quarta-feira, 11 de março de 2009

Castro Alves (Folhas Avulsas)


A canoa fantástica

Pelas sombras temerosas
Onde vai esta canoa?
Vai tripulada ou perdida?
Vai ao certo ou vai à toa?

Semelha um tronco gigante
De palmeira, que s'escoa...
No dorso da correnteza,
Como bóia esta canoa!...

Mas não branqueja-lhe a vela!
N'água o remo não ressoa!
Serão fantasmas que descem
Na solitária canoa?

Que vulto é este sombrio
Gelado, imóvel, na proa?
Dir-se-ia o gênio das sombras
Do inferno sobre a canoa!...

Foi visão? Pobre criança!
À luz, que dos astros coa,
É teu, Maria, o cadáver,
Que desce nesta canoa?

Caída, pálida, branca!...
Não há quem dela se doa?!...
Vão-lhe os cabelos a rastos
Pela esteira da canoa!...

E as flores róseas dos golfos,
— Pobres flores da lagoa,
Enrolam-se em seus cabelos
E vão seguindo a canoa!...
A Tarde

Era a hora em que a tarde se debruça
Lá da crista das serras mais remotas...
E d'araponga o canto, que soluça,
Acorda os ecos nas sombrias grotas;
Quando sobre a lagoa, que s'embuça,
Passa o bando selvagem das gaivotas...
E a onça sobre as lapas salta urrando,
Da cordilheira os visos abalando.

Era a hora em que os cardos rumorejam
Como um abrir de bocas inspiradas,
E os angicos as comas espanejam
Pelos dedos das auras perfumadas...
A hora em que as gardênias, que se beijam,
São tímidas, medrosas desposadas;
E a pedra... a flor... as selvas... os condores
Gaguejam... falam... cantam seus amores!

Hora meiga da Tarde! Como és bela
Quando surges do azul da zona ardente!
... Tu és do céu a pálida donzela,
Que se banha nas termas do oriente...
Quando é gota do banho cada estrela,
Que te rola da espádua refulgente...
E, — prendendo-te a trança a meia lua,
Te enrolas em neblinas seminua!...

Eu amo-te, ó mimosa do infinito!
Tu me lembras o tempo em que era infante.
Inda adora-te o peito do precito
No meio do martírio excruciante;
E, se não te dá mais da infância o grito
Que menino elevava-te arrogante,
É que agora os martírios foram tantos,
Que mesmo para o riso só tem prantos!...

Mas não m'esqueço nunca dos fraguedos
Onde infante selvagem me guiavas,
E os ninhos do sofrer que entre os silvedos
Da embaíba nos ramos me apontavas;
Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos
De amor do nenufar que enamoravas...
E as tranças mulheris da granadilha!...
E os abraços fogosos da baunilha!...

E te amei tanto — cheia de harmonias
A murmurar os cantos da serrana, —
A lustrar o broquel das serranias,
A doirar dos rendeiros a cabana...
E te amei tanto — à flor das águas frias —
Da lagoa agitando a verde cana,
Que sonhava morrer entre os palmares,
Fitando o céu ao tom dos teus cantares!...

Mas hoje, da procela aos estridores,
Sublime, desgrenhada sobre o monte,
Eu quisera fitar-te entre os condores
Das nuvens arruivadas do horizonte...
... Para então, — do relâmpago aos livores,
Que descobrem do espaço a larga fronte, —
Contemplando o infinito..., na floresta
Rolar ao som da funeral orquestra!!!
A Duas Flores

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...

Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...

Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!
O Gondoleiro do Amor

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,

Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.
E como em noites de Itália
Ama um canto o pescador,

Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.
Teu sorriso é uma aurora
Que o horizante enrubesceu ,
— Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;

Nas tempestades da vida
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.
Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,

Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;
Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?

Teu amor na treva é-um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa-nas calmarias,
É abrigo-no tufão;

Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor... Rosa!
Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.
Canção do Violeiro
(de “Os Escravos”)

Passa, ó vento das campinas,
Leva a canção do tropeiro.
Meu coração 'stá deserto,
'Stá deserto o mundo inteiro.
Quem viu a minha senhora
Dona do meu coração?

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.

Ela foi-se ao pôr da tarde
Como as gaivotas do rio.
Como os orvalhos que descem
Da noite num beijo frio,
O cauã canta bem triste,
Mais triste é meu coração.

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.

E eu disse: a senhora volta
Com as flores da sapucaia.
Veio o tempo, trouxe as flores,
Foi o tempo, a flor desmaia.
Colhereira, que além voas,
Onde está meu coração?

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.

Não quero mais esta vida,
Não quero mais esta terra.
Vou procurá-la bem longe,
Lá para as bandas da serra.
Ai! triste que eu sou escravo!
Que vale ter coração?

Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
Saudação a Palmares
(de “Os Escravos”)

Nos altos cerros erguido
Ninho d'águias atrevido,
Salve! — País do bandido!
Salve! — Pátria do jaguar!
Verde serra onde os palmares
— Como indianos cocares —
No azul dos colúmbios ares
Desfraldam-se em mole arfar! ...

Salve! Região dos valentes
Onde os ecos estridentes
Mandam aos plainos trementes
Os gritos do caçador!
E ao longe os latidos soam...
E as trompas da caça atroam...
E os corvos negros revoam
Sobre o campo abrasador! ...

Palmares! a ti meu grito!
A ti, barca de granito,
Que no soçobro infinito
Abriste a vela ao trovão.
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada
Aos uivos da marujada
Nas ondas da escravidão!

De bravos soberbo estádio,
Das liberdades paládio,
Pegaste o punho do gládio,
E olhaste rindo pra o val:
"Descei de cada horizonte...
Senhores! Eis-me de fronte!"
E riste... O riso de um monte!
E a ironia... de um chacal!...

Cantem Eunucos devassos
Dos reis os marmóreos paços;
E beijem os férreos laços,
Que não ousam sacudir ...
Eu canto a beleza tua,
Caçadora seminua!...
Em cuja perna flutua
Ruiva a pele de um tapir.

Crioula! o teu seio escuro
Nunca deste ao beijo impuro!
Luzidio, firme, duro,
Guardaste pra um nobre amor.
Negra Diana selvagem,
Que escutas sob a ramagem
As vozes — que traz a aragem
Do teu rijo caçador! ...

Salve, Amazona guerreira!
Que nas rochas da clareira,
— Aos urros da cachoeira —
Sabes bater e lutar...
Salve! — nos cerros erguido —
Ninho, onde em sono atrevido,
Dorme o condor... e o bandido!...
A liberdade... e o jaguar!
A Canção do Africano
(de “Os Escravos”)

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

"0 sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...

"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".

O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!

O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo!
Confidência
(de “Os Escravos”)

Quando, Maria, vês de minha fronte
Negra idéia voando no horizonte,
as asas desdobrar,
Triste segues então meu pensamento,
Como fita o barqueiro de Sorrento
As nuvens ao luar.

E tu me dizes, pálida inocente,
Derramando uma lágrima tremente,
Como orvalho de dor:
"Por que sofres? A selva tem odores,
"0 céu tem astros, os vergéis têm flores,
"Nossas almas o amor".

Ai! tu vês nos teus sonhos de criança
A ave de amor que o ramo da esperança
Traz no bico a voar;
E eu vejo um negro abutre que esvoaça,
Que co'as garras a púrpura espedaça
Do manto popular.

Tu vês na onda a flor azul dos campos,
Donde os astros, errantes pirilampos,
Se elevam para os céus;
E eu vejo a noite borbulhar das vagas
E a consciência é quem me aponta as plagas
Voltada para Deus.

Tua alma é como as veigas sorrentinas
Onde passam gemendo as cavatinas
Cantadas ao luar.
A minha — eco do grito, que soluça,
Grito de toda dor que se debruça
Do lábio a soluçar.

É que eu escuto o sussurrar de idéias,
O marulho talvez das epopéias,
Em torno aos mausoléus,
E me curvo no túm'lo das idades
— Crânios de pedra, cheios de verdades
E da sombra de Deus.

E nessas horas julgo que o passado
Dos túmulos a meio levantado
Me diz na solidão:
"Que és tu, poeta? A lâmpada da orgia,
"Ou a estrela de luz, que os povos guia
"À nova redenção?"

Ó Maria, mal sabes o fadário
Que o moço bardo arrasta solitário
Na impotência da dor.
Quando vê que debalde à liberdade
Abriu sua alma - urna da verdade
Da esperança e do amor! ...

Quando vê que uma lúgubre coorte
Contra a estátua (sagrada pela morte)
Do grande imperador,
Hipócrita, amotina a populaça,
Que morde o bronze, como um cão de caça
No seu louco furor! ...

Sem poder esmagar a iniqüidade
Que tem na boca sempre a liberdade,
Nada no coração;
Que ri da dor cruel de mil escravos,
— Hiena, que do túmulo dos bravos,
Morde a reputação! ...

Sim... quando vejo, ó Deus, que o sacerdote
As espáduas fustiga com o chicote
Ao cativo infeliz;
Que o pescador das almas já se esquece
Das santas pescarias e adormece
Junto da meretriz...

Que o apóstolo, o símplice romeiro,
Sem bolsa, sem sandálias, sem dinheiro,
Pobre como Jesus,
Que mendigava outrora à caridade
Pagando o pão com o pão da eternidade,
Pagando o amor com a luz,

Agora adota a escravidão por filha,
Amolando nas páginas da Bíblia
O cutelo do algoz...
Sinto não ter um raio em cada verso
Para escrever na fronte do perverso:
"Maldição sobre vós!"

Maldição sobre vós, tribuno falso!
Rei, que julgais que o negro cadafalso
É dos tronos o irmão!
Bardo, que a lira prostituis na orgia
— Eunuco incensador da tirania —
Sobre ti maldição!

Maldição sobre tí, rico devasso,
Que da música, ao lânguido compasso,
Embriagado não vês
A criança faminta que na rua
Abraça u'a mulher pálida e nua,
Tua amante... talvez!...

Maldição! ... Mas que importa?... Ela espedaça
Acaso a flor olente que se enlaça
Nas c'roas festivais?
Nodoa a veste rica ao sibarita?
Que importam cantos, se é mais alta a grita
Das loucas bacanais?

Oh! por isso, Maria, vês, me curvo
Na face do presente escuro e turvo
E interrogo o porvir;
Ou levantando a voz por sobre os montes, —
"Liberdade", pergunto aos horizontes,
Quando enfim hás de vir?"

Por isso, quando vês as noites belas,
Onde voa a poeira das estrelas
E das constelações,
Eu fito o abismo que a meus pés fermenta,
E onde, como santelmos da tormenta,
Fulgem revoluções!...
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Dia Nacional da Poesia em Embú das Artes

Clique na imagem para ampliar

No Dia Nacional da Poesia, 14.03, acontecerá um manifestoso Sarau Litero-Musical no centro de Embú das Artes.

...o evento começa às 16:00 horas no Largo 21 de abril (Coreto, Palhoça) - em Embu das Artes, São Paulo, em uma sucessão de manifestações artísticas das mais variadas.

...às 19:00 horas nos somaremos ao Sarau do Circo do Sô Léo.

...tem ônibus saindo de São Paulo às 14:00 horas (Metrô São Judas), rumo à cidade de Embu das Artes. É bom/necessário confirmar presença até o dia 12.03:

...por e-mail: anselmo.picardi@hotmail.com
ou pelo celular: (11) 82106307
com Anselmo Picardi.

Informe-se nos blogs:
http://anselmo-picardi.blogspot.com/
http://www.circodosoleo.embu.art.br/

Fonte:
http://meiohomem.blogspot.com/2009/03/sarau-em-embu-das-artes-14-de-marco.html

terça-feira, 10 de março de 2009

Resultado do 2º Concurso Estadual de Trovas Une Versos do Rio Grande do Norte



Tema estadual - afeto

Menções Especiais

10º Lugar
Senti o afeto embalando
aquela linda criança...
no abraço da mãe, ninando,
o seu sonho de esperança!
(Mara Melinni – Caicó/RN)

9º lugar
Até num humilde ninho,
sente-se o fato concreto:
um pequeno passarinho,
cobrindo os filhos de afeto.
(José Anchieta – Juca/ Caicó-RN)

8º Lugar
Senti, no aroma da flor,
um doce afeto: a leveza
da mão de Deus, com amor,
perfumando a natureza!
(Eva Yanni – Caicó/RN)

7° Lugar
São tantos afetos, tantos
fervilhando entre nós dois;
que em dores, mágoas e prantos,
só pensaremos depois.
(Professor Garcia - Caicó/RN)

Menções Honrosas

6º Lugar
No meu rancho, pobre teto,
o chão era a cama e a mesa,
mas fui tão rico de afeto,
que nem falava em pobreza.
(José Lucas de Barros - Caicó/RN)

5° Lugar
Por falta de amor... de afeto,
eu vejo a cada segundo:
Viaduto servir de teto
e abrigo, às mágoas do mundo!
(Professor Garcia – Caicó/RN)

4º Lugar
Afeto, palavra amena,
à semelhança do amor,
está sempre em cada cena
da vida do trovador.
(Marcos Medeiros – Natal/RN)

Trova de Bronze

3º Lugar
Ai, meu Deus, que bom seria!...
e como seria doce
ter afeto, todo o dia,
mesmo um pouquinho que fosse...
(Ieda Lima – Caicó /RN)

Trova de Prata

2º Lugar
Ó, mãe... teu afeto é tanto,
tão angelicais teus traços...
que a vida tem mais encanto
na doçura dos teus braços!
(Mara Melinni – Caicó/RN)

Trova de Ouro

1° Lugar
Em minha infância inocente,
teu afeto, mãe querida,
desenhou-me fielmente
o lado belo da vida!
(José Lucas de Barros - Caicó/RN)
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A comissão Julgadora do concurso estadual -Tema Afeto- reuniu os seguintes trovadores: Francisco Pessoa - José Ouverney - Marisa Olivaes – Marina Bruna.

Organização:
Hélio Alexandre S. e Souza / Hélio Pedro Souza / Manoel Dantas / Herbete Felipe.
http://www.trovauneversos.com/ – site do Clube dos Trovadores do Seridó.

Fonte:
E-mail enviado pelo Clube dos Trovadores do Seridó

Resultado do 2º Concurso Nacional/ Internacional de Trovas Une Versos



Tema Abismo

Menções Especiais

10º Lugar
A vida perde o seu brilho
toda vez que tu prorrogas
o amor que clama teu filho
que espreita o abismo das drogas.
(Maurício Cavalheiro – SP)

9º Lugar
Criam mentiras e ofensas
um abismo entre nós dois
que vai minar nossas crenças
num romance sem depois.
(Relva do Egypto Rezende Silveira – MG)


8º Lugar
Há com certeza um abismo
que separa a humanidade:
é quando a lei do egoísmo
supera a lei da igualdade.
(Carlos Alberto de Assis Cavalcanti - PE)

7º Lugar
O tamanho dos abismos
que puzeste em nossas vidas,
não se mede em algarismos
mas em lágrimas vertidas.
(Miguel Russouwsk - SC)

Menções Honrosas

6º lugar
Por que conviver assim,
se não nos queremos mais?!:
Hoje um abismo sem fim
mata os nossos ideais.
(Ialmar Pio Schneider - RS )

5º Lugar
Nosso abismo mais profundo
que no universo se espalma,
são as tristezas do mundo
nas profundezas da alma!
(Dilma Suero - RJ)

4º Lugar
Ter fé, amor, otimismo
e uma inabalável crença
nos faz saltar sobre o abismo
de qualquer indiferença!
(Renato Alves – RJ)

Trova de Bronze


3º Lugar
Pode a noite estar repleta
de trevas, que eu não me oponho:
poeta, quando é poeta,
rasga o abismo... e impõe seu sonho.
(José Ouverney - SP)

Trova de Prata


2º Lugar
A vida nos faz capazes
de viver num dualismo:
ora momentos de oásis,
ora momentos de abismo!
(Francisco Pessoa – CE)

Trova de Ouro


1º Lugar
Quem vive a vida trancado
na escravidão do egoísmo
carrega um fardo pesado
e cava seu próprio abismo!
(Maria Emília Leitão Medeiros Redi-SP)

Comissão Julgadora:
-Hélio Alexandre S. e Souza - CTS
-Manoel Dantas - CTS
-Hélio Pedro Souza – CTS / ATRN
A festa de premiação com entrega dos diplomas será na cidade de Caicó - Rio Grande do Norte, na presença dos membros do Clube dos Trovadores do Seridó, com data prevista para 18 de abril de 2009 na casa da Amizade;
Os convites serão expedidos via e-mail, confirmando o horário após os preparativos;
Algumas das trovas não premiadas serão também publicadas no site Trova Une Versos e no livro do concurso, com a devida permissão dos respectivos autores;
Qualquer dúvida, entrar em contato pelo e-mail do Site: trovauneversos@gamil.com

Fonte:
E-mail enviado por Clube dos Trovadores do Seridó

segunda-feira, 9 de março de 2009

Machado de Assis (Trio em Lá Menor)



I ADAGIO CANTABILE

MARIA REGINA acompanhou a avó até o quarto, despediu-se e recolheu-se ao seu. A mucama que a servia, apesar da familiaridade que existia entre elas, não pôde arrancar-lhe uma palavra, e saiu, meia hora depois, dizendo que Nhanhã estava muito séria. Logo que ficou só, Maria Regina sentou-se ao pé da cama, com as pernas estendidas, os pés cruzados, pensando.

A verdade pede que diga que esta moça pensava amorosamente em dous homens ao mesmo tempo, um de vinte e sete anos, Maciel — outro de cinqüenta, Miranda. Convenho que é abominável, mas não posso alterar a feição das cousas, não posso negar que se os dous homens estão namorados dela, ela não o está menos de ambos. Uma esquisita, em suma; ou, para falar como as suas amigas de colégio, uma desmiolada. Ninguém lhe nega coração excelente e claro espírito; mas a imaginação é que é o mal, uma imaginação adusta e cobiçosa, insaciável principalmente, avessa à realidade, sobrepondo às cousas da vida outras de si mesma; daí curiosidades irremediáveis.

A visita dos dous homens (que a namoravam de pouco) durou cerca de uma hora. Maria Regina conversou alegremente com eles, e tocou ao piano uma peça clássica, uma sonata, que fez a avó cochilar um pouco. No fim discutiram música. Miranda disse cousas pertinentes acerca da música moderna e antiga; a avó tinha a religião de Bellini e da Norma, e falou das toadas do seu tempo, agradáveis, saudosas e principalmente claras. A neta ia com as opiniões do Miranda; Maciel concordou polidamente com todos.

Ao pé da cama, Maria Regina reconstruía agora tudo isso, a visita, a conversação, a música, o debate, os modos de ser de um e de outro, as palavras do Miranda e os belos olhos do Maciel. Eram onze horas, a única luz do quarto era a lamparina, tudo convidava ao sonho e ao devaneio. Maria Regina, à força de recompor a noite, viu ali dous homens ao pé dela, ouviu-os, e conversou com eles durante uma porção de minutos, trinta ou quarenta, ao som da mesma sonata tocada por ela: lá, lá, lá...

II ALLEGRO MA NON TROPPO

NO DIA SEGUINTE a avó e a neta foram visitar uma amiga na Tijuca. Na volta a carruagem derrubou um menino que atravessava a rua, correndo. Uma pessoa que viu isto, atirou-se aos cavalos e, com perigo de si própria, conseguiu detê-los e salvar a criança, que apenas ficou ferida e desmaiada. Gente, tumulto, a mãe do pequeno acudiu em lágrimas. Maria Regina desceu do carro e acompanhou o ferido até à casa da mãe, que era ali ao pé.

Quem conhece a técnica do destino adivinha logo que a pessoa que salvou o pequeno foi um dos dous homens da outra noite; foi o Maciel. Feito o primeiro curativo, o Maciel acompanhou a moça até à carruagem e aceitou o lugar que a avó lhe ofereceu até a cidade. Estavam no Engenho Velho. Na carruagem é que Maria Regina viu que o rapaz trazia a mão ensangüentada. A avó inquiria a miúdo se o pequeno estava muito mal, se escaparia; Maciel disse-lhe que os ferimentos eram leves. Depois contou o acidente: estava parado, na calçada, esperando que passasse um tílburi, quando viu o pequeno atravessar a rua por diante dos cavalos; compreendeu o perigo, e tratou de conjurá-lo, ou diminuí-lo.

— Mas está ferido, disse a velha.

— Cousa de nada.

— Está, está, acudiu a moça; podia ter-se curado também.

— Não é nada, teimou ele; foi um arranhão, enxugo isto com o lenço.

Não teve tempo de tirar o lenço; Maria Regina ofereceu-lhe o seu. Maciel, comovido, pegou nele, mas hesitou em maculá-lo. Vá, vá, dizia-lhe ela; e vendo-o acanhado, tirou-lho e enxugou-lhe, ela mesma, o sangue da mão.

A mão era bonita, tão bonita como o dono; mas parece que ele estava menos preocupado com a ferida da mão que com o amarrotado dos punhos. Conversando, olhava para eles disfarçadamente e escondia-os. Maria Regina não via nada, via-o a ele, via-lhe principalmente a ação que acabava de praticar, e que lhe punha uma auréola. Compreendeu que a natureza generosa saltara por cima dos hábitos pausados e elegantes do moço, para arrancar à morte uma criança que ele nem conhecia. Falaram do assunto até a porta da casa delas; Maciel recusou, agradecendo, a carruagem que elas lhe ofereciam, e despediu-se até à noite.

— Até a noite! repetiu Maria Regina.

— Esperou-o ansiosa. Ele chegou, por volta de oito horas, trazendo uma fita preta enrolada na mão, e pediu desculpa de vir assim; mas disseram-lhe que era bom pôr alguma coisa e obedeceu.

— Mas está melhor!

— Estou bom, não foi nada.

— Venha, venha, disse-lhe a avó, do outro lado da sala. Sente-se aqui ao pé de mim: o senhor é um herói.

Maciel ouvia sorrindo. Tinha passado o ímpeto generoso, começava a receber os dividendos do sacrifício. O maior deles era a admiração de Maria Regina, tão ingênua e tamanha, que esquecia a avó e a sala. Maciel sentara-se ao lado da velha. Maria Regina defronte de ambos. Enquanto a avó, restabelecida do susto, contava as comoções que padecera, a princípio sem saber de nada, depois imaginando que a criança teria morrido, os dous olhavam um para o outro, discretamente, e afinal esquecidamente. Maria Regina perguntava a si mesma onde acharia melhor noivo. A avó, que não era míope, achou a contemplação excessiva, e falou de outra coisa; pediu ao Maciel algumas notícias de sociedade.

III ALLEGRO APPASSIONATO

MACIEL era homem, como ele mesmo dizia em francês, très répandu; sacou da algibeira uma porção de novidades miúdas e interessantes. A maior de todas foi a de estar desfeito o casamento de certa viúva.

— Não me diga isso! exclamou a avó. E ela?

— Parece que foi ela mesma que o desfez: o certo é que esteve anteontem no baile, dançou e conversou com muita animação. Oh! abaixo da notícia, o que fez mais sensação em mim foi o colar que ela levava, magnífico...

— Com uma cruz de brilhantes? perguntou a velha. Conheço; é muito bonito.

— Não, não é esse.

Maciel conhecia o da cruz, que ela levara à casa de um Mascarenhas; não era esse. Este outro ainda há poucos dias estava na loja do Resende, uma cousa linda. E descreveu-o todo, número, disposição e facetado das pedras; concluiu dizendo que foi a jóia da noite.

— Para tanto luxo era melhor casar, ponderou maliciosamente a avó.

— Concordo que a fortuna dela não dá para isso. Ora, espere! Vou amanhã, ao Resende, por curiosidade, saber o preço por que o vendeu. Não foi barato, não podia ser barato.

— Mas por que é que se desfez o casamento?
— Não pude saber; mas tenho de jantar sábado com o Venancinho Corrêa, e ele conta-me tudo. Sabe que ainda é parente dela? Bom rapaz; está inteiramente brigado com o barão...

A avó não sabia da briga; Maciel contou-lha de princípio a fim, com todas as suas causas e agravantes. A última gota no cálice foi um dito à mesa de jogo, uma alusão ao defeito do Venancinho, que era canhoto. Contaram-lhe isto, e ele rompeu inteiramente as relações com o barão. O bonito é que os parceiros do barão acusaram-se uns aos outros de terem ido contar as palavras deste. Maciel declarou que era regra sua não repetir o que ouvia à mesa do jogo, porque é lugar em que há certa franqueza.

Depois fez a estatística da rua do Ouvidor, na véspera, entre uma e quatro horas da tarde. Conhecia os nomes das fazendas e todas as cores modernas. Citou as principais toilettes do dia. A primeira foi a de Mme. Pena Maia, baiana distinta, très pschutt. A segunda foi a de Mlle. Pedrosa, filha de um desembargador de São Paulo, adorable. E apontou mais três, comparou depois as cinco, deduziu e concluiu. Às vezes esquecia-se e falava francês; pode mesmo ser que não fosse esquecimento, mas propósito; conhecia bem a língua, exprimia-se com facilidade e formulara um dia este axioma etnológico — que há parisienses em toda a parte. De caminho, explicou um problema de voltarete.

— A senhora tem cinco trunfos de espadilha e manilha, tem rei e dama de copas...

Maria Regina ia descambando da admiração no fastio; agarrava-se aqui e ali, contemplava a figura moça do Maciel, recordava a bela ação daquele dia, mas ia sempre escorregando; o fastio não tardava a absorvê-la. Não havia remédio. Então recorreu a um singular expediente. Tratou de combinar os dous homens, o presente com o ausente, olhando para um, e escutando o outro de memória; recurso violento e doloroso, mas tão eficaz, que ela pôde contemplar por algum tempo uma criatura perfeita e única.

Nisto apareceu o outro, o próprio Miranda. Os dois homens cumprimentaram-se friamente; Maciel demorou-se ainda uns dez minutos e saiu.

Miranda ficou. Era alto e seco, fisionomia dura e gelada. Tinha o rosto cansado, os cinqüenta anos confessavam-se tais, nos cabelos grisalhos, nas rugas e na pele. Só os olhos continham alguma cousa menos caduca. Eram pequenos, e escondiam-se por baixo da vasta arcada do sobrolho; mas lá, ao fundo, quando não estavam pensativos, centelhavam de mocidade. A avó perguntou-lhe, logo que Maciel saiu, se já tinha notícia do acidente do Engenho Velho, e contou-lho com grandes encarecimentos, mas o outro ouvia tudo sem admiração nem inveja.

— Não acha sublime? perguntou ela, no fim.

— Acho que ele salvou talvez a vida a um desalmado que algum dia, sem o conhecer, pode meter-lhe uma faca na barriga.

— Oh! protestou a avó.

— Ou mesmo conhecendo, emendou ele.

— Não seja mau, acudiu Maria Regina; o senhor era bem capaz de fazer o mesmo, se ali estivesse.

Miranda sorriu de um modo sardônico. O riso acentuou-lhe a dureza da fisionomia. Egoísta e mau, este Miranda primava por um lado único: espiritualmente, era completo. Maria Regina achava nele o tradutor maravilhoso e fiel de uma porção de idéias que lutavam dentro dela, vagamente, sem forma ou expressão. Era engenhoso e fino e até profundo, tudo sem pedantice, e sem meter-se por matos cerrados, antes quase sempre na planície das conversações ordinárias; tão certo é que as cousas valem pelas idéias que nos sugerem. Tinham ambos os mesmos gostos artísticos; Miranda estudara direito para obedecer ao pai; a sua vocação era a música.

A avó, prevendo a sonata, aparelhou a alma para alguns cochilos. Demais, não podia admitir tal homem no coração; achava-o aborrecido e antipático. Calou-se no fim de alguns minutos. A sonata veio, no meio de uma conversação que Maria Regina achou deleitosa, e não veio senão porque ele lhe pediu que tocasse; ele ficaria de bom grado a ouvi-la.

— Vovó, disse ela, agora há de ter paciência...

Miranda aproximou-se do piano. Ao pé das arandelas, a cabeça dele mostrava toda a fadiga dos anos, ao passo que a expressão da fisionomia era muito mais de pedra e fel. Maria Regina notou a graduação, e tocava sem olhar para ele; difícil cousa, porque, se ele falava, as palavras entravam-lhe tanto pela alma, que a moça insensivelmente levantava os olhos, e dava logo com um velho ruim. Então é que se lembrava do Maciel, dos seus anos em flor, da fisionomia franca, meiga e boa, e afinal da ação daquele dia. Comparação tão cruel para o Miranda, como fora para o Maciel o cotejo dos seus espíritos. E a moça recorreu ao mesmo expediente. Completou um pelo outro; escutava a este com o pensamento naquele; e a música ia ajudando a ficção, indecisa a princípio, mas logo viva e acabada. Assim Titânia, ouvindo namorada a cantiga do tecelão, admirava-lhe as belas formas, sem advertir que a cabeça era de burro.

IV MINUETTO

DEZ, VINTE, trinta dias passaram depois daquela noite, e ainda mais vinte, e depois mais trinta. Não há cronologia certa; melhor é ficar no vago. A situação era a mesma. Era a mesma insuficiência individual dos dous homens, e o mesmo complemento ideal por parte dela; daí um terceiro homem, que ela não conhecia.

Maciel e Miranda desconfiavam um do outro, detestavam-se a mais e mais, e padeciam muito, Miranda principalmente, que era paixão da última hora. Afinal acabaram aborrecendo a moça. Esta viu-os ir pouco a pouco. A esperança ainda os fez relapsos, mas tudo morre, até a esperança, e eles saíram para nunca mais. As noites foram passando, passando... Maria Regina compreendeu que estava acabado.

A noite em que se persuadiu bem disto foi uma das mais belas daquele ano, clara, fresca, luminosa. Não havia lua; mas nossa amiga aborrecia a lua, — não se sabe bem por que, — ou porque brilha de empréstimo, ou porque toda a gente a admira, e pode ser que por ambas as razões. Era uma das suas esquisitices. Agora outra.

Tinha lido de manhã, em uma notícia de jornal, que há estrelas duplas, que nos parecem um só astro. Em vez de ir dormir, encostou-se à janela do quarto, olhando para o céu, a ver se descobria alguma delas; baldado esforço. Não a descobrindo no céu, procurou-a em si mesma, fechou os olhos para imaginar o fenômeno; astronomia fácil e barata, mas não sem risco. O pior que ela tem é pôr os astros ao alcance da mão; por modo que, se a pessoa abre os olhos e eles continuam a fulgurar lá em cima, grande é o desconsolo e certa a blasfêmia. Foi o que sucedeu aqui. Maria Regina viu dentro de si a estrela dupla e única. Separadas, valiam bastante; juntas, davam um astro esplêndido. E ela queria o astro esplêndido. Quando abriu os olhos e viu que o firmamento ficava tão alto, concluiu que a criação era um livro falho e incorreto, e desesperou.

No muro da chácara viu então uma cousa parecida com dous olhos de gato. A princípio teve medo, mas advertiu logo que não era mais que a reprodução externa dos dous astros que ela vira em si mesma e que tinham ficado impressos na retina. A retina desta moça fazia refletir cá fora todas as suas imaginações. Refrescando o vento recolheu-se, fechou a janela e meteu-se na cama.
Não dormiu logo, por causa de duas rodelas de opala que estavam incrustadas na parede; percebendo que era ainda uma ilusão, fechou os olhos e dormiu. Sonhou que morria, que a alma dela, levada aos ares, voava na direção de uma bela estrela dupla. O astro desdobrou-se, e ela voou para uma das duas porções; não achou ali a sensação primitiva e despenhou-se para outra; igual resultado, igual regresso, e ei-la a andar de uma para outra das duas estrelas separadas. Então uma voz surgiu do abismo, com palavras que ela não entendeu.

— É a tua pena, alma curiosa de perfeição; a tua pena é oscilar por toda a eternidade entre dois astros incompletos, ao som desta velha sonata do absoluto: lá, lá, lá...

Fonte:
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. São Paulo: Escala Educacional, 2008.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1896.

Dalton Trevisan (Tio Galileu)



A pobre mãe deu Betinho àquele homem: agradasse ao tio Galileu, com os dias contados, podia ser o herdeiro.

Depois de partir lenha, puxar água do poço, limpar o poleiro do papagaio, o menino enxugava a louça para a cozinheira. Toda noite, Betinho subia a escada, para levar o urinol e tomar a bênção ao tio Galileu. Batia na porta: Entre, meu filho, O rapaz beijava a mão — branca, mole e úmida mãe-d’água. No domingo recebia a menor moeda, que o padrinho catava entre os nós do lenço xadrez.

Tio Galileu raramente saía e, ao tirar o paletó, exibia duas rodelas de suor na camisa. Arrastava o pé, bufando, sempre a mão no peito. Afagava o papagaio, que sacudia o pescoço e eriçava a penugem: Piolhinho... piolhinho... Subindo a escada, dedos crispados no corrimão, isolava-se no quarto. O assobio através da porta: alegria de contar o dinheiro?

Fechava a porta e conduzia a chave. Diante dele era feita a limpeza, pelo rapaz ou pela negra, nunca por Mercedes. Sentado na cama, coçando eterno pozinho na perna, vigiava. E não assobiava com alguém no quarto. Instalado na cama que, essa, ele mesmo arrumava, sem permitir que virassem o colchão de palha.

Mercedes fazia compras, perfumada e de sombrinha azul. O homem discutia com ela, que o arruinava, por sua culpa sofria de angina.

Domingo, a negra de folga, Betinho preparava o café para Mercedes. Abria a porta, esperava acomodar-se à penumbra do quarto e, ao pousar a bandeja, sentia entre os lençóis a fragrância de maçã madura guardada na gaveta.

Uma noite Mercedes surgiu no quarto de Betinho. Já deitado, luz apagada. Sentou-se ao pé da cama, casara com tio Galileu por ser velho, a anunciar que morria de uma hora para outra. Mentira, para iludir a pessoa e servir-se dela. Não sofria do coração, nem sabia o que era coração, a esconder mais dinheiro entre a palha. Ao crepitar o colchão lá no quarto o avarento remexia no tesouro.

Um bruto, que a esquecia, dormindo em quarto separado, com medo fosse roubá-lo. Ó diabo, ela o xingou, pesteado como o papagaio louco, que a bicara ali no dedinho. O rapaz inclinou-se para beijar a unha de sangue. Mercedes ergueu-se e jurou que, se o monstro morresse, daria a Betinho o que lhe pedisse.

O rapaz não pôde dormir. Meia hora depois, saltou a janela. Agarrou no poleiro o papagaio, cabeça escondida na asa — os piolhos corriam pelo bico de ponta quebrada. Torceu o pescoço do bicho e o enterrou no quintal.

Dia seguinte o homem buscou a papagaio, a assobiar debaixo de cada árvore. Betinho sugeriu que a ave fugira. Foi colocar o vaso sob a cama e, ao tomar a bênção ao padrinho, o piolho correu de sua mão para a do velho — um dos piolhos vermelhos da peste.

Mercedes voltou ao seu quarto. Reclinada na cadeira, amarrava e desamarrava o cinto. Noite quente, queixou-se do calor, abriu o quimono: inteirinha nua.

— Vá — disse a mulher. — Vá, meu bem. Primeiro o papagaio. Agora o velho.

Betinho ficou de pé. Tremia tanto, ela o amparou até a porta:

— Vá, meu amor. A vez do velho.

Hora de pedir a bênção. Betinho subiu a escada. Aos passos no corredor o avarento, entre a bulha do colchão, perguntava quem era. Aquela noite nada falou. Betinho abriu a porta, avançou lentamente a cabeça. Tio Galileu deitara-se vestido, o saquinho de fumo espalhado no colete de veludo. O último cigarro, sem poder enrolar a palha com os dedos imóveis... Olho arregalado, a boca negra não abençoou Betinho. Fazia-se de morto, nunca mais fingiria.

Tio Galileu não gritou. Nem mesmo fechou o olho, mais fácil que o papagaio. Betinho afogou debaixo do travesseiro a boca arreganhada.

Os pés descalços de Mercedes desciam a escada. Ele ergueu o colchão, rasgou o pano, revolveu a palha: nada. Deteve-se à escuta: os passos perdidos da mulher. Avisá-la que o velho os enganara.

Era tarde, abria a janela aos gritos:

— Ladrão. Assassino! Socorro...

Fontes:
TREVISAN, Dalton. Novelas nada exemplares. RJ: Record, 1979.
Capa do Livro = http://www.americanas.com.br

Dalton Trevisan (Em Busca da Curitiba Perdida)



Curitiba, que não tem pinheiros, esta Curitiba eu viajo. Curitiba, onde o céu azul não é azul, Curitiba que viajo. Não a Curitiba para inglês ver, Curitiba me viaja. Curitiba cedo chegam as carrocinhas com as polacas de lenço colorido na cabeça - galiii-nha-óóó-vos - não é a protofonia do Guarani? Um aluno de avental discursa para a estátua do Tiradentes.

Viajo Curitiba dos conquistadores de coco e bengalinha na esquina da Escola Normal; do Jegue, que é o maior pidão e nada não ganha (a mãe aflita suplica pelo jornal: Não dê dinheiro ao Gigi); com as filas de ônibus, às seis da tarde, ao crepúsculo você e eu somos dois rufiões de François Villon. Curitiba, não a da Academia Paranaense de Letras, com seus trezentos milhões de imortais, mas a dos bailes no 14, que é a Sociedade Operária Internacional Beneficente O 14 De Janeiro; das meninas de subúrbio pálidas, pálidas que envelhecem de pé no balcão, mais gostariam de chupar bala Zequinha e bater palmas ao palhaço Chic-Chic; dos Chás de Engenharia, onde as donzelas aprendem de tudo, menos a tomar chá; das normalistas de gravatinha que nos verdes mares bravios são as naus Santa Maria, Pinta e Nina, viajo que me viaja. Curitiba das ruas de barro com mil e uma janeleiras e seus gatinhos brancos de fita encarnada no pescoço; da zona da Estação em que à noite um povo ergue a pedra do túmulo, bebe amor no prostíbulo e se envenena com dor-de-cotovelo; a Curitiba dos cafetões - com seu rei Candinho - e da sociedade secreta dos Tulipas Negras eu viajo. Não a do Museu Paranaense com o esqueleto do Pithecanthropus Erectus, mas do Templo das Musas, com os versos dourados de Pitágoras, desde o Sócrates II até os Sócrates III, IV e V; do expresso de Xangai que apita na estação, último trenzinho da Revolução de 30, Curitiba que me viaja.

Dos bailes familiares de várzea, o mestre-sala interrompe a marchinha se você dança aconchegado; do pavilhão Carlos Gomes onde será HOJE! só HOJE! apresentado o maior drama de todos os tempos - A Ré Misteriosa; dos varredores na madrugada com longas vassouras de pó que nem os vira-latas da lua.

Curitiba em passinho floreado de tango que gira nos braços do grande Ney Traple e das pensões familiares de estudantes, ah! que se incendeie o resto de Curitiba porque uma pensão é maior que a República de Platão, eu viajo.

Curitiba da briosa bandinha do Tiro Rio Branco que desfila aos domingos na Rua 15, de volta da Guerra do Paraguai, esta Curitiba ao som da valsinha Sobre as Ondas do Iapó, do maestro Mossurunga, eu viajo.

Não viajo todas as Curitibas, a de Emiliano, onde o pinheiro é uma taça de luz; de Alberto de Oliveira do céu azulíssimo; a de Romário Martins em que o índio caraíba puro bate a matraca, barquilhas duas por um tostão; essa Curitiba não é a que viajo. Eu sou da outra, do relógio na Praça Osório que marca implacável seis horas em ponto; dos sinos da igreja dos Polacos, lá vem o crepúsculo nas asas de um morcego; do bebedouro na pracinha da Ordem, onde os cavalos de sonho dos piás vão beber água.

Viajo Curitiba das conferências positivistas, eles são onze em Curitiba há treze no mundo inteiro; do tocador de realejo que não roda a manivela desde que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do fogo que passam chispando no carro vermelho atrás do incêndio que ninguém não viu, esta Curitiba e a do cachorro-quente com chope duplo no Buraco do Tatu eu viajo.

Curitiba, aquela do Burro Brabo, um cidadão misterioso morreu nos braços da Rosicler, quem foi? quem não foi? foi o reizinho do Sião; da Ponte Preta da estação, a única ponte da cidade, sem rio por baixo, esta Curitiba viajo.

Curitiba sem pinheiro ou céu azul pelo que vosmecê é - província, cárcere, lar - esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.

Fontes:
TREVISAN, Dalton. Mistérios de Curitiba. RJ: Record, 1979.
Capa do Livro = http://www.livrariamelhoramentos.com.br/

Dalton Trevisan (1925)

(O Vampiro de Curitiba)

Nascido em 14 de junho de 1925, o curitibano Dalton Jérson Trevisan sempre foi enigmático. Antes de chegar ao grande público, quando ainda era estudante de Direito, costumava lançar seus contos em modestíssimos folhetos. Em 1945 estreou-se com um livro de qualidade incomum, Sonata ao Luar, e, no ano seguinte, publicou Sete Anos de Pastor. Dalton renega os dois. Declara não possuir um exemplar sequer dos livros e "felizmente já esqueci aquela barbaridade".

Entre 1946 e 1948, editou a revista Joaquim, "uma homenagem a todos os Joaquins do Brasil". A publicação, que circulou até dezembro de 1948, continha o material de seus primeiros livros de ficção, incluindo Sonata ao Luar (1945) e Sete Anos de Pastor (1948). A publicação tornou-se porta-voz de uma geração de escritores, críticos e poetas nacionais. Reunia ensaios assinados por Antonio Cândido, Mario de Andrade e Otto Maria Carpeaux e poemas até então inéditos, como O caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade. Além disso, trazia traduções originais de Joyce, Proust, Kafka, Sartre e Gide e era ilustrada por artistas como Poty, Di Cavalcanti e Heitor dos Prazeres.

Já nessa época, Trevisan era avesso a fotografias e jamais dava entrevistas. Em 1959, lançou o livro Novelas Nada Exemplares - que reunia uma produção de duas décadas e recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro - e conquistou o grande público. Acresce informar que o escritor, arisco, águia, esquivo, não foi buscar o prêmio, enviando representante. Escreveu, entre outros, Cemitério de elefantes, também ganhador do Jabuti e do Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira dos Escritores, Noites de Amor em Granada e Morte na praça, que recebeu o Prêmio Luís Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil. Guerra conjugal, um de seus livros, foi transformado em filme em 1975. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas: espanhol, inglês, alemão, italiano, polonês e sueco.

Já no começo dos anos setenta Trevisan é incluído na famosa antologia O conto brasileiro contemporâneo, organizada por Alfredo Bosi, ao lado de Guimarães Rosa, Lygia Fagundes Telles, Osman Lins, Clarice Lispector, Rubem Fonseca e outros treze autores. Bosi, na apresentação, chama a atenção para o fato de que nos contos de Trevisan a concisão é uma obsessão do essencial que parece beirar a crônica, "mas dela se afasta pelo tom pungente ou grotesco que preside à sucessão das frases, e faz de cada detalhe um índice do extremo desamparo e da extrema crueldade que rege os destinos do homem sem nome na cidade moderna". E se nos primeiros livros Trevisan já chama a atenção pela estética de feitio minimalista, com Ah, é? , de 1994, o autor leva o conto a uma espécie de limite e praticamente inaugura o miniconto contemporâneo brasileiro.

São esses três Trevisans, o poeta, o contista e o minicontista, além de um curioso Trevisan cronista e crítico literário, que se reúnem em Dinorá, também datado de 1994 mas publicado um ano depois de Ah, é?, tornando o volume extremamente interessante, verdadeiro ponto de partida para se compreender a obra do vampiro "iconoclasta ou alienado, que abomina o social e o político", como se define o próprio autor em "Quem tem medo de vampiro?".

O poeta, pouco conhecido, bebe do mesmo sangue que o prosador, exibindo seres violentos, velhinhos tarados e tipos pervertidos em versos secos e sem espaço para rimas ou outras gracinhas literárias. Em "Dinorá", por exemplo, texto que dá título ao livro, uma mulher revela ser espancada e maltratada por um homem que a "queima de cigarro e corta de faca". Em "Curitiba Revisitada", o pessoal dá lugar ao social, mas o tom pungente é mantido, criando uma espécie de ode ao avesso de sua cidade natal, "cidade irreal da propaganda/ ninguém não viu não sabe onde fica".

Mesmo sem grande variação de estilo, o contista é o que mais chama a atenção, sem dúvidas. Alternando contos mais longos, de até dez páginas, com contos de menos de uma página, Trevisan demonstra domínio técnico e segurança temática em textos como "O afogado" e "Iniciação", permitindo-se até um tom amoroso e sentimental em "Tiau, Topinho", quando narra em primeira pessoa a volta para a casa de um homem que precisou sacrificar seu cãozinho.

Entre a prosa e a poesia, numa espécie de hibridismo de ambas, surge também o minicontista, o mesmo que assinou sozinho Ah, é?, dono de um estilo em formação e então ainda chamado de "haicai", mas que preferimos chamar de narrativas mínimas, ou minicontos. Há três coleções deles no livro, "Dez haicais", "Nove haicais" e "Oito haicais", o que totalizam 27 mínis (em Ah, é? são 187, todos também sem títulos). E se alguns deles se parecem anedotas, como "Toda noiva goza duas vezes a lua-de-mel: uma, quando casa, e outra, ao ficar viúva", outros preservam muitas características do conto, revelando história oculta, história aparente, conflito e tensão:

Parentes e convidados rompem no parabéns pra você. De pé na cadeira, a aniversariante ergue os bracinhos:
― Pára. Pára. Pára.
Na mesa um feixe luminoso estraga o efeito das cinco velinhas:
― Mãe, apaga o sol.

Numa primeira leitura, o que temos aqui é a história de um aniversário de criança. Mas, indo um pouco além da superfície, veremos o sem-limite dos quereres de uma criança, possivelmente uma criança mimada da classe média, exigindo da mãe mais do que bolos, parabéns e velinhas, exigindo a alteração da natureza para satisfazer seus caprichos.

Mas o mais curioso Trevisan de Dinorá é o cronista/crítico literário. Tal qual um senhor sem papas na língua, escreve sobre Machado de Assis, sobre os críticos de má fé que questionam a traição de Capitu em Dom Casmurro, ironiza Borges e, em "Quem tem medo de vampiro?", brinca com sua própria produção:

"Há que de anos escreve ele o mesmo conto? Com pequenas variações, sempre o único João e a sua bendita Maria. Peru bêbado que, no círculo de giz, repete sem arte nem graça os passinhos iguais. Falta-lhe imaginação até para mudar o nome dos personagens".

Em "Cartinha a um Velho Poeta" e "Cartinha a um Velho Prosador", sobram conselhos e alfinetadas a pretensos escritores:

"Escrever bem é pensar bem, não uma questão de estilo. Os bons sabem de seus muitos erros, os medíocres não sabem coisa alguma. O que há de ser, para você já foi. Não se finge o talento ― falto de engenho, vento é vento e pó. As letras roubadas são falsas."

Não é leitura fácil, sem dúvida: a colagem de textos tão diferentes pode confundir o leitor e dissolver o efeito obtido, tão caro ao conto. Mas o que se perde em unidade se ganha em originalidade e graça, graça que revela um Trevisan mais humano, sem tantos "passinhos iguais" e conhecedor profundo de teoria e história literárias. Que, se não tornam ninguém melhor escritor, estão por trás de toda bem-sucedida carreira literária.

Dedicando-se exclusivamente ao conto (só teve um romance publicado: "A Polaquinha"), Dalton Trevisan acabou se tornando o maior mestre brasileiro no gênero. Em 1996, recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura pelo conjunto de sua obra. Mas Trevisan continua recusando a fama. Cria uma atmosfera de suspense em torno de seu nome que o transforma num enigmático personagem. Não cede o número do telefone, assina apenas "D. Trevis" e não recebe visitas — nem mesmo de artistas consagrados. Enclausura-se em casa de tal forma que mereceu o apelido de O Vampiro de Curitiba, título de um de seus livros.

Inspirado nos habitantes da cidade, criou personagens e situações de significado universal, em que as tramas psicológicas e os costumes são recriados por meio de uma linguagem concisa e popular, que valoriza os incidentes do cotidiano sofrido e angustiante

"O "Nélsinho" dos contos originalíssimos e antológicos, é considerado desde há muito "o maior contista moderno do Brasil por três quartos da melhor crítica atuante". Incorrigível arredio, há bem mais de 35 anos, com um prestígio incomum nas maiores capitais do País. Trabalhador incansável, fidelíssimo ao conto, elabora até a exaustão e a economia mais absoluta, formiguinha, chuvinha renitente e criadeira, a ponto de chegar ao tamanho do haicai, Dalton Trevisan insiste ontem, hoje, em Curitiba e trabalhando sobre as gentes curitibanas ("curitibocas", vergasta-as com chibata impiedosa) e prossegue, com independência solene e temperamento singular, na construção e dissecação da supra-realidade de luas, crianças, amantes, velhos, cachorros e vampiros. E polaquinhas, deveras."

Além da literatura, Trevisan exerce a advocacia e é proprietário de uma fábrica de vidros.

Em 2003, divide com Bernardo Carvalho o maior prêmio literário do país — o 1º Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira — com o livro "Pico na Veia".

Livros Publicados:
- Abismo de Rosas
- Ah, É?
- A Faca No Coração
- A Guerra Conjugal
- A Polaquinha
- Arara Bêbada
- A Trombeta do Anjo Vingador
- Capitu Sou Eu
- Cemitério de Elefantes
- 111 Ais
- Chorinho Brejeiro
- Contos Eróticos
- Crimes de Paixão
- Desastres do Amor
- Dinorá - Novos Mistérios
- 234
- Em Busca de Curitiba Perdida
- Essas Malditas Mulheres
- Gente Em Conflito (com Antônio de Alcântara Machado)
- Lincha Tarado
- Meu Querido Assassino
- Morte na Praça
- Mistérios de Curitiba
- Noites de Amor em Granada
- Novelas nada Exemplares
- 99 Corruíras Nanicas
- O Grande Deflorador
- O Pássaro de Cinco Asas
- O Rei da Terra
- O Vampiro de Curitiba
- Pão e Sangue
- Pico na veia
- Primeiro Livro de Contos
- Quem tem medo de vampiro?
- 77Ais
- Vinte Contos Menores
- Virgem Louca, Loucos Beijos
- Vozes do Retrato - Quinze Histórias de Mentiras e Verdades
- Macho não ganha flor

Livros renegados pelo autor:
- Sonata ao Luar
- Sete Anos de Pastor
(Primeiros livros publicados, que o autor renega. Editores desconhecidos).

Filmes:
- A Guerra Conjugal - histórias e diálogos do autor, roteiro e direção de Joaquim Pedro de Andrade, 1975.

Fontes:
– PAES, José Paulo e ANTÔNIO, João. Jornal O Estado de São Paulo. 20 de julho de 1996.
– SPALDING, Marcelo. O Melhor de Dalton Trevisan. http://www.digestivocultural.com/ . 27 de março de 2008.
http://pt.wikipedia.org/
http://educacao.uol.com.br/
– Imagem = http:// http://www.parana-online.com.br/

domingo, 8 de março de 2009

Gilberto Fernando Tenor (História de Sorocaba)



O povoado de Sorocaba foi fundado em agosto de 1654 pelo capitão Baltazar Fernandes, que veio para esta terra com a intenção de fundar uma cidade. Baltazar queria seguir os passos de sua família, cuja especialidade era iniciar novas povoações e fundar cidades. Seu pai foi o fundador de Santana do Parnaíba e seu irmão mais velho fundou Itu. As terras que Baltazar escolheu para fundar Sorocaba eram de sua propriedade e foram doadas a ele pelo rei de Portugal.

Quando chegou em Sorocaba já existiam na região outras duas vilas: a de Nossa Senhora do Monte Serrat de Araçoiaba e a de São Felipe do Itavuvu. Diferentemente do povoado de Sorocaba, os dois povoados que deram origem as estas vilas foram fundados por homens interessados na exploração dos minérios da região, como o ouro, a prata e o ferro. Este foi o principal motivo pelo qual estes dois povoados não prosperaram, pois a intenção inicial não era fundar um povoado e sim explorar as riquezas da terra.

O primeiro registro histórico de Sorocaba que se tem notícia foi justamente sobre a busca de riquezas nestes povoados. O registro data de 1599, e diz que o então governador-geral do Brasil, dom Francisco de Souza, acreditando na existência de ouro, esteve na região e levantou o pelourinho - símbolo do poder real - na nova Vila de Nossa Senhora de Mont Serrat. Como o ouro não foi encontrado, o governador retomou à Corte. Doze anos mais tarde, o mesmo dom Francisco de Souza mudou o nome da vila para Itavuvu.

Elevação a Vila

Baltazar Fernandes estimulou o povoamento e desenvolvimento da pequena aldeia e, em 1661, requereu a elevação de Sorocaba à categoria de Vila, sendo atendido. Com essa mudança administrativa, o pelourinho foi transferido de Itavuvu para a Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba e o governo nomeou os primeiros integrantes do Poder Público Municipal: os juízes Baltazar Fernandes e André de Zunéga; os vereadores Cláudio Furquim e Pascoal Leite Pais; o procurador Domingos Garcia; e o escrivão Francisco Sanches.

Como o Capitão Baltazar Fernandes, os primeiros moradores da Vila de Sorocaba eram bandeirantes, que buscavam ouro, prendiam indígenas e ampliavam as fronteiras do País.
A cidade cresceu durante os séculos XVII e XVIII e a primeira tropa de muares passou por suas ruas no ano de 1733. O condutor era o Coronel gaúcho Cristóvão Pereira de Abreu, um dos fundadores do Rio Grande do Sul. Pereira de Abreu estava fazendo História e inaugurando o ciclo do Tropeirismo.

Com o tempo, Sorocaba tornou-se um marco obrigatório para os tropeiros, o desaguadouro das mais diversas culturas regionais, e o eixo econômico entre o Norte, Nordeste e Sul. A cidade, com o afluxo de tropeiros, ganhou uma Feira de Muares, onde brasileiros de todos os estados reuniam-se para vender e comprar animais.

A Feira de Muares aglutinou novos moradores e permitiu o florescimento do comércio e da indústria caseira. Facas, facões, redes, doces, peças de ouro para montarias, selas, arreios, estribos e cabos de chicotes, feitos por ourives sorocabanos, ficaram conhecidos em todo o País.

O sueco Frederico Luiz Guilherme de Varnhagem, em 1818, conseguiu fazer funcionar a Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema. O pioneirismo de Sorocaba em toda a América Latina no setor metalúrgico é inconteste. A fábrica de Ipanema produziu grande quantidade de ferro, principalmente material bélico, durante a Guerra do Paraguai.

Em 1852, graças à acumulação de capital proporcionada pelas Feiras de Muares, surgiram as primeiras fábricas de algodão e de seda. A experiência industrial não foi longe, mas Sorocaba tornou-se pioneira no plantio do algodão herbáceo - para substituir o arbóreo - para exportação a Inglaterra.

As primeiras sementes de algodão foram plantadas de 1856. Os resultados foram tão bons que, em 1870, Luís Matheus Maylasky, o maior comprador de algodão da região, levantou a idéia da construção de uma estrada de ferro para facilitar a exportação do produto. Assim, cinco anos depois, era inaugurada a Estrada de Ferro Sorocabana.

Política

Na área política Sorocaba também foi destaque. A Revolução Liberal nasceu aqui em 1842. O Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar foi aclamado presidente da Província de São Paulo para lutar contra o cerceamento das liberdades imposto pelo Poder Central. A Revolução foi vencida, mas Sorocaba foi elevada à categoria de cidade, juntamente com Curitiba, ainda pertencente a São Paulo, e Campinas. A Comarca viria em 1871.

As iniciativas industriais voltaram nos anos 80 do século XIX. Em 1882, foi inaugurada a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte e, em 1890, as Fábricas de Santa Rosália e Votorantim. Aos poucos, Sorocaba tornou-se um pólo industrial de referência internacional. Por isso, ficou conhecida como a Manchester Paulista

Fontes:
http://www.sorocaba.com.br
Imagem = http://i340.photobucket.com

Gilberto Fernando Tenor (assume dia 10 de março cadeira da Academia Sorocabana de Letras)

Gilberto Fernando Tenor, sorocabano, filho de Juracy Tenor e Thereza dos Santos Tenor. É formado em Administração de Empresas pelas Faculdades Integradas de Itapetininga.

É pesquisador histórico, interessado no resgate da memória das cidades do Estado de São Paulo, tendo destaque para Sorocaba e Avaré, aonde divulga dados sempre de fontes fiéis e documentais.

No campo filatélico, é associado ao Club Philatelico Sorocabano, desde 1983. Sendo presidente do mesmo, dos anos de 1993 a 1998, e 2001/2002. Nestes anos de associação, fez inúmeras exposições filatélicas em Sorocaba e em outras localidades, inclusive fora do Estado de São Paulo, sempre levando o nome do Club nesses lançamentos. Como referência, pode-se destacar o relançamento dos quatro volumes do “O Colleccionador de Sellos”, edição fac-similar, compreendendo os anos de 1896 a 1899, que foi considerado o maior lançamento filatélico dos últimos anos.

Atualmente exerce os cargos de Tesoureiro do Club Philatelico Sorocabano, Presidente do Clube Filatélico Avareense, Tesoureiro da Federação das Entidades Filatélicas do Estado de São Paulo, Conselheiro da Federação Brasileira de Filatelia, Conselheiro da Associação Brasileira dos Jornalistas Filatélicos, Secretário da Associação Paulista de Numismática e Representante no Estado de São Paulo do Clube Filatélico Maçônico do Brasil.

Durante os anos de 2000 a 2003, foi Membro da Comissão de Filatelia e Numismática da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e diretor da Sociedade Numismática Brasileira, durante 10 anos.

Recebeu as seguintes honrarias: Prêmio Parceiro da Cultura 97, pela Secretaria de Estado da Cultura; Medalha Cidade de Cerquilho 1999, pela Câmara Municipal de Cerquilho; Certificado de Reconhecimento Público, pela Câmara Municipal de Avaré, em 2000; Comenda do Mérito Legislativo “Maneco Dionísio”, pela Câmara Municipal de Avaré, em 2003 e Prêmio Associação Brasileira de Jornalista Filatélico 2004.

Fonte:
http://www.sorocaba.com.br

Célia Abend (Borboleta amarela)


Uma borboleta amarela esvoaçava em plena uma da tarde na Avenida Presidente Antônio Carlos, Centro do Rio. Miragem, só podia ser, pensei. Mas não.

Enquanto eu aguardava impaciente que o motorista do táxi furasse o bloqueio dos ônibus e seguisse a via estreita demais para tanto trânsito, ela borboleteava alegre e faceira no meio do gás carbônico daquela selva do asfalto, sob o calor inclemente de janeiro.

A caminho de um almoço de negócios, atrasada, interpretei aquela aparição como um sinal de boa sorte. Tenho, desde pequena, por influência de minha mãe, uma superstição envolvendo borboletas: quando elas aparecem para mim, algo bom está para acontecer.

A bobagem que costumo utilizar para ludibriar minha alma é o resultado de uma interpretação do filme "Suplício de uma Saudade", um dos grandes sucessos de Hollywood, que minha mãe viu e reviu nos cinemas. Contava a história de uma médica chinesa que se apaixona por um oficial americano. Ele morre na guerra e ela volta à colina cheia de borboletas para se lembrar do dia em que disse a ele, ali, que, para os chineses, este animalzinho é um sinal de boa sorte. Se não é exatamente assim, foi desta forma que aprendi a mensagem do filme, se bem que, se o namorado da moça morreu na guerra, ela não teve tanta sorte.

Passei, desde então, a achar que as borboletas gostam de circular à minha volta. De vez em quando, algumas chegam a pousar em meus ombros. Sem dúvida alguma, sou uma pessoa de muita sorte. Minha vaidade sugere que este poderia ser o argumento de um filme mexicano, do tipo realismo mágico. Meu senso de ridículo indica que isto não daria nem novela venezuelana.

Dentro do táxi, ar condicionado a toda prova, o trânsito não anda um centímetro.

Estressada, começo a me inquietar. Melhor ir a pé, que vai mais rápido, comento, meio sussurrando, só para torturar o motorista, que se angustia e se culpa por ter tomado o pior caminho.

Olho para o lado e lá está ela de novo, grande, amarela, passeando entre os carros.

Não é possível!

Qualquer dia desses vou ler no jornal que as os cientistas descobriram que as borboletas não são aqueles seres inocentes e alegres que sempre pensamos que fossem. Vão dizer que elas são altamente resistentes à poluição e que sua presença nas grandes cidades só comprova a tese de que elas convivem muito bem com um mundo estragado e feio.

Acha difícil? Fizeram isso com as garças, lembra? Aquele serzinho branco, elegante e impávido, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, dizem eles, está se alimentando do esgoto clandestino que deságua numa das paisagens mais bonitas do Rio.

Outro dia tentaram denegrir a imagem dos golfinhos. Que eles não são tão simpáticos assim, que por trás daquele sorriso maroto há segundas e terceiras intenções.

Desconfio que exista gente no mundo que vive só para acabar com as doces ilusões dos seres humanos. A próxima vítima vai ser a borboleta que passeia na Antônio Carlos, vocês vão ver.
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Sobre a Autora
Célia Abend (1961), é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras funções, foi repórter e chefe de reportagem do "Jornal do Brasil", coordenadora de Comunicação Social da Prefeitura do Rio de Janeiro e assessora de comunicação da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, cargo que exerce atualmente

Fontes:
http://www.releituras.com.br

Ulisses Tavares (Poesia Nota Dez!)

(Depois de percorrer o Brasil nos últimos anos realizando oficinas para professores(as), tentando (e, às vezes, até conseguindo) fazer com que se mudasse o tratamento do assunto poesia em salas de aula, o poeta Ulisses Tavares resolveu resumir sua experiência em forma de poesia auto-ajuda. Acompanhe estes lances da saga do poeta.Como o nome de sua oficina é Poesia Nota Dez! ele manteve os 10 tópicos/dicas/toques para professores(as) e, por que não?, para alunos passarem a seus mestres.)

1: Nem pense em dar nota!

Gentil professorinha, digno professor,
Nem pense em dar nota ao seu aluno
Candidato à poeta, a escritor.
Isso é impossível, até risível,
E a seu aluno só vai causar dor.
Toda poesia é boa,
Até aquela atoa,
Importante é que haja a próxima,
Que vai ser muito melhor.
Incentive, finja, faça cara de satisfeito,
Um dia afinal seu aluno vai acabar
Escrevendo direito.

2. Pelo amordedeus, chega de rap!

Rap, tcháu e benção!
Já valeu, esgotou a cota.
Fazer rap qualquer um faz,
E bem e certinho.
Tão certinho que deixa de ser poesia
Passa a ser água fria.
Existem mais de 368 ritmos musicais
Tantos, que ai meus sais! Nem agüento ouvir.
Professora empenhada mesmo
Apresenta a seus alunos o ermo:
Catira, catiretê, desafio, candango.
Original é inovar, mudar, surpreender,
O resto é ver pra crer, lugar comum avalizar,
E isso não é ensinar.

3: Sociedade dos poetas vivos!

Drummonds, Vinicius, Cecílias,
Tudo bem, nada mal,
Apenas que a poesia do Brasil
Este país de poetas, varonil,
Vai muito além disso.
Poetas, aqui, não se contam apenas
Entre os oficiais, os consagrados,
Livres de suas cadenas,
Os poetas não estudados ainda,
Pedem seu olhar, sua atenção,
Um olhar liberto, atento,
De cabeça e coração.

4: Competição, só de criatividade!

Parece muito bacana,
Mas é uma tremenda armadilha.
Me refiro a campeonatos,
Concursos de poesia, minha filha.
O mundo já é hostil e competitivo
O suficiente
O que resulta nesta sociedade indecente.
Promova exposições, recitais, leituras,
E premie a todos, na cara dura.
Todo poeta se aprimora
Com o tempo, desde cedo
Ninguém vai fazer poesia boa
Para competir, com medo.

5: Moderno é ser antigo, bem antigo.

Viaje com seus alunos
Pela máquina do tempo da poesia.
Leia os romanos, os gregos,
Suas grandes biografias.
Eles vão adorar saber, e repetir,
O que os loucos poetas da antiguidade
Já fizeram por séculos:
Encenar poesias com máscaras,
Se fingir de cegos,
Dramatizar com bocas e caras,
Imitar animais
Guerras e misturar poemas e cantos
Em animados jograis.

6: Poeta tira poesia até de jornais!

O Mário Quintana já dizia
Num toque de sabedoria:
Poeta deve ler jornais e revistas.
Onde se lê notícias, veja-se poesia!
Crianças e jovens,
Curiosos que são,
Adoram, se bem conduzidos,
Transformar a notícia do dia
Em pura, instantânea poesia!
Pode até se transformar num hábito
Uma molecagem do dia a dia:
Um Jornal do Poeta
Colado na parede da sala de aula
Renovado por todos,
Onde o coração fala
Caudaloso, a rodo.

7: Palimpsesto, uau!

Os egípcios que inventaram
O tal do palimpsesto:
Não passa de apagar o escrito
E nele escrever outro texto!
Sabe aqueles poemas
Que você encontra em qualquer
Livro didático?
Pegue um deles, seja prático,
E proponha aos alunos
Que o reescrevam de seu jeito.
Não vai sair perfeito, garanto,
Mas é um estímulo e tanto.

8: Antes era Zeus, depois foi Deus, hoje sou Eus!

O título aí de cima é um poeminha
Do anarquista Roberto Freire
Meu guru, meu amigo,
Que resume bem essa onda juvenil
De só se interessar pelo próprio umbigo!
Comece por aí, se quiser,
Que muito bem irás a poesia
Encontrar do jeito que vier e der.
Acrósticos são poemas feitos
A partir das letras do próprio nome,
Do ego aplaca a fome,
E a partir do nome de cada um
Pode-se exercitar palavras, poesia,
O que se encontra em Carfanaum?
Car…ro, fan…ho, um…ído?
Nossa!, a lista é infindável
Se encontra de zona à escapulário.
E assim se aprende o fazer poético
O qual não se faz sem um grande vocabulário!

9: A poesia é igual a pamonha de Piracicaba!

Poesia, neste mundo da matéria,
De tênis de marca, drogas e miséria,
Fica sempre parecendo assunto
Estapafúrdio, escalafobético, fora do mundo.
Nada disso, não é não, nadinha:
Poesia é coisa também fresquinha
Saída agora para consumo imediato,
Deliciando a alma,
Com pressa ou com calma.
Que tal, por exemplo, propor
Para tirar a classe do estupor
Que cada um escreva, já, agora,
O que gostaria de dizer
Para sua paquera, para sua família,
Em uma frase?
Daí pegar aquela frase e reescrever
Em forma de poesia?
É pagar pra ver como aquilo
Que era imediatista vira o que se sonha.
Teremos poesia, não papo de pamonha.

10: Real e aspiracional.Uma experiência animal!

A gente já sabe,
Quem ensina mais ainda:
Há uma grande dificuldade
Do pré-primário à faculdade,
Do aluno sair de si mesmo
De voar para o desconhecido, o ermo.
Conte pra ele, então,
Que todo mundo é…dois!
O que se é no real, e no aspiracional depois.
O careca se imagina cabeludo,
A gorda, magra,
O rejeitado, amado em tudo,
E por aí vai a saga humana,
Sempre um degrau a mais de seu real.
Pois a verdade é que só a poesia
Pode expressar e dizer
O meu verdadeiro aspiracional!

11: Não force a barra, só incentive.

De fato algumas pessoas,
Talvez a maioria,
Nunca vai gostar de poesia.
Aceite o fato, a vida é assim.
É como tocar música clássica
Para alguém que só ouviu pagodeiros
A vida inteira, na bobeira.
Tenha uma postura elástica:
Vá mostrando diferentes tipos de poetas
Diferentes tipos de poesia
Seja abundante, pródiga, escorreita.
De repente, seu aluno se identifica
Com alguma poesia, algum poeta, uma via,
E nela ou nela gruda, fica.

12: Não despreze a Internet, a poesia foi pra lá!

Tudo bem que a classe,
Sem classe como é,
Foi pra internet ver mulher pelada.
Deixa, isso é quase nada.
Mas tem outras coisas lá
Também bem interessantes.
Que tal criar um blog de poesias
De seus alunos?
Eles podem interferir,
E até mudar o papo de rumo.
O que não pode acontecer
É professor(a) descuidado
Que nem sabe nada de computador
E de seus alunos fica desplugado!
A internet é cruel e simples:
Ou você entra já ou é deletado.

Fonte:
Edição do Ano I - Número 5. http://www.ulissestavares.com.br

Dicionário do Folclore (Letra E)



EBÓ. É uma comida africana, trazida pelos escravos. Faz-se com farinha de milho branco, sal ou misturada com feijão-fradinho torrado. Depois, quando estiver fervendo, junta-se o sal ou azeite de dendê. Foi, o ebó, a primeira refeição de Oxalá no palácio de seu filho Oxum-Guiam, quando voltou da prisão, libertado por Xangô, também seu filho. Ebó significa, ao mesmo tempo, o feitiço, a muamba, a coisa-feita, o despacho. Veja DESPACHO.
ECLIPSES. Os agricultores nordestinos, por ocasião do eclipse lunar para que não morra a plantação de algodão, costumam acordar os pés de algodão gritando, batendo em latas, dando tiros de espingarda. Acreditam que as crianças, filhos de brancos, quando nascem durante os eclipses, têm a cor morena. É uma tradição universal.
EFÓ. O efó é um prato da cozinha baiana, feito da seguinte maneira: Cortam-se em pedacinhos folhas de taioba. Depois de bem aferventadas, escorre-se a água, usando-se uma peneira grossa. Tempera-se com camarões secos, descascados e bem moídos, cebola ralada, coentro, pimenta e sal. Junta-se, em seguida, um pedaço de peixe seco ou bacalhau, dando-se preferência aos pedaços da cabeça, com os ossos. Cozinha-se com pouca água, até ficar como pasta bem cozida e bem enxuta. Põe-se um pouco de azeite-de-dendê, mexendo-se bem. O efó é servido numa terrina untada com azeite-de-dendê quente. Come-se com arroz branco, acaçá ou aberém.
EFUM. É uma cerimônia que consiste em pintar a cabeça do iauô, candidato ao posto de filho-de-santo. Raspada a cabeça, no início da cerimônia, ela é pintada com as cores do orixá ao qual se devotará. A escolha das cores é feita pelo babalaô. O efum será apagado com uma infusão de ervas também dedicadas ao mesmo orixá.
EMBIGO-DE-FREIRA. É um biscoito doce muito popular na Bahia.
EMBIRICICA. 1. É uma fieira, que se faz com uma embira, dos peixes, depois de pescados; 2. Também é, no sentido figurado, a gente que acompanha, em Belém, PA, os cordões-de-marujos durante o carnaval, os boi-bumbás no São João e as pastorinhas no Natal.
EMBOLADA. É uma forma poética musical, improvisada ou não, em compasso binário, cuja melodia é declamada em intervalos curtos, e que é usada pelos cantadores como refrão coral ou dialogada. O rei dos emboladores foi, sem nenhuma dúvida, Manuel Pereira de Araújo, conhecido artisticamente como Manezinho Araújo, o pernambucano que, na época, divulgou em todo o Brasil, através das estações de rádio e de televisão, bem como em discos, seus grandes sucessos como "Pra onde vai, valente?", "Cuma é o nome dele?", "O caminhão do Coroné".
EMENDAR-A-CAMISA. É o duelo sertanejo. Os contendores têm suas camisas amarradas pelas pontas e, armados de faca ou punhal, lutam até que um deles caia morto.
EMENDAR-OS-BIGODES. É lutar, corpo a corpo, solucionar um caso de honra, resolver uma parada, como o povo diz.
EMPELICADO. Diz-se da criança que nasce com a cabeça coberta com uma membrana branca chamada pelica. O povo acredita que a criança que nasce empelicada será uma pessoa rica quando crescer.
ENCAMISADA. Era um cortejo nos carnavais passados, saindo às ruas apenas na segunda-feira, vestindo camisas compridas até os pés, mascarados de branco, dançando, fazendo graça. Aparecia a encamisada nos carnavais do Rio Grande do Norte e da Paraíba. No carnaval atual é feita uma sátira como a dos encamisados; a crise financeira fez do cortejo ou bloco carnavalesco, os descamisados (sem camisas).
ENCOMENDAÇÃO-DAS-ALMAS. Nas sextas-feiras da Quaresma, até os meados do século XIX ou mesmo durante o mês de novembro (conhecido como mês das almas), saiam procissões noturnas que percorriam as principais ruas da cidade, em sufrágio das almas do purgatório. A procissão saía da igreja entre onze horas e meia-noite, com os homens à frente, com as feições encobertas, conduzindo lanternas. Cantavam ladainhas, rezavam rosários em voz alta. Todas as casas das ruas por onde a procissão passava estavam com as portas fechadas e as luzes apagadas. As portas ou janelas que estivessem abertas eram alvo de pedradas. Alguns devotos se flagelavam.
ENCRENCA. Encrenca significa complicação, problema, confusão, terminando muitas vezes, em briga. Termo da gíria dos gatunos do Rio de Janeiro, a palavra se espalhou pelo país a partir de 1911, na agitação política das eleições estaduais. Muitos maridos costumam, carinhosamente, chamar suas esposas de Dona Encrenca. Quando o automóvel pára com algum defeito, o povo diz que "o carro encrencou".
ENCRUZILHADA. A encruzilhada é a parte onde os caminhos se cruzam. É, apesar de sua forma geométrica, o local dos demônios. Nas encruzilhadas os gregos e romanos depositavam presentes a Hécate, aos fantasmas. A tradição foi trazida pelos portugueses colonizadores. Os índios e os escravos não conheciam os mistérios das encruzilhadas que era coisa de brancos. Nos cultos afro-brasileiros, Exu também é conhecido como o homem das encruzilhadas.
ENFEITAR-O-MARACÁ. É contar uma estória, enfeitando o mais possível, para que se torne verdadeira sem ser, com a intenção de convencer as pessoas que estão ouvindo. É uma expressão corrente no Nordeste, especialmente em Pernambuco.
ENGENHO-NOVO. É uma dança popular do Nordeste, pertencente aos cocos de ganzá. Homens e mulheres dançam em roda, soltos, cantando com o ritmo da embolada, batendo palmas: "Engenho-Novo,/ Engenho-Novo,/ Engenho Novo,/Bota a roda pra rodar". No sul do país (São Paulo e Minas Gerais) o engenho novo é uma dança diferente, também chamada guarapá.
ENGUIÇO. É o nome que se dá ao mau-olhado, quebranto, caiporismo, mau-agouro, empecilho. Também é coisa pequena mas difícil de ser feita. Passar a perna pelo corpo de alguém que estiver deitado, é enguiço. A pessoa não cresce mais. Para desenguiçar, basta apenas fazer o contrário, isto é, passar a perna no sentido contrário.
ENSALMO. O ensalmo é uma oração supersticiosa cujas palavras foram tiradas dos salmos, usado pelos curandeiros para as pessoas voltarem a gozar saúde.
ENTERRO-DOS-OSSOS. É um almoço do que sobrou da refeição do dia anterior (festa de casamento, batizado, aniversário, etc.). Já em Mato Grosso, é um clube carnavalesco que sai no primeiro domingo depois do carnaval. Os foliões, vestidos de preto, trazem caveiras pintadas e instrumentos musicais tocando musicas fúnebres. Conduzem caixões mortuários cheios de galinhas, perus, churrascos e cachaça à vontade. O povo ri, come e bebe à vontade.
ENTRUDO. É o período de divertimento popular, que compreende os três dias que precedem a Quarta-Feira de Cinzas. É o carnaval, com seu nome primitivo.
ERÊ. É um orixá filho de xangô. Trata-se de um espírito inferior, um companheiro da filha-de-santo. Todas as pessoas que têm santo, também têm um erê, que pode ser de Cosme, de Damião, de Doú ou de Alabá.
ESCADA. Muita gente não passa por baixo de uma escada, superstição muito espalhada no Brasil. O pernambucano Joaquim Nabuco não era supersticioso, mas nunca passou por baixo de uma escada. A escada lembra a subida, a elevação social, econômica. E passar por baixo do que sobe é renunciar à melhoria social, econômica. Quem passa por baixo de uma escada fica marcando passo a vida inteira, sem melhorar de vida.
ESCALDADO. É um prato da culinária brasileira, feito com carne, ou peixe ou crustáceos cozidos num molho especial, com azeite-doce, tomate, coentro, sal, jiló, quiabo e ovos inteiros. Quando o caldo começa a ferver, põe-se, na panela, o peixe e os camarões tratados. O pirão escaldado é feito com farinha seca, pondo-se em cima colheradas do caldo, bem quente.
ESPELHO. Quando uma pessoa morre todos os espelhos da casa devem ser cobertos com pano preto durante toda a semana após sua morte. Não é bom a pessoa falar diante do espelho porque terá sonhos horríveis, pesadelos. Não se deve pôr recém-nascidos diante de espelhos; se assim acontecer, eles vão demorar a falar. Essas superstições correm o mundo todo.
ESPERANÇA. Diz o povo que quando uma esperança (inseto ortóptero) pousa numa pessoa é porque vai acontecer coisa agradável. Há, também, a crença da esperança da boca preta, que traz má sorte quando pousa em alguém.
ESPIA-CAMINHO. É uma planta que geralmente nasce à margem dos caminhos, onde a terra é mais fértil, por receber fezes dos animais, restos de comida, etc. As mulheres têm raiva da espia-caminho e, por onde elas passam, costumam arrancar todos os pés que encontram. As mulheres acham que a espia-caminho tem uma flor imoral, parecida com o órgão sexual feminino.
ESPIRRO. O costume de se dizer: "Salve!", "Viva!", "Saúde!", "Deus te salve!" quando uma pessoa espirra, é muito antigo e universal. Os romanos acreditavam que espirrar à meia-noite e ao meio-dia era sinal de más notícias, o que não acontecia se a pessoa não espirrasse ao meio-dia, à meia-noite. A pessoa não deve espirrar quando se deita na cama pela manhã ou quando estiver à mesa durante as refeições. O povo diz que quando o doente espirra não morre nesse dia. O espirro faz com que a pessoa fique livre das bruxarias.
ESQUENTA-MULHER. Conjunto musical popular em Alagoas, constante de dois ou três pífes (flautas rústicas de bambu), uma caixa, dois zabumbas (bombos) e pratos de metal. Veja CABAÇAL.
ESTAR-DE-BODE-AMARRADO. Diz-se de quem está de mau humor, macambúzio, triste, sem achar graça em nada.
ESTHER KARWINSKY, Baronesa, nasceu em Brodosqui. SP. Advogada pela Faculdade Católica de Direito de Santos, professora, museóloga, com diversos cursos de extensão no Brasil, na França, no México, tendo participado em congressos e festivais de Folclore em Marrocos, na França, no Chile, nos Estados Unidos, na Grécia, na Hungria, na Noruega, em Portugal, Canadá, na Argentina, na Áustria, na Índia, na China, na Alemanha, nos quais apresentou comunicações sobre assuntos pertinentes ao Folclore brasileiro, Esther Karwinky é membro da Comissão Paulista de Folclore, da Comissão Municipal de Folclore e artesanato de Guarujá (SP), da Associação Brasileira de Folclore, da American Folklore Society, da Societé d’Éthnologie Française, da Société Internationale d’Ethnologie et Folklore – SIEF, da International Society for Folk Narrative Research - ISFNR e da Folklore Fellows da Finlândia e, na área de Folclore, publicou Danças e folguedos (1974), Guarujá, uma experiência em levantamento de Folclore (1975), Festas Folclóricas fixas mais importantes da Ilha de Santo Amaro (1977), Museus e museologia (1990) e O Caiçara (1993), além de ensaios e artigos na imprensa e revistas especializadas.
ESTILINGUE. O mesmo que baladeira, badoque ou bodoque.Veja ATIRADEIRA.
ESTÓRIA. É o conto popular. A estória de Trancoso com que os contadores-de-estórias deliciam a criançada, principalmente nas cidades do interior. Os contadores de estórias eram, geralmente, pretos velhos, avós e pessoas de idade avançada.
ESTRELA. A estrela é cercada por um mundo misterioso de crendices e superstições. Quem aponta com o dedo indicador (o fura-bolo), uma estrela no céu ou conta as estrelas (uma, duas, cinco, dez, etc.) nascerá no corpo tantas verrugas quantas estrelas a pessoa contar. Tem a oração das estrelas que, rezada com muita fé, faz com que as pessoas alcancem a proteção divina. Quando a pessoa tem uma íngua, sai de casa, à noite, fita uma estrela qualquer, coloca a mão direita sobre a parte inflamada e diz, três vezes: "Minha estrela donzela, esta íngua diz que morrais vós e viva e crença nela, eu digo que cresçais vós e morra ela". O povo também tem muito medo das estrelas cadentes, que correm no céu. Acreditam que se uma estrela cadente cair na Terra, o mundo se acabará. Outras pessoas dizem que toda vez que correr uma estrela, uma alma entrará no céu.
EXCELÊNCIA. A excelência, ou incelença como o povo diz, é um canto entoado por muitas pessoas à cabeça do moribundo. Cantam sem acompanhamento musical, aos pés do morto e os benditos à cabeça do falecido. A excelência tem o poder de despertar no moribundo o arrependimento de seus pecados. As excelências também são cantadas em Portugal e de lá foram trazidas pelos colonizadores.
EXIBIÇÃO-DE-PROVA-DE-VIRGINDADE. Nos idos de 1870, era costume, no Sertão nordestino e vários países da Europa, os noivos mostrarem às pessoas que estavam esperando na manhã seguinte ao dia do casamento, o lençol manchado de sangue, comprovando, assim, a virgindade da recém-casada. Quando uma moça era falada, por seu procedimento, as pessoas duvidavam da sua virgindade, dizendo: "Aquela não mostra os panos..."
EXU. É o Demônio nos cultos afro-brasileiros. Exu é respeitado, temido e objeto de culto. Nada se faz sem Exu e para se conseguir qualquer coisa é preciso fazer o despacho de Exu. Exu também é conhecido como o homem das encruzilhadas.

Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br

Ciranda de Trovas do Paraná: Sabedoria

 A maior sabedoria de quem sabe o seu saber é saber que a cada dia sempre tem o que aprender. NEI GARCEZ CURITIBA O dom da Sabedoria do Espírito Santo é graça de ver, com santa alegria, o Bem até na desgraça. LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE PINHALÃO Deus nos dá sabedoria, para o bem que nos conduz amor que, com a alquimia, nos torna um farol de luz! VANDA ALVES DA SILVA CURITIBA Quando eu sonhava, eu não via quanta chance... que passou! Faltava a sabedoria que o mestre Tempo ensinou. VANDA FAGUNDES QUEIROZ CURITIBA Quem vive a maturidade mantendo a mesma alegria revela que na verdade conquistou sabedoria. LEONILDA YVONNETI SPINA LONDRINA Escolher rumos amenos, inovar o dia-a-dia, errar menos... Sempre menos... Também é SABEDORIA. MARIA DA GRAÇA STINGLIN DE ARAÚJO CURITIBA Não se tem sabedoria só com estudos a esmo. É coisa que se inicia no conhecer de si mesmo. GERALDO PEIXOTO DE LUNA LONDRINA Não busque a felicidade pelas trilhas da utopia, busque- a dentro da verdade e à luz da Sabedoria. WALNEIDE FAGUNDES DE SOUZA GUEDES CURITIBA Teço a alegria em minha alma com muita sabedoria. Tecendo-a feliz e calma, faço mais belo o meu dia! ARLENE LIMA MARINGÁ Sem ser um sabedor,ia buscando a felicidade. Sem achar sabedoria foi se perdendo na idade FAHED DAHER APUCARANA A vida é força, poder, vinda de Deus com amor! Sabedoria é entender tão pouco tempo a dispor ! VIDAL IDONY STOCKLER CURITIBA Se a noite é escura e vazia pela fé, que é a luz Divina, vejo que a Sabedoria não brilha, mas, ilumina. WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ CURITIBA Quem usa a sabedoria não briga, apenas debate. Ponderado, desconfia que o adversário quer combate. YAYÁ PETTERLE PORTUGAL CURITIBA Usar de sabedoria é o segredo nesta Vida para haver paz e alegria do Nascer à Despedida!... SÔNIA DITZEL MARTELO PONTA GROSSA A minha alma em espiral buscando a Sabedoria, foge do mundo banal para o reino da harmonia. ROZA DE OLIVEIRA CURITIBA
Fonte: Ciranda de Trovas Sabedoria – http://www.tekanascimento.net/ciranda_trova_sabedoria.htm