamou rosa a uma senhora, — "uma bonita rosa"; falava do luar saudoso, do sacerdócio da imprensa, dos jantares opíparos, sem acrescentar ao menos um relevo qualquer a toda essa chaparia de algibebe. Começara a ficar hipocondríaco; e, um dia, estando à janela, triste, desabusado das coisas, vendo-se chegado a nada, aconteceu passar na rua um taful a cavalo. De repente, o cavalo corcoveou, e o taful veio quase ao chão; mas sustentou-se, e meteu as esporas e o chicote no animal; este empina-se, ele teima; muita gente parada na rua e nas portas; no fim de dez minutos de luta, o cavalo cedeu e continuou a marcha. Os espectadores não se fartaram de admirar o garbo, a coragem, o sangue-frio, a arte do cavaleiro. Então o Xavier, consigo, imaginou que talvez o cavaleiro não tivesse ânimo nenhum; não quis cair diante de gente, e isso lhe deu a força de domar o cavalo. E daí veio uma idéia: comparou a vida a um cavalo xucro ou manhoso; e acrescentou sentenciosamente: Quem não for cavaleiro, que o pareça. Realmente, não era uma idéia extraordinária; mas a penúria do Xavier tocara a tal extremo, que esse cristal pareceu-lhe um diamante. Ele repetiu-a dez ou doze vezes, formulou-a de vários modos, ora na ordem natural, pondo primeiro a definição, depois o complemento; ora dando-lhe a marcha inversa, trocando palavras, medindo-as, etc.; e tão alegre, tão alegre como casa de pobre em dia de peru. De noite, sonhou que efetivamente montava um cavalo manhoso, que este pinoteava com ele e o sacudia a um brejo. Acordou triste; a manhã, que era de domingo e chuvosa, ainda mais o entristeceu; meteu-se a ler e a cismar. Então lembrou-se... Conhece o caso do anel de Polícrates?
Z
Francamente, não.
A
Nem eu; mas aqui vai o que me disse o Xavier. Polícrates governava a ilha de Samos. Era o rei mais feliz da terra; tão feliz, que começou a recear alguma viravolta da Fortuna, e, para aplacá-la antecipadamente, determinou fazer um grande sacrifício: deitar ao mar o anel precioso que, segundo alguns, lhe servia de sinete. Assim fez; mas a Fortuna andava tão apostada em cumulá-lo de obséquios, que o anel foi engolido por um peixe, o peixe pescado e mandado para a cozinha do rei, que assim voltou à posse do anel. Não afirmo nada a respeito desta anedota; foi ele quem me contou, citando Plínio, citando...
Z
Não ponha mais na carta. O Xavier naturalmente comparou a vida, não a um cavalo, mas...
A
Nada disso. Não é capaz de adivinhar o plano estrambótico do pobre-diabo. Experimentemos a fortuna, disse ele; vejamos se a minha idéia, lançada ao mar, pode tornar ao meu poder, como o anel de Polícrates, no bucho de algum peixe, ou se o meu caiporismo será tal, que nunca mais lhe ponha a mão.
Z
Ora essa!
A
Não é estrambótico? Polícrates experimentara a felicidade; o Xavier quis tentar o caiporismo; intenções diversas, ação idêntica. Saiu de casa, encontrou um amigo, travou conversa, escolheu assunto, e acabou dizendo o que era a vida, um cavalo xucro ou manhoso, e quem não for cavaleiro que o pareça. Dita assim, esta frase era talvez fria; por isso o Xavier teve o cuidado de descrever primeiro a sua tristeza, o desconsolo dos anos, o malogro dos esforços, ou antes os efeitos da imprevidência, e quando o peixe ficou de boca aberta, digo, quando a comoção do amigo chegou ao cume, foi que ele lhe atirou o anel, e fugiu a meter-se em casa. Isto que lhe conto é natural, crê-se, não é impossível; mas agora começa a juntar-se à realidade uma alta dose de imaginação. Seja o que for, repito o que ele me disse. Cerca de três semanas depois, o Xavier jantava pacificamente no Leão de Ouro ou no Globo, não me lembro bem, e ouviu de outra mesa a mesma frase sua, talvez com a troca de um adjetivo. "Meu pobre anel, disse ele, eis-te enfim no peixe de Polícrates." Mas a idéia bateu as asas e voou, sem que ele pudesse guardá-la na memória. Resignou-se. Dias depois, foi convidado a um baile: era um antigo companheiro dos tempos de rapaz, que celebrava a sua recente distinção nobiliária. O Xavier aceitou o convite, e foi ao baile, e ainda bem que foi, porque entre o sorvete e o chá ouviu de um grupo de pessoas que louvavam a carreira do barão, a sua vida próspera, rígida, modelo, ouviu comparar o barão a um cavaleiro emérito. Pasmo dos ouvintes, porque o barão não montava a cavalo. Mas o panegirista explicou que a vida não é mais do que um cavalo xucro ou manhoso, sobre o qual ou se há de ser cavaleiro ou parecê-lo, e o barão era-o excelente. "— Entra, meu querido anel, disse o Xavier, entra no dedo de Polícrates." Mas de novo a idéia bateu as asas, sem querer ouvi-lo. Dias depois...
Z
Adivinho o resto: uma série de encontros e fugas do mesmo gênero.
A
Justo.
Z
Mas, enfim, apanhou-o um dia.
A
Um dia só, e foi então que me contou o caso digno de memória. Tão contente que ele estava nesse dia! Jurou-me que ia escrever, a propósito disto, um conto fantástico, à maneira de Edgard Poe, uma página fulgurante, pontuada de mistérios, — são as suas próprias expressões; — e pediu-me que o fosse ver no dia seguinte. Fui; o anel fugira-lhe outra vez. "Meu caro A, disse-me ele, com um sorriso fino e sarcástico; tens em mim o Polícrates do caiporismo; nomeio-te meu ministro honorário e gratuito." Daí em diante foi sempre a mesma coisa. Quando ele supunha pôr a mão em cima da idéia ela batia as asas, plás, plás, plás, e perdia-se no ar, como as figuras de um sonho. Outro peixe a engolia e trazia, e sempre o mesmo desenlace. Mas dos casos que ele me contou naquele dia, quero dizer-lhe três...
Z
Não posso; lá se vão os quinze minutos.
A
Conto-lhe só três. Um dia, o Xavier chegou a crer que podia enfim agarrar a fugitiva, e fincá-la perpetuamente no cérebro. Abriu um jornal de oposição, e leu estupefato estas palavras: "O ministério parece ignorar que a política é, como a vida, um cavalo xucro ou manhoso, e, não podendo ser bom cavaleiro, porque nunca o foi, devia ao menos parecer que o é." — "Ah! enfim! exclamou o Xavier, cá estás engastado no bucho do peixe; já me não podes fugir." Mas, em vão! a idéia fugia-lhe, sem deixar outro vestígio mais do que uma confusa reminiscência. Sombrio, desesperado, começou a andar, a andar, até que a noite caiu; passando por um teatro, entrou; muita gente, muitas luzes, muita alegria; o coração aquietou-se-lhe. Cúmulo de benefícios; era uma comédia do Pires, uma comédia nova. Sentou-se ao pé do autor, aplaudiu a obra com entusiasmo, com sincero amor de artista e de irmão. No segundo ato, cena VIII, estremeceu. "D. Eugênia, diz o galã a uma senhora, o cavalo pode ser comparado à vida, que é também um cavalo xucro ou manhoso; quem não for bom cavaleiro, deve cuidar de parecer que o é." O autor, com o olhar tímido, espiava no rosto do Xavier o efeito daquela reflexão, enquanto o Xavier repetia a mesma súplica das outras vezes: — "Meu querido anel..."
Z
Et nunc et semper... Venha o último encontro, que são horas.
A
O último foi o primeiro. Já lhe disse que o Xavier transmitira a idéia a um amigo. Uma semana depois da comédia cai o amigo doente, com tal gravidade que em quatro dias estava à morte. O Xavier corre a vê-lo; e o infeliz ainda o pôde conhecer, estender-lhe a mão fria e trêmula, cravar-lhe um longo olhar baço da última hora, e, com a voz sumida, eco do sepulcro, soluçar-lhe: "Cá vou, meu caro Xavier, o cavalo xucro ou manhoso da vida deitou-me ao chão: se fui mau cavaleiro, não sei; mas forcejei por parecê-lo bom." Não se ria; ele contou-me isto com lágrimas. Contou-me também que a idéia ainda esvoaçou alguns minutos sobre o cadáver, faiscando as belas asas de cristal, que ele cria ser diamante; depois estalou um risinho de escárnio, ingrato e parricida, e fugiu como das outras vezes, metendo-se no cérebro de alguns sujeitos, amigos da casa, que ali estavam, transidos de dor, e recolheram com saudade esse pio legado do defunto. Adeus.

Fontes:
ASSIS, Machado de. Papéis avulsos. (Volume de contos, publicado em 1882). Costaflosi Ltda., 1998.
Imagem = http://www.relojoariauniversal.com.br

Djalma Silveira (Imperador)


Era uma vez um homem pacífico que era conhecido por toda a cidade por alimentar os pombos na praça central. Era conhecido por sua calma, correção e bom coração. Talvez por isso, era amigo de todos. Entre todos os pombos, havia um pelo qual tinha especial afeição, o qual chamava de Imperador, pois era belo, robusto e imponente.

Aconteceu que este homem, um dia, teve dificuldades financeiras, de modo que não teve dinheiro para comprar ração para suas amadas aves. Fez, então, um empréstimo com os sete irmãos. Estes eram os homens mais ricos da cidade, donos de vastas extensões de terra e grande variedade de negócios. Entre estes negócios, emprestavam dinheiro a juros.

Ao chegar a data do pagamento da dívida, ocorreu que Jeremias conclui não ter condições de quita-la, de modo que viajou para a casa de parentes. Ele temia a reação dos sete irmãos, conhecidamente brigões e muito duros na condução dos seus negócios. Apesar de serem muito amáveis, quanto não havia dinheiro envolvido. Jeremias também esperava, durante sua ausência, que não passaria de uma semana, obter o dinheiro necessário para resolver o problema.

Passado o dia combinado para o pagamento, os sete irmãos enviaram um mensageiro para chamar Jeremias a dar explicações sobre o atraso. Foi assim que souberam de sua viagem, o que os deixou furiosos. Jeremias havia deixado, com um vizinho, o recado de que retornaria dentro de uma semana, pois atenderia uma emergência familiar.

Um dos sete irmãos questionou sobre a alimentação dos pombos durante sua ausência e, em comum acordo resolveram alimenta-los nesse período. Cada irmão iria à praça durante um dia e daria ração às aves. Naquele mesmo dia, um deles fez o combinado e, dirigindo-se à praça, pôs-se a alimentar os pombos. No entanto, quando Imperador se aproximou, passando à frente dos demais, ele o chutou violentamente. O pombo voou longe com o chute, chocando-se contra um banco de concreto que lá havia. Gravemente ferido, ensaiava mover-se arrastando-se como podia, talvez buscando ajuda.

No dia seguinte, o outro irmão dirigiu-se à praça e pôs-se a alimentar os pombos, o que muito o agradou. Mas, vendo o pombo ainda a arrastar-se, o chutou, de modo que Imperador chocou-se contra a roseira, cortando-se nos espinhos que lhe furaram um olho. O sangue e o pó da terra cobriram a brancura da linda ave, que agora tornava-se uma figura horrenda.

Nos dias seguintes, os outros irmãos repetiram o ritual de atirar ração às aves e chutar Imperador, que resistiu bravamente até o último golpe do último irmão, onde deu seu último suspiro. A esta altura, todos fugiam dele, que estava completamente coberto de sangue, sujo, desfigurado e, mesmo assim, se arrastava assustadoramente.

Jeremias retornou de viagem dez dias após sua partida e dirigiu-se logo à praça para ver suas queridas aves. Elas voaram em torno dele saudando sua volta, como se quisessem brincar consigo. E ele ficou feliz por vê-las tão bonitas e alegres. Mas ficou triste ao ver, num canto da praça, uma pomba coberta de bichos.

Um passante dirigiu-se agitado ao seu encontro contando para ele o que ocorrera. Jeremias, ouvindo as palavras do amigo, pôs-se, então, a chorar incontrolavelmente, com as mãos cruzadas sobre o peito e caindo de joelhos no chão. O amigo, vendo aquilo, foi embora, sem que Jeremias percebesse, pois temia que um dos irmãos aparecesse.

Foi então que Jeremias dirigiu-se até o local de trabalho dos sete irmãos. O mesmo onde pegara o empréstimo, dias atrás. Com uma mala na mão. Chegando ao local, encontrou, por acaso, todos eles reunidos, conferenciando e, dirigindo-se a todos, pediu desculpas por ter partido fugindo ao compromisso que assumira. Tirou dos bolsos todo o dinheiro de que dispunha, tirou também o seu relógio e os óculos e os colocou na mesa mais próxima, juntamente com a mala que, então, abriu. Dentro da mala havia roupas, algumas quase novas, um par de sapatos – o único que tinha, pois estava descalço - e outros objetos miúdos. Disse que aquilo era tudo que possuía, e que se dispunha mesmo a dar da própria roupa que vestia, se eles achassem que poderiam vendê-la.

Um dos irmãos analisou o tecido de sua calça e camisa e disse que ficaria com eles e que descontaria seu valor da dívida. Jeremias tirou as peças oferecidas e aceitas e as colocou na mesa, junto com os outros objetos. Disse, neste instante, que não descansaria enquanto não pagasse tudo o que devia e que nunca mais fugiria a seus compromissos, a que os irmão acenaram positivamente com a cabeça. Um deles, então lembrou a Jeremias, que eles haviam alimentado os pombos na sua ausência e que achava que ele deveria ressarci-los desta despesa e mesmo agradecê-los por esse gesto humanitário.

Jeremias reconheceu a ação positiva dos seus credores e muito agradeceu, concordando em somar essas despesas ao total de sua dívida para com eles. Então, outro irmão lembrou Jeremias que, quanto mais demorasse a pagar, mais juros pagaria, mas que não cobrariam nem um centavo além do que era justo. E Jeremias acedeu reconhecendo a correção da sua atitude.

Quando Jeremias se dirigia até a porta de saída, outro irmão levantou-se e lembrou o que fizeram a Imperador. Disse que lamentava tudo aquilo, mas alguém tinha que pagar pelo seu erro, uma vez que ele se ausentara. No final, Jeremias é que seria o responsável pelo sofrimento e morte do seu querido amigo que, se não fosse preferido de Jeremias, nada teria sofrido. Aquilo deveria servir de lição a ele, para que não repetisse o mesmo erro.

As lágrimas invadiram os olhos de Jeremias que afirmou ter aprendido a lição e que assumia toda a responsabilidade pelo que aconteceu. Outro dos irmãos, levantando-se, afirmou que era bom mesmo que tivesse aprendido a lição. E outro irmão levantou-se alertando Jeremias para que não fugisse novamente de seus compromissos, para que outros não sofressem em seu lugar.

Jeremias acenou afirmativamente com a cabeça e saiu dali, impossibilitado de falar e convulsionado em lágrimas de tristeza por Imperador e pela humilhação a que tivera de se submeter. Ele era artesão e pôs-se a trabalhar dia e noite na madeira, produzindo obras de uma perfeição assustadora! Esculpia pombos parecidos com Imperador que pareciam ter vida na expressão do olhar.

A cada peça que vendia, levava o dinheiro para os sete irmãos, que agradeciam sorrindo-lhe amigavelmente. Vestido somente com um calção ficou Jeremias, até vender a última peça e, assim, quitar sua dívida. Neste ponto, turistas e comerciantes locais cobravam por novas peças, todos prometendo que sua arte era inigualavelmente bela e que ele poderia pensar grande.

Mas, Jeremias trabalhava somente para Imperador, cuja beleza não cansava de retratar a partir da imagem que guardava na memória. E assim fez, hora após hora. Dia após dia. Ano após ano. E, assim, comprou novas roupas, alimentando seus amados pombos e celebrando a memória daquele ser inocente que tanto sofrera em vida por um erro seu.

Fontes:
http://www.blocosonline.com.br/literatura/
Imagem = http://images.quebarato.com.br/

Waldir Araújo (Poesia da República de Guiné-Bissau)

Bandeira de Guiné-Bissau
Raiar

Desabrochei nas vésperas do cântico da liberdade
Cresci pueril emaranhado nos ecos de uma epopéia
Acreditando por ser acreditar a grande verdade
Entoei os cânticos de louvor à morte da centopéia

O tempo emprestou-me a tenacidade da dúvida
E do tempo, aliado me fiz e da dúvida a espada
Segui os rastos da vontade de entender tal vida
A realidade vislumbrou-me uma dureza pasmada

Questionei os dogmas para saber mais além
Cruzei saberes e dissabores na alma atormentada
E do além ainda distante, do saber muito aquém...
Exorcizei com versos a tormenta alimentada

No presente, nada mais é do que o não adquirido
Nada mais se disfarça para dúvidas semear
No presente, não mais vago é o caminho escolhido
Ladeando a realidade sim, com o sonho no limiar
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Despertar

Ergui a taça do vinho e num só gole
Traguei a essência das palavras, engoli
Gota-a-gota as frases deslizaram-se adentro
Sereno, repudiei as faces carentes de alento

Ergui a voz e soltei as frases dilacerantes
As palavras que ansiavam, escutaram, inertes.
Os gestos imobilizaram-se, olhares húmidos!
Do verbo, deslizei-me então nos gerúndios:

Querendo, lutando, acreditando, negando
Provoquei, invocando o medo sonegado
Dos murmúrios pedi barulho, agitação
Dos olhares vagos se projetaram ação

Ergui o olhar e vislumbrei um céu nebuloso
O prenúncio de uma noite no fundo do poço
Invoquei as divindades num parco discurso
E fez-se luz! Escolhemos outro percurso!
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ÍMPAR

Certezas são âncoras de um forte querer
razões que me levam a não seguir por aí
a seguir distante de tudo, perto de mim

PODER!

poder é não hesitar e partir
enfrentar os trilhos da indiferença
que rotulam os desalinhados e ser

SER!

ser assim e daqui distante
estar aqui sem unanimidade
ser singular para não rimar

QUERER!

querer o impossível e realizar
abraçar o diferente sem medo
na presença entre iguais, ser ímpar!
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Iniciação do Ser

Rasga os pergaminhos
Rompe com os mesquinhos
Inverte esta desordem
Cães ruidosos não mordem

Vento, sopra de avesso
Sem poeira nem arremesso
Todo esse querer é livre
Livre, com garras de tigre

Entoa o tal cântico
Que desafia o mítico
Atravessa o deserto
Vai, destino incerto

Revoluciona o tal verbo
Da palavra, torna-te servo
Do horizonte, fita o futuro
Por fim, salta do muro!
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Murmúrios

Dizem que são murmúrios os ecos
que chegam do fundo deste mar
São palavras soltas aos ventos
frases melódicas para somar

Murmúrios que escondem feitiços
segredos e estórias por desmontar
São lamentos de cores mestiços
São sombras desenhadas ao luar

No fundo deste mar o silêncio fala
grita e clama como a força das marés
Não longe essa voz alguém embala
Não longe os ecos se escutam no convês

No fundo deste mar há tormentos
Há vontade de um silêncio romper
Querer e vontade não são lamentos
No fundo, este mar esconde um poder!
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Sobre o Autor
Waldir Araújo nasceu em 1971, na Guiné-Bissau. Desde muito cedo que mostra interesse pela literatura. Em 1985 vence um prémio literário no Centro Cultural Português de Bissau que lhe concede a sua primeira viagem a Portugal, onde prosseguiu os estudos. Freqüenta o curso de Direito em Lisboa, que acaba por abandonar, para abraçar o Jornalismo. Desde 1996 que é jornalista, exercendo atualmente a profissão na RTP, Rádio e Televisão de Portugal - Canal África.
Em Fevereiro de 2008 publica o seu primeiro livro, uma recolha de contos intitulado "Admirável Diamante Bruto e Outros Contos" que veio apresentar na 27ª Feira de Livro de Brasília. Tem vários textos, prosa e poesia publicadas dispersamente em revistas e jornais literários de Portugal e Brasil.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/

República da Guiné-Bissau



- Gentílico: guineense; guineano; guinéu
- Capital: Bissau
- Língua oficial Português (oficial); crioulo da Guiné-Bissau (reconhecido mas não oficial)
- Governo: República
- Independência de Portugal
Declarada 24 de setembro de 1973
Reconhecida 10 de setembro de 1974

Área
- Total 36 544 km² km² (136º)
População
- Estimativa de 2008 1 472 446 hab. (146º)
- Densidade 44 hab./km² (154º)
- Alfabetização 44,8% (166º)
- Moeda Franco CFA da África Ocidental (XOF)

A Guiné-Bissau é um país localizado na costa ocidental de África, estendendo-se, no litoral, desde o Cabo Roxo até a ponta Cagete. Faz fronteira, a norte, com o Senegal, a este e sudeste com a Guiné e a sul e oeste com o Oceano Atlântico. Além do território continental, o país integra ainda cerca de oitenta ilhas que constituem o arquipélago dos Bijagós, separado do Continente pelos canais do rio Geba, Pedro Álvares, Bolama e Canhabaque.

Foi uma colónia de Portugal, desde o século XV até à sua independência, em 1974. O primeiro navegador e explorador português a chegar à Guiné-Bissau foi Álvaro Fernandes em 1446. A vila de Bissau foi fundada em 1697, como fortificação militar e entreposto de tráfico negreiro, que mais tarde viria a ser elevada a cidade, e a capital da Guiné-Bissau após sua independência. Faz parte da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), Nações Unidas, PALOP e União Africana.

História
Posto de controle montado pelo PAIGC na Guiné-Bissau em 1974, depois da declaração de independência.Guiné-Bissau foi previamente uma parte do reino de Gabu, pertencente ao Império Mali; partes do reino existiram até o século XVIII. Apesar dos rios e costa dessa área terem sido uma das primeiras partes colonizadas pelos portugueses, o interior só foi explorado a partir do século XIX. Uma rebelião começada em 1956 pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Amílcar Cabral, consolidou o seu controle sobre o país em 1973. A independência foi declarada unilateralmente em 24 de setembro de 1973, sendo reconhecida por dezenas de países nos meses que se seguiram, sobretudo comunistas e africanos. A antiga metrópole colonial só a reconheceu na Revolução dos Cravos, em 1974, revolução essa que decorreu em larga medida do fracasso português nessa pequena colónia. O país foi controlado por um conselho revolucionário até 1984. As primeiras eleições pluripartidárias aconteceram em 1994, mas um golpe militar em 1998 depôs o presidente e mergulhou o país numa guerra civil (1998-1999). Eleições novamente ocorreram e em 2000, Kumba Yalá foi eleito.

Em Setembro de 2003, outro golpe militar aconteceu, e, desta vez, o presidente Yala foi preso, sob a alegação de que era incapaz de resolver problemas. Após ter sido adiada por inúmeras vezes, eleições legislativas aconteceram em abril de 2004. Um motim em diversas facções das forças armadas em outubro de 2004 resultou na morte do comandante mor das forças do país, causando comoção por todo o país.

Em 2005 houve novas eleições presidenciais ganhas por João Bernardo "Nino" Vieira (o presidente deposto em 1998), ainda que envoltas em polémica. Estas eleições não impediram a continuação de um processo de degradação do país, em todos os domínios, com o narcotráfico (encaminhamento de drogas da América Latina para a Europa) a dominar a cena cada vez mais.

Em 1 e 2 de março de 2009 um golpe de Estado derruba Nino Vieira, que acabaria por ser morto.

Divisão Regional
Guiné-Bissau é dividida em oito regiões e um sector autónomo:

Bafatá (capital: Bafatá)
Biombo (capital: Quinhamel)
Sector autónomo de Bissau (Capital: Bissau)
Bolama (capital: Bolama)
Cacheu (capital: Cacheu)
Gabu (capital: Gabu)
Oio (capital: Farim)
Quinara (capital: Quinara)
Tombali (capital: Catió)

Geografia
O País estende-se por área de baixa altitude, seu ponto mais elevado está a 300 metros (acima do nível do mar). O interior é formado por savanas, e a costa por planície pantanosa. O período de chuvas alterna-se com outro de seca, com ventos quentes vindos do deserto do Saara. O arquipélago de Bijagós situa-se ao longo da costa.

Clima
A Guiné-Bissau tem um clima tropical. Situada sensivelmente a meia distância entre o equador e o trópico de Câncer, a Guiné-Bissau tem um clima quente e úmido característico das regiões tropicais. Tem duas estações: a quente e da da época das chuvas, o pais também e composto por mais de 80 ilhas insulares que tem uma das melhores praia de costa da africa ocidental.

A época das chuvas começa em meados do mês de Maio e estende-se até meados de Novembro. Os meses de maior pluviosidade são Julho e Agosto. A estação seca e fresca corresponde aos restantes meses do ano. Os meses de Dezembro e Janeiro são os mais frescos. No entanto, as temperaturas são muito elevadas durante todo o ano.

Demografia
A população da Guiné-Bissau é constituída por mais de 20 etnias, com línguas distintas, costumes e estruturas sociais. A maioria da população vive da agricultura e professa religiões tradicionais locais, outros 45% pratica o islamismo, e as línguas mais faladas são o Fula e o Mandinga de povos concentrados no norte e no nordeste. Outros grupos étnicos importantes são os Balanta e Papel, que vivem na costa sul assim como os Manjaco e os Mancanha que ocupam o centro e o norte (nas regiões costeiras).

Expectativa de vida ao nascer:
Homem: 46.77 anos
Mulher: 51.37 anos (2000)
Taxa de natalidade: 5.27 crianças por mulher (2000)
Grupos étnicos: Africano 99% (Balanta 30%, Fula 20%, Manjaca 14%, Mandinga 13%, Papel 7%), Europeus e outros: menos que 1%
Religiões: crenças indígenas 50%, muçulmana 45%, cristianismo 5%
Total da população: 53.9%
Homem: 67.1%
Mulher: 40.7% (1997)

Economia
BissauGuiné-Bissau encontra-se abaixo de um programa de ajuste estructural da FMI, e depende fortemente da agricultura e da pesca. O preço das castanhas de caju aumentou invejavelmente em anos recentes, e hoje o país encontra-se em sexto na produção mundial do produto. A Guiné-Bissau exporta peixe e mariscos juntamente com amendoim, semente de palma e madeira. As licenças para a pesca são uma fonte de receitas do governo. O arroz é o cereal mais produzido e comida típica.

As lutas intermitentes entre as tropas revolucionárias apoiadas pelo Senegal e a junta militar que controlava o país destruiu grande parte das infraestruturas do país e causaram danos em todas as suas regiões em 1998; a guerra civil fez cair o PIB em 28% naquele ano, com uma recuperação parcial em 1999. A produção agrícola caiu à volta de 17% durante o conflito, assim como a produção de castanhas de caju caíram até 30%. Piorando a situação, no ano 2000 o preço das castanhas caíram em 50% no mercado internacional, aumentando a devastação começada com a guerra civil.

Antes da guerra, as reformas mais bem-sucedidas do governo foram a reforma comercial e a liberalização dos preços, tudo sob a tutela do FMI (Fundo Monetário Internacional). A austeridade fiscal e o incentivo ao desenvolvimento do sector privado deram novo fôlego à economia. Após a guerra civil, as medidas de recuperação lançadas pelo governo (novamente com a ajuda do FMI e também do Banco Mundial) trouxeram alento à debilitada economia e recuperaram o PIB em 8% em 1999.

Em dezembro de 2000 a Guiné-Bissau tentou uma ajuda internacional de de U$800 milhões para a estratégia de redução da pobreza, que deverá ser colocado em prática em 2002. O país só começará a receber boa parte da quantia quando responder a necessidades básicas. A prospecção de petróleo e de fosfato e outros recursos minerais vão começar a ser explorados em 2010. O País também possui petróleo a ser explorado na zona de exploração conjunta com o Senegal. A economia guineense começou nos últimos 3 anos a conhecer novos avanços, e segundo o FMI a economia guineense vai crescer este ano 2.3% devido ao aumento da produção e exportação da castanha de caju, e receitas das licenças de pescas. O país está optimista pois já existem grandes empresas multinacionais com investimentos no país em diferentes áreas, principalmente no turismo.

Cultura

Guiné-Bissau possui uma herança cultural bastante rica e diversificada. Esta cultura, que varia de etnia para etnia, passando desde a diferença linguística, a dança, a expressão artística, a profissão, a tradição musical até as manifestações culturais.

A dança é, contudo, uma verdadeira expressão artística dos diferentes grupos étnicos.

Os povos animistas caracterizam-se pelas suas belas e coloridas coreografias. No dia a dia, estas fantásticas manifestações culturais podem ser observadas na altura das colheitas, dos casamentos, dos funerais, das cerimônias de iniciação.

O estilo musical mais importante do país é o gumbé. O carnaval guineense é completamente original, com caracteríticas próprias, tem evoluído bastante, constituindo uma das maiores manifestações culturais do País.

O músico José Carlos Schwarz é ainda hoje considerado um dos maiores nomes de sempre da música guineense.

Hino Nacional (Esta é a Nossa Pátria Bem Amada)

Sol, suor e o verde e mar,
Séculos de dor e esperança!
Esta é a terra dos nossos avós!
Fruto das nossas mãos,
Da flôr do nosso sangue:
Esta é a nossa pátria amada

Refrão
Viva a pátria gloriosa!
Floriu nos céus a bandeira da luta.
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
(repete as três linhas anteriores)
Paz e o progresso!

Ramos do mesmo tronco,
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem o mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou,

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

Dicionário do Folclore (Letra D)



DANDALUNDA. É como também se chama Iemanjá, Anambunucu, Dona Janaína, Mãe Dandá. Veja IEMANJÁ
DANTE DE LAYTANO nasceu no dia 23 de março de 1908, na cidade de Porto Alegre, RS. Bacharelou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de Porto Alegre. Foi juiz municipal de Sobradinho (RS) e de Torres (RS), promotor público da Comarca de Cachoeira do Sul (RS) e consultor jurídico da Secretaria de Agricultura. Professor Catedrático da Faculdade de Filosofia da PUC, professor de Literatura da Língua Portuguesa, do Curso de Jornalismo e professor catedrático da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Rio Grande do Sul, Dante Laytano, pertencendo a diversas organizações culturais, é cronista, crítico literário, sociólogo. Na área de Folclore publicou Congadas (1945), A estância gaúcha (1952), Pequrno esboço de um estudo do linguajar gaúcho-brasileiro (1961) e O folclore do Rio Grande do Sul (1987).
DA-REDE-RASGADA. Diz-se da pessoa que não leva nada a sério. Alguém metido a besta, insolente. Moça mal comportada.
DAR-O-NÓ. Significa casar. Significa, também, quando qualquer problema ficou difícil, como na expressão: "Agora, deu-o-nó. E não há quem desate".
DAR-O-PIRA. Ir embora, se mandar, sumir, desaparecer, escafeder-se.
DEDOS. Os passatempos e as brincadeiras feitas com os dedos são muito interessantes. O nome dado aos dedos pelas crianças é de origem portuguesa: dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura-bolo, cata-piolho. As formas eruditas, usadas pelos adultos, são: mínimo, anular, médio, indicador e polegar. Tem a brincadeira feita com as criancinhas: "Dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura-bolo e cata-piolho. Depois toca-se na palma da mão da criança, perguntando: Onde está o bolinho que deixei aqui? O gato comeu, responde. Vai-se subindo pelo braço, cocegando e dizendo em cada parada: aqui descansou, aqui almoçou, aqui comeu, aqui parou e sobe-se até as axilas, fazendo cócegas: está aqui, está aqui. Outra brincadeira: toca-se em cada dedo da criança dizendo: "Este diz que quer comer; este diz não ter o que; este diz que vai furtar; este diz que não vá lá; este diz que Deus dará!" É com os dedos que se dá cafuné. (Ver CAFUNÉ). Com os dedos é feita a brincadeira de cama-de-gato. (Ver CAMA-DE-GATO). Até na linguagem popular vamos encontrar os dedos na boca do povo, como na expressão: "Dei dois dedos de prosa com ele". O dedo indicador serve para mostrar a direção de uma rua, de uma casa, de uma pessoa, e também acionar o gatilho das armas de fogo. Os dedos tocam instrumentos de corda. Dizem umas pessoas engraçadas que a gente devia ter um olho na ponta do dedo indicador.
DEFUNTO. As viúvas para não pronunciarem o nome dos maridos, em suas conversas, dizem: - "O defunto do meu marido..." O morto também é o finado, o falecido, além de defunto. Nas notícias policiais o morto é o cadáver, como nas manchetes: "O cadáver da vítima foi encontrado dias depois", etc. Mas essa, viúvas herdaram esse tabu de não pronunciarem o nome de seus falecidos esposos, dos australianos, polinésios, mongóis, tuaregues, acambas da África Central.
DEIXADA. É o nome que se dá à mulher abandonada pelo marido: - "Fulana não é solteira, nem viúva. É deixada!" A expressão é comum no Nordeste.
DEIXE-OS-PATOS-PASSAR. É uma expressão baseada num conto popular meio esquecido. Também se usa carneiros em lugar de patos. Significa alguma coisa que não acaba nunca, que jamais acontecerá, como na expressão no dia de são nunca.
DENDÊ. O dendê é um azeite indispensável na culinária afro-brasileira. A palmeira que dá o dendê é encontrada em todo o litoral africano do Atlântico e foi trazida para o Brasil pelos escravos africanos. Na linguagem popular pernambucana, dendê quer dizer pitéu, gostoso, coisa boa, apreciável; também coisa difícil, obstáculo.
DENTES. Os dentes são usados nos amuletos para combater o mau-olhado. Quando colocados no pescoço das crianças facilitam uma dentição forte, principalmente os de jacaré e da aranha-caranguejeira. Na Europa, colares feitos com dentes de tubarão e cação-lixa livram as crianças do medo. Entre os africanos e ameríndios os dentes do inimigos abatidos eram os troféus de maior valor. A criança atira o dente extraído da primeira dentição (os chamados dentes de leite) pra cima do telhado da casa, dizendo: "Mourão, Mourão toma teu dente podre, dá cá meu dente são!". Esse hábito tornou-se muito popular no Brasil. Também se usa atirar o dente no mar, para trazer felicidade para a criança. Na sabedoria de muitos países corre a expressão "Olho por olho, dente por dente", significando que as pessoas devem pagar o mal com o mal e o bem com o bem.
DESAFIO. O desafio é uma disputa entre poetas cantadores e que, vindo de Portugal, foi, no Nordeste onde melhor se aclimatou. O desafio é acompanhado por viola, na maioria dos casos. Outros cantadores nordestinos, como o negro Inácio da Catingueira, usavam, nos desafios, também o pandeiro. Os desafios são verdadeiras pelejas entre os cantadores que procuram diminuir as qualidades e aumentar os defeitos dos parceiros, mas que no fim dá tudo certo, de vez que tudo não passou de uma cantoria.
DESPACHO. Despacho é feitiço, macumba, ebó, coisa-feita. O ebó ou despacho é de procedência africana. Muitas vezes basta uma pequena quantidade de pipocas, embrulhos com farinha e azeite-de-dendê ou outros objetos usados na feitiçaria, para se fazer um despacho que deve ser jogado na direção da pessoa a quem se quer fazer mal.
DIABO. Veja CÃO.
DIA-DA-MENTIRA. Tudo começou em 1564, quando Carlos IX, rei da França, determinou que o ano começasse no dia primeiro de janeiro, no que foi seguido por outros países da Europa e, depois, por quase todos os países do mundo. É claro que no início a confusão foi geral, de vez que os meios de comunicação eram inexistentes. Não havia, na época, rádio, nem mesmo o jornal, pois a invenção da imprensa, por Gutemberg, só aconteceu muitos anos depois. Antes do rei Carlos IX determinar que o dia primeiro de janeiro fosse o começo do ano, este tinha início no dia primeiro de abril, o que resultou ficar conhecido como o dia-da-mentira, por causa das brincadeiras feitas com intenção de fazer rir. Surgiram, então, as brincadeiras em todo o mundo, como a da carta que se mandava por um portador destinada a outra pessoa, na qual se lia: - "Hoje é primeiro de abril. Mande este burro para onde ele quiser ir".
DIA-DE-SÃO-PAGAMIÃO. É um santo também imaginário, inventado pelo povo como o Dia-de-São-Nunca. O Dia-de-São-Pagamião tem dia certo; é o dia em que as pessoas recebem seus salários: "Eu só lhe pago no dia-de-São-Pagamião".
DIA-DE-SÃO-NUNCA. Nunca é um santo que não existe; é um santo criado pela imaginação popular. "Só lhe pagarei no dia-de-São-Nunca", isto é, nunca o pagamento da dívida será efetuado.
DINHEIRO. É bom o recebedor persignar-se (fazer o sinal da cruz) com o primeiro dinheiro que ganhar com seu trabalho, para que nunca lhe falte o que fazer.
DOBRADIÇA. A dobradiça é um passo com que o dançador do frevo marca o compasso da música carnavalesca, dobrando várias vezes a cintura, como se fosse uma dobradiça de porta. A coreografia do frevo – o passo – é muito rica.
DOIS-DOIS. É o nome que o povo dá, na Bahia, aos santos Cosme e Damião, festejados no dia 27 de setembro, com refeições oferecidas a sete crianças, seguindo-se o almoço dos adultos e danças, diante do peji ou altar onde estão as imagens dos santos gêmeos. A dança é muito animada, ao som de um atabaque e de um agogô.
DONA SANTA. O nome de dona Santa era Maria Júlia do Nascimento, mas seus familiares lhe deram o tratamento de Santa, Santinha por ser uma menina muito dócil e querida de todos. Foi escolhida como rainha do Maracatu Leão Coroado. Até que seu marido – João Vitorino – foi coroado rei da Nação Elefante, quando deixou de ser rainha. Mas quando o marido morreu, Dona Santa assumiu a direção do Maracatu Elefante até sua morte, em 1962. O acervo do Maracatu Elefante foi doado à Fundação Joaquim Nabuco.
DOR-DE-COTOVELO. 1. Também chamada de dor-de-viúva; é uma dor mais ou menos forte e rápida, causada por uma pancada no cotovelo onde fica situado o nervo cubital; 2. Na linguagem popular, é a situação em que fica o namorado (a) quando o namoro acaba e um dos dois fica roendo, sentindo a falta do outro parceiro.
DOR-DE-VIÚVA. Veja DOR-DE-COTOVELO
DORMIR. Quando a pessoa está dormindo, sua alma deixa o corpo e viaja. Antes de dormir, os católicos dizem uma oração, recomendando sua alma a Deus, pedindo proteção para que ela não sofra influência de forças malignas, para que volte ao corpo da pessoa. Uma série de crendices tem o ato de dormir como tema: a pessoa não deve dormir com sede, porque o anjo da guarda levanta-se de noite para beber água e pode se afogar no pote; não dormir com a casa sem água porque a alma pode sentir sede e procurar os rios, os lagos, as cacimbas e se cair dentro d'água, o corpo morre; não dormir em cima da mesa, porque dá azar, como também, não dormir com os pés para a porta da rua.
DUNGA. É o valentão, o homem que não tem medo de nada, nem de ninguém. É o chefe do bando, da galera. É o chefe político local, o mandão, que tudo resolve e todos lhe obedecem.

Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
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