segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Clarisse Bandeira de Mello (O Colecionador de Tulipas)

Ramo de tulipas, em tinta oleo sobre tela,
de R. O. Peixoto.
1o. Concurso Verso e Prosa da Flórida
1º Lugar - Prosa
Clarisse Bandeira de Mello - Weston - FL - USA
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Naquele dia, como sempre, acordou muito cedo. Arrumou as tulipas em engradados, ajudou a acomodá-las carinhosamente no caminhão, assinou a guia do transportador e andou em direção à casa. Sem olhar para trás. Determinado a não olhar para trás. Abriu a porta da casa pensando que ‘se elas fossem gente, não esconderiam uma ou duas lágrimas’.

Sentou na varanda e começou a fazer planos para mais um dia. Desde que chegara, há doze anos, agarrara-se à rotina, como se ela o ajudasse a sobreviver. Trabalhava muito, até de madrugada - a atividade constante amortecia as lembranças; os poucos conhecidos, brasileiros como ele, também não tinham tempo para nada. O sentido da vida passara a ter a dimensão de um dia... um dia de cada vez.

Com o frio da manhã, o céu azul parecia ainda mais claro. No Brasil, o céu era de tonalidade mais viva, contrastando com a vegetação verde profundo. Acabou fechando os olhos. Na sua solidão habituara-se a sonhar acordado. Imagens do passado surgiam em seqüência, recorrentes, impregnadas de nostalgia. A saudade que dá nó na garganta há muito o abandonara.

Lembrou-se do dia em que resolveu partir. Tomou a decisão sentado na Rua da Praia, sem emprego, sem esperança, olhando o reflexo do sol apontando para o horizonte. Quem sabe para um lugar onde pudesse viver em paz...

Pôs na mala só o que faria falta. Roupas, tirou do armário as mais conservadas, escolheu dois livros que gostava de reler e o retrato da mãe. Tinha certeza de que com o passar do tempo a tristeza chegaria sem pedir licença, intrusa que não percebia sua inconveniência. Olhou em volta, querendo guardar na memória todos os detalhes do quarto. Tinha certeza de que nunca mais dormiria ali.

Ao entrar no avião, o medo do desconhecido o dominou. ‘Todos me olham como se soubessem meu segredo’, pensou. Acomodou-se ao lado de uma americana e sentiu-se um idiota por não saber responder em inglês. Pegou no sono após dois cálices de vinho e ao acordar avistou, lá embaixo, a cidade que mais parecia um tabuleiro de xadrez. As ruas perfeitamente traçadas, as casas construídas com simetria, todos os telhados da mesma cor. ‘Será que conseguirei viver num país desconhecido?’ O medo voltara...

Levantou-se e foi à cozinha fazer café. Ainda usava aquele coador de tecido, velho, marrom de tanto usar, sempre com um pouco de borra no fundo. O aroma bem brasileiro invadiu a casa. Pela janela, observou o empregado podando as folhas secas das tulipas.
Pousou a xícara, as imagens surgiam para além do vidro. As noites em casa de estranhos, seu corpo oferecido como cobaia de laboratório em troca de alguns dólares, as mãos ensangüentadas com o peso dos tijolos, os esconderijos para não ser deportado. Só começou a se sentir mais à vontade quando foi trabalhar como frentista num posto de gasolina. Dia feliz foi aquele em que uma senhora brasileira pediu-lhe para trocar o pneu do carro. Conversa vai, conversa vem, lá estava ele contando um pouco de seu passado. Os olhos dela quase saíram das órbitas quando ele revelou que tinha doutorado na Sorbonne. Em um minuto, já o observava como espécime raro. Sacudiu a cabeça, andou pra lá e pra cá: ‘Amanhã trago minha filha para conhecê-lo!’. Deu-lhe uma gorjeta generosa e foi-se embora com cara de espanto, os olhos ainda arregalados.

Olhando-a partir, pensou: ‘sou dono do meu passado e isso ninguém, mas ninguém mesmo, pode roubar’.

Naquela manhã, gelada, de vento pampeiro, como diziam em sua terra, avistou o carro de longe. Ao aproximar-se, tinha certeza de que sua vida nunca mais seria a mesma. Laura estava ali, ao lado da mãe, para conhecer ‘o rapaz que tinha doutorado na França’. Cumprimentou-a meio tímido, passando a mão na testa procurando evitar a neve que há dias não parava de cair. Laura segurava um vaso no colo. Dentro, uma tulipa vermelha, viçosa, cor de sangue, sedenta de carinho e alimento. Será que se apaixonara primeiro por Laura ou pela tulipa? Naquele momento descobriu que para ele as duas sempre seriam inseparáveis.

Laura invadiu abruptamente, sem cerimônia, sua vida solitária. Lembrava-se do dia em que foi morar com ele. Subiu as escadas com uma mala pequena, ar misterioso, e pediu a ele que tirasse do carro sete vasos pequenos, sua coleção de tulipas. Apossou-se de metade do armário, um cantinho na varanda, uma estante na sala. Entrou na cozinha e se sentiu dona da casa. A música de Caetano se misturava ao cheiro de comida brasileira, que invadia o apartamento depois de tantos anos. Laura despertou-lhe a memória, reprimida pelo sofrimento. Seu corpo respondia ao som da música, ao sabor da moqueca, ao cheiro do coentro, à cor do pudim de coco. Naquela noite amou Laura perdidamente.

O empregado tirou-o do devaneio. Precisavam comprar mais vasos para plantar os bulbos no outono. O seu ‘business’ - era assim que chamava o negócio - começara por idéia de Laura. Foi se envolvendo aos poucos, aprendendo, cultivando as flores e após algum tempo já forneciam para floristas do bairro. Passava noites estudando, experimentando, pesquisando. O negócio crescera; em poucos anos, já estaria exportando tulipas... Com exceção das mais preciosas, brancas com manchas vermelhas, sua paixão. Compartilhava seu entusiasmo com Laura, que o presenteava com um sorriso enigmático. Ela contemplava as flores com ternura e olhar meio distante.

Ainda tinha presente na lembrança o dia em que entrou no quarto e viu-a deitada. Notara que ultimamente ela já não cozinhava como antes, o entusiasmo pela vida ia fenecendo pouco a pouco. ‘Saudade do Brasil’, explicava. Um dia surpreendeu-a arrumando a mala. ‘Quero voltar, sentir o cheiro da mata, olhar as ondas batendo na pedra do Arpoador, o pôr do sol no final do Leblon’.

Laura partiu como as tulipas partiam. Com lágrimas disfarçadas em gotas de orvalho.

Um dia voltaria. E ele, herói anônimo em terra estrangeira, mais uma vez não olharia para trás.

Fonte:

1º Concurso Verso e Prosa da Flórida


Com o objetivo de estimular talentos brasileiros, principalmente os residentes no exterior no exercício das letras, mantendo viva nossas raízes e o idioma pátrio, foi plantada uma sementinha frágil: a idéia de se criar um concurso literário onde estes valores pudessem ser reconhecidos e, porque não assim dizer, conhecer a face do imigrante brasileiro em países estrangeiros, através da arte literária, pelas mãos dos próprios imigrantes.

A semente foi lançada, ventos favoráveis espalharam esta sementinha e ela desabrochou. Foi regada pela sensibilidade de centenas de brasileiros que enxergaram a oportunidade de ''relatar'' suas experiências através do verso e da prosa. Plantada em solo fértil, regada com o talento dos participantes, tendo como adubo um tema ainda não explorado; a semente cresceu e produziu excelentes frutos.

Ao todo recebemos o surpreendente número de 122 textos. A imensa participação de candidatos extrapolou fronteira e sucumbiu a expectativa. Brasileiros residentes no Japão, Holanda, Nova Zelândia, Alemanha, Espanha, França, Portugal, Estados Unidos e Brasil, tomaram conhecimento do concurso através da força da Internet e das divulgações do concurso em artigos publicados em diversos jornais, editados no idioma Português e destinados à colônia brasileira nos EUA. Além de ter sido publicado no idioma inglês, no Miami Herald, um dos periódicos mais importantes de Miami, mostrando a nossa força crescente junto à mídia americana.

Destes 122 frutos literários, tivemos a árdua tarefa de podar os que não se enquadravam no tema, de cortar os que ultrapassaram os limites de palavras e/ou versos impostos pelas regras. Restaram 35 textos magníficos, alguns não puderam ser considerados por serem longos demais, a maioria obras dignas de publicação em livros.

Nosso objetivo principal era conceder, apenas, um primeiro lugar para cada categoria. Mas como esta sementinha gerou uma árvore carregada de bons frutos, não nos contentamos em escolher apenas um verso e uma prosa.

Decidimos conceder 1º, 2º, 3º, 4º e 5º lugar e ainda uma ''menção honrosa'' para cada categoria!
O corpo de jurados foi composto por brasileiros que residem fora do Brasil. Escritores, poetas, jornalistas, que vivem no seu cotidiano a experiência de ser imigrante e que puderam assimilar os textos que mais se enquadravam no contexto estipulado pelo nosso idealismo.

Procuramos escolher textos originais, inusitados, criativos, letras que transmitissem este saudosismo pela pátria-mãe e, ao mesmo tempo, descrevessem o fascínio pela pátria-adotiva.

Só nos resta agradecer a participação dos candidatos. Todos mereceriam ser condecorados como guerreiros, recebendo, por isso, um troféu. Viver em terras estrangeiras não é uma tarefa fácil. Os candidatos, a maioria residindo fora do Brasil, mostraram que não se desligaram do Brasil. Escreveram relatando as dificuldades, as saudades, a carência, o fascínio pela nova Pátria mas, demonstraram que possuem orgulho de serem brasileiros, mesmo distantes... e que o elo com o Brasil se faz presente. Pois, ainda mantêm a língua portuguesa ativa provando através dos textos redigidos em Português.

Nosso especial agradecimento a RickMark Publishing de Londres, Inglaterra, pelo apoio e divulgação. A Academia Virtual Brasileira de Letras que nos ofereceu um livro virtual com os textos vencedores. A União Brasileira de Escritores de Nova Iorque. A Rebra - Rede Brasileira de Escritoras. Ao programa televisivo Back Stage Brazil de Miami. Aos jornais Brazilian Paper da Florida, Brazilian Times de Massachussetts, Achei/USA da Florida, Brazilian Press de Nova Iorque e ao Miami Herald pela divulgação do concurso.

Agradecemos também aos diversos grupos de literatura virtual, aos web-sites UnitBrazil.com e Planetanews.com, aos diversos boletins e poetas internautas que divulgaram e apoiaram o concurso.
Nosso especial agradecimento aos jurados que tiveram a árdua tarefa de escolher os que mais se destacaram.

* Livros - aos dois primeiros lugares de cada categoria
* Recortes de jornais e diploma - a todos os vencedores
* Os textos vencedores, em ambas categorias, já estão disponíveis no website www.angelabretas.com.br , conforme divulgado.

* Eis trinta textos finalistas, categoria verso, por ordem de recebimento:

- Terra de só um... - Leonardo Kiyoshi Ooka - São Paulo/Brasil
- Jaula - Lúcia Cláudia Leão - Boca Raton./Florida/USA
- Esperança - Alexandru Solomon - São Paulo/Brasil
- Brava Gente - Ines lemos - Maisach/ Alemanha
- Brava Gente Brasileira, Em Terras Estrangeiras - Dora Oliveira -Ipatinga - MG/Brasil
- Perfíl de Amsterdam - Geni de Lima van Veen - Katwijk - Holanda
- Partida - Marina Matte - Porto Alegre/RS - Brasil
- Brava Gente Brasileira em terras estrangeiras - Ydeo Oga - Koopo Haru - Japão
- Constância de Konstanz - André Carneiro - Curitiba - Brasil
- Longe... Muito Longe! - Marina Moreno Bernal - Murcia - Espanha
- Brava Gente - Marly A. M. Muranaka - Centro Americana -SP
- Cidade estrangeira - Leila M Silva - Atlanta - Georgia /USA
- Lembranças da América - Simone A. Viecelli - Brusque/SC -Brasil
- Trago em meu olhar - Sergio Godoy - Amsterdam - Holland
- ( Brava gente Brasileira em terras Estrangeiras) - Celito Medeiros - Brasil
- Fendas em tempo e espaço - Junia Sales Pereira - Minas Gerais- Brasil
- Minha Pequena Grande São Paulo - Yara Maura - Florida/USA
- "Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras" - Nilton Bustamante - São Paulo, Brasil
- Onde Estou? - Marta Almeida - Athens, GA /USA
- Paris em mim - Kátia Drummond - Salvador- Bahia
- Brasileira - Claudia Villela de Andrade - Itatiaia - RJ/ Brasil
- Pequena história - Kika Perez - São Paulo, Brasil
- Gente Brasileira - Maria José Fraqueza - Fuzeta - Portugal
- Aldeia Pitoresca - Átilla de Miranda - Campinas-SP
- Brava Terra, Brava Gente. Há saudade que me dá! - Denilson Bessi - SP - Brasil
- Nossa raça! - Marici Bross - São Paulo/Brasil
- Brava Gente Brasileira em terras Estrangeiras - Adalgiso Domingues Dias- Rio de Janeiro/RJ
- Poemail - Betina Ule - New York - NY - USA
- Adeus Bela - Terezinha Viecelli - Brusque - SC
- Brava Gente Brasileira em terras Estrangeiras - Vera Reis - Newark/New Jersey/USA

* Os vencedores são:

1º Lugar: Poemail - Betina Ule - New York - NY/USA
2º Lugar: Brava Gente Brasileira em terras estrangeiras - Ydeo Oga - Koopo Haru/Japão
3º Lugar: Brava Gente - Ines lemos - Maisach / Alemanha
4º Lugar: Constância de Konstanz - André Carneiro - Curitiba/Brasil
5º Lugar: Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras -Dora Oliveira - Ipatinga- MG/Brasil
Menção Honrosa: "Trago em Meu Olhar'' - Sergio Godoy - Amsterdam - Holanda


* Eis 25 textos finalistas, na categoria prosa, por ordem de recebimento:

- "Brava gente brasileira em terras estrangeiras" - Cláudia F. Pacce/Hamilton - New Zeland
- Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras -Christina Hernandes/SP/Brasil
- Pileque a Italiana - Raimundo Nonato A. Silveira - Fortaleza- CE/Brasil
- O colecionador de tulipas - Clarisse Bandeira de Mello - Weston/ Florida - USA
- Caminhos em Colônia -Renato Essenfelder - São Paulo - SP
- Domingo - Sandras Schamas - Miami - Florida/USA
- Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras - Ligia Piola - São Paulo - SP
- Passageira - Lúcia Cláudia Leão - Boca Raton - Florida/USA
- "Brava Gente Brasileira" - Sonia Maia - Everett- MA
- Reciclagem - Geni de Lima van Veen - Katwijk - Holanda
- Cadernos da Bélgica: Soraia e as coisas do coração- Leila M. Silva - Atlanta - Georgia -USA
- Brava gente brasileira - Diva Borges Bastos - São Paulo - SP - Brasil
- "Experiencias de Vida'' - Maryse Schouella, - São Paulo, Brasil
- Um dia mais brilhante - Maria White - Orlando - Florida/USA
- Lusitana e Brasileira - Maria de Lourdes Leite - Lisboa - Portugal
- Lições de um mago indiano - Palmira Virgínia Bahia Heine - Salvador/Ba.
- O eterno forasteiro - : Maria José Lindgren Alves/Rio de Janeiro-RJ- Brasil
- Brava Gente Brasileira em terras estrangeiras - Chaja Freida Finkelsztain- RJ - Brasil
- Nas asas da PanAm - Cristina Ferreira-Pinto - Austin/Texas/USA
- "Brava Gente Brasileira em terras estrangeiras" - Francisco Evandro de Oliveira - RJ/Brasil
- A carta - Ismael Fábregas - Aventura - Fl - USA
- O porvir - Tereza Porto - Fortaleza - CE - Brasil
- Um Brasileiro em Paris - Amadeu Thomé - São Lourenço - MG-Brasil
- Minha vida de dekassegui - Sarah de Oliveia Passarella - Campinas/SP/Brasil
- O Natal e o porvir no país dos vitimados - Oswaldo F. Martins - Salvador - Bahia/Brasil

* Os vencedores são:

1º Lugar: O colecionador de tulipas - Clarisse Bandeira de Mello/Weston -FL USA
2º Lugar: Caminhos em Colônia - Renato Essenfelder - São Paulo - SP
3º Lugar: Passageira - Lúcia Cláudia Leão - Boca Raton- Florida/USA
4º Lugar: Lusitana e Brasileira - Maria de Lourdes Leite - Lisboa - Portugal
5º Lugar: Domingo - Sandra Schamas - Miami - FL/USA
Menção Honrosa: A carta - Ismael Fábregas - Aventura - FL - USA

Atenciosamente,

Angela Bretas
Idealizadora/Coordenadora
http://www.angelabretas.com.br

Poesia no Onibus II


O projeto visa a divulgação dos poetas de Canoas, possibilitando a visibilidade dos trabalhos junto a população através da exposição de suas obras nos veículos de transporte coletivo da empresa Sogal. Os trabalhos selecionados foram impressos em cartazes no formato A4 que estão colocados no interior dos ônibus da empre sa. Além da Sogal o projeto contou com o apoio da SMTSP - Secretaria Municipal de Transportes e Serviços Públicos.
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Andressa S. Lindermann
MENININHA

Um dia vi
uma menininha
chorando na calçada
em plena madrugada.

Coitadinha
daquela menininha!

Ela me pedia para comer
um pão
antes do amanhecer.
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Andressa S. Lindermann nasceu em 15/4/1995, em Porto Alegre, RS, e reside em Canoas. Estudante na E.M.E.F. João Palma da Silva, onde entrou em contato com a literatura e ensaiou seus primeiros versos nas atividades escolares, aos nove anos, com a professora Nelsi Inês Urnau.
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Áurea Beatriz Martins
RETRATO FALADO

O corpo cansado
já fraqueja.

Os olhos – grandes lentes de aço
agonizam na estrada.

Pés e mãos atados – pela
arrogância humana.
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Áurea Beatriz Martins é natural de Porto Alegre, RS, reside em Canoas. É funcionária pública estadual. Participou da II Coletânea da Casa do Poeta de Canoas (2005).
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Daniela Santos Viana da Cunha
MAURÍCIO

Maurício,
menino moreno,
mansidão de minha alma
mistifica mansamente
o Amor em mim.
Amorosamente murmuro
mensagens de amor por ti.
Minhas manhãs ao teu lado:
macias e mornas.
Amado, mais dias anseio
amar, mostrar-te o mar,
contigo navegar,
o mundo ver, em tuas mãos.
Amém...
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Daniela Santos Viana da Cunha nasceu em 5/6/1971, em Porto Alegre, RS, e reside em Canoas. Professora, bacharel em Direito pela Ulbra e pós-graduada em Direito Público Municipal, pela Pucrs. Participou da I, II e III Coletânea da Casa do Poeta de Canoas, em 2003, 2005 e 2007.
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Elvina Glória B. Resende
COMPULSÃO

A compulsão
amadurou-me a alma
e dispensou os verbos
que geravam poemas
incompletos.

E deflorou a imagem
da mulher latente
que se fez presente.
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Elvina Glória Breda Resende nasceu em Guaporé, RS, e reside em Canoas há 28 anos. Formada em Direito pela Universidade Ritter dos Reis. Professora, cronista, poeta e advogada, foi colaboradora do Correio de Povo publicando poesias, e do jornal de Encruzilhada do Sul, RS, publicando crônicas. Atuou no setor editorial da Livraria do Globo. Autora do livro "Compulsão Poética, 1971. Participou da II Coletânea da Casa do Poeta (2005).
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Geni Velasques Adorne
PEDRAS

Quantas pedras no caminho
encontramos em nosso viver.
Que elas sirvam de degraus
para o nosso crescer.

Quantas pedras no caminho
ainda vamos encontrar.
Que elas sirvam de base
para um recomeçar.

Quantas pedras no caminho
quererão nos impedir.
Com fé e coragem
não podemos desistir.
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Geni Velasques Adorne nasceu em19/5/1948, em Uruguaiana, RS, e reside em Canoas. Graduada em Letras. Professora de ensino Fundamental. Participou da I, II e III Coletânea da Casa do Poeta de Canoas - Poesia, Crônica e Conto, em 2003, 2005 e 2007.
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Ir. Henrique Justo
TU PENSAS

Tu pensas que eu não amo, que em meu peito
Do amor a estrela amiga não fulgura,
Que nele reina eterna noite escura,
De um coração cansado cárcere estreito...

Pensas que as vibrações do amor rejeito,
Que eu padeço de Tântalo a tortura,
Que abafo o coração que, em vão, murmura
E soluça que amar é seu preceito....

Se do meu coração a sinfonia
Maravilhosa ouviras num segundo,
Tua opinião de certo mudaria.

Sim, no meu coração feliz, jucundo,
Que músicas divinas irradia,
Cabes tu, cabem todos, cabe o mundo!
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Irmão Henrique Justo (José Arvedo Flach) nasceu em 1922, em Montenegro, RS. Doutor em Pedagogia e Psicologia com cursos de aperfeiçoamento na Europa e EUA. Publicou centenas de artigos e 24 opúsculos em 89 edições. Foi vice-diretor da Faculdade de Educação e diretor da Faculdade de Psicologia da Pucrs. Atua no Unilasalle.
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Isar Maria Silveira
DELÍRIO

Ah! Essa ânsia
de afetos
de olhares
de beijo
Ah! Esse desejo
de toques
de abraços
de pele
Ah! Essa vontade
de tua boca
de teu corpo
....de fazer-me de louca!
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Isar Maria da Fontoura Silveira nasceu em 9/10/1956, em Santana do Livramento, RS. Cientista política. Publicou “Confidências” (poemas). Cronista do jornal Correio de Notícias, de Canoas. Em 2007, participou da antologia Contos Canoenses, da Associação Canoense de Escritores, selecionada por professores de Letras do Unilasalle. Participou das 3 Coletâneas da Casa do Poeta de Canoas (2003/2005/2007).
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Ivone Baptista
VOU TE AMAR

Se você me quiser bem
eu serei seu bem querer.
Se gostar um pouco mais
vou amar você até morrer.

E se disser que me tem amor...
Meu Deus! Como vai ser?

Onde encontrar, no calor
de meu peito abrasador,
maneira de agradecer
se você me quiser bem?
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Ivone Baptista nasceu 29/1/1936, em Porto Alegre, RS, e reside em Canoas. Técnica de enfermagem especializada em obstetrícia. Atuou como inspetora do corpo discente em escolas públicas estaduais. Participou da II Coletânea da Casa do Poeta de Canoas e da Coletânea Alvale, de Novo Hamburgo, RS.
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Jairo Luiz de Souza
BOM-DIA, QUINTANA

Bom-dia!
Meu nome é Mário
De Andrade?
Não!
Mário Pé-de-Pilão,
Mário vagabundo,
De Lili descobre o mundo!
Sou aquele velhinho
Lembra:
Eles passarão,
Eu passarinho.
Que bacana,
Sobrenome Quintana!
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Jairo Luiz de Souza natural de Sapucaia do Sul, reside em Canoas há vários anos. Foi presidente da Associação Canoense de Escritores (ACE). Cursa Letras no Unilasalle, cujo concurso literário/gênero infantil venceu com o livro "O Baú da Vovó Dorvina". Em 2003, lançou seu primeiro livro, "Eu... um rosto-Poesias e Letras", na Fundação Cultural de Canoas. Em 2004, publicou "Era uma vez... com rima ensinando português". Em 2005, lançou a obra "Matemática, quem diria... virou Poesia". Está ultimando a escrita do livro "Alma nua" que terá capa do artista plástico Giovani Jung.
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Joaquim Moncks
MANIFESTO FUTURISTA

Deus se manifesta pela Poesia.
É o Altíssimo que comanda o poético.
O alter ego convida o mundo ao Amor,
chegança tardia para o derradeiro.
O homem é apenas matéria bruta,
o superior diluído na forma, nos atos.
Porque o coletivo é de Deus.
Ele falta, por vezes, mas não tarda.
Nos viventes, nada é permanente:
inexiste o contínuo, a uniformidade.
Vale o vento nas bandeiras, falso brilho.
O que é desejado de coração
também pode vir a ser.
Hosanas, amigos do Belo!

- Do livro, inédito, BULA DE REMÉDIO, 2004 / 2006.
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Joaquim Moncks nasceu em 29/9/1946, em Pelotas, RS, e reside em Porto Alegre. Advogado, escritor e analista literário. Publicou seis livros. Coordenador Executivo da Poebras Nacional. Integra a Academia Internacional Maçônica de Letras, SP, e o grupo que publica a Revista Caosótica/RS. Possui método próprio de oficinação de poesia para escritores-alunos.
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José Ribeiro Fontes
VIOLA DE SONHO

Minha viola de sonho, cada corda é um amor,
cada traço é uma tristeza, cada música é uma dor.

Eu trago a minha viola afinada ao coração.
É por isso que ela sempre canta e chora sem razão.

Num fino fio de esperança pendurei minha viola.
Ele rompeu, foi ao chão, e hoje nada me consola.

Toquei minha viola perto da tua janela.
Ela chorou, tu sorriste. Sem querer, chorei com ela.

Vou parar minha viola, nunca mais torno a tocar
que é pra não te ver sorrindo enquanto eu canto, a chorar

Minha viola de sonho, cada canto é um amor.
Cada traço é uma tristeza, cada música é uma dor.
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José Ribeiro Fontes nasceu em Canoas, em 1936. Teatrólogo, jornalista e radialista. Tem mais de 500 peças radiofônicas escritas e cerca de 30 peças teatrais. Seus textos, artigos, crônicas e poemas, tem sido publicados em jornais da cidade e da região nos últimos 45 anos. Participo de antologias da Fundação Cultural de Canoas e da II Coletânea da Casa do Poeta (2003).
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Affonso Romano de Sant’Ana; Ana Clades T. da Silva; Ana Lúcia Costa Batista; Ancila Dani Martins; Benoni Couto; Bia Clos; Canabarro Tróis Filho; Carmen Kennis; Diane Josair Straus Paz; Eva de Souza Rodriguez e Fernando Lima.

Fonte:

domingo, 19 de setembro de 2010

Indicação de Dinair Leite, do Paraná para a Presidência Nacional da UHE, no Primeiro Congresso Universal de Poesia Hispanoamericana, no México

O Primeiro Congresso Universal de Poesia Hispanoamericana realizou-se na cidade de Tijuana, no México, contando com a participação de cerca de 100 escritores nacionais, locais e de 15 países participantes.

A secretária geral do Congresso, Alma Rosa Menigé, lembrou que o poeta é um embaixador da paz e exortou somar-se a este movimento milhares de pessoas trabalhando pelo bem estar da humanidade.

A inauguração foi celebrada no pátio central do Palácio Municipal, com a presença da diretora do Instituto Nacional de Bellas Artes (INBA), Teresa Vicencio, e 40 poetas locais e 60 extrangeiros e do país.

O Congresso realizou-se de 8 a 14 de agosto deste ano pela Instituição Manuel Leyva, o Ayuntamiento de Tijuana e o governo de Baja California, no marco do Centenário da Revolução Mexicana e do Bicentenário da Independência do México.

Além de atividades artístico culturais, no encontro houve mesas redondas, apresentação de livros, leitura de poesia e, no final, a premiação dos I Jogos Florais da CUPHI, no qual participaram todos os poetas do mundo com textos escritos em língua espanhola, clássicos ou livre, de trinta linhas no mínimo e no máximo quarenta versos, cujo tema foi "Canto a la libertad". Aos três primeiros colocados (sendo um nacional e um estrangeiro em cada colocação) foram entregues diplomas e troféus de ouro, prata e bronze, respectivamente.

Os troféus foram esculpidos em bronze pelo escultor internacional Guillermo Castaño.

A Comissão Julgadora foi composta de pessoas independentes da CUPHI, integrado por reitores e/ou catedráticos reconhecidos de três centros universitários de Tijuana.

Segundo as palavras de Jorge Ramos Hernández, Presidente Municipal de Tijuana “Estou convencido de que a poesia é o mais vigoroso instrumento do Homem para transmitir ideais e sentimentos de geração a geração e para resgatar do esquecido, o patrimônio histórico e cultural da raça humana. Sem mais, e na qualidade de presidente municipal, me sinto distinguido e orgulhoso de poder compartilhar com todos vocês, o pão, o sal e a palavra feito poesia este verão”.

Durante a realização do evento foi reconhecido o valor da obra literária do laureado poeta peruano Carlos Garrido Chalén, Prêmio Mundial de Literatura "Andrés Bello" 2009 de Venezuela; e concordaram através da Sociedad Internacional de Poetas, Escritores y Artistas (SIPEA), com sede no México, propor-lo ao Prêmio de Literatura "Miguel de Cervantes" 2010, de Espanha, prêmio que se outorga aos escritores hispanoamericanos que mais tenham contribuído con sua obra de modo a fortalecer o acervo da língua castelhana.

Carlos Garrido Chalén, que se encontra atualmente no México, é autor de obras publicadas nos gêneros de poesía, novela, conto e ensaio. O Instituto Nacional de Cultura (INC) do Perú lhe outorgou em 1997 a distinção "Patrimonio Cultural Vivo de la Nación".

Chalén é presidente fundador da União Hispanoamericana de Escritores - UHE, entidade criada em 16 de junho de 1992, na cidade de Trujillo, Perú, sendo alguns de seus objetivos:
.
– Buscar com empresas corporativas, apoio, divulgação, auxílio, amizade e cooperação recíproca com os escritores mais qualificados hispanoamericanos, para promover a criação de uma poderosa corrente intelectual de integração americana e mundial.
– Proteger os direitos autorais dos seus membros, através da institucionalização de um orgão fiscalizador que, com a devida autorização, defenda os interesses do escritor.
– Contribuir para a criação de condições favoráveis para a utilização integral dos intelectuais latino-americanos em potencial, em todos os níveis, a defender a criação de incentivos para aumentar as contribuições financeiras privadas para os escritores.
– Capacitar seus membros e mantê-los informados sobre as questões que têm relevância para seus fins, promovendo o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos mesmos, através de seminários, fóruns, mesas-redondas, simpósios e outros eventos que estão previstos para esse efeito, para a qual se buscará obter a isenção para o transporte, bolsas de estudo e outras facilidades.
– Contribuir para a qualidade de vida dos escritores e dos afiliados à profissionalização e especialização.
– Publicar uma revista especializada para divulgar periodicamnte a obra de seus membros, que será distribuída em todos os países hispanoamericanos e a todo o mundo.
– Trabalhar diretamente com as principais Universidades públicas ou privadas hispanoamericanas, em beneficio de seus membros.
– A UHE não tem fins políticos, nem apoia país algum. Trabalha pela literatura, a paz e os escritores do mundo.

INDICAÇÃO DE DINAIR LEITE PELO PRESIDENTE CHALÉN

A poetisa paranaense, de Paranavaí, Dinair Leite, Imortal da Academia de Letras do Brasil/Paraná esteve presente neste seleto grupo internacional, tendo a honra de indicar o nome de Chalén para o Premio Nobel de Literatura, de 2011.

Indicação consequente dos inquestionáveis méritos de Chalén, além de ser considerado como " uma das raras gemas preciosas que aparecem a cada certo tempo na história humana" na voz de Ernesto Kahan, Prêmio Nobel da Paz, que desde 2008 respalda a candidatura do escritor.

Na ocasião, Chalén, nomeou Dinair Presidente Nacional da UHE no Brasil.

Dinair Gomes de C. Leite nasceu em Sertãozinho (SP). Trovadora, poeta, dramaturga e atriz, atuante em movimentos culturais (SP-RJ-PR).

Integrou o cast pioneiro de rádio-teatro do norte do Paraná (Rádio Paiquerê – Londrina). Atuou na extinta TV Continental (RJ).

Reside em Paranavaí, onde é coordenadora da Câmara de Literatura do Fórum Anual de Cultura e conselheira do Projeto Clave de Luz da Fundação Cultural. Atua no Fórum de Desenvolvimento de Paranavaí e também é membro da Câmara Técnica de Educação do Conselho de Desenvolvimento de Paranavaí (CODEP). Presidente Fundadora e Governadora do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais (InBrasCI) no Paraná, Delegada do Movimento Poético Nacional em Paranavaí, fundado em 1976 (SP). Delegada da União Brasileira de Trovadores – UBT, em Paranavaí. Possui seis livros inéditos de poesias e um de trovas e haicais, e sua obra é divulgada em saraus e confrarias em Paranavaí, São Paulo, Rio de Janeiro. É membro fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, ocupa a cadeira nº 11, e é relações públicas e oradora oficial da casa cultural. Cadeira numero 11 da Academia de Letras do Brasil/Paraná.

Dinair declara: “Divido com vocês este momento especial, contando com o Poder Superior para me fazer desempenhar este papel à altura e honrar as expectativas de tão nobres companheiros que distinguiram o nosso Brasil e minha humilde pessoa para compartilhar este caminho.

E agradeço de modo especial ao Movimento Poético Nacional, sediado em São Paulo e presidido pelo estimado Dr. Válter Argento, creditando esta abençoada conquista principalmente aos trabalhos, encaminhamento, orientação e acolhimento dos saudosos baluartes do MPN, minha primeira Casa Cultural, poetas Dr. Silva Barreto, Sylvya Reys e especialmente Jacintha Karelisky.

Dedico esta poesia ao Comite Organizador do Congreso Universal de Poesia Hispanoamericana (CUPHI) e a todos os participantes do magno evento

ODE AO CUPHI!

Chorei...chorei com a dor
da tristonha despedida,
de um povo que é puro amor,
num país que vibra vida!

Viva emoção o meu peito
preencheu... e quase explodiu!
Mas meu coração com jeito,
vibrou no peito...e sorriu!

CUPHI foi iluminado
por corações varonis
bebendo seu mel sagrado
espargido em mil barris...

Tom certo, com maestria,
MANUEL LEYVA ofertava
noite a dentro e pelo dia,
glorioso ele brilhava!

MARTÍNEZ , sua família,
honrados agradecemos
o saber vivo em vigília
que tão felizes bebemos

Família culta e unida
com sua equipe gentil
que em transparência luzida
acolheu nosso BRASIL!!!

Tantos poetas eu vi
a receber e doar
buquês...e com frenesi
a Liberdade cantar!

Escritores também vi,
chegarem de tantas partes,
com mesmo ideal dali,
abraçando irmãos em artes...

Tijuana! És tão linda...
e abrigastes com afeto
poetas,canções infindas,
em teu coração dileto...

Para ti hei de voltar
um dia se Deus quiser!
Com teu povo eu hei de orar
à Virgem Santa e mulher...

Senhora Guadalupana!
Que tanto me comoveu...
fêz-me sentir mexicana
pela fé que me envolveu...

Vivi doce experiência
com um cultor envolvente
que impôs a sua gerência
feito um correr de nascente!

Maestro LEYVA! Meus vivas!
Pelo CUPHI eu te bendigo:
- Sempre a Liberdade avivas!
Que a Paz esteja contigo!

TIJUANA foi celeiro
de Grãos de Milho de porte!
Foi um útero-viveiro,
foi nosso ninho e suporte!

Poetas Del Mundo eu choro
a dor....saudade sem fim,
de um choro bom e sonoro:
MÉXICO! Lembra de mim!
-------------------

Temos que nos orgulhar por pessoas do quilate de Dinair Leite, batalhadora pela cultura, que carrega a nossa bandeira além das fronteiras, mostrando que no Brasil há pessoas de valor que lutam pelo que acreditam e carregam o estandarte por todos os caminhos da literatura.

Sentimo-nos envaidecidos por sua garra. Em nome da Academia de Letras do Brasil e mesmo pelos escritores de todo o nosso país, obrigado. És uma general neste momento, e somos todos, vossos leais soldados. Salve, Dinair!

(José Feldman - presidente estadual Academia de Letras do Brasil/Paraná)

Fontes
Dinair Leite
1o. Congresso Universal de Poesia Hispanoamericana (CUPHI) (livro)
União Hispanoamericana de Escritores (UHE)

sábado, 18 de setembro de 2010

Waldemar Pequeno (100 Trovas)


1
Nunca fales com desprezo
de um vaso, por ser grosseiro.
Só Deus sabe se, ao fazê-lo,
não tremeu a mão do oleiro.
2
Muitos mundos visitei,
levado por meu destino.
Mas nunca mais reencontrei
o meu mundo de menino.
3
Não sei, das flores da vida,
as que sejam do teu gosto.
As do meu - ninguém duvida -
são as rosas do teu rosto.
4
Não há fonte neste mundo,
rolando por entre escolhos,
que tenha o choro tão fundo
como a fonte dos meus olhos.
5
Uma rosa, em minha cova,
talvez brote deste amor,
como se fora uma trova
sob o feitio de flor.
6
Em meu tempo de estudante,
se algum mal me acontecia,
não sei como, tão distante,
minha mãe logo sabia.
7
Se à noite as roseiras sonham,
palpitantes e amorosas,
seus galhos, quando amanhece,
estão cobertos de rosas.
8
O jaó que ao longe pia,
pelas quebradas da serra,
reza, à tarde, a Ave-Maria
mais dolorosa da terra.
9
Se o sonho se foi, Maria,
não julgue o mundo medonho:
- depois de um dia, outro dia,
depois de um sonho, outro sonho.
10
Deus faz pouco da riqueza.
Aqui, ali e acolá,
quem quiser ter a certeza
basta olhar a quem a dá.
11
Goza a fortuna inconstante
antes que chegue a hora triste.
A alegria deste instante
amanhã já não existe.
12
Quando passo no caminho
em meu poldro russo-pombo,
muita gente diz baixinho:
- "Tornara que leve um tombo!"
13
Creio haver um ser divino,
mas duvido que haja ateus.
- O homem, que é tão pequenino,
não pode viver sem Deus.
14
Rio acima, as águas fendo,
remando minha canoa.
Vou cansado, vou sofrendo,
mas Deus me ajuda na proa.
15
Mulher é como perfume,
que se evola exposto ao ar:
- quando expõe os seus encantos,
eles deixam de encantar.
16
Negros eram seus cabelos,
os olhos - claros e francos.
Mas, com seus cabelos negros,
pôs os meus cabelos brancos.
17
Seja o rico, seja o pobre,
escolha os duros caminhos,
pois a coroa mais nobre
é uma coroa de espinhos.
18
Nosso Senhor deu-me a viola,
deu-me o que há de mais profundo:
- o canto que me consola
das tristezas deste mundo.
19
Minha mãe, quando nasci,
- doce mãe! - tanto rezou,
que é por pena que hoje finjo
ser feliz quando não sou.
20
Bem perto havia uma fonte
na terra em que ao mundo vim.
A água descia do monte:
chorando, meu Deus, por mim.
21
Pelas terras em que andei,
entre o belo, o puro e o vil,
nada no mundo encontrei
como o sorriso infantil.
22
Do melhor pinho foi feito
o instrumento que dedilho,
apertado junto ao peito
como se fosse meu filho.
23
Hoje vi quando uma abelha
pousava, tonta de amor,
em tua boca vermelha,
pensando ser uma flor.
24
Ó minha velha tristeza,
minha doce companhia!
Se algum dia me faltasses,
que tristeza eu sentiria.
25
Voam pelo ar as palavras,
leva-as para longe o vento.
- Mas, se as palavras se perdem,
não se perde o pensamento.
26
Quem me dera, solitário,
habitar naquele morro,
apenas com meu canário,
meu cavalo e meu cachorro.
27
Só vi que havia alcançado
tudo o que no mundo eu quis,
quando já tinha passado
o tempo de ser feliz.
28
O lírio o que tem é a fama
da parábola divina.
Vale mais para quem ama
uma rosa pequenina.
29
Não castigues teu filhinho!
Olha, ele erra sem saber:
- quer aprender o caminho
que terá de percorrer.
30
Lá se vão os bois serenos,
tão cheios de mansidão,
obedientes ao aboio,
sem saber para onde vão.
31
Rico, a todos menosprezas,
mas com franqueza te digo:
- por mais que valha a riqueza,
vale mais um bom amigo.
32
Tenho por meu padroeiro
um santo que é de valia.
Foi um simples carpinteiro,
mas é o esposo de Maria.
33
Uma rosa em seu cabelo
é uma coisa que me encanta,
como se fosse uma estrela
no cabelo de uma santa.
34
Quando alguém canta na rua,
tão silenciosa e deserta,
no céu, solitária, a lua
parece uma rosa aberta.
35
Não te queixes do destino
por escassez de prata e ouro.
O homem, por mais pequenino,
tendo Deus, tem um tesouro.
36
Mais que nunca ao mar adoro
nas noites brancas de luar,
quando o pranto que não choro
parece por mim chorar.
37
Não sei se eu ria ou chorava,
se foi sonho ou pesadelo.
Só sei é que me enforcava
nas tranças do seu cabelo.
38
Dizem que hoje é o nosso dia,
o dia dos pais... Convenho.
- Minha maior alegria
é ter os filhos que tenho.
39
A arvore morre de pena,
dando ao mata-pau guarida.
- Quanta gente também morre
pelo bem que faz na vida!
40
Deus pensava em coisas belas
quando fez a minha amada:
- deu-lhe o perfume das flores,
as cores da madrugada.
41
Nossa casa não é rica,
pobre, pobre, também não.
Mas quem entra, se não fica,
deixa nela o coração.
42
Talvez à casa tranqüila,
onde aos poucos anoitece,
já convertido em argila,
meu corpo um dia regresse.
43
A vida só pela infância
só por ela é bem vivida,
pois é o tempo em que se vive
mais ignorante da vida.
44
Seus olhos, o povo diz,
quando nos olham de frente,
parecem dois colibris
bicando os olhos da gente.
45
De tudo o que fui e fiz,
afinal, que resultou?
Que importa se fui feliz,
agora, que já não -sou?
46
A esperança nos afaga
como um sonho em nosso afã.
Mas é um sonho que se apaga
como a bruma da manhã.
47
Duas coisas neste mundo
bastam para meu agrado:
- pito de fumo de rolo,
mulher cosendo ao meu lado.
48
Quem tudo nos deu no mundo:
- água, fogo, leite, pães -
o que deu, de mais profundo
foi o amor de nossas mães.
49
Ouvindo, às vezes, na mata,
o seu gemido profundo,
penso que a fonte retrata
as mágoas todas do mundo.
50
Neste mundo de viageiros,
que vão por montes e valos
uns vão como cavaleiros,
outros vão como cavalos.
51
Talvez, teu fado ajustando,
Deus se omitisse um instante.
Por isso. vives lutando
por algo sempre distante.
52
Vais feliz, fico a chorar-te.
Afinal, isso se explica
se a saudade de quem vai
não dói como a de quem fica.
53
Os que dão esmola são,
quase todos, fariseus,
pensando, por um tostão,
ganhar o reino de Deus.
54
Minha terra, como és bela
com teu modo sempre novo!
- No alto do morro a capela
pedindo a Deus pelo povo.
55
Há uma luz que me alumia,
uma luz que o céu não tem,
nem de noite, nem de dia:
- a dos olhos do meu bem.
56
Sepulto-te, meu amigo,
meu pobre, meu velho cão,
como se neste jazigo
sepultasse o coração.
57
O que é bom para o Mateus,
é mau para Napoleão.
Como é difícil ser Deus
com tamanha confusão.
58
Para Deus, quando amanhece,
e ouve os pássaros cantar,
soa o canto como a prece
que a gente reza no altar.
59
Se, por mentira contada,
a boca perdesse um dente,
ó meu Deus, que desdentada
seria a boca da gente!
60
Que eu viva sem abastança,
sem amigo ou alegria,
mas seja minha esperança
o meu pão de cada dia.
61
Não gracejes das mulheres,
se não podes falar bem.
- Não há mulher que não seja
uma santa para alguém.
62
Lá, bem longe, na distância,
em cada esquina, um lampião
lembrava, na minha infância,
uma ilha na escuridão.
63
A memória é um telefone
entre o passado e o presente.
Como é grato ouvir por ele
as vozes de antigamente!
64
Seja meu túmulo aberto
de minha casinha em frente,
que eu quero ficar de perto
olhando por minha gente.
65
Messalina que ela seja,
não merece injúria tanta.
Não há mulher que não tenha
alguma coisa de santa.
66
De todos os bens do mundo,
jamais se alcança o melhor.
- Mas, dos pesares da vida,
o nosso é sempre o pior.
67
Por que, pensando na morte,
tesouros acumular?
Feliz será minha sorte
se só saudades deixar.
68
Ela é a melhor mãe que existe,
com seu grande amor profundo.
Pena é que eu também não seja
o melhor filho do mundo.
69
Estranho comboio é a vida,
que sempre passa a correr:
- ninguém o toma por gosto,
ninguém desce por prazer.
70
No mar cinzento da sorte,
cruzado de navegantes,
não há nau que me transporte
aos meus castelos distantes.
71
Que desencontro sem jeito
o mundo às vezes nos traz:
- eu ... perder a paz do peito
ao ver Maria da Paz!
72
A fruta caiu à toa,
porque ninguém a colheu.
Era uma fruta tão boa,
e foi em vão que nasceu.
73
Brilham em suas orelhas
duas jóias preciosas
lembrando duas abelhas
pousadas em duas rosas.
74
Não humilhe a quem é pobre,
nem ao rico inveje tanto.
Deus nos irmana e nos cobre,
a todos nós, com seu manto.
75
No azul dos seus olhos vejo
algo que me faz pensar
nos infinitos do céu,
nas profundezas do mar.
76
Na alma tenho uma paineira
que solta paina todo o ano.
Cada floco que ela solta
representa um desengano.
77
Quando ouço um trem apitar,
parece que a alma também
se perde, triste, pelo ar,
no longo, apito do trem.
78
Misteriosa fruta é a vida,
com outras não se parece:
- doce, quando ainda verde,
trava, quando amadurece.
79
Se no mundo o mal é tanto,
que torna a existência atroz,
as estrelas são o pranto
que a Virgem chora por nós.
80
Um mal com outro se casa,
qualquer deles prejudica:
- homem que não sai de casa,
mulher que em casa não fica.
81
Atravessei-te, Ano-Velho,
as águas em calmaria.
Grato pelo que me deste:
- sossego, sonho e poesia.
82
Na arquitetura do espaço,
as nuvens, singularmente,
dão forma, traço por traço,
a muito sonho da gente.
83
Há tanta coisa sem jeito,
sem que este mundo desande
- Como cabe no meu peito
uma saudade tão grande?
84
Uma casinha na mata,
uma espingarda e meu cão,
meu amor à espera e o fogo
sempre aceso no fogão.
85
Depois de minha partida,
virá o caos num momento,
pois tudo acaba na vida
quando acaba o pensamento.
86
Segundo ouvi de um emir,
homem de bom parecer,
o mal nem sempre é cair,
mas, cair e não se erguer.
87
Voa o espírito até lá
pelos confins da amplidão.
Mas, por mais longe que vá,
vai mais longe o coração.
88
Possam meus filhos também,
agora que a alma se vai,
pensar de mim tanto bem
quanto penso do meu pai !
89
Choro tão triste no mundo,
da tanta mágoa na terra,
só mesmo o choro profundo
de um carro-de-bois na serra.
90
Um cacho de uvas, Maria,
bom é de ver-se na vinha:
- a cor, o olhar aprecia,
- o gosto, a boca adivinha.
91
Ninguém desfaça de um crente
a fé que do céu lhe vem.
Seria como se a gente
cegasse os olhos de alguém.
92
A maior graça divina,
obtida por um cristão,
é essa filha pequenina
na palma da minha mão.
93
Pelo Cruzeiro do Sul,
em celeste resplendor,
à noite vela por nós
o olhar de Nosso Senhor.
94
O que mais a Deus eu peço,
quando ouço tocar o sino,
é que abençoe a meus filhos,
e lhes dê um bom destino.
95
Arde o fogo na lareira
contra a neve da estação.
- Mas, por mais que o fogo aqueça,
não aquece o coração.
96
Quanto maior a distância,
menos se ouve a voz do sino.
Mas, quanto mais longe a infância,
mais lembro que fui menino.
97
Bandeira de minha terra,
não te veja alguém jamais
içada em tendas de guerra,
mas só em templos de paz.
98
Veja o céu como tem vida,
chorando na noite langue:
- cada estrela é uma ferida
por onde escorre o seu sangue.
99
É vã toda a nossa lida,
pois tudo, afinal, se encerra
e se resume, na vida,
em sete palmos de terra.
100
Já posso morrer sem queixa,
eu, que vivi tão sem brilho,
pois nem toda gente deixa
um livro, uma árvore e um filho.
--------

Fontes:
OTÁVIO, Luiz e JORGE, J. G. de Araujo. 100 trovas de Waldemar Pequeno. Editora Vecchi, 1959. Coleção Trovadores Brasileiros.
Imagem = montagem de José Feldman com imagem de Trovador obtida na Internet e Bandeira do Portal São Francisco.

Waldemar Pequeno (1892 – 1988)


"O trovador é o poeta que vaza sua inspiração em trovas. Possui qualidades específicas. Pode não ser capaz de realizar um poema grande mas deve ser capaz de fazer um grande poema ao compor apenas uma pequena quadrinha.

Nasceu trovador além de ter nascido poeta. São duas coisas distintas numa só. Todo trovador é poeta mas nem todo poeta é trovador
."

Waldemar Pequeno é poeta e é trovador. A trova que abre este volume é de uma sutileza profunda de pensamento:

Nunca fales com desprezo
de um vaso por ser grosseiro.
Só Deus sabe se ao fazê-lo
não tremeu a mão do oleiro.

E que dizer da beleza singela desta confissão?

Muitos mundos visitei
levado por meu destino.
- Mas nunca mais encontrei
o meu mundo de menino.

Em compensação, este mundo que o poeta diz que não encontrou, vai-se fragmentando imperceptivelmente nas suas cantigas.

Ao lado da trova levemente filosófica, a trova lírica desponta, espontânea e fresca:

Não sei, das flores da vida,
as que sejam do teu gosto.
As do meu - ninguém duvida -
são as rosas do teu rosto.

Waldemar Pequeno possui todas as qualidades do poeta-trovador. Simplicidade, aquele sutil jogo de palavras que enriquece tanto a trova em sua estrutura íntima, a imaginação, o lirismo inato. E ainda, essa vivência, indispensável à obra de arte, que lhe dá seiva e cor, perfume e vida.

A sua trova no 4 é arrancada de seu âmago:

Não há fonte neste mundo,
rolando por entre escolhos
que tenha o choro tão fundo
como a fonte dos meus olhos.

E finalmente, esta flor de trova, para usar a sua própria sugestão. A trova no 5:

Uma rosa, em minha cova,
talvez brote deste amor,
como se fora uma trova
sob o feitio de flor.

Nada mais, nada menos. Precisão absoluta na imagem. Floração lírica de singela e sugestiva beleza!

Aí estão as 5 primeiras trovas. Daqui para frente, leitor amigo, você seguirá sozinho, o ameno e sugestivo roteiro da poesia de Waldemar Pequeno. E estou certo de que se emocionará muitas vezes. Parará algumas outras para se extasiar diante da paisagem descortinada; se deixará surpreso, encantado com o canot dos versos; se extasiará com as florezinhas das trovas salpicando de cravos o chão do caminho para a morada do poeta...

Waldemar Pequeno, (Waldemar Dinis Alves Pequeno) é fluminense, de Piraí. Nasceu a 23 de Outubro de 1892, filho do cearense Pio Alves Pequeno e da mineira Maria Isabel Alves Pequeno.

Sua família radicou-se em Minas. Primeiro em Muriaé, depois em Barbacena, onde Waldemar fez o curso, e onde surgiu a vocação literária. Formou-se depois pela Faculdade de Direito, em Belo Horizonte, colaborando nessa época em jornais e revistas de várias cidades do Estado.

Iniciou sua vida como Delegado de Polícia em Aimorés, "em plena mata virgem, à margem do rio Doce, fronteira com o Estado do Espírito Santo, lutando contra a jagunçagem e o caudilhismo!

Waldemar teve uma vida aventurosa. Militou ativamente na política, participou de armas na mão nas revoluções de 1930 e 1932. Foi Delegado de Polícia em Goiânia; criou gado. Mas as rimas e as preocupações literárias eram a sua vocação.

Reside atualmente em Belo Horizonte. Depois das lides revolucionárias, um acontecimento o faria reintegrar-se em suas atividades literárias. Aberto um Concurso de Contos pela Prefeitura de Belo Horizonte, saiu vencedor.

Reescreveu então suas poesias antigas, acrescentou novas páginas e publicou em 1953 o primeiro livro: "Poemas das Vozes Distantes." Em 54, lançou "Ouro de Cuieté e Outras Histórias", livro laureado pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio "Afonso Arinos" e também premiado pela Academia Mineira de Letras. Em 55, saiu "Campanha Educativa do Trânsito". De suas obras publicadas, confessa Waldemar Pequeno que a que lhe é mais cara ao coração é "Ouro do Cuieté", onde narra episódios de sua infância e de sua vida dramática às margens do Rio Doce.

Em elementos que gentilmente nos forneceu, a mim e ao Luiz Otávio, informa que "tem inéditos, além de um livro de trovas a ser publicado, outro de poesia, um de contos e crônicas, e a autobiografia sob o título de "Retorno ao País da Vida".

E mais as obras seguintes: 114 Soldados, 3 Cozinheiras... 12 Netos, em vésperas de 14..."

Waldemar Pequeno viveu praticamente a sua vida no interior, no sertão. E quando me refiro a interior aí, quero dizer a vida nas pequenas cidades, nas pequenas vilas. Suas trovas, por isto, fixam muitas vezes os aspectos pacatos da vida interiorana, sua paisagem, seus costumes. Em algumas de suas quadras, há toda essa filosofia simplória do homem em seu pequeno mundo, realmente muito mais humano que o das grandes cidades, asfixiantes. Daí sua aspiração:

Quem me dera, solitário,
habitar naquele morro,
apenas com meu canário
meu cavalo, meu cachorro.

Eis o seu ideal:

Uma casinha na mata
uma espingarda e meu cão,
meu amor à espera, e o fogo
sempre aceso no fogão.

No morro ou na mata, seu anseio é por tranqüilidade. E' o sonho da casinha pequenina, a casa do caboclo, onde um é pouco, dois é bom, três é demais. Demais, é o modo de dizer, porque o amor multiplica e os filhos fazem da casa do caboclo uma verdadeira creche...

Não foi à toa que escrevi estas redondilhas, no meu "Festa de Imagens", sobre a "Matemática da Vida": "Matemática esquisita que das suas sempre faz... Ao final de nove meses somando dois, - multiplica, e ao invés de dois, às vezes: são três, são quatro, e até mais..."

E tudo começa afinal, com aquelas "duas coisas" que o poeta diz que bastam para a sua felicidade:

Duas coisas neste mundo
bastam para o meu agrado:
- pito de fumo de rolo,
mulher cosendo ao meu lado.

A poesia de Waldemar Pequeno recolheu a paisagem e o meio, nos seus versos. Quem conhece o Brasil por dentro, viaja com o poeta em seus versos, sentindo uma imensa alegria em descortinar o seu mundo.

A inclusão de seu nome ao lado de nomes como Belmiro Braga, Adelmar Tavares, Lilinha Fernandes, Baptista Nunes, é um simples ato de justiça à sua obra, aos seus versos, às suas trovas.

Aí estão rápidos traços da personalidade literária do trovador que não leva apenas o bandolim a tiracolo, para tecer madrigais à vida e à amada, mas que, de mosquete em punho, tem enfrentado o mundo e os homens...

J. G. DE ARAUJO JORGE Rio, XI/1960
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Fontes:
OTÁVIO, Luiz e JORGE, J. G. de Araujo. 100 trovas de Waldemar Pequeno. Editora Vecchi, 1959. Coleção Trovadores Brasileiros.

Robert Silverberg (O Homem que Jamais Esquecia)


Ele a viu na fila de um grande cinema de Los Angeles, na manhã de uma terça-feira ligeiramente nevoenta. Era delgada e pálida, de finos e compridos cabelos de trigo, mal teria quinze anos, e estava só. Lembrava-se dela, naturalmente.

Podia ser engano, mas, atravessando a rua, caminhou ao longo da fila até o lugar onde ela se encontrava.
- Alô! - disse.

Ela voltou-se, encarou-o impassível, passou rapidamente nos lábios a pontinha da língua...
- Creio que... creio que não...
- Sou Tom Niles - disse ele. - Pasadena, ano-novo de 1955. Sentou-se junto de mim no Estado de Ohio 20 versus Califórnia do Sul. Não se lembra?
- Num jogo de futebol? Mas eu raramente... isto é... sinto muito... eu...

Alguém na fila avançou para ele com aspecto ameaçador. Niles sabia quando estava vencido. Sorriu desculpando-se e disse:
- Sinto muito, senhorita. Acho que me enganei. Confundi-a com alguém que conhecia, uma certa Miss Bete Torrance. Desculpe!

E afastou-se rapidamente. Não andou mais de dez pés, quando ouviu um pequeno ofego e as palavras “Mas eu sou Bete Torrance!”... Ele, porém, continuou andando.
“Eu devia ter mais juízo aos vinte e oito anos”, pensou amargamente. “É que me esqueço do fato básico: de que, embora eu me lembre das pessoas, estas necessariamente não se lembram de mim...”

Abatido, caminhou até a esquina, virou à direita, pôs-se a descer uma nova rua – rua cujas lojas lhe eram completamente estranhas, e que, por isso mesmo, nunca antes visitara. Sua mente, como boa máquina que era, estimulada pelo incidente da fila de cinema, vomitou, até alcançar o diapasão normal de atividade, um exército de lembranças tangenciais.

1º de janeiro de 1955, no Rose Bowl de Pasadena, Califórnia, número do assento, G126; dia quente, muito úmido, cheguei ao estádio às doze e três, horário padrão do Pacífico. Fui sozinho. A moça ao lado trazia um vestido azul de algodão e tênis branco, carregava uma fâmula do Califórnia do Sul. Falei com ela. Nome, Bete Torrance, aluna adiantada do Califórnia do Sul, curso especializado. Tinha companheiro para o jogo, mas o rapaz adoecera com sintomas de gripe no dia anterior e insistiu para que ela fosse assistir à disputa futebolística mesmo sozinha. O assento ao lado dela, vazio. Comprei-lhe um cachorro-quente, vinte cents (sem mostarda...).”

Havia mais, muito mais. Porém Niles recalcou as lembranças. Havia entretanto o relatório virtualmente estenográfico da sua conversação durante todo aquele dia:

(“...Espero que ganhemos. Assisti ao último Rose Bowl que ganhamos, faz dois anos...)
(“...Sim, foi em 1953. Califórnia do Sul 7, Wisconsin 0... e duas vitórias completas sobre Washington e Tennessee...)
(“...Puxa, conhece futebol a fundo! Costuma decorar o livro de scores? “)

E as antigas lembranças... O berro escarnecedor de Joe Merrit, o Sardento, naquele caloroso dia de abril de 1937: “Quem você pensa que é, Einstein?” E Buddy Call dizendo acerbamente a 8 de novembro de 1939: “Aí vem Tommy Niles, a máquina humana de somar. Agarrem-no!” Depois, a dor aguda de uma bola de neve acertando logo abaixo da sua clavícula esquerda - dor que ele podia evocar com a mesma facilidade com que evocava quaisquer outras lembranças de dor que trazia consigo. Piscou e fechou repentinamente os olhos, como que golpeado pela gélida pelota, ali, numa rua de Los Angeles, numa manhã nevoenta de terça-feira...

Já não mais o chamavam de “máquina humana de somar”, mas de “gravador humano”: os termos irônicos tinham de emparelhar-se com as décadas que passavam. Só o próprio Niles permaneceu inalterado. O Menino de Cérebro de Esponja virou Homem de Cérebro de Esponja, sempre condenado ao mesmo dom terrível. Sua mente coalhada de dados lhe doía. Viu um minúsculo carro esporte estacionar no outro lado da rua, e pelo feitio, modelo, cor e número da licença, reconheceu-o como pertencente a Leslie F. Marshall, de vinte e seis anos, cabelos louros, olhos azuis, ator de televisão com as seguintes habilitações...

Estremecendo, Niles desligou o circuito e apagou os dados que se avolumavam. Estivera uma vez com Marshall, fazia seis meses, numa festa oferecida por um amigo comum - um amigo de outrora; Niles achava difícil continuar amigo de alguém por muito tempo. Conversara talvez dez minutos com o ator e acrescentara mais isso à sua bagagem mental.

Era tempo de seguir adiante, pensou Niles. Residira dez meses em Los Angeles. O fardo de lembranças acumuladas se lhe tornara excessivamente pesado; cumprimentava um número demasiado de pessoas que já o haviam esquecido. “Ao diabo com o meu quociente, John. Tamanho normal, cinco pés e nove polegadas, cento e sessenta e três libras; cabelos castanhos, olhos castanhos, nenhum traço fisionômico indevidamente saliente, nenhuma cicatriz visível, exceto as de dentro”, pensou. Tencionava voltar para San Francisco, mas desistiu. Fazia apenas um ano que lá estivera; em Pasadena, fazia dois. Percebeu que chegara o dia de uma outra excursão para o leste...

“Para a frente e para trás na superfície da América, lá vai Thomas Richard Niles, o Holandês Voador, o Judeu Errante, o Espírito do Natal Passado, o Gravador Humano...” Sorriu para um jornaleiro que lhe vendera um exemplar do Examiner do último dia 13, recebeu de volta o costumeiro olhar inexpressivo, e dirigiu-se para o terminal de ônibus mais próximo.

Para Niles, a longa viagem começara a 11 de outubro de 1929, na pequena cidade de Lowry Bridge, Ohio. Era o terceiro de três filhos, nascido de pais aparentemente normais, Henry Niles (nascido em 1896), Mary Niles (nascida em 1899). Seus irmãos mais velhos não tinham revelado qualquer manifestação extraordinária; ao contrário de Tom, que revelara...

Tudo começou quando ele principiou a soletrar; uma vizinha, espiando do alpendre para dentro da casa dele, viu-o brincando e observou a Mary Niles:
- Veja como ele está crescendo!

Nessa ocasião, Tom contava menos de um ano, e respondera, virtualmente, no mesmo tom de voz: “Veja como ele está crescendo!”

Foi uma sensação, embora se tratasse de pura mímica, não de discurso. Passou seus primeiros doze anos em Lowry Bridge, Ohio. Tempos depois cismava frequentemente em como fora capaz de ali permanecer tanto tempo. Entrou para a escola aos quatro anos, pois não havia como retê-lo; seus colegas de classe tinham cinco ou seis anos, eram vastamente superiores a ele em coordenação física, vastamente inferiores em tudo o mais. De certo modo, Tom sabia ler, podia até mesmo escrever, embora seus músculos infantis logo se cansassem de segurar a caneta. E podia... lembrar.

Lembrava-se de tudo. Lembrava-se das rixas de seus pais e repetia exatamente suas palavras a quem quisesse ouvir, até que seu pai lhe deu uma surra e ameaçou matá-lo se ele viesse a repeti-las. Também se lembrava disso. Lembrava-se das mentiras contadas por seu irmão e sua irmã, e se esforçava em repeti-las com exatidão. Finalmente, aprendeu a não fazer mais isso. Lembrava-se das coisas ditas por pessoas, e até mesmo as corrigia quando mais tarde elas contrariavam as suas primeiras declarações.

Lembrava tudo.

Certa vez leu um manual, e absorveu-o todo. Quando o professor fazia uma pergunta baseada na lição do dia, o braço magricela de Tommy Niles era o primeiro a se levantar, antes mesmo que os outros a tivessem ao menos assimilado. Passado algum tempo, o professor lhe explicou que ele não podia responder a todas as perguntas, tivesse ou não resposta para elas; havia na escola mais vinte alunos, os quais lhe ensinaram isso fartamente... depois da aula.

Ganhou na Escola Dominical o Concurso de Memorização de Versículos Bíblicos. Barry Harman estudara muitas semanas esperando ganhar a luva de boxe que seu pai lhe prometera se tirasse o primeiro lugar; mas quando chegou a vez de Tommy Niles, assim começou ele: “No princípio Deus criou o céu e a terra”, continuando com “Estas são as origens do céu e da terra, quando foram criados: no dia em que o Senhor Deus fez a terra e o céu”, descambando para “Ora, a serpente era a mais astuta de todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito”; era de presumir que tivesse recitado todo o Gênese, o Êxodo e o Livro de Josué, não tivesse o aturdido professor mandado que ele se calasse, declarando-o vencedor.

Barry Harman não ganhou a luva; em vez disso, Tommy Niles ganhou um olho preto. Começava a perceber que era diferente dos outros. Levou tempo para descobrir que os outros estavam sempre a esquecer coisas, e que, em vez de admirá-lo por lembrá-las, ao contrário, odiavam-no. Era difícil para um menino de oito anos, embora este fosse Tommy Niles, compreender por que o detestavam; mas ele o descobriu finalmente, de modo que começou a aprender como ocultar seu talento.

No decorrer do nono e décimo anos, exercitou-se na normalidade, e foi quase bem sucedido; as surras de após as aulas cessaram, e ele conseguiu obter alguns “B” nos boletins, ao invés de renques de “A”. Crescia; aprendia a fingir Os vizinhos soltavam suspiros de alívio, agora que o terrível diabrete dos Niles já não mais fazia aquelas coisas malucas...

Mas por dentro ele era o mesmo de sempre, e percebia que em breve teria de sair de Lowry Bridge. Conhecia demais a todos e a cada um. Dez vezes por semana apanhava-os mentindo; até mesmo Mr. Lawrence, o ministro, que certa vez rejeitou um convite dos Niles para uma função social, dizendo: “Na verdade tenho de aprontar meu sermão de domingo”, quando, havia apenas três dias, Tommy o ouvira dizer a Miss Emery, secretária da igreja, que ele experimentara um repentino estro de inspiração e escrevera três sermões de uma assentada, de modo que agora teria tempo livre para o resto do mês...

Como veem, até Mr. Lawrence mentia... E era o melhor dos homens. Quanto aos outros...

Tommy esperou até completar doze anos. Era grande demais para a idade e pensou poder agir por si mesmo. Tomou vinte dólares de empréstimo da pseudo-secreta caixinha do fundo da prateleira da cozinha (fazia cinco anos que sua mãe mencionara sua existência e ele ouvira), e saiu às escondidas de casa, às três da madrugada. Tomou o trem de carga para Chillicothe e pôs-se a caminho. Havia umas trinta pessoas no ônibus que deixou Los Angeles. Niles sentou-se sozinho na parte traseira, junto ao banco situado logo em cima da roda de trás. Conhecia de nome três pessoas que viajavam no ônibus - mas confiava em que elas já o houvessem esquecido e não se mexeu.

Negócio incômodo. Se dissesse “alô” a alguém que o esquecera, pensariam que ele era um criador de casos ou um achacador. E se passasse por alguém, pensando que ele o esquecera, quando, ao contrário, isso não acontecia, então, que tipinho mais esnobe que ele era! Niles balançava-se entre esses dois polos cinco vezes por dia. Via alguém, por exemplo a moça Bete Torrance, e recebia de volta um olhar gelado, impassível; ou passava por outra pessoa, acreditando que esta não se lembrava dele mas andando depressa para escapar a um possível reconhecimento, e ouvia um irado “Bem! Que diacho você pensa que é?” acompanhando-lhe a retirada.

Agora estava só, sacolejando para cima e para baixo a cada revolução da roda, com a sua única maleta contendo seus pertences a pular constantemente no compartimento de bagagens sobre a sua cabeça. Uma vantagem do seu talento: poder viajar sem bagagem. Não precisava conservar os livros depois que os lia, e não era proveitoso entesourar pertences de qualquer espécie; estes se tornavam demasiado conhecidos, para não dizer cacetes.

Niles olhava as tabuletas da estrada. Já estavam bem entrados em Nevada. A antiga e cansativa retirada prosseguia. Não podia permanecer demais numa só cidade. Era-lhe preciso dirigir-se a um novo território, a algum lugar desconhecido, do qual não tivesse lembranças, onde ninguém o conhecesse, onde não conhecesse ninguém. Nos dezesseis anos que se passaram desde que saíra de casa, cobrira muito terreno.

Lembrava-se dos empregos que tivera.

Fora revisor de uma casa editora de Chicago. Fazia o trabalho de dois homens. Segundo o costume, um homem lia o manuscrito enquanto o outro conferia as provas. Niles tinha um método mais simples: lendo o manuscrito, decorava-o, depois apenas conferia as provas em busca de discrepâncias. Ganhou por algum tempo cinquenta dólares semanais, antes que chegasse a hora de seguir adiante. Certa vez fora trabalhar como atração num parque de diversões ambulante que fazia o circuito regular de Alabama-Mississípi-Geórgia. Nessa época estava realmente a nenhum. Lembrava-se de como arranjara esse emprego: agarrando o dono do parque pela lapela e pedindo-lhe um teste:

- Leia-me qualquer coisa... qualquer coisa... e eu me lembrarei!

O sujeito estava meio cético e não via nenhuma utilidade num ato desses, mas finalmente cedeu quando Niles praticamente desmaiou de fome no escritório dele. O homem leu para ele o editorial de um semanário do interior do Mississípi, e, quando acabou, Niles recitou-o inteirinho, palavra por palavra. Obteve o emprego de quinze dólares por semana mais as refeições, e ficava sentado numa tenda sob a tabuleta que dizia: “O Gravador Humano”. As pessoas liam-lhe ou diziam-lhe coisas e ele as repetia. Era um trabalho monótono. Às vezes lhe diziam coisas sórdidas, e na maior parte dos casos, daí a minutos nem ao menos se lembravam do que haviam dito. Ficou no parque quatro semanas, e quando se despediu ninguém lhe achou falta.

O ônibus rodava na noite que o nevoeiro bloqueava. Mas ainda houve outros empregos: bons empregos, maus empregos... Nenhum durou muito tempo. Também houve algumas garotas, porém nenhuma delas durara muito. Todas elas descobriram-lhe o talento especial - mesmo aquelas das quais tentara escondê-lo - e o abandonaram. Não era possível ficar junto de um homem que jamais esquecia, um homem que sempre podia catar fraquezas de ontem no reservatório que era a sua mente e lançá-las inopinadamente em público. Um homem de memória perfeita jamais poderia viver muito tempo entre seres humanos imperfeitos.

“Perdoar é esquecer”, pensava ele. A lembrança de velhos insultos e discussões se dissipa, e as relações se refazem. Mas para ele não podia existir esquecimento, e, em consequência, só poderia haver pouco perdão.

Niles fechou os olhos após algum tempo e encostou-se na dura almofada de couro da poltrona. A cadência ritmada do ônibus deu-lhe sono. Durante o sono, sua mente descansava; ele podia enfim repousar a memória. Nunca sonhava. Em Salt Lake City pagou a passagem, desceu do ônibus com a mala na mão e partiu na primeira direção à sua frente. Não queria se afastar muito a leste naquele ônibus.

Sua reserva monetária era agora de sessenta e três dólares, e tinha de fazê-la durar. Descobriu um emprego de lava-pratos num restaurante do centro da cidade, conservou–o o bastante para acumular uma centena de dólares e tornou a partir, desta vez viajando de carona para Cheyenne. Ficou um mês ali, depois tomou um ônibus noturno para Denver, e quando deixou Denver foi para dirigir-se a Wichita.

De Wichita para Des Moines, de Des Moines para Minneapolis, de Minneapolis para Milwaukee, depois através de Illinois, cuidadosamente evitando Chicago, e daí para Indianápolis. Essa viagem era para ele história antiga. Celebrou melancolicamente o seu vigésimo nono aniversário sozinho, numa casa de cômodos de Indianápolis, num dia garoento de outubro, e com o propósito de alegrar a ocasião evocou as velhas lembranças da festa do seu quarto aniversário, em 1933 - uma das poucas datas perfeitamente felizes de sua vida.

Todos estavam lá - seus amigos e seus pais, e seu irmão Hank com um ar muito importante para os seus oito anos, e sua irmã Marian, e havia velas e lembranças festivas, ponche, bolos. Mrs. Heinsohn, vizinha do lado, entrara dizendo: “Ele parece um homenzinho!”, e seu pais ficaram radiantes, todos cantaram e divertiram-se. Depois, jogado o último jogo, aberto o derradeiro presente, quando os meninos e as meninas acenaram um boa-noite e desapareceram rua acima, os adultos sentaram-se em roda e falaram do novo presidente e das muitas coisas estranhas que aconteciam no país, e o pequeno Tom sentou-se no meio do assoalho, ouvindo e gravando tudo e cordialmente satisfeito, pois durante toda a tarde ninguém lhe fizera ou dissera algo cruel. Dia feliz, aquele, e, ao deitar-se, ele ainda se sentia cheio de felicidade.

Niles relembrou a festa duas vezes, como um velho filme ao qual amasse; a imagem nunca aparecia defeituosa e o som continuava tão claro e distinto como nunca. Niles podia provar o doce travo do ponche, podia reviver o calor daquele dia no qual, mercê de algum acidente, os outros lhe haviam permitido um pouco de felicidade. Finalmente deixou se dissipar o brilho da festa, e novamente achou-se em Indianápolis, numa tarde cinzenta e sombria, sozinho num quarto mobiliado, de oito dólares por semana.

“Desejo-me feliz aniversário”, pensou amargamente. “Feliz aniversário.”

Fitou a parede verde cheia de manchas com uma gravura barata de Corot dependurada um pouco de viés. “Bem que eu podia ser algo especial”, cismava ele, “uma dessas maravilhas do mundo. Em vez disso, não passo de um sorrateiro excêntrico que mora nos fundos de um terceiro andar, e não me atrevo a deixar que o mundo saiba o que sei fazer.”

Fez um esforço e conseguiu se lembrar da execução, por Toscanini, da Nona sinfonia de Beethoven, que ouvira no Carnegie Hall certa vez em que estivera em Nova Iorque Estava infinitamente melhor do que a última execução que o mesmo Toscanini aprovara para gravação, todavia nenhum microfone a registrou; exceto na mente de um homem, a fulgurante execução era tão impossível de captar como uma chama soprada há cinco minutos. Mas Niles captara-a: a majestosa entrada dos tímpanos, o ressoante contrabaixo produzindo a grande melodia do finale, até mesmo o balanço do oboé que devia enfurecer o maestro, a tosse exasperadora dos ouvintes no momento mais suave do adágio, o dolorido apertão dos sapatos de Niles, que se inclinava para a frente na poltrona...

Ele gravara tudo, com a mais alta fidelidade.

Três meses depois, numa noite sem lua chegou a uma cidadezinha. Era uma noite de janeiro, fria e cortante, quando o vento de inverno soprava do norte, penetrando-lhe os ossos através da roupa fina e tornando quase insuportável o peso da mala para suas mãos dormentes e sem luvas. Não tivera a intenção de ir para lá, mas em Kentucky ficara sem dinheiro e não tivera escolha. Estava a caminho de Nova Iorque, onde poderia viver anonimamente durante meses sem amolação e onde sabia não ser notada a sua grosseria caso lhe acontecesse esbarrar em alguém ou cumprimentar alguma pessoa que o houvesse esquecido.

Mas Nova Iorque ainda se encontrava a centenas de milhas de distância - bem poderiam ser milhões naquela noite de janeiro. Viu um letreiro: “BAR”. Avançou para a luz pisca-pisca de neon. Ordinariamente não bebia, mas agora precisava do calor do álcool, e talvez o dono do bar precisasse de alguém para ajudar, ou talvez pudesse lhe alugar um quarto em troca do pouco dinheiro que tinha nos bolsos.

Havia cinco homens lá dentro. Pareciam choferes de caminhão. Niles deixou cair a mala à esquerda da porta, esfregou as mãos endurecidas, exalou uma nuvem branca pela boca... O dono do bar arreganhou-lhe um sorriso.
- Frio que baste lá fora, hein?

Niles conseguiu sorrir.
- Não estava suando muito... Dê-me algo quente. Uma dose dupla de uísque, talvez.

Isso custava noventa cents: ele tinha apenas sete dólares e trinta e quatro cents. Niles acalentou a bebida quando ela veio, bebericou devagar, deixou-a escorrer pela garganta... Lembrava-se do verão em que fora parar em Washington, uma semana inteira de noventa e sete graus de temperatura e noventa e sete por cento de umidade, e a vívida memória concorreu para lhe acalmar alguns dos efeitos psicológicos do frio. Logo distendia os nervos, cobrava calor... Atrás dele, o rumor penetrante de uma discussão.
-...digo-lhe que Joe Louis fez de Schmeling uma massa na segunda vez! Nocauteou-o no primeiro round!
- Está maluco! Louis simplesmente o derrubou numa luta de quinze rounds: por pontos, no segundo...
- Parece que...
- Aposto dinheiro. Dez dólares numa decisão por pontos em quinze rounds, Mac.

Risadas confiantes se fizeram ouvir.
- Não quero ganhar tão fácil seu dinheiro, companheiro. Todos sabem que foi nocaute.
- Ofereci dez dólares.

Niles voltou-se para ver o que estava acontecendo. Dois dos choferes de caminhão, homens atarracados, de jaqueta cor de ervilha, encostavam um no outro os respectivos narizes. A ideia lhe veio automaticamente: “Louis pôs Schmeling nocaute no primeiro round, no Yankee Stadium, Nova Iorque, 22 de junho de 1938”. Niles nunca fora grande esportista, e especialmente aborrecia-lhe o boxe, mas certa vez dera uma vista d’olhos na página de um almanaque que catalogava as lutas pelo título, e os dados, naturalmente, lhe ficaram gravados no cérebro.

Olhava indiferente enquanto o maior dos choferes batia na mesa uma nota de dez dólares; o outro imitou-o. Então o primeiro, olhando para o dono do bar, disse o seguinte:
- Certo, mano. Você é um sujeito esperto. Quem acertou nessa segunda luta de Louis e Schmeling?

O dono do bar era um homem de rosto inexpressivo, de meia-idade, já meio careca, com olhos mansos e vazios. Mordeu o lábio um instante, encolheu os ombros, hesitou, finalmente disse:
- Difícil lembrar. Foi há vinte e cinco anos essa luta.
“Vinte”, pensou Niles.
- Vejamos - prosseguiu o dono do bar. - Parece que me lembro... sim, é isso mesmo.

Foram quinze rounds e os juizes deram a vitória a Louis. Houve um grande protesto; os jornais disseram que Joe devia tê-lo matado muito antes disso.

Um sorriso triunfante se esboçou na cara do motorista maior, que destramente empolgou ambas as notas.

O outro homem fez uma careta e soltou um berro:
- Ei! Vocês dois combinaram a coisa de antemão. Sei perfeitamente que Louis nocauteou o alemão em um!
- Ouviu o que o homem disse: o dinheiro é meu.
- Não - disse Niles repentinamente numa voz tranquila, que se diria ecoar até a metade do bar.

“Fique calado”, disse freneticamente com seus botões. “Isso não lhe diz respeito. Fique de fora.”
Mas era demasiadamente tarde.

- O que está dizendo? - perguntou o tal que pusera os dez dólares na mesa.
- Digo que está sendo logrado. Louis venceu a luta em um round, conforme você diz, a 22 de junho de 1938, no Yankee Stadium. O dono do bar está pensando na luta de Arturo Godoy. Essa foi de quinze rounds, completos, a 9 de fevereiro de 1940.
- Está vendo? Eu bem disse! Devolva-me o dinheiro!

Mas o outro chofer não fez caso do grito e voltou-se para encarar Niles. Era um homem de expressão fria, atarracado, e seus punhos começavam a se crispar...
- Espertinho, hein? Especialista em boxe?
- Eu só não queria ver alguém logrado - disse Niles obstinadamente. Mas já previa o que vinha em seguida. O chofer, embriagado, ia trocando as pernas em sua direção; o dono do bar berrava, os outros campeões recuavam...

O primeiro soco acertou Niles nas costelas; ele gemeu, recuou cambaleando para ser agarrado pela garganta e esbofeteado três vezes. Ouviu vagamente uma voz que dizia:
- Olhe aí, solte o rapaz! Ele não queria nada! E você quer matá-lo?

Uma rajada de golpes fizeram-no curvar-se; um soco inchou-lhe a pálpebra direita, outro golpeou-lhe o ombro esquerdo, adormecendo-o. Niles rodou a esmo, sabendo que sua mente se recordaria permanentemente de cada momento dessa agonia. De olhos semicerrados viu os outros arrancando o chofer enfurecido de cima dele; o homem contorcia-se nas garras de três outros, mas desferiu um último pontapé desesperado no estômago de Niles, atingindo uma costela, e finalmente foi subjugado.

Niles ficou sozinho no meio da sala, esforçando-se para ficar de pé, tentando suportar as súbitas pontadas que o incomodavam numa dúzia de lugares.
- Você está bem? - perguntou uma voz solícita. - Diacho! Esses caras jogam duro. Não devia se meter com eles.
- Estou bem - disse Niles numa voz cavernosa. - Mas espere um pouco... deixe-me recuperar o fôlego.
- Isso. Sente-se. Tome um trago. Isso lhe dará ânimo.
- Não - disse Niles. - Não posso ficar aqui. Tenho de ir andando. Logo estarei bom - murmurou sem convencer ninguém. Apanhou a mala, enrolou-se no sobretudo e saiu do bar, passo a passo...

Andou quinze pés antes que a dor se lhe fizesse insuportável. De repente amontoou-se no chão e caiu de bruços no escuro, sentindo de encontro às faces a terra enregelada e dura como aço. Em vão tentou levantar-se. E ali ficou, lembrando-se das muitas dores que sofrera na vida, as surras, a crueldade... Mas quando o peso da memória se lhe tornou demasiado, perdeu os sentidos.

A cama era tépida, os lençóis limpos, frescos e macios. Niles despertou lentamente, sentindo uma momentânea sensação de tontura, mas a sua infalível memória supriu os dados do seu desmaio na neve e ele percebeu que se encontrava num hospital. Tentou abrir os olhos; um se fechara, de tão inchado que estava, mas conseguiu descerrar as pálpebras do outro. Achava-se no quarto de um pequeno hospital – nada de um lustroso pavilhão metropolitano, mas de uma pequena clínica de condado com vistosos objetos moldados nas paredes e cortinas de renda caseira, através das quais penetrava o sol da tarde.

Fora encontrado e conduzido ao hospital. Isso era bom. Podia facilmente ter morrido lá fora, na neve; mas alguém tropeçara nele e o recolhera. Era uma novidade alguém ter-se incomodado em socorrê-lo; o tratamento que recebera na véspera naquele bar - fora mesmo na véspera? - era mais condizente com o que até então o mundo lhe havia dado. Em dezenove anos, ele de algum modo fracassara em aprender a se esconder e se disfarçar adequadamente, por via do que sofria, diariamente, terríveis consequências. Era-lhe tão difícil lembrar (ele, que de tudo se lembrava) que as outras pessoas não eram como ele, e que além disso o odiavam por ele ser o que era.

Apalpou cautelosamente o flanco. Parecia não haver nenhuma costela quebrada – apenas machucaduras. Um dia ou dois de repouso e decerto lhe dariam alta, deixando–o continuar a viagem.

Nisto, uma voz animada lhe falou:
- Oh, já acordou, Mr. Niles? Está melhor? Vou trazer-lhe um pouco de chá.

Ele ergueu a vista e sentiu uma súbita pontada muito aguda. Era uma enfermeira – vinte e dois, vinte e três anos, talvez nova no emprego, com uma ondulante massa de louros cachos e grandes olhos azuis, límpidos e redondos... Sorria, e pareceu a Niles que o sorriso não era meramente profissional.
- Sou Miss Carroll, enfermeira diurna. Tudo vai bem?
- Otimamente - disse Niles com certa hesitação. - Onde estou?
- No Hospital Central Geral do Condado. Trouxeram-no ontem à noite - pelo visto tinha sido espancado e largado na Rodovia 32. Foi uma sorte Mr. Mark McKenzie estar passeando com seu cão, Mr. Niles. - E fitou-o gravemente. - Lembra-se de ontem à noite, não se lembra? Quero dizer... o choque... a amnésia...

Niles riu para si mesmo.
- Essa é a última indisposição no mundo que hei de recear - disse. - Sou Thomas Richard Niles, e me lembro muito bem do que sucedeu. Até que ponto me avariaram?
- Ferimentos superficiais, um pequeno choque, um leve caso de queimadura pelo frio - resumiu ela. - Vai viver. Daqui a pouco o Dr. Hammond lhe fará um exame geral; depois que o senhor comer. Vou buscar-lhe um pouco de chá.

Niles observou a esbelta figura que desaparecia no corredor.

Era certamente uma moça muito bonita, pensou: olhos límpidos... alerta... viva. “O clichê é antigo: o paciente se apaixonando pela enfermeira. Porém ela não é para mim. Receio que não.”

A porta abriu-se abruptamente e a enfermeira tornou a entrar, carregando uma bandejinha esmaltada com o serviço de chá.
- Não adivinha? Tenho uma surpresa para o senhor, Mr. Niles. Uma visita. Sua mãe.
- Minha mãe...
- Ela leu a notícia no jornal do condado. Está esperando lá fora; disse-me que não o vê há uns dezessete anos. Quer que eu a mande entrar?
- Acho que sim - disse Niles com voz seca e frágil. A enfermeira saiu pela segunda vez.

“Meu Deus”, pensou Niles. “Se eu soubesse que estava tão perto de casa, teria ficado fora de Ohio de uma vez!”

A última pessoa que desejaria ver no mundo era sua mãe. Pôs-se a tremer debaixo das cobertas. As mais antigas e as mais terríveis lembranças irrompiam do escuro compartimento de sua mente, onde as julgava para sempre aprisionadas. A súbita emergência do calor para o frio, da treva para a luz, a vibrante pancada contra o seu traseiro, a dor cruciante ao saber que se acabara a sua segurança, e que, de agora em diante, viveria, e que, por isso, seria infeliz...

A lembrança do grito agônico do seu nascimento ressoou-lhe na mente. Nunca se esqueceria de que nascera. E entre todas, sua mãe era a única pessoa que ele jamais perdoaria, uma vez que ela o pusera no mundo que ele odiava. Tinha horror às mulheres, mas...
- Olá, Tom. Faz tanto tempo...

Dezessete anos haviam-na murchado, marcado de rugas o seu rosto e tornado suas faces mais balofas, os cerúleos olhos menos brilhantes, os cabelos castanhos de um cinzento de camundongo. Ela sorria. E para seu próprio espanto, Niles conseguiu retribuir-lhe o sorriso.
- Mãe.
- Li a notícia no jornal. Dizia que um homem de aproximadamente trinta anos fora encontrado nas cercanias da cidade com papéis que traziam o nome de Thomas R. Niles, e fora conduzido ao Hospital Central Geral do Condado. Por isso vim, apenas para me certificar de que era você mesmo!

Uma mentira aforou à superfície de sua mente, uma mentira piedosa... e ele a disse:
- Eu voltava para visitá-la, mãe. Vim de carona. Mas sofri um pequeno acidente na estrada.
- Folgo em saber que você resolveu voltar, Tom. Fiquei tão só depois da morte de seu pai, e, naturalmente, Hank se casou, Marian também... é bom tornar a vê-lo. Pensei que nunca mais o veria.

Ele continuou deitado, perplexo, pensando por que não lhe vinha a costumeira maré de ódio. Só sentia ternura por ela; estava contente em revê-la.
- E como foram todos esses anos, Tom? Não foram fáceis, não? Estou vendo. Percebo em sua cara...
- Sim, não foram fáceis - respondeu. - Sabe por que fugi?

Ela fez com a cabeça um aceno afirmativo:
- Por causa do jeito que você tem. Aquela história de jamais esquecer seja lá o que for... Eu sabia. Sabe que seu avô tinha o mesmo dom...
- Meu avô... mas...
- Você puxou a ele. Eu nunca lhe contei. Ele não se dava bem com nenhum de nós. Abandonou minha mãe quando eu era menina e nunca se soube para onde foi. Por isso sempre pensei que você se fora do mesmo modo que ele. Mas você voltou. Está casado?

Ele sacudiu a cabeça.
- Então já é tempo de decidir, Tom. Tem quase trinta anos!

A porta do quarto abriu-se e entrou um médico de aspecto eficiente.
- Receio que a sua hora já se tenha esgotado, senhora. Mais tarde poderá voltar a vê-lo. Vou examiná-lo, agora que está acordado.
- Naturalmente, doutor. - E sorriu para ele, depois para Niles. - Voltarei mais tarde, Tom.
- Decerto, mãe.

Niles recostou-se, fazendo carrancas à medida que o médico o cutucava aqui e acolá. “Eu não a odiava.” Um crescente maravilhamento o invadia, e ele pensava que havia muito já devia ter voltado. Mudara interiormente, mesmo sem perceber. Fugir foi sua primeira fase de crescimento - fase necessária. Porém querer voltar aconteceu mais tarde e era sinal de maturidade. Voltara. E repentinamente viu que fora terrivelmente idiota durante toda a sua amarga vida de adulto. Possuía um dom, um grande dom, um dom terrífico. Até agora lhe fora demasiado pesado. Condoendo-se de si próprio, atormentando-se, até então se recusara a perdoar as faltas das pessoas que esqueciam, e pagara o preço do ódio delas. Mas não podia andar fugindo a vida inteira. Tempo viria em que teria de crescer o suficiente para dominar o dom, para aprender a viver com ele ao invés de gemer na dramática angústia que a si próprio se infligia. E esse tempo era agora. Já de há muito devia ter chegado.

Seu avô possuíra o dom - nunca lhe haviam dito isso. De modo que a coisa era geneticamente transmissível. Podia casar, ter filhos... e também estes jamais se esqueceriam. Era seu dever não consentir que o dom morresse com ele. Outros de sua espécie, menos sensíveis, de pele menos fina, viriam após ele, e também estes saberiam como evocar uma sinfonia de Beethoven ou um fiapo de conversa, depois de uma década. Pela primeira vez desde aquele quarto aniversário, Tom sentiu um hesitante lampejo de felicidade. Os dias de correria tinham findado; estava de novo em casa.

“Se eu aprender a viver com os outros, decerto também eles aprenderão a viver comigo.” Viu então as coisas de que precisava: uma mulher, um lar, filhos...
-... Alguns dias de repouso, muita bebida quente, e ficará bom como novo, Mr. Niles - disse o médico. - Gostaria que agora eu lhe trouxesse alguma coisa?
- Sim - disse Niles. - Mande-me a enfermeira, sim? Quero dizer, Miss Carroll.

O médico esboçou um sorrisinho e saiu. Niles aguardou cheio de expectativa, exultando no seu novo eu. Ligou a mente para o terceiro ato dos Mestres cantores - jubilosa música de fundo - e deixou que a ternura o invadisse. Quando ela entrou no quarto ele sorria, pensando em como diria o que tinha para lhe dizer.

Fonte:
SILVERBERG, Robert. Outros tempos, outros mundos. SP: Círculo do Livro, 1990.

Imagem = montagem por José Feldman