terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Heloísa Zanconato Pinto (Juiz de Fora em Trovas)

Praça da Estação de Juiz de Fora
colagem e pintura de Sonia Rezende
Parece que um anjo arruma,
no céu, a luz das estrelas:
de dia, apaga uma a uma...
E à noite, torna a acendê-las!

Eu não sou Mago, nem Santo,
mas na magia do amor
hei de quebrar teu encanto;
Fazer-te escrava... e, eu, Senhor!

Posso doar-te a ventura
na transfusão do que anseias,
pois, mais que sangue, é ternura
o que me corre nas veias!...

Mãe, teu sangue é abençoado,
pois Deus concedeu-te os meios
de doá-lo ao filho amado
na transfusão dos teus seios!

A ofensa mais dolorida,
que à humilhação se compara,
é quando a mão estendida
leva uma "porta na cara"!

É meio a meio, eu garanto,
a culpa de meus pecados,
pois só deixei de ser santo
quando aceitei seus agrados!

Seja cobrado... ou de graça,
num paradoxo profundo,
por melhor que algo se faça,
não se agrada a todo mundo!

A tristeza mais pungente...
aquela que ninguém vê,
é a que dói dentro da gente
e a gente sabe por quê!

A saudade me garante,
já que a tristeza persiste,
que eu devo, de agora em diante,
me acostumar a ser triste!

Ao ser preso lamentou
o português trambiqueiro:
- Em meu trambique faltou
o "jeitinho brasileiro"!...

Porque a Suíça distante
Veio às terras brasileiras,
No peito dessa imigrante
Tremulam duas bandeiras!

- Como manter a esperança?...
Indago a Deus, de mãos postas.
E Ele, de andança... em andança,
vai me mostrando as respostas!

Segue a neta, em gesto terno,
com o avô pelas calçadas:
- É a Primavera... e o Inverno
passeando de mãos dadas!...

Porque, sempre, nas vitórias,
logrei o apoio de alguém,
eu reparto as minhas glórias
com meus amigos também!

Brota emoção com fartura
e o peito explode à vontade,
sempre que o amor se mistura
à essência de uma saudade!...

Considerando-se a essência
de quem não faz o que diz,
sua distinta aparência
é simplesmente "verniz".

Se ao romance eu me refiro,
a moçada de hoje em dia
me responde que suspiro
se encontra... em Confeitaria!

Quando a mão de Deus descerra
o inverno que a neve traz,
esconde o verde da Terra,
mas dá-lhe o branco da paz!...

Compositor caipirinha
foi à praia no verão...
E em vez da ousada sunguinha,
levou seu "Samba-Canção"!

No verão, em grande estilo,
o biquíni bem mostrava:
nas gordas sobrando "aquilo"
que nas magrelas faltava!

Verão pra gordo é tortura,
pois ao dobrar-se em si mesmo,
nas preguinhas da gordura
derrete que nem torresmo!

A sorte faz que eu prefira,
talvez de modo incomum,
qualquer amor de mentira,
a não ter amor nenhum...

Feito a chama de uma vela
que se esvai no alvorecer,
qualquer poder se esfacela
ante o Supremo Poder! ...

Padece a Nação inteira
e explodem forças armadas,
quando a Sorte põe, arteira,
o poder em mãos erradas! ...

Por entender que ela o escuta,
seu canto pode alcançá-la...
por isso a lua se enluta
quando um boêmio se cala!...

Expulsou-me!... E por castigo
eu feri sua vaidade,
pois, fui, levando comigo
tudo o mais... menos, saudade!

O Destino irreverente,
pôs no mundo, por capricho,
bicho com cara de gente,
gente com "jeito" de bicho!

Eternos não são os meus risos;
nem meus momentos tristonhos...
Mas, sendo bem mais precisos,
serão eternos meus sonhos!

- Se um dia eu virar defunto,
vou ser na rede, enterrado.
- Que melhor caixão, pergunto,
pra quem viveu "pendurado"?...

Nosso conflito, suponho,
deu-se em razão de um defeito:
coração, é que o teu sonho
era maior que o meu peito!

Dois seres entrelaçados
no amor da eterna união,
são corações afinado
pelo mesmo diapasão!

O galo mostrava a zanga
ciscando de lá pra cá,
depois de "pegar" a franga
no ninho do carcará!...

O solitário modera
seus passos no viajar.
Quem não tem ninguém à espera,
não tem pressa de chegar!...

O nosso amor clandestino,
vivendo à mercê da sorte,
viaja pelo Destino
sem carimbar passaporte!...

Superando a hora prevista,
viaja o trem a correr.
- Subornei o maquinista
pela pressa de te ver!...

O Destino se afigura
aquela torre elevada
que oferta o gozo da altura
pelo suplício da escada!...
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Fonte:
União Brasileira dos Trovadores/ Juiz de Fora,MG
Pintura = Estação em tres tempos - de Sonia Rezende

Heloísa Zanconato Pinto



Heloísa Zanconato Pinto é fluminense, de Resende, mas residente em Juiz de Fora-MG desde a juventude. É casada com Romero Tostes Pinto, sendo pais de Paulo Romero e Marcelo, ambos Trovadores, e, atualmente, Vovó-coruja de Francisco, que é filho do Marcelo, e que provavelmente, seguirá os passos dessa família que traz, no sangue, o abençoado vírus da Trova.

Heloísa pertence à UBT de Juiz de Fora, onde ocupa o cargo de Vice-Presidente de Cultura. É Escritora, Poetisa Clássica e Trovadora, tendo conquistado várias premiações no Brasil e em Portugal. É membro da Acadenia Mineira de Trovas, Cadeira 26 - Patrono Graziela Lydia Monteiro.

Fez-se Trovadora em 1988, e, como tal, conquistou vários troféus, inclusive o prêmio "Menestrel da Trova", na categoria "A Trova Mais Criativa de 1995". Já foi nome de Troféu em Barra do Piraí e em Porto Alegre. Foi premiada muitas vezes em todos os concursos e Jogos Florais. Ela, além de grande Trovadora , é muito simpática e querida por todos os Trovadores. Acima de tudo é incansável batalhadora pela Trova.

Fonte:
União Brasileira dos Trovadores/ Juiz de Fora,MG

Jamil Snege (Sentimento Paranista)



No cabo de uma enxada
No volante de um caminhão
Na escola em construção
No risco de uma estrada
O meu Paraná eu traço.

Que importa se a vida é dura…
Amanso ela na canga
Transformo usura em fartura
Meto os peito, dou castigo
O meu Paraná eu brigo.

Por isso eu digo, irmão
Tome conta deste chão
Garanta o seu pedaço…
Assuma o seu quinhão.

O meu Paraná somos todos
cada qual com sua parte
Seu ofício e sua arte.
––––––-
Fonte:
http://jornale.com.br/ruy/?p=32563

Jamil Snege (O Ciclista)


Difícil foi esconder a bicicleta. Acabou achando um espaço no porão, atrás do tampo de uma mesa desmontada. Seus filhos já não entravam mais ali, a mulher tampouco – despejo de cacarias, lustres e móveis quebrados, garrafas, jornais velhos. Reluzente, coberta por um pano, a bicicleta prometia-lhe aventuras inusitadas no seu poeirento esconderijo.

Nunca aprendera a andar. A mulher sempre zombou – jamais conhecera alguém que não soubesse andar de bicicleta. Escarnecia-o diante dos filhos e chegou mesmo a humilhá-lo quando ele se propôs a ensinar o mais velho, então com cinco anos, a pilotar a máquina que ganhara da avó. “Vai ensinar a ele o que você não sabe? Ridículo!”

Vingou-se da humilhação exibindo o novo ciclista com um perfeito domínio da máquina. A mulher negou-se a reconhecer-lhe o mérito. Quando o filho mais novo, através de sua mão paciente e segura, adquiriu também ele a mágica noção do equilíbrio sobre duas rodas, a mulher foi mais rude: “Por que não deixou que ele aprendesse sozinho? Teria sido mais fácil”.

Engoliu a ofensa em silêncio. Passaram-se os anos e ele pareceu esquecer. Os filhos cresceram, trocaram suas bicicletas por namoradas e carros, seguiram suas vidas. Restando-lhe a mulher e uma confusa sensação de inutilidade. Foi então que teve um sonho premonitório. Sonhou que pilotava uma bela bicicleta azul, velozmente, pelas ruas do bairro. Reviu o portão da casa do cônsul, os muros de ardósia, o grande cipreste na esquina. O telhado de sua própria casa, de um verde já desbotado, e a negra faixa de asfalto ao fundo.

Sentia o vento lamber seu peito e a gloriosa sensação de liberdade – o passado, a idade, tudo ia ficando pelas esquinas, para trás. Acordou deliciado, um leve torpor nas pernas de tanto pedalar. Dissimulou tão bem sua felicidade que a mulher, na mesa do café, achou-o meio triste e mais calado que de costume. Talvez por essa razão não reclamou quando ele avisou que precisava ir até a cidade resolver alguns negócios.

Convenceu o vendedor que precisava da bicicleta logo de manhãzinha. Não fazemos entrega tão cedo, tentou ponderar o rapaz. Fale com seu gerente, insistiu ele. A bicicleta acabou sendo entregue às sete da manhã seguinte – ele esperava no portão, no nicho previamente preparado. Cobriu-a com um pano, colocou de volta o tampo e subiu para o café. Pôs a água para ferver e foi fazer a barba. Suas mãos tremiam. A mulher ainda não acordara.

No dia seguinte, despertou às seis em ponto. Escolheu uma roupa leve e uns sapatos esportivos. Serviu-se de um copo de leite na cozinha e foi tomá-lo à porta do quarto. Na penumbra, a mulher dormia de boca aberta. Ficou ali um minuto ou dois, dando pequenos goles, retendo o líquido gelado na boca antes de engolir. fechou a porta e saiu.

Professor e aluno a uma vez só, encostou a bicicleta no meio-fio e, antes de montar, certificou-se de que não havia nenhum vizinho à espreita. Apoiando o pé direito na guia da calçada, deu um pequeno impulso para frente, mas não chegou a colocar o outro pé no pedal. Seu coração acelerou-se e tentou novamente.

Na terceira tentativa conseguiu meia pedalada e só por sorte não foi ao chão; susteve a bicicleta inclinada entre as pernas abertas, chocando o pedal contra a panturrilha. Foi descendo a rua aos trancos e quando percebeu que se afastara uns duzentos metros do portão de casa decidiu que era hora de voltar. Calculou que a última tentativa lhe rendera uma pedalada completa e uns quinze metros percorridos sem apoio.

Voltou na manhã seguinte e nas outras manhãs. Sua primeira queda ocorreu no terceiro dia: feriu o joelho esquerdo e ambos os cotovelos. Quando sentou-se para o café, descobriu um corte ardido junto ao pulso. A bicicleta nada sofrera na sua bela cor azul. A mulher achou-o corado e bem disposto. Depois reclamaria das manchas de mercurocromo no piso do banheiro.

O fim de semana amanheceu chuvoso e ele resolveu não se arriscar. Antes do almoço de domingo, insinuou-se no porão e foi dar uma olhada na companheira. Retirou o pano que a ocultava e fitou-a ternamente. Amanhã passa essa chuva, sussurrou e voltou a cobri-la. À tarde, afastou-se das tias que visitavam a mulher e subiu para o quarto. Há muito que se sentia invisível na casa, principalmente depois da saída dos filhos. Limitava-se a sorrir para as visitas, quase sempre visitas da mulher, enquanto sua cabeça viajava para longe. E elas nunca lhe exigiam mais que isso – um sorriso tolo e apagado. Tinha agora um motivo adicional para se furtar às conversas sobre doenças e parentes remotos. Clandestina no porão, amante amantíssima, a bicicleta azul – seu pacto secreto com a vida. Abriu o guarda-roupa, subiu nos pés da cama e procurou no fundo do maleiro pela velha mochila. Separou uma toalha de banho, algumas roupas, um abrigo de chuva. Guardou tudo na mochila e voltou a descer. As velhas tias estranharam sua amabilidade ao se despedirem. A mulher ligou o televisor e só abriu a boca para se queixar do tempo na hora de dormir.

Ainda caía uma garoa fina quando a segunda-feira clareou. Ele desceu o porão, retirou o pano e pela primeira vez observou o efeito das gotinhas d‘água sobre o azul reluzente. Desta vez não se apoiou no meio-fio. Pedalou com determinação e percebeu, maravilhado, que os dois dias de abstinência tinham eliminado todas as dificuldades entre ele e sua máquina. Flutuava sobre as duas rodas – e a bicicleta lhe respondia com entusiasmo a cada giro vigoroso do pedal. Lamentando não encontrar nenhum vizinho, contornou o quarteirão. Quando passava diante de casa, reduziu a velocidade na esperança de que sua mulher surgisse à janela. repetiu o mesmo trajeto algumas vezes, até que finalmente dobrou à direita e mergulhou em direção à estrada que se abria logo adiante.

Fonte:
Jornal Guata. – Cultura em Movimento

Jamil Snege (1939 – 2003)



Jamil Snege nasceu em Curitiba, em 1939, onde passou sua vida toda. Graduou-se em Sociologia e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Escritor e publicitário, dividia seu tempo entre os livros e sua agência publicitária. Publicou crônicas, quinzenalmente, no Caderno G do jornal Gazeta do Povo .

Escritor reconhecido pela classe literária, publicou, entre outros, O Jardim, a Tempestade (minicontos, 1989), Como Eu Se Fiz Por Si Mesmo (memórias, 1994) e Os Verões da Grande Leitoa Branca (contos, 2000).

Fonte:
http://www.travessadoseditores.com.br/

Walmor Marcellino (Poesias Avulsas)


TEOREMA DO PÃO

Há-de-ázimo
nesse pão azedo
de toda-a-vida.

Vindima acre transportada
de rácimos fermentos
fermentada saliva
posta em sua mesa.

Cogumelos do teu gosto
com saber da fome
o antidoce percorre
sem saber da sede.

Teu interstício de vivo
já vai morto.

Sem cerimônias
sem acrimônias
essas antinomias
demonstram amenas
um teorema: CQD

DESPOJAMENTO

(Um jogo prológico;
episódio com palavras
em lavras
de pura insensatez:
uma por vez)

Um começo de tudo:
poderia a quem finada
a voz, e o gesto mudo
sua tarefa terminada.

Ei-la que sua vida
seria-de pertencer
a quem a souber tecer
até a morte surpreendida...

Entrementes, dessarte
em todos os meus ensejos
espiada arte de desejos,
álgidos delírios loucos
sorvemos amor aos poucos.

E fomos assim
se aprouve às parcas.
Até que a vida se pôs
demais comprometida.
Até que a sobrevida se fez
bem distendida.
Até que a morte se faça
em agonia.

SONETILHA

É possível que este amor
seja mais que fome e sede
uma ferida na solidão, cutelada:
a dor física que não se mede.
Mais ainda que qualquer dor,
uma retribuição que se perde,
dor-surpresa, punção sangrada
Amor de fruição perdida, apaixonada.

PEQUENA ELEGIA

Os homens ganharam seu pão.
Podem comê-lo
como o sistema os come.
Podem amar em angústia,
com amor e tristeza
uma carga depositada
liberta seus ombros em nova marcha.

Podem gritar na noite
como animais acuados
sua indizível esperança.
Podem comer o fumo
banhar-se no álcool
engolir sua paçoca
extenuar-se na enxerga
povoar a fêmea de ruídos
e breves pensamentos.
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Fonte:
MARCELLINO, Walmor. Malvas, Fráguas e Macanilhas. Travessa dos Editores, 1994.

Carlos Eduardo Leal (O Escritor, sua memória e seu ofício)

"O escritor", escultura do italiano Giancarlo Néri
É sempre marcado pelo passado que se escreve. O ato de escrever é, de alguma maneira, uma tentativa de reconciliação com nossas memórias. Ora, a memória é também composta por restos fragmentários que ficaram inconclusos na vida cotidiana. Muitas vezes são restos que nos assombram, noutras nos deterioram pela fragilidade à qual eles nos expõem.

Freud, dizia que uma das funções de uma análise era preencher as lacunas da memória e, assim, livrar o sujeito de seus traumas e medos infantis que ficaram soterrados sem a menor possibilidade de dar um sentido claro ou uma significação coerente. Então, uma análise também é resignificar os fatos adormecidos, as histórias submersas, verdadeiros tesouros arqueológicos da nossa infância vivida ou devaneada. Numa análise, o sujeito ao recontar sua vida acaba recriando ficções para sua verdade. Se os sintomas são metáforas de uma verdade recalcada, então a palavra ficcional do analisante poderia reconstruir a fantasia que havia servido de tela para o real? Qual é a diferença entre o viver e o devanear? Para o psicanalista, o que importa é a realidade psíquica e, não propriamente, a realidade vivida, pois é desta realidade que o sujeito reconstrói sua vida no presente e a relança para o futuro. É desta realidade que ele sofre.

Shakespeare, escreveu uma peça que se chama As you like it, ou, 'assim é se lhe parece'. A vida é como você a enxerga. Igualmente para o escritor, não há uma separação tão nítida entre a realidade e a ficção. Aliás, é melhor que não haja mesmo, pois ele vai construir realidades ficcionais para que o leitor 'viva' a vida de seus personagens como se ele também fizesse parte da história. Entrar dentro de um livro é como entrar em uma enorme caverna com seus labirintos em busca de uma aventura, de um romance ou de uma caçada policial sem passar pelos perigos que os personagens vivem. O bom romance diminui ao máximo a distância entre a ficção e a realidade ao ponto do leitor quase não conseguir mais diferenciá-la, ou melhor, de torná-la crível como se ele também pudesse ser o protagonista da história. A travessia de uma análise deve igualmente permitir que o sujeito possa transmitir a sua história para outro sujeito a partir de seu inconsciente e, assim, dizer de um estilo que é só seu.

Existem cinéfilos que acham que a sétima arte é insubstituível. Eu adoro cinema, mas como escritor, percebo que a "oitava maravilha do mundo" é a capacidade fantasística do leitor. Um bom romance consegue fazer despertar no leitor um grande diretor de filme e rodar cenas inimagináveis através da realidade psíquica sem que para isso ele precise levantar do sofá. Por isso se diz com frequência que "o livro era melhor do que o filme", porque o leitor já havia feito o seu filme dentro da sua própria mente. A tela do cinema não é a tela da fantasia, mas ambas podem ter o intuito de re-velar algo mais-além do dito. Quando o autor põe um ponto final no romance, cabe ao leitor tornar-se co-autor daquele e dar continuidade através de sua imaginação à ficção criada.

Assim, o leitor se torna co-autor do autor passando magicamente a fazer parte da 'memória' vivida deste. Memória vivida ou memória inventada, pouco importa. O que importa, tal como Freud escreveu, é que a realidade a ser tratada seja a realidade psíquica. O repetir ficcional (tanto na insistência da criação literária como na sucessão das sessões de análise) faz com que a memória recorde do esquecido (Aqui os exemplos são inúmeros na literatura ou filosofia: Proust e la Recherche du Temps Perdu , santo Agostinho em suas Confissões, Platão em Mênon, etc) e, assim fazendo, possa elaborar os pontos cegos, os hieróglifos do passado. Repetir, recordar e elaborar são em última instância, o que o poeta Manoel de Barros escreveu: “repetir, repetir, repetir, até fazer diferente.”

Recentemente, uma leitora comentou acerca do meu livro A última palavra, dizendo que "só quem amou apaixonadamente pode viver tal ira dos personagens". E ela tem razão. No plano ficcional ou na vida real, é preciso que tenha havido um grande amor para que um grande ódio surja como contraponto. Mas, pergunto novamente: qual é a diferença entre a realidade e a ficção? O limite é extremamente tênue. Também ouvi de outra pessoa: "no início tive muita raiva dele, mas depois entendi a minha raiva e passei a prestar mais atenção ao discurso tão feminino dela". Sem querer arriscar aqui uma interpretação, poderia dizer que a leitora já havia se identificado com ela ao ter muita raiva dele.

São memórias afetivas que estimulam nossas identificações. São atavismos perdidos que um livro pode recuperar. Um livro diz respeito à memória do seu autor, mas produz do lado do leitor, a possibilidade de recuperar imagens perdidas, tal como num filme musical remasterizado. Porém, o que é mesmo memória e o que é memória inventada em relação ao próprio leitor? O déjà vu é algo que o sujeito viveu, ou foi 'fabricado' pelo autor confundindo de vez as lembranças perdidas?

O ofício do escritor é inventar memórias: as suas e a dos outros. Lá onde não havia nada, você coloca uma ação, um romance no qual o sujeito no próximo encontro com sua amada vai dizer as palavras que o protagonista disse e que parece que saíram de sua boca.

É comum lermos trechos inteiros de um livro, ou uma poesia, e acrescentarmos que "era exatamente isso que eu pensava, mas não sabia como falar". O escritor fala, então, ao coração do leitor. Empresta sua voz e, claro, dos seus personagens àquele que o lê. Lá onde isso fala, deve o eu advir.

Muitas vezes, o escritor se torna uma espécie de ghost writer para o leitor. Mas, isso acontece também dentro do próprio romance como é o caso de Cyrano de Bergerac no qual o personagem, que se achava muito feio, escreve para que outro o interprete. A palavra do escritor tem por função fazer ponte entre os abismos que existem na vida das pessoas e, assim, possibilitar a crença de que o leitor possa tocar com suas próprias mãos regiões antes inalcançáveis. Trilhar por caminhos nunca antes navegados é estar não-todo na possibilidade do evento. Esta radical posição diante da vida permite um certo ‘iluminismo’ diante das crenças obscurantistas que fizeram da infância do sujeito um canteiro fértil para o unheimlich freudiano. A palavra, escrita ou falada, joga luz onde havia tropeço desde os pés inchados de Oedipus, aquele que anda mal, que manca ou claudica. A palavra ao se banhar nas margens da linguagem abre uma nuvem de significantes que correm ligeiras ao sabor do vento das enunciações do sujeito. A palavra, no correr das lufadas do desejo, vai mais além do que ela gostaria de dizer e, assim, revela ao mesmo tempo em que desconstrói as cercas que aprisionavam as possibilidades e liberdades de escolha do sujeito diante da linguagem. Por isso não há maior liberdade do que a liberdade de escolha. Um autor pode escolher que destino ele vai dar à sua trama. Há aí uma responsabilidade do escritor diante do seu desejo de transmissão. A conformidade entre o que ele pensa e o que ele escreve dá ao autor o poder de convencimento ou persuasão da veracidade da sua história. Para o analisante, a trilha ou o desfiladeiro de significantes em suas associações livres, também revelam caminhos (muitas vezes de irrupção de pontos de angústia) que o leva a se descortinar com as franjas da verdade.

Há enormes paralelos entre o escritor e um psicanalista. Um deles diz respeito a que ambos possibilitem ao leitor ou ao paciente interpretar seus próprios textos. O texto do escritor é interpretado pelo leitor através de suas experiências pessoais e outras leituras. O psicanalista leva o paciente a formular também seus próprios textos, a escutá-los, dando a cada palavra proferida a devida dimensão de sua paternidade e autoria. Não é à toa que alguns analisandos terminem suas análises e vão escrever livros relatando sobre o percurso transcorrido. Vão ficcionalizar sobre a realidade inventada, a memória perdida e a redução inesgotável de suas dores. Escrever sobre o resgate da memória perdida é refazer a parábola do filho pródigo ou do pastor que tendo cem ovelhas e perdido uma, largou as noventa e nove e foi atrás da que se perdeu. Certos pequenos restos perdidos do passado são mais incômodos e contundentes (possuem a força de um tsunâmi) do que toda uma biblioteca de Alexandria de pura e boa memória.

O escritor é um sujeito que sofre. Também possui suas humanidades, poderiam vocês contra-argumentarem. Mas, não só. O escritor sofre, padece da palavra. Sofre dela, por
ela e através dela. Sofre e se regozija pelo encontro. Sofre pelo desencontro tal como no fim de um baile de máscaras; 'não era ele, não era ela'. No fundo, não dá para esquecer que um autor é antes de tudo um leitor, assim como um psicanalista terá sido um analisante.

A memória do escritor é atualizada na palavra construída, inventada por ele e, portanto, resignificada sobre o tempo perdido. Quem escreve, não perde tempo. Quem escreve, não se perde do seu tempo. Quem escreve, não se perde no tempo. No tempo das memórias inventadas.
–––––––––––––––-
Sobre o Autor
Psicanalista e Escritor. Autor de Fragmenta (poesia); A sede da mulher e de um homem (poesia); O nó górdio (romance/ficção) pela editora Cia de Freud; e, A última palavra (romance/ficção) pela editora Rocco. Este ensaio foi publicado originalmente no blog do autor Veredas: Literatura e Psicanálise: http://veredaspulsionais.blogspot.com/

Fonte:
Revista Psicanálise & Barroco em revista v.7, n.2: 173-178, dez.2009 173

Haruko (Haikais de março)


verão com sol de ouro
– dourado mas inclemente
desidrata folhas.

Excesso de chuvas
a desequilibrar a árvore
raízes se afogam.

beija flor perplexo
sem encontrar umidade
nem no bebedouro...

fruto esturricado,
não pode ficar no galho
romã na calçada...

vento a derrubar
-bem antes da tempestade
cigarras avisam...

alertam a todos
e cantam até morrer,
cigarras no tronco...

roupas no varal
bailam loucas com o vento
resolvem fugir...
–––––––––––––––––––––-

Haruko, que quer dizer primavera, é o pseudônimo da poetisa Clevane Pessoa de Araújo. Clevane é diretora regional do InBrasCI (Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais), em Belo Horizonte, MG. Também é Vice-Presidente do IMEL(Inst.Imersão Latina) e Pesquisadora do Museu Nacional da Poesia-MUNAP

Fontes:
Boletim Guata - Cultura em Movimento. Foz do Iguaçu. 2010.
Imagem = http://radioloandafm.wordpress.com/

Folclore Brasileiro (O Saci)


Dizem que quando o Saci aparece, o caos se instala e toda a ordem é desfeita. A não ser que você seja uma criança... Ou se transforme em uma.

Assista a animação “Juro que vi: O Saci “ , direção de Humberto Avellar, de 2009. Duração 13 minutos em http://www.portacurtas.com.br/pop_160.asp?Cod=9058&Exib=2770

Apoio Petrobrás.

Homero (Iliada)


Sinopse:

Ilíada é um história de guerra que descreve tão somente os 51 dias do 9º ano de luta entre os gregos e os troianos. É o relato dos episódios da guerra de Tróia, travada entre gregos e troianos nestes cinqüenta e um dias. A epopéia narra um drama humano, o do herói Aquiles, filho da deusa Tétis e do mortal Peleu, rei da Ftia, na Tessalia.

Nove anos já se passaram desde o início da Guerra de Tróia, provocada pelo rapto da bela Helena por Páris. De cada lado da batalha, dois grandes guerreiros - por Tróia, Heitor, irmão de Páris; pela Grécia, Aquiles, um herói semidivino, quase imortal. Ilíada começa dramaticamente em um momento da guerra em que Crises, sacerdote de Apolo, tenta recuperar sua filha, então escrava do rei Agamémnon. Agamémnon devolve Criseide, mas toma a escrava de Aquiles, o que provoca a retirada deste da guerra. O desenrolar da Guerra de Tróia e o conflito entre Aquiles e Agamémnon trazem a esta grande epopéia dimensões humanas e emoções universais. Ira, orgulho, arrogância, beleza, harmonia e reconciliação são alguns dos elementos presentes na narrativa que espelham os dilemas do ser humano.

Ilíada, obra mais importante do que a Odisséia, é um poema constituído por 15.693 versos, em 24 cantos e de extensão variável. A métrica empregada é o hexâmetro, verso tradicional da épica grega. Além de símbolo da unidade e do espírito helênico, é fonte de ensinamento moral.

Comentários sobre a obra:

Embora a Ilíada narre uma série de acontecimentos da guerra de Tróia e se refira a uma série de outros, seu tema principal é o ciclo da ira de Aquiles, da sua causa ao seu arrefecimento. Isto fica claro logo na primeira linha do poema. A palavra grega mēnin, ira, é a primeira do poema, cuja famosa primeira linha é "Menin aeide, Thea, Peleiadeo Aquileos". Em português seria “A ira canta, Deusa, de Peléio Aquiles” ou, adaptando, “Canta, Deusa, a ira do filho de Peleu, Aquiles”. Através da consumação dessa ira, é tratada a humanização do herói e semideus Aquiles, sempre conflitado por sua dupla natureza, filho de deusa e homem, portanto mortal.

A questão da escolha entre valores materiais, como a segurança e a vida longa, e valores morais, mais elevados, como a glória e o reconhecimento eterno, é tratada na escolha com que Aquiles se defronta: lutar, morrer jovem e ser lembrado para sempre, ou permanecer seguro e ser esquecido.

A soberba de Aquiles contrasta grandemente com a sobriedade de Heitor, também grande herói, que não busca a glória como Aquiles, mas luta pela segurança de sua família e de sua cidade, e a preservação de suas raízes troianas.

A condição humana é magistralmente trabalhada por Homero, mostrando os dilemas mortais, as interferências de instâncias superiores e suas conseqüências, personificadas nos deuses que tomam partido.

Amizade, honra e muitos outros temas abstratos também fazem parte da obra, compondo um belo painel da alma humana.

Orientações aos futuros leitores:

1. Recomenda-se ler o livro com se fossem fatos reais acontecidos e não como fatos mitológicos. Assim procedendo, é possível estabelecer a simetria do enredo com as possibilidades da vida humana.

2. O livro deve ser lido como uma novela, um poema e jamais como um ensaio ou um livro de conteúdo filosófico. Assim a leitura fica mais agradável e compreensível.

3. Deve-se interpretar a Ilíada sob a ótica do mundo antigo e não sob a ótica do mundo contemporâneo. Isso implica dizer que é preciso colocar a cabeça no mundo ao invés de colocar o mundo na cabeça.

4. O livro deve ser lido e simetrizado no seguinte aspecto: Que sentido a história que Homero nos conta tem com a nossa vida ou com uma situação concreta de nossas possibilidades enquanto seres humanos.

5. Os gregos utilizavam Ilíada no ensino das crianças, pois entendiam eles que as crianças que lêem muitas histórias, são mais inteligentes que as que não lêem. Este aspecto deveria ser mais explorado no mundo contemporâneo.

6. Mitologia não é assunto para pesquisa. É um instrumento para compreensão do mundo. É um instrumento de explicação dos dilemas humanos.

7. Mito de Cassandra: Cassandra tinha o poder de saber o futuro, mas em contrapartida foi-lhe tirada a credibilidade. Portanto, quando você tem o domínio da verdade, não tem credibilidade, ou seja, as pessoas não acreditam em você. Por essa razão há uma célebre fase que diz: O saber é solitário.

8. A história de Ilíada é uma mistura de atos humanos e atos divinos.

9. Na mitologia grega a Zeus pertencia o Céu; a Posidro (Poseidon), os mares; e a Hades, o inferno. Todavia, o inferno não tinha a conotação do mundo contemporâneo. Inferno era o reino dos mortos. Todos que morriam iam para o inferno, independente de terem sido bons ou maus, porque o inferno não era considerado um lugar de castigo, mas um lugar dos mortos.

10. Os gregos utilizavam o poema épico da obra de Homero nas escolas como exemplos de heroísmo a serem ensinados as crianças. Uma espécie de Paidéia "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana". O termo também significa a própria cultura construída a partir da educação. Era o ideal que os gregos cultivavam do mundo, para si e para sua juventude. Uma vez que o governo próprio era muito valorizado pelos gregos, a Paidéia combinava ethos (hábitos) que o fizessem ser digno e bom tanto como governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim treinar a liberdade e nobreza. Paidéia também pode ser encarada como o legado deixado de uma geração para outra na sociedade.

11. O gregos procuravam mostrar aos jovens o que há de melhor do comportamento humano. Portanto, a Iliada era a nossa “Bíblia” para os gregos.

Interpretação da Obra:

A existência humana sempre tem um componente trágico independente do nosso comportamento bom ou mau. Logo, a obra retrata a tragédia humana apesar de todo o esforço e heroísmo humano!

O fim do ser humano será sempre trágico não importando o que ele faça, pois os seres humanos estão jogando o jogo da vida, cujas regras não foram por eles estabelecidas. Portanto, são regras que os humanos não dominam e não têm nenhuma ação sobre elas.

Fonte:
Anatoli: um blog cultural.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Viajando pelo Sul em Trovas

Amar é bom, ame à beça, o mais que puder amar; ame sem medo e sem pressa, de preferência ao luar! A A de Assis-PR  Partiu a jangada airosa na praia ficou Maria, pedindo, de alma ansiosa, que ela volte ao fim do dia. Amália Max – PR Adocei minha saudade, bem lembrando de você... Pense em mim, tenha bondade, esquecer?... Não sei por quê! Apollo Taborda França - PR Sorrisos trago e os semeio como quem lança um fermento que traga ao mundo o recheio da paz e do entendimento. Arlene Lima-PR É Curitiba no inverno uma cidade tão fria mas seu abraço fraterno nos traz calor e alegria. Camilo Borges Neto - PR Alô trova, aquele abraço, disse o poeta trovador: - Em quatro linhas eu traço quatro versos de valor! Ceciliano José Ennes Neto-PR No transcurso do caminho as flores vamos jogando, sem nos importar com o espinho, se nele vamos pisando.! Cyroba Ritzman – PR Deus, que semeia o sagrado, para manter nossa crença, criou um céu estrelado, sinal da Sua presença! Gerson César Souza - PR A verdade, quando dita, por mais dura que pareça, é uma dádiva bendita que faz com que a gente cresça. Nei Garcez – PR Da janela da velhice, eu contemplo com saudade os jogos da meninice e as festas da mocidade... Olga Agulhon- PR Pinheiro do Paraná, eu não te esqueço jamais, algo mais lindo não há no chão dos Campos Gerais!... Sônia Ditzel Martelo – PR Vence valores, de fato, quando em meio à discussão, se revolta de imediato, mas, na ofensa... dá o perdão!!! Vânia Maria Souza Ennes - PR A semente é como a trova, de modo geral pequena, bem plantada se renova numa riqueza serena. Vidal Idony Stockler – PR Brasil de muitas culturas, país altaneiro e belo! É a beleza das misturas que aviva o verde e amarelo. Wandira F. Queiroz – PR À noite vou namorar: - Da lua já nem preciso!... só quero ver teu olhar fascinando o meu sorriso. Ari Santos de Campos – SC Vamos a vida encantar com nossa Trova querida, e na Trova, então cantar, um hino de amor à vida! Gislaine Canales - SC Que saudade dos brinquedos do meu tempo de criança, tendo os risos e folguedos como arautos da esperança. Alice Brandão-RS Solidão faz apertado o coração sofredor, que desperta, inebriado, ao toque de um novo amor. Ana Michel – RS Depois de longa jornada tenho uma grande ambição: quero percorrer a estrada que leva ao teu coração. Clênio Borges - RS Quero entender a magia do silêncio , que renova , e afastar a nostalgia , que chora na minha trova! Delcy Canalles-RS As pedras do meu caminho vou transpondo-as com ardor e cada dia um trechinho vira caminho de amor! Flávio Stefani – RS Não adianta querer tanto, nem amar sem ser amado, foi assim meu desencanto ao me sentir desprezado. Ialmar Pio Schneider-RS No brinquedo “Esconde- esconde”, eu me escondia tão bem, que, até hoje, não sei onde, eu me escondi...E de quem? Lisete Johnson - RS A imaginação flutua, dando à vida, mais sabor... ...Que a lua é muito mais lua nos versos de um trovador! Marlê Beatriz Araújo-RS Quando a mágoa nos revolta, e os dias tinge de breu, só o Perdão nos traz de volta a luz que a mágoa escondeu. Marisa Vieira Olivaes - RS Um erro sempre é semente de uma dor que vai nascer. Perdão é o melhor presente que alguém pode receber... Milton Souza-RS Pra que teu lar seja um templo, pleno de amor e de paz, mostra o caminho do exemplo, que é sempre o mais eficaz. Neoly de Oliveira Vargas - RS Foi preciso muito brio, quase a coragem faltou, para enfrentar o vazio, que a tua ausência deixou! Wilma M. Cavalheiro-RS ---------------
Fonte: Revista Trovamar – União Brasileira de Trovadores - UBT Balneário Camboriú - SC – Ano 6 - Nº 62 - Fevereiro de 2010

Poetas Del Mundo Selecionará Um Candidato Ao Premio Nobel De Literatura Para 2011

CHILE - Santiago: Pela importância que o Movimento Poetas del Mundo tem, nos cinco continentes, com mais de 6.200 membros ate a data de 1 de fevereiro de 2010, considera de grande importância lançar a presente convocação para selecionar um candidato ao Prêmio Nobel da Literatura 2011.

Para este efeito, será formado um Comitê Selecionador de candidaturas de poetas e escritores que aspirem o prêmio, uma comissão selecionada para integrar aplicações com poetas e escritores e que não estejam impedidos pelas funções que desempenham. Oportunamente darão a conhecer os membros do Comitê.

A partir deste momento estão aceitando as candidaturas dos que comporão o Comitê Selecionador - para o qual poderão participar poetas e escritores membros do Movimento Poetas del Mundo . As candidaturas devem ser enviadas para info@poetasdelmundo .com acompanhado de uma carta.

INTERESSADOS - ENVIAR EMAIL PARA DASPET@UOL.COM.BR

BASES:

1. Podem postular a indicação poetas e escritores que sejam membros de Poetas do Mundo, por nome, nacionalidade, e-mail.

2. Os pedidos poderão ser feitos em Espanhol, Francês, Inglês e Português.

3. Dos poetas e escritores inscritos serão escolhidos 20 candidatos pela Comissão Selecionadora, cujos nomes serão submetidos a votação popular que envolverá apenas os membros de Poetas do Mundo.

4. Na primeira rodada os três primeiros serão eleitos por maioria e de um segundo turno no candidato vencedor, a ser nomeado para o Prêmio Nobel da Literatura 2011.

5. O Prêmio Nobel da Literatura dá um montante financeiro de cerca de um milhão de dólares.

6. Se o poeta ou escritor proposto pelo Movimento de Poetas del Mundo chegar a receber este prestigiado prêmio, entregará ao Movimento Poetas del Mundo um bônus de cem mil dólares de subvenção para apoiar a sua infra-estrutura, programas e projetos.

7. Da mesma forma, no espírito de solidariedade devem compartilhar trinta mil e vinte mil dólares americanos a cada poeta ou escritor que ganhou pelo voto popular o segundo e terceiro lugares, respectivamente.

8. Os nomes dos candidatos devem ser enviados para o poeta Luis Arias Manzo: info@poetasdelmundo.com [fundador e secretário-geral da Poesia Mundo], a partir desta data até 21 de Março de 2010 [dia internacional da poesia decretado pela UNESCO] para iniciar a fase de seleção dos 20 poetas e escritores que irão concorrer nas eleições.

9. O comitê de seleção irá anunciar os nomes dos 20 selecionados em 21 de Junho de 2010.

10. A escolha da primeira rodada será a partir de 22 junho - 22 agosto de 2010, às 24:00 horas do Chile], tempo em que os candidatos selecionados farão as suas campanhas e motivar os membros de poetas e escritores para exercer o seu direito de escolha.

11. Em 23 de agosto, ele divulgará os resultados da primeira rodada.

12. O segundo turno será realizada de 24 agosto - 13 outubro 2010, 24:00 hrs. [hora do Chile]

13. Os resultados da eleição será anunciado em 14 de outubro de 2010 [14 de outubro é o dia em que o movimento foi fundado PPDM e coincide com a cerimônia de abertura do 6 º Workshop Internacional sobre Poesia "OUTUBRO: Seguindo os passos do poeta ", que é realizada todos os anos no Chile, neste evento serão anunciados os resultados e o vencedor]

14. Os membros poderão votar em um candidato e uma vez em cada turno do processo eleitoral.

1º de Fevereiro 2010.

NOTA:

A apresentação do candidato ao Prêmio Nobel da Literatura pelos poetas do Movimento Mundial implica a plena aceitação destas regras por parte do selecionado, que recebendo o prêmio deve cumprir os seus compromissos

Luis Arias Manzo [Fundador - Secretário General] PPdM:

NOTAS:

1 .- Para um candidato a ser considerado, seu nome deve ser proposto por pessoas ou entidades qualificadas segundo normas da Fundação Nobel. Os organismos autorizadores se encontram na Suécia e na Noruega e que irão determinar se o candidato ou candidatos são elegíveis.

A seleção começa em fevereiro de cada ano, as diferentes entidades nacionais e internacionais aceitos pelos órgãos, propõe um número de candidatos em diferentes disciplinas. A escolha dos vencedores é regido sob certos critérios básicos, quais são seus méritos pessoais, independentemente da sua nacionalidade, raça, credo ou ideologia. Em nenhum caso suporta auto-nomeação.

2 .- Cada prêmio consiste de uma medalha de ouro, um certificado comemorativo e uma recompensa monetária devida consideração, por exemplo, este ano [2010], a cada prêmio será dado nove milhões de coroas suecas, que são em torno de $ 913.700 .

O prêmio é dado a uma pessoa e, por vezes, repartido entre duas ou mais pessoas, também é dada às equipes de cientistas representada por seu Diretor de trabalho. Pode ser o caso declarado nulo, se não for a pessoa certa, como aconteceu durante as duas Guerras Mundiais, foram suspensos vários prêmios, nomeadamente o Prêmio Nobel da Paz que foi atribuído em cinco anos [1939-1943] . Não foi até 1917 e de 1944 para acabar com as guerras, ele foi premiado em ambos os casos, a Cruz Vermelha Internacional.

3 .- O Prêmio Nobel de Química e Física são concedidos pela Academia Real Sueca de Ciências. A Academia Sueca da Língua o de Literatura. O Royal Caroline Instituto Médico-Cirúrgica, em Estocolmo, o de Fisiologia ou Medicina. O Prêmio Nobel da Paz é concedido pelo Parlamento norueguês, bem como o Prêmio Nobel de Economia, a última criada, pela Real Academia Sueca.

Em 10 de Dezembro de cada ano, o aniversário de Alfred Nobel realiza uma cerimônia fúnebre e banquete no Stockholm Concert Hall para a entrega dos prêmios aos vencedores pelos Reis da Suécia.

Fonte:
Colaboração de Delasnieve Daspet - embaixadora de Poetas del Mundo

domingo, 14 de fevereiro de 2010

José Tavares de Lima (Juiz de Fora em Trovas)

Estação Ferroviária de Juiz de Fora antes de 1955

Não merece glória tanta
quem só vence... O mais valente
é quem perde e se levanta
para lutar novamente.

Quem por ser pobre reclama,
precisa entender, também,
que a flor nascida na lama
não perde a essência que tem...

Crê na voz sábia e madura,
porque na vida, em essência
erra menos quem procura
ouvir mais a experiência

Conserva do amor a chama
dentro do peito, acendida,
porque quem vive e não ama
não vive a essência da vida!

Quando alguém não tem desculpa
para a sua insensatez,
o destino paga a culpa
por coisa que nunca fez!...

Amo-a muito, porem preso
ao meu destino severo,
me obrigo a fingir desprezo
pela mulher que mais quero...

Esquece a luta perdida
porque, mais que insensatez,
lembrar fracassos na vida é
fracassar outra vez!

Sem ter carícias tuas,
nas longas noites, sem sono,
sou boêmio pelas ruas
cantando o meu abandono.

Espero-a... A noite está fria,
mas não desisto... Ouço passos...
E o prêmio da teimosia
vem se acolher nos meus braços!...

Raimunda trabalha em venda,
mas agora não se cansa
de dizer que aumenta a renda
movimentando a "poupança"...

Não foi musa de um momento...
Desde que a vi, deslumbrado,
alugou meu pensamento
por tempo indeterminado!

Se em meus poemas dispersos
falo sempre de fracassos,
é que a musa dos meus versos
vive ausente dos meus braços!

Sozinho, não desespero,
pois no verso encontro alento...
Não tenho a musa que eu quero,
mas tenho a musa que invento!

Musa, depois que partiste,
sem teu carinho, perdido,
o meu verso de tão triste
parece mais um gemido.

Sem ter ninguém, pela rua
eu faço a minha seresta,
cantando versos à lua:
a musa que ainda me resta!...

Na praia, alguém grita: gente,
dois carecas se afogando !
- Outro diz: calma, é somente
um nudista mergulhando...

Nortista careca é triste
e é justo que se entristeça,
porque nem peruca existe
que caiba em sua cabeça

Por quem não me quer, carrego,
no peito um DESEJO infindo
desejo que, de tão cego,
nem vê que estou me iludindo...

Tenho ambições, mas ciente
de que tudo tem limite,
DESEJO aquilo somente
que o meu alcance permite

Outros desejos profundos
não superam meu DESEJO
de transformar em segundos
as horas que não te vejo

Pelo teu sonho peleja,
sem desistência ou cansaços
Ninguém colhe o que deseja
apenas cruzando os braços

Ser feliz sem tua estima
nem tento que não tem jeito...
Felicidade não rima
com DESEJO insatisfeito

Deu trambique sim senhor!
Não negue que estou sabendo...
-- Responde o Salim: "Doutor,
eu nunca dei nada... Eu vendo!"

Pequei. Fiz a insensatez
de amar a quem não devia...
Mas, por amor, outra vez,
sem remorso eu pecaria!

Sei que o remorso é pungente"
não ter remorso, porém,
se consegue facilmente.
Basta só fazer o bem!

Parti cego a seus acenos...
Hoje, o remorso me diz
que por motivos pequenos
eu sou um grande infeliz!

Porque a deixei, hoje, triste,
a viver só me sujeito...
E o remorso, dedo em riste,
me condena e diz: bem feito!

Quem magoa um sernelhante
não vê, na sua cegueira,
que a ofensa dura um instante,
e o remorso... a vida inteira!

Por preguiça, o sêo Ramalho
fecha um olho ao se deitar,
para não ter o trabalho
de abrir dois quando acordar!

Volta... põe no rumo certo
minha vida sem comando...
Terás um portão aberto
e dois braços te esperando!

Se quer vencer, lute então
Com todo o empenho que possa;
Deus nos aponta o portão...
Abri-lo é tarefa nossa!

No teu adeus, com desgosto
do portão eu te acenava...
Havia um riso em meu rosto,
porém meu peito chorava.

O vício, ilusão malvada
que arruina qualquer vida,
tem largo portão na entrada,
porém, estreita saída!...

Meu peito, embora magoado
porque partiste, confesso:
é portão escancarado
aguardando o teu regresso!

Colonizou-te o suíço.,
Mas, Friburgo hospitaleira,
Tua raça, teu feitiço,
Têm, a marca brasileira!

Escolha a pessoa certa
para entregar-se, querida.
- Mamãe, quando a fome aperta,
não dá pra escolher comida!...

Tô num aperto tremendo!...
É por falta de dinheiro?
E o amigo se contorcendo:
É por falta de banheiro!...

Chorando os seus desacertos,
a solteirona assanhada
diz que precisa de "apertos"
e não de vida apertada!

Tanto ele aperta a pequena
que o guarda, voz pouco amiga,
pergunta, assistindo à cena:
isto é namoro ou é briga!

O Zé que vive apertado,
mas sonha um viver tranquilo,
de tanto "esperar sentado"
já criou calo "naquilo"!

Meu coração não resiste
e adora não resistir
a essa magia que existe
no teu jeito de sorrir!...

O amor que é paixão, que é febre,
põe, com a sua magia,
na nobreza de um casebre
a riqueza da alegria!

Tem ela poderes tantos
de sedução, de magia,
que, escravo dos seus encantos,
nem me lembro de alforria!

Da viagem, dos cansaços,
depois eu falo à vontade;
primeiro deixa em teus braços
que eu mate a minha saudade!

Sabe quem perde e não para
de lutar, sempre otimista,
que a derrota nos prepara
para a futura conquista ...

Não falar de coisa triste
com muito agrado eu queria...
Porém, depois que partiste,
como falar de alegria?...

Só peço a Deus uma graça:
que nunca uma despedida
destrua este nó que enlaça
minha vida à tua vida!

Não falar de coisa triste
com muito agrado eu queria...
Porém, depois que partiste,
como falar de alegria?...

Não fales mal de quem trilha
um venturoso caminho...
Se a tua estrela não brilha,
não tem culpa a do vizinho.

"Sua estrela brilha forte;
o que eu vejo não me engana..."
- Coitada, ao ler minha sorte,
nunca errou tanto a cigana!

Nosso motel não tem cama,
mas tem rede ... Vão topar?
E o jovem casal exclama:
- Nós não viemos pescar...

Planta, a cada frustração,
outro sonho em tua estrada...
Antes crer numa ilusão
do que não crer mais em nada!...

Luta, e com mão destemida
traça teu rumo e conduta,
antes que sejas na vida
um derrotado sem luta!...

Viva a vida; mas, cuidado!
Precavido, não se esqueça
de construir seu telhado
antes que a chuva aconteça!..

Tarda a chuva; e, por Deus chama
o nordestino apreensivo,
vendo a seca armar seu drama
com cenas de fome ao vivo!

Não fales com toda gente
dos teus tormentos e anseios...
Pois há quem fique contente
ouvindo os dramas alheios!

Sangue azul não tenho, sei;
de um plebeu sei que não passo,
mas sou feliz como um rei
no momento em que te abraço!

Ofensa dói, reconheço;
mas a tua indiferença
ao amor que eu te ofereço...
Dói muito mais que uma ofensa!

Não queiras, na desavença,
ofender quem te ofendeu,
pois quem revida uma ofensa
merece a que recebeu!

Para ver-te, de tão louco
nem meço a distância imensa...
A viagem cansa um pouco,
mas o prêmio, recompensa!

O inverno que acinza os dias,
insiste em mostrar, sem dó,
que em noites longas e frias
sofre mais quem vive só!...

Pode ventar ou chover...
eu, nos teus braços agora,
nem perco tempo em saber
se tem inverno lá fora!

Da mulher muito carente
seu Brochado anda arredio:
no verão, porque está quente
no inverno porque está frio!

Quando me abraças e dizes:
"-Vivo do amor que te dou..."
O mais feliz dos felizes
não é feliz como eu sou!

Dói-me não estar contigo
e ter que abafar meus ais;
mas, deste amor que eu não digo,
guardar segredo dói mais!

Na dor, não lamente a sina...
Quem no peito a fé conduz,
por entre a densa neblina
descobre raios de luz !

Depois que te foste embora,
eu vejo, ante o amor desfeito,
que o sol resplende lá fora...
Mas há neblina em meu peito!

Meu coração que sofria,
finalmente hoje se solta
das amarras da agonia
feliz com a tua volta!

Muitos sonhos de venturas
são cascatas de ilusão:
encantam, lá das alturas,
mas se desfazem, no chão...

Em cascatas de poesias
eu transformo, comovido,
o rio de águas sombrias
que a minha vida tem sido...

Quando a Graça na lambada
requebra seu corpo jovem,
a turma fica assanhada,
vendo as "graças" que se movem.

Partir grilhões eu não quis ...
Com teu amor, todavia,
sou um escravo feliz
que não reclama alforria! ...

A beleza que estonteia
não é tudo, mas eu digo:
- cafuné de mulher feia
não é carinho... é castigo!

Esquece o triste passado
que te deixa descontente...
Se o teu "ontem" foi nublado,
põe um sol no teu "presente"!
-----------


José Tavares de Lima



O poeta e trovador JOSÉ TAVARES DE LIMA nasceu na cidade de Pilar, estado da Paraíba. Filho de militar e obrigado a mudar constantemente de cidade, fez seu primário e ginásio em diversos colégios de seu Estado e estudou Agronomia na Escola Vidal de Negreiros, em Bananeiras - PB.

Chegou ao Rio de Janeiro com 18 anos e lá viveu morando e trabalhando durante 33 anos, principalmente em vendas, nunca tendo exercido a agronomia na qual se diplomou. Aposentou-se e veio morar em Juiz de Fora - MG.

Ingressou na UBT Iocal em 1987 e começou a escrever trovas, chegando a Magnífico Trovador em ambas as categorias (lírica-filosófica e humorística) nos Jogos Florais de Nova Friburgo - RJ.

Já como magnífico, concorreu nessa categoria e de novo veio a se destacar, sendo bi-campeão em lírica/filosófica nos anos de 1997 sob o tema "REMORSO" e em 1998 sob o tema "PORTÃO" e este ano de 1999 em humorismo sob o tema "APERTO".

É casado e tem um filho que reside no Rio de Janeiro. JOSÉ TAVARES DE LIMA tem hábitos simples e não gosta de aparecer. Somente por instância de amigos e de sua esposa resolveu publicar o livro de trovas e sonetos "VOZES DO CORAÇÃO", existente na biblioteca da UBT-JF e um verdadeiro repositório de pérolas poéticas em forma de trovas e sonetos.

É membro da Academia Mineira de Trovas, Cadeira 29 - Patrono Célio Grunewald.

Fonte:
UBT/ Juiz de Fora

Moacyr Scliar (Letra de médico)



Na farmácia, presencio uma cena curiosa, mas não rara: balconista e cliente tentam, inutilmente, decifrar o nome de um medicamento na receita médica. Depois de várias hipóteses acabam desistindo. O resignado senhor que porta a receita diz que vai telefonar ao seu médico e voltará mais tarde. “Letra de doutor”, suspira o balconista, com compreensível resignação. Letra de médico já se tornou sinônimo de hieróglifo, de coisa indecifrável. Um fato tanto mais intrigante quando se considera que os médicos, afinal, passaram pelas mesmas escolas que outros profissionais liberais. Exercício da caligrafia é uma coisa que saiu de moda, mas todo aluno sabe que precisa escrever legivelmente, quando mais não seja, para conquistar a boa vontade dos professores. A letra dos médicos, portanto, é produto de uma evolução, de uma transformação. Mas que fatores estariam em jogo atrás dessa transformação?

Que eu saiba, o assunto ainda não foi objeto de uma tese de doutorado, mas podemos tentar algumas explicações. A primeira, mais óbvia (e mais ressentida), atribui os garranchos médicos a um mecanismo de poder. Doutor não precisa se fazer entender: são os outros, os seres humanos comuns, que precisam se familiarizar com a caligrafia médica. Quando os doutores se tornarem mais humildes, sua letra ficará mais legível.

Pode ser isso, mas acho que não é só isso. Há outros componentes: a urgência, por exemplo. Um doutor que atende dezenas de pacientes num movimentado ambulatório de hospital não pode mesmo caprichar na letra. Receita é uma coisa que ele precisa fornecer — nenhum paciente se considerará atendido se não levar uma receita. A receita satisfaz a voracidade de nossa cultura pelo remédio, e está envolta numa aura mística: é como se o doutor, através dela, acompanhasse o paciente. Mágica ou não, a receita é, muitas vezes, fornecida às pressas; daí a ilegibilidade.

Há um terceiro aspecto, mais obscuro e delicado. É a relação ambivalente do médico com aquilo que ele receita — a sua dúvida quanto à eficácia (para o paciente, indiscutível) dos medicamentos. Uma dúvida que cresce com o tempo, mas que é sinal de sabedoria. Os velhos doutores sabem que a luta contra a doença não se apóia em certezas, mas sim em tentativas: “dans la médicine comme dans l’amour, ni jamais, ni toujours”, diziam os respeitados clínicos franceses: na medicina e no amor, “sempre” e “nunca” são palavras proibidas. Daí a dúvida, daí a ansiedade da dúvida, da qual o doutor se livra pela escrita rápida. E pouco legível.

Os grafólogos, essas pessoas que decifram (ou tentam decifrar) personalidades pela letra teriam, com os médicos, muito trabalho. Mas é provável que os mistérios da grafologia médica não sobrevivam no futuro. Raros doutores datilografam as receitas, mas provavelmente o computador se imporá também nesta atividade.

Os pacientes talvez não se sintam inteiramente felizes com isso. A pessoa que olha o médico escrevendo sua receita não está apenas testemunhando um exercício de má caligrafia: está vendo uma mão poderosa, ainda que falível, traçando uma parte de seu destino. Sempre ilegível — como a letra dos médicos.

Fonte:
Scliar, Moacyr. A face oculta — inusitadas e reveladoras histórias da medicina. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2001

Tatiana Belinki (Cristais Poéticos)


Inho, Não!

"Inho", "inha", "ito", "ita"
São pra ele humilhação,
O diminutivo o irrita:
O "Andrezim" prefere um "ão"!

Chama "gala" a galinha,
Não aceita correção;
"Escrivana", a escrivaninha,
E o vizinho é "vizão".

Chama "coza" a cozinha,
O toucinho é "toução",
É "campana" a campainha -
E ele próprio é o "Dezão"...

Andrezinho tem três anos
E já se acha bem grandão,
É por isso que não gosta
De diminutivo, então.

Não suporta que lhe digam:
"Dá a mãozinha" (em vez de mão),
Ou que mandem: "A boquinha
Abre e come, coração!"
=======================

O Grande Cão-Curso

Perante o Juiz, Senhor Dom Urso,
Reunidos para o maior Cão-curso,
Apresentaram-se - sem seus patrões -
Cachorros, cachorrinhos, cachorrões,
De muitas raças, tipos e modelos -
De pêlos lisos, crespos e outros pêlos -
Pra concorrer ao prêmio - um tesouro
Por todos cobiçado: o "Osso de Ouro".

(...)

O Juiz, preocupado,
Já bastante atrapalhado,
Olha em volta - e de repente
Vê, não longe, à sua frente
Um cachorro desleixado,
Pêlo todo arrepiado,
Cor de um tom indefinido,
De rabinho encolhido,
O desfile a observar,
Bem quietinho em seu lugar.
- Vem cá, diz o Juiz Urso, -
Participe do Cão-curso,
Apresente-se também,
Mostre o que é que você tem!

(...)

Sou um pobre vagabundo,
Sem família e só no mundo!
Mas se encontro um bom senhor
Dou-lhe todo o meu amor:
Na alegria ou no perigo,
Serei sempre o seu amigo!
É só isto. E disse o Urso,
- Quem ganhou este Cão-curso,
Foi você, meu bom, valente,
Viralata, inteligente
Mas modesto. O Troféu
"Osso de Ouro" é todo seu!

(...)

Juiz, com toda a humildade,
Peço um osso... de verdade!
==========================
[Os "limerick" são poeminhas]

Os "limerick" são poeminhas
Que sempre só têm cinco linhas,
Contando, rimados,
Uns "causos" gozados:
Estórias bem piradinhas.
------------
Fontes:
http://contoscantoseencantos.blogspot.com/2009/03/dica-de-leitura-especial-tatiana.html
http://lendoesonhando.blogger.com.br/2004_10_01_archive.html

Tatiana Belinky (1919)


"Sou antiga, mas não sou velha, porque dentro de mim continua vivinha a criança que fui e isto me permite estar em sintonia com crianças e jovens, com quem procuro repartir minhas curtições de ontem e de hoje. Meu prêmio maior é saber que meus livros irão para as mãos das crianças, e se elas sorrirem, ou se emocionarem, ou ficarem pensativas, eu ficarei feliz".

Tatiana Belinky (São Petersburgo, 18 de março de 1919) é uma das mais importantes escritoras infanto-juvenis contemporâneas. Embora russa, está radicada no Brasil há quase oitenta anos.

Nasceu em São Petersburgo (Rússia) no dia 18 de março de 1919, mudando-se para Riga aos dois anos de idade. Seu pai, Aron, era comerciante e a mãe, Rosa, cirurgiã-dentista. A menina Tatiana aprendeu a ler no idioma materno, o russo. Aos dez anos de idade, fugindo das guerras civis que assolavam a então União Soviética, Tatiana já falava russo, alemão e letão. Devido à perseguição aos judeus na Rússia Soviética, a família Belinky, que era judia, resolveu se mudar para o Brasil, chegando a São Paulo em 1929.

Aos dezoito anos, após concluir um curso preparatório, começou a trabalhar como secretária-correspondente bilíngüe, nos idiomas português e inglês. Aos vinte (1939) ingressou no curso de Filosofia da Faculdade São Bento, mas abandonou-o em 1940, quando casou-se com o médico e educador Júlio Gouveia.

De 1948 a 1951, criou com o marido várias adaptações de histórias infantis para teatro. Nessas encenações, Tatiana fazia o roteiro e o marido, a direção. As peças eram encenadas em teatros da Prefeitura de São Paulo, com recursos da prefeitura.

Em 1952, o casal encenou sua bem-sucedida adaptação “Os três ursos” na extinta TV Tupi. Com o sucesso da encenação na televisão, a Tupi convidou o casal a elaborar o programa “Fábulas Animadas”, preenchendo uma lacuna da programação da época para o público infanto-juvenil.

A primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, estreou em 10 de janeiro de 1952, e a direção coube a Tatiana Belinky e Júlio Gouveia. Foram 300 episódios, mas infelizmente não ficou nada registrado pois o programa era feito ao vivo.

A primeira adaptação ocorreu no Teatro Escola de São Paulo - TESP - um teleteatro dirigido ao público infantil, criado em 1948 por Tatiana e Júlio Gouveia. "A Pílula Falante", um dos capítulos do livro "Reinações de Narizinho", foi a história escolhida para ser exibida ao vivo na Tupi. O sucesso alcançado por esta única apresentação levou a emissora a produzir a primeira série de televisão do "Sítio do Picapau Amarelo".

O primeiro programa estreou em 3 de junho de 1952 (às quintas-feiras, 19h30), com a reprise do episódio "A Pílula Falante", ficando no ar por 11 anos. Paralelamente à exibição ao vivo em São Paulo, a TV Tupi do Rio de Janeiro exibiu, por dois meses no ano de 1955, uma versão da série com direção de Maurício Sherman e produção de Lúcia Lambertini, que também interpretava a Emília ao lado de Daniel Filho (o Visconde) e Zeni Pereira (Tia Nastácia).

Seguiram-se outros programas de sucesso, sempre na linha de adaptações para o público infanto-juvenil, que estiveram no ar por um total de 13 anos, até 1966. Esses programas tinham sempre o propósito explícito de estimular a leitura entre os jovens, criando nestes a curiosidade de ler os originais das adaptações.

Torna-se presidente da CET (Comissão Estadual de Teatro de São Paulo).

Paralelamente à atividade como roteirista de teatro e televisão, Tatiana Belinky deu início, em 1952, à atividade como tradutora literária, iniciada com suas adaptações de peças de teatro infantis e contos russos. Traduziu mais de 80 livros do russo, alemão, inglês e francês. Entre os textos que traduziu e adaptou estão obras de autores como Dostoiévski, Tolstói, Gorki, Gogol, Turgueniev, Goethe, Brecht, Irmãos Grimm e Lewis Carroll. Sua especialidade sempre foi a literatura infantil russa, ajudando a divulgar a cultura russa entre crianças e adolescentes.

Também atuou, a partir de 1972, como crítica de literatura infanto-juvenil e de teatro, como colaboradora dos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde e da TV Cultura.

Finalmente, em 1985, Tatiana Belinky desponta como escritora de livros, colaborando em uma série infanto-juvenil.

Seu primeiro livro de poesia infantil, "Limeriques das Coisas Boas", foi publicado em 1987. Os poemas do livro, que brincam com cacófatos e exploram a riqueza verbal da língua portuguesa, inspiram-se nos "limerick", poemas de origem irlandesa de apenas cinco versos, cuja característica é o non-sense e o bom-humor.

A partir desta publicação, Tatiana passa a trabalhar fervorosamente sobre novas criações, chegando a escrever mais de cem obras. Suas publicações são acompanhadas por vários prêmios literários, entre eles o célebre Prêmio Jabuti, recebido em 1989.

Tatiana Belinky é autora premiada em literatura e teatro. Recebeu o Prêmio Mérito Educacional em 1979, e o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano em 1989, entre outras premiações.

Na área de tradução, recebeu o Prêmio Monteiro Lobato de Tradução em 1988 e 1990. Em 1994, deixou de atuar como tradutora, mas não abandonou, entretanto, sua atuação como escritora.

De sua vasta obra, destacam-se "Coral dos Bichos", "Limeriques", "O Grande Rabanete", "Di-versos russos", "Limerique das Coisas Boas", entre outros.

Nestes últimos anos, Tatiana Belinky tem também publicado livros de crônicas e memórias.

Tatiana explica o que significa limerique:
O limerique é um estilo de verso inspirado numa cidade da Irlanda, Limerick, e desenvolvido pelo poeta Edward Lear. São cinco linhas, três versos rimando, o primeiro, o segundo e o quinto; o terceiro e o quarto, mais curtos, rimam entre si. Isso dá ritmo, é ótimo para fazer algumas brincadeiras. Aprendi na Playboy americana. Claro que o autor lá se valia do limerique de uma forma maliciosa. Mas aí eu pensei: posso brincar com isso de outra maneira. A idéia é ressaltar uma coisa que é o contrário do que penso, e a criança, que não é nada boba, vai entender direitinho. Olha este exemplo aqui:

Quem pensa que eu sou uma ogra
No seu pensamento malogra.
Língua bifurcada?
Só quando enfezada.
Porque eu sou mesmo é sogra."

Fontes:
wikipedia
Fidus Interpress
http://fidusinterpres.com/?p=523
http://contoscantoseencantos.blogspot.com/2009/03/dica-de-leitura-especial-tatiana.html
http://lendoesonhando.blogger.com.br/2004_10_01_archive.html

Cassiana Lima Cardoso (Cultura e Sociedade pelo viés Poético de Mário de Andrade)

Mario de Andrade (Caricatura de Di Cavalcanti)

Uma análise de poesia que busca através de sua leitura esboçar o panorama político e social de um tempo é, sem dúvida, uma iniciativa pretensiosa. No caso de Mário de Andrade, poeta complexo, profundo e extremamente pessoal, em que a procura da identidade não se faz sem tensões com o real, tal propósito deve se organizar de forma extremamente cuidadosa a partir de um atento olhar ao desenvolvimento de sua atividade poética, na qual a preocupação em ligar o texto a uma genealogia sempre mediou o modo com o qual Mário de Andrade construiu seu projeto estético e ideológico. Sem desvincular-se da aventura do homem Mário de Andrade, o seu fazer poético busca matizar sua concepção de mundo, do homem e do objeto próprio da poesia:

Por isso, a obra de Mário é simultaneamente uma procura da identidade do individuo e procura da identidade do grupo (que ele esforçou-se para identificar toda cultura brasileira); e por isso Manuel Bandeira, em “Variações sobre Mário de Andrade”, pode aproxima-los assim: “Brasil/Como será o Brasil/MÁRIO DE ANDRADE. (LAFETÁ ,1986, p.311)

Seguindo o esquema elaborado por João Luis Lafetá que procura delinear a poesia de Mário de Andrade a partir das várias máscaras que incorpora, veremos o modo como se realizam as contradições e as fraturas da classe burguesa no conjunto das Poesias Completas; perfeito espelho do desenvolvimento das grandes linhas-de-força do Modernismo e, portanto, da história da cultura brasileira no período compreendido entre 1922 e 1945.

A primeira máscara corresponde à fase vanguardista ,a do trovador arlequinal, do poeta sentimental e zombeteiro que encarna o espírito da modernidade e de suas contradições. A preocupação com o conhecimento exato do país e suas potencialidades é a pesquisa de identidade do poeta e de sua Paulicéia cosmopolita. É a partir da vivência de suas ruas e multidões que surgem os poemas de Paulicéia Desvairada:

“Sentimentos em mim do asperamente”.
dos homens das primeiras eras...
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
(...)
Sou tupi tangendo um alaúde!”“.
(ANDRADE, 1979, p.33).

O eu-lírico é aquele que olha, observa, mistura-se á paisagem e entrega-se continuamente ás suas modificações, sem abandonar, porém, sua veia poética que o induz a cantar seu tempo na descrição da cidade moderna, lugar de movimento e agitação. Os “sentimentos” se entranham “asperamente”, isto é, o poeta não se submete prontamente ás emoções que lhe vem de fora; ou apenas na medida em que sua humildade diante das coisas representa uma fase preparatória, necessária para identificação do objeto-mas á qual sucede outra atividade definitiva – a ação consciente sobre o material poético, sobretudo a consciência da multiplicidade de feições que os contornos da cidade adquirem ante o eu-lírico provocando em a sua alma arlequinal profunda angústia quando este se enxerga como um “estranho” em um jogo de espelhos e contrastes que o confunde á própria paisagem:

Tristura

Profundo.Imundo meu coração...
Olho o edifício: Matadouros da Continental.
Os s vícios viciaram-me na bajulação sem sacrifícios...
Minha alma corcunda como a Avenida São João...

E dizem que os polichinelos são alegres!
Eu não em guizos nos meus interiores arlequinais...
(ANDRADE,1979,p.39)

A versatilidade arlequinal o faz, ao confundir-se com o ambiente sentir-se constituído e constituinte da crueza e da rudeza do ambiente caótico que se apresenta na formação da nova cidade de São Paulo. No novo mundo que se anuncia, sente ao afundar-se em sua superfície, “imundo”.Ao mesmo tempo em que nega a realidade que o cerca, constata-se personagem imerso á frieza e á corrupção do jogo de aparências que corrói o ambiente e as relações sociais. Como observa Lafetá:

A impressão que se tem ao ler esses versos é contraditória: ao cheiro do novo, que eles ainda têm junta-se o sentimento de coisa desarrumada, caótica, quase informe. As reticências, as grandes exclamações, os neologismos e os preciosos (retórica e amaneiramento que o poeta nunca abandonou de todo) são responsáveis por sensação penosa de artificialismo e falsidade(LAFETÁ, 1986, p.316).

Não é só a poesia que parece ruim, mas ainda sua matéria nutridora, a cidade que a inspira e mesmo o eu-lírico ressente-se consigo ao perceber “imundo o coração”; “vícios que viciaram-no na bajulação sem sacrifícios”. É a inadaptação ao mundo e a si mesmo que faz com que Mário de Andrade resista em reconhecer-se no ser que aponta na sua poética.

Há um labirinto na grande São Paulo em que vários “eus” se perdem e se encontram em uma perigosa Odisséia:

Os Cortejos
(...)
Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia – a grande boca de mil dentes;
(...)
Estes homens de São Paulo
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
parecem-me uns macacos,uns macacos. (ANDRADE ,1979,p.33)

As imagens apontam sentimentos ambíguos: tecem duplamente um fio de horror que corresponde ao reconhecimento de formas degeneradas e decadentes – expressas pela ausência de singularidade na reificação humana, ao incorporar os desígnios da moda como “uns macacos” – e pelo fio do encantamento tecido pelos olhos “ricos” do poeta, que fazem um apelo ao retorno da poesia, da compreensão, da identidade.

Entretanto, a postura de terror e estranhamento irá se amenizar em Losango Cáqui, pois apesar de manter-se a máscara arlequinal, a pesquisa do “eu” avança e encontra algo que se enquadra melhor ao corpo rítmico do poema.A cidade de pedra e concreto renasce, ao ver-se integrada a um elemento natural, o Sol, que atua como um catalisador para que o eu-lírico marioandradiano volte a atribuir sentindo á sua morada, São Paulo. A linguagem se harmoniza, ao sentir-se de novo o poeta solidarizado com seu mundo, seu eu e seus concidadãos:

XVII
[...]
A vista renasce na manhã bonita
Paulicéia lá em baixo epiderme áspera
Ambarizada pelo sol vigoroso,
Com o sangue do trabalho correndo
[nas veias das ruas]...

Fumaça bandeirinha
Torres
Cheiros
Barulhos
E fábricas...

Naquela casa mora,
Mora, ponhamos : Guaraciaba...
A dos cabelos fogaréu!....
Os bondes meus amigos íntimos
Que diariamente me acompanham pro trabalho...

Minha casa...
Tudo caiado de novo!
É tão grande a manhã!
E tão bom respirar!
E tão gostoso gostar da vida!
A própria dor é uma felicidade!

(ANDRADE ,1979,p.82)

O Sol revigora a paisagem, reacendendo o ânimo do poeta. Ele se enternece ao pensar em todos aqueles que impulsionam a engrenagem da cidade de São Paulo, e o movimento de seu olhar inverte a ordem do clichê futurista: ao louvar as fábricas, retrocede e volta á casa da trabalhadora que veio do interior. Personifica os bondes e bendiz a manhã (procedimento análogo ao do poema Louvação Matinal, de Remate dos Males). Celebra o momento no qual se movimenta e possibilidade que o trabalho lhe traz de, mesmo que dolorosamente, constituir uma de suas facetas, uma de suas máscaras:

Com certeza a mudança de tom perde alguma coisa, o impulso da violência da cidade grande, que é como cicatriz doída nos poemas da Paulicéia e agora aparece muito pouco.Mas na correção de rumos, do “cosmopolitismo” ao “localismo”, Losango Cáqui sai ganhando,pois não abandona as técnicas da vanguarda e mesmo assim aproxima-se melhor da realidade que deseja cantar. Um pequeno ajuste que é a grande vitória da forma:a conquista definitiva da poesia para a linguagem coloquial. (Lafetá, 1986, p.322)

No entanto, o sentimento “pau –brasil” mencionado por Mário de Andrade na “Advertência”, de Losango Cáqui irá se manifestar somente um pouco mais tarde, em Clã do Jaboti. A máscara de trovador arlequinal será substituída pela figura do poeta aplicado, o estudioso que pesquisa, em manifestações culturais do país todo, o descobrimento e a interpretação da realidade brasileira.Os poemas dessa época propõem-se a incorporar o folclore, as manifestações da cultura popular á nossa prática poética erudita. Na Paulicéia Desvairada e no Losango Cáqui, Mário enfrenta a questão da autêntica expressão do “eu”.Em Clã do Jaboti, depois de feita a crítica do individualismo de vanguarda, o mesmo problema é enfrentado de maneira diversa:

A revelação do “eu” passa pela socialização que no caso, significa abrasileiramento, maneira de enfrentar a alienação devoradora dos padrões culturais europeus (Idem, 328).

Porém Clã do Jaboti, ao bordejar os perigos do caráter nacional, consegue ao final demonstrar que o que busca Mário de Andrade a partir do estudo do folclore e da cultura popular é novamente a sua própria imagem, a figura do letrado brasileiro, quer dizer, daquele que está entre a realidade na qual vive e toda a cultura estrangeira que é a base de sua formação:

Brasil que eu amo porque o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas, amores e danças.
Brasil que eu sou porque é minha expressão muita engraçada,
Porque é meu sentimento pachorrento,
Porque é meu jeito de ganhar dinheiro,
De comer e de dormir.
(ANDRADE,1979, p.109)

Mas também a euforia desses versos de Clã do Jaboti irá se reconfigurar.(Remate dos Males, publicado em 1930, prefere a fluidez variada de uma transmutação incessante: “Eu sou trezentos, sou trezentos e cinqüenta”) são os versos que abrem “Remate dos Males”, e sua estrofe central contrasta com as afirmativas finais de “o poeta come amendoim”:

Abraço no meu leito as melhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!
(Idem ,157)

Não há mesmo uma correlação automática entre o ser e sua expressão, é o que constata o poeta. A “cultura brasileira”, que antes servira como ponto de referencia para dar unidade ás diferentes facetas do “eu”, mostra-se agora insuficiente. Remate dos Males, publicado em 1930, dá o balanço e liquida a primeira fase do modernismo . Talvez seja o livro mais variado de Mário , uma exibição extraordinária e depurada de todas as conquistas técnicas dos anos 20. Tem “Danças”, de 1924, no melhor estilo de combate de vanguarda, fragmentário e destruidor; tem o “Tempo de Maria” (1926), construtivo, pitoresco, saboroso e brasileiro como os textos impregnados pelo sentimento “possivelmente pau-brasil”; e tem as experiências finais da década, quando o modernismo abandona as contingências e a estética do choque, em um refluxo meditativo mais interiorizado: os “Poemas da Negra” (1929), e os “Poemas da Amiga” (1929-1930), que prenunciam a produção modernista madura e equilibrada dos anos 1930:

Publicado no mesmo ano da revolução que abre um novo período na história republicana, o Remate dos Males é sintomático: a liquidação geral a que ele procede guarda uma notável simetria com o ímpeto de mudança de rumos que gera a revolução (LAFETÁ, 1986, p.330).

Após Remate dos Males, em que a variedade do “eu” é apresentada em bloco ao leitor, como problema, Mário passou onze anos sem publicar um volume novo de poesias. Só em 1941, com este título justamente, Poesias, é que será editada uma antologia, constituída de poemas anteriores e apresentando dois livros inéditos: “A Costela do Grão Cão e o Livro Azul. Nesse livro aparece a quarta máscara a que se refere Lafetá, que a chamou de espelho sem reflexo. Há aqui uma radical descida do poeta em si mesmo, uma procura do “eu” que é ao mesmo tempo a procura do “outro”. E o curioso é que nesse mergulho na subjetividade acaba por se revelar uma dimensão social inesgotável: a “longa viagem na noite” que o poeta realiza aí, figura, simultaneamente, a intimidade atormentada e as inquietações de um grupo social que perdera a euforia e a confiança que, antes, permitiram-lhe realizações cheias de vitalidade.

Eu me aproximo de mim mesmo
No espanto ignaro com que a gente se chega pra morte
(...)
Tudo me choca, me fere, uma angústia me lava
Estou vivendo idéias que por si já são destinos
E não escolho mais minhas visões
(...)
Será que nem uma arrebentação
(Idem, 333)

E com um passo já esta-se diante de uma nova atitude de pesquisa, que descobre aspectos insuspeitados do país e conforma uma outra máscara: a do poeta político, de o Carro da Miséria, Lira Paulistana e Café. Essas obras trazem consigo vários pontos convergentes, tais como a denúncia da exploração social, a revisão amarga daquilo que foi cantado de modo eufórico na juventude, a esperança de transformação, a resistência e a expressão de uma angustia muito pessoal diante dos desmandos do mundo. Vê-se outra vez que o empenho interessado do poeta em desvelar o interior da luta de classes constitui-se de um prolongamento de suas inquietações intimas:

O passado atrapalha os meus caminhos
Não sou daqui venho de outros destinos
Não sou mais eu nunca fui decerto
Aos pedaços me vim – eu caio- aos pedaços disperço.
(...)
Rompe a consciência nítida :EUTUDOAMO
(...)

Destino pulha alma que bem cantaste
Maxixa agora samba o coco
E te lambuza na miséria nacionar
(Idem, 335)

Em Mário de Andrade o sentimento do mundo e o sentimento individual estão amalgamados: observa-se nas várias máscaras que constituem o eu-lírico do poeta, uma complexidade crescente. Entre o arlequim, o poeta aplicado, o poeta sem espelhos e o político, há acima de tudo aquele que toma a decisão de procurar a si mesmo, que transita entre o alto e o baixo, vai do eu aos outros, convivendo heróica e angustiadamente com o risco que envolve essa busca tanto no que diz respeito a aventura do fazer poético, quanto a da procura da própria identidade.

Para terminar, gostaria de, ao invés de tecer os comentários já desgastados no que diz respeito á importância de Mario de Andrade no que tange sua conduta e compromisso intelectual com seu tempo e nossa cultura, citar um trecho de Donald Schüler que talvez condense o propósito e a validade da mutabilidade das várias máscaras de sua poesia:

Ethos entrou no vocabulário do teatro com o sentido de personagem. Mascarados, os atores fazem-se personagens. Máscara é morada. Também morada o rosto que a reveste. Se derivarmos anthropos (homem) de anti (diante de) e ops, rosto, o próprio homem se apresenta como alguém que anda de rosto velado. A cadeia de máscaras não termina. O que se esconde atrás da ultima máscara? (SCHULER, 2001, p.179)

As máscaras renovam-se continuamente, pois o que elas dizem jamais cessará de vigorar: isto é, a cada nova leitura que fazemos de Mário, renova-se a sua poesia, o homem e a sociedade em sua complexidade de horror, fascínio, desencanto e deslumbramento.

Fonte:
Psicanálise & Barroco – Revista de Psicanálise. v.5, n.1: p.22-32, jun. 2007.

Andrey do Amaral (Novo (e divertido) Acordo Ortografico)

União Brasileira de Escritores (Eleição da Diretoria e Conselho)


Eleição da Diretoria e Conselho da União Brasileira de Escritores

De conformidade com os Artigos 36, inciso, Artigo 37, incisos I e III e Artigo 38 e seu parágrafo único, dos Estatutos, convoco uma Assembléia Geral Ordinária dos Associados para o próximo dia 15 de março de 2010, às 9 horas em primeira convocação, e uma hora depois em segunda, na sede da entidade, Rua Rego Freitas, 454 – cj. 121 – 12º andar, nesta Capital, prolongando-se até às 20 horas, para examinar e votar o relatório e as contas da administração do presente mandato e eleger a Diretoria Executiva e o Conselho Consultivo e Fiscal, em escrutínio secreto, para o próximo biênio.

São Paulo, 4 de janeiro de 2010.
Levi Bucalem Ferrari – Presidente

Observação: A nova Diretoria, que comandará os destinos da UBE para o biênio março 2010/março 2012, tomará posse imediata, cumprindo os Estatutos. Apenas uma chapa foi registrada.

Os sócios da Capital votarão na sede no horário acima e os do Interior e outros Estados por correspondência. A secretaria está providenciando o envio das cédulas de votação aos associados do interior e outros estados.

Só poderá votar e o associado em dia com a tesouraria da entidade.
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CHAPA V
Biênio - março de 2010 a março de 2012
Presidente: Joaquim Maria Guimarães Botelho;
1º Vice: Renata Pallottini;
2º Vice: Audálio Ferreira Dantas;
Secretário- Geral : Sueli Carlos;
1º Secretário: Maria José Vianna;
2º Secretário: Luiz Avelino Lima;
Tesoureiro-Geral: Nicodemos Neves Sena;
1º Tesoureiro: Gabriel Kwak;
2º Tesoureiro: Djalma da Silveira Allegro.
Diretores Departamentais: Antonio Francisco Carvalho Moura Campos, Célio Roberto Turino de Miranda, Claudio Jorge Willer, Deonísio da Silva, Dirce Lorimier Fernandes, Giselda Penteado di Guglielmo, Mariza Baur, Menalton João Braff, Raquel Naveira e Roberto Scarano.

Conselho Consultivo e Fiscal: Anna Maria Martins, Antonio Carlos Ribeiro Fester, Antonio Possidonio Sampaio, Fábio Lucas, José Carlos Garbuglio, Levi Bucalem Ferrari, Marisa Philbert Lajolo, Paulo Oliver, Plínio Cabral e Rodolfo Konder.

Fonte:
Jornal da União Brasileira de Escritores – fevereiro de 2010 – n.13