terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (O Casamento do Rato com a Catita)


No tempo em que os animais
 Seguiam civilidade
 O mundo era diferente
 Deste da atualidade
 Não havia a corrupção
 Que existe na humanidade

 Nesse tempo o senhor leão
 Era o rei dos animais
 O gafanhoto também
 Trazia insígnias reais
 O elefante, grande sábio,
 Fazia códigos legais

 O urso era juiz de direito
 O tigre era presidente
 O lobo era capitão
 A girafa era intendente
 O tamanduá era padre
 E o porco-espinho tenente

 O boi era juiz de paz
 Mestre burro era doutor
 O macaco era escrivão
 A lagarta cobrador
 A preguiça era fiscal
 Tatu-peba coletor

 O carneiro era mendigo
 Era o bode um almirante
 A raposa era correio
 Era o cavalo estudante
 O galo era um insolente
 E o punaré negociante

 A cobra, uma criminosa
 O cachorro, delegado
 O queixada, vagabundo
 O sapo, velho soldado
 E o peru era pobre preso
 Que vivia encarcerado

 Gato era cabo de esquadra
 Saguim era professor
 O veado era vaqueiro
 Periquito, promotor
 Camelo era viajante
 E o porco era criador

 O jacaré era dentista
 O morcego era barbeiro
 A ema era bom alfaiate
 O pica-pau, carpinteiro
 Guaxinim, senhor de engenho
 Mestre urubu, cozinheiro

 Vivia o abutre faminto
 A coruja era um profeta
 O cisne era um amante
 O rouxinol, um poeta
 A zebra, grande tratante
 O canguru era um pateta

 O castor era pedreiro
 O rato era namorado
 A barata era gatuno
 O pato era um empregado
 O pavão era um ourives
 E o canário, um advogado

 Era o mocó bom marchante
 A andorinha, comboeiro
 A formiga, agricultor
 Hiena, um sujo coveiro
 A cigarra era cantora
 E o besouro era bombeiro

 Afinal, tudo o que os homens
 São nessa atualidade
 Os brutos também já foram
 No tempo da antiguidade
 Quando o Destino era um deus
 De poder e majestade

 Nesse tempo, o jovem rato
 Habitava num chalé
 E namorava a Catita
 A filha do punaré
 Ela ainda era donzela
 E ele era um moço de fé

 O rato determinou-se
 A pedir a mão da amada
 Visitando o punaré
 Pediu-lhe a filha estimada
 Visto ela também já estar
 Bem por ele apaixonada

 — Meu tio, eu não venho aqui
 Só fazer-lhe uma visita
 Venho lhe pedir a mão
 De sua filha Catita
 Para casar-me com ela
 Pois acho-a muito bonita

 O punaré respondeu-lhe:
 — Só não te dou minha filha
 Porque ainda não tens recursos
 Pra sustentar a família
 E um pobre casar com um rico
 É mais do que maravilha

 — Meu tio, eu sei que sou pobre
 Não preciso que me diga
 A fazer-lhe este pedido
 É mesmo o amor quem me obriga
 Se me negar o que peço
 Haverá entre nós intriga

 — Eu darei o que me pedes
 Pois não te posso negar
 Já que a moça é tua prima
 Porém só podes casar
 Quando tiveres dinheiro
 Com que possas te aprontar

 — Se o senhor me proteger
 Eu proponho-lhe um negócio
 Faça de mim seu caixeiro
 Pois não sou muito beócio
 E, depois, quando casar
 Poderei ser o seu sócio

 — Aceito tua proposta
 Podes vir ser meu caixeiro
 Porém há uma circunstância
 Quero avisar-te primeiro
 Que não namores a moça
 Enquanto fores solteiro

 Então, fecharam negócio
 Passaram um documento
 E o rato tomou conta
 Dum estabelecimento
 Trataram para o fim do ano
 O tempo do casamento

 O punaré proibiu
 À filha de namorar
 Porém ela, às escondidas
 Ia com o rato prosar
 Toda noite, no jardim
 Tinham um particular

 Ao cabo de pouco tempo
 Sentiu-se a moça doente
 Estava bem descorada
 Com um olhar diferente
 Os peitos tinha crescidos
 E bastante inchado o ventre

 Foi receitar-se num médico
 E este, a vendo, logo disse:
 — Senhora, este seu incômodo
 Nada mais é que prenhice
 Remédio para este mal
 Nunca pôde descobrir-se

 O Rato desconfiou
 Tratou logo de fugir
 Roubou o cofre do tio
 Que, quando o quis perseguir
 Não o encontrou mais na loja
 Nem no quarto de dormir

 Vendo-se a moça ofendida
 Foi, correndo, se queixar
 Suplicando ao delegado
 Para este logo obrigar
 O Rato a casar com ela
 Pr’assim sua honra pagar

 Prometeu o delegado
 Que faria o que pudesse:
 Mandava prender o moço
 E, embora ele não quisesse
 Casar-se com a ofendida
 Casava houvesse o que houvesse!

 A moça voltou pra casa
 E o delegado apitou
 Em menos de uma meia hora
 Uma tropa se ajuntou
 O Gato chegou primeiro
 Dizendo logo: - Cá estou!

 Os soldados perguntaram:
 — Que quer, senhor delegado?
 Este respondeu: — Eu quero
 Que o Rato seja intimado
 Se ele fizer resistência
 Tragam morto ou amarrado!

 Logo os soldados se armaram
 Foram em busca do Rato
 Este, com medo da tropa
 Estava oculto no mato
 Porém isto o não livrou
 De cair nas mãos do Gato

 Cercou a tropa uma serra
 E, de cima dum penedo
 Avistou o criminoso
 Debaixo dum arvoredo
 Muitos soldados correram
 Outros morreram de medo!

 O Rato estava dormindo
 E acordou atordoado
 Com uma voz lhe dizendo:
 — O’ cabra esteja intimado!
 O Rato pensou consigo:
 — Ai! Ai! estou desgraçado!

 O Rato quis evadir-se
 Porém foi logo agarrado
 Ele se opôs e, na luta
 Deixaram-no bem pelado
 Pois assim mesmo o levaram
 Diante do delegado

 Este perguntou ao preso:
 — Que foi que fizeste tu?
 Que foi que te aconteceu
 Que estás aí quase nu?
 Para ti serve o ditado:
 Quem se vexa come cru!

 Disse o Rato: — Eu quis casar
 Com uma jovem mui bela;
 Mas, por ela me ser falsa,
 Eu disse para o pai dela:
 Que procurasse outro noivo
 Para casar-se com ela

 O delegado então disse:
 — Pois que o camarada me ouça:
 Por aí corre o boato
 Que tu ofendeste essa moça
 Agora, o que te acontece
 É morte ou casar à força!

 O Rato lhe respondeu:
 — Não é preciso matar-me!
 Eu já estou arrependido
 E, como quer castigar-me
 Mande chamar logo o padre
 Quero hoje mesmo casar-me

 O delegado respondeu-lhe
 — Não precisa se vexar
 Ainda falta correr banhos
 E a moça se preparar
 Eu dou-lhe um mês como prazo
 Para tudo se arranjar

 Com esse espaço dum mês
 Tudo estava preparado
 Todo o povo do lugar
 Tinha sido convidado
 Para ao grande baile vir
 Que havia de ser falado

 O Punaré, logo cedo
 Mandou ao padre chamar
 Pra fazer o casamento
 Que era em primeiro lugar
 Na manhã daquele dia
 Sem poder mais se adiar

 Convidou Mocó das Índias
 Pra ser do noivo o padrinho
 Visto ele ser seu parente
 E também ser seu vizinho
 Este não bebeu na festa
 Por gostar pouco de vinho

 Mandou chamar a Cotia
 Pra ser da noiva a madrinha
 Esta não comeu na festa
 Por não gostar de galinha
 E, como tinha inimigos
 Desconfiada é que vinha

 Convidou Mestre Urubu
 Para a festa cozinhar
 Este preparou guisados
 E, quando foram jantar
 O delegado chegou
 Para no baile dançar

 Ao chegar o delegado
 A festa foi acabada
 Pois a madrinha da noiva
 Era com ele intrigada
 O delegado agarrou-a
 Matando-a numa dentada!

 Numa guerra sanguinária
 Tranformou-se, então, a festa
 Tamanduá levantou-se
 Perguntou: — Que zoada é esta?
 Mas, quando viu que era o cão
 Se embrenhou pela floresta

 Na cabeceira da mesa
 Estavam Catita e Rato
 Quando ouviram o barulho
 Quiseram correr pro mato
 Mas, antes disso fazerem
 Foram mortos pelo Gato!

 Morreram nesse barulho
 Mais de dois mil convidados!
 Os que escaparam com vida
 Foram todos debandados
 Desde esse dia ficaram
 Os animais intrigados

Fonte:
Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folk-lore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

Mitos e Lendas ( Tamandaré e o Dilúvio)


A lenda do dilúvio é universal. 

Nossos índios também têm uma lenda em que o dilúvio comparece para castigar os homens e em que há um Noé que salva a raça da extinção total. 

Entre diversas versões dessas lendas, damos a de Olavo Bilac (Contos pátrios): 

Tupã para fazer o céu e a terra, começou criando as mães de tudo. O Sol é mãe do dia e da noite: a Lua é mãe das plantas e dos animais. 

Os homens nasceram e foram maus. Tupã, para castigar a sua maldade, mandou que as águas crescessem desmedidamente e cobrissem tudo. Então, viram-se os peixes nadando entre as folhagens das árvores e as onças boiando sobre a vastidão das ondas crescidas. E os homens fugiram de monte em monte. 

E o céu se abria em relâmpagos e em assombrosas quedas de água. 

Mas um varão forte que Tupã amava — um varão de alma grande, que tinha o nome de Tamandaré, salvou a raça, guardando em uma canoa os seus filhos, livrando-os do naufrágio espantoso. 

Fonte:
Colhido por Jerônimo B. Monteiro e publicado em sua coluna Lendas, mitos e crendices
Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário

Thiago de Mello (O Temporal no Amazonas)


Passamos o dia em Ponta Alegre, aldeia dos índios Maués, banhada pelo rio Andirá. Muito aprendi com o jovem tuchaua, conhecedor de ervas mágicas e amigo das estrelas. Ao entardecer, saímos de canoa com motor de popa, ao rumo da Freguesia, pequenina comunidade no coração da floresta. Era tempo de cheia. Soprava de leve o vento geral. Éramos quatro a bordo. Viajávamos rente à margem abarrancada, já na metade do percurso, quando, de repente, o temporal desabou.

"Este vai ser dos medonhos", disse sereno, lá na popa, onde manejava o motor, Morón, um índio meu amigo. Junto a ele, no chão da canoa, o seu filho menino, todo encolhido de frio. Lembro-me de que, antes de escurecer totalmente, do banco da frente onde eu viajava, virei-me e vi o brilho intenso dos seus olhos enormes. Era o pavor. Na proa, sem camisa, o cabloco Jari, morador da Freguesia.

Enfrentamos o temporal em silêncio, solidários. A correnteza crescia, a canoa se balançava na alta crista das ondas, depois se despencava com fragor. A chuva nos vergastava por todos os lados. Houve um momento em que não vimos mais nada. Repetidas vezes a proa tocava num tronco. O baque surdo, a canoa parecia que ia virar. Morón inclinava o motor para a frente, de jeito que a hélice ficasse fora da água.

Só os relâmpagos nos ajudavam, cortando o céu de um lado a outro: a luz fugaz nos mostrava um tronco enorme, um pedaço de árvore ainda com ramos frescos, já quase em cima de nós. O índio, ágil e calado, desviava a canoa num golpe de leme. A escuridão era tanta que eu sequer enxergava a minha mão aberta a centímetros do meu rosto. Mesmo assim, em alguns instantes, tive a certeza de que o piloto conseguia distinguir, dentro da treva espessa, alguma coisa das águas e das margens. Um filho da floresta.

A tempestade cessou pouco antes de chegarmos à Freguesia. E duas coisas aconteceram que eu preciso contar. A primeira é que, de repente, demos com várias canoas vindo em nossa direção. Eram homens e mulheres daquele pedaço verde do mundo, certos de que deveríamos chegar no começo da noite e nossa tardança já era tanta, nos sabiam surpreendidos pelo temporal e decidiram ir ao nosso encontro, para nos salvar. Quando nos viram, foi um imenso e prolongado grito de alegria, saído de todas as bocas. Do coração solidário. A segunda coisa é que depois do temporal o céu acendeu as suas estrelas, perdão, todas as suas estrelas, que brilhavam enormes, pairando soltas no campo da noite.

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 778)



Uma Trova de Ademar  

Quando eu vou a minha serra
deixo feliz meu olfato, 
sentindo o cheiro da terra 
que vem das folhas do mato. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Meu pai nunca teve intuito 
de ser rico nenhum dia, 
e como nunca quis muito 
teve tudo que queria. 
–Geraldo Amâncio/CE– 

Uma Trova Potiguar  

Enquanto proles "distintas" 
esbanjam pão e agasalho... 
milhões de bocas famintas 
vivem clamando trabalho. 
–Djalma Mota/RN– 

Uma Trova Premiada  

2002 - Campos de Goytacases/RJ 
Tema: LIVRO - 3º Lugar 

Na biblioteca há mil sábios
a nosso inteiro dispor.
- Sem sequer mover os lábios,
cada livro é um professor!
–A. A. de Assis/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Saudade, luz pequenina,
nas sombras da solidão.
No entanto, como ilumina
as trevas do coração!
–Maria Izabel Miranda/SP– 

U m a P o e s i a  

Com este peito repleto de luxúrias, 
por livrar-me do abismo da injurias 
e encher-me outra vez de inspirações; 
faz mergulhar-me nas poesias calmas, 
pois a distância que separa as almas 
não separa jamais, dois corações... 
–Isaac Jordão/RN– 

Soneto do Dia  

EU INFANTE
Ives Gandra/SP– 

Meu ano acaba, volto a ser menino, 
encantos descobrindo pela lua, 
meus papagaios lúdicos empino 
enquanto elevo aos céus minh’alma nua. 

Retorno no rever de meu destino, 
ao moleque que andava pela rua, 
sonhando sonhos mil, em desatino, 
sem nunca perceber que a vida é crua. 

Meu passado repasso num instante 
e meu presente engolfo no futuro, 
que se torna de mais em mais incerto, 

Mas que não tira o brilho de eu infante, 
que fazia ser claro o que era escuro
e plantava jardins pelo deserto.

Eduardo Fontes (Cantigas de Amor e Amigo)


Descendente da família Alencar Araripe, pelo lado materno e, pelo paterno, da família Fontes que possui, entre seus membros escritores como Hermes Fontes, Martins Fontes e Amando Fontes, Eduardo Fontes, poeta cearense que nasceu na década de quarenta,  lançou, no dia 25 de abril de 2012 (quarta-feira), às 19h30, no Ideal clube, o seu décimo terceiro livro de poesia. Intitulado Cancioneiro de mim, o livro foi apresentado pelo médico e poeta Francisco José Pessoa de Andrade Reis.

Dividido em três partes, Cantigas de Encantamento, Cantigas de Amor e Cantigas de Solidão, Cancioneiro de mim, para Eduardo Fontes, é um resgate de tudo aquilo que os menestréis e trovadores da Idade Média fizeram da poesia em seu tempo. A poesia de hoje, segundo Eduardo Fontes, é muito hermética. A daquele tempo, era cristalina. A poesia dele, portanto, também procura ser o mais cristalina possível. Assim, quando começa seu livro com as Cantigas de Encantamento procura, nesta primeira parte, voltar à juventude. Aquela época em que tudo é descoberta. Na segunda parte, Cantiga de Amor, é uma fase destinada à maturidade, aquela em que o amor marca, profundamente, a vida das pessoas. Na terceira e última parte, Cantigas de Solidão, o poeta se volta para o “outono da vida”, mas sem romper com a juventude, jamais.

Grupo Sin

Integrante do grupo Sin de Literatura que, na década de sessenta, mexeu com o movimento artístico-cultural de Fortaleza, Eduardo Fontes não sabe por que, até hoje, não foi reconhecido oficialmente como um dos membros fundadores do grupo. Afirma que foi um dos primeiros a participar do movimento mas, quando o grupo foi realmente formado com registro, inclusive, em cartório, seu nome não constava na relação. Tem a impressão de que pode ter havido algum desencontro naquela época. Nada, porém, que não possa ser reparado hoje. Do grupo Sin, conhece todos e, para provar isso, cita o nome de alguns somente: Roberto Pontes, Pedro Lyra, Barros Pinho e Linhares Filhos. 

Mas o que realmente faz de Eduardo Fontes um poeta, segundo ele mesmo reconhece, não são as láureas adquiridas ao longo da vida, tal como a sua participação, com grande orgulho, nos quadros da Academia Fortalezense de Letras, mas a felicidade de ter nascido poeta porque a poesia, diferente das ciências, é uma arte e, como arte, jamais será aprendida por aqueles que não foram escolhidos por ela. A certeza de que as coisas se passam assim, realmente, fazem com que Eduardo Fontes também imagine que, para o poeta, a leitura de outro poeta é dispensável, ainda que ela não seja totalmente aconselhável.

Bacharel em Direito e Administração, Eduardo Fontes, na vida prática, trabalha no Tribunal de Contas do Município, mas é como poeta que se sente, de fato, realizado porque só a poesia, segundo ele, é capaz de humanizar cada vez mais o ser humano.

Fonte: 

Jornais e Revistas do Brasil (Idade d’Ouro do Brazil)


Período disponível: 1811 a 1823 

Local: Salvador/BA

Segundo periódico publicado no Brasil, o jornal Idade d’Ouro do Brazil foi lançado no dia 14 de maio de 1811, em Salvador, sob a proteção do então governador geral da Bahia, Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos. Assim como a pioneira Gazeta do Rio de Janeiro, aparecida em 1808, o periódico baiano era uma espécie de diário oficial da época, feito para dar publicidade aos atos oficiais e defender os interesses da Coroa portuguesa no Brasil. A diferença entre ele e a Gazeta feita na corte é que o Idade d’Ouro do Brazil (também conhecido como “Gazeta da Bahia”) era fruto da iniciativa privada. O jornal era impresso em tipografia fundada pelo comerciante, livreiro, editor e tipógrafo português Manuel Antônio da Silva Serva.

Como revela a nota explicativa “Com permissão do governo”, que era impressa ao final de cada número, a "Gaazeta Baiana" surgiu numa época em que a impressão e a publicação de livros e periódicos eram privilégios de agentes da Coroa portuguesa e sofriam uma série de restrições editoriais. 

A circulação do periódico foi autorizada sob a condição de que fosse nomeado um revisor oficial, cargo inicialmente assumido pelo próprio conde dos Arcos, que elaborou regras de redação. Exemplo de uma dessas regras: o jornal “deverá contar as notícias políticas sempre de maneira mais singela, anunciando simplesmente os fatos, sem interpor quaisquer reflexões que tendam direta ou indiretamente a dar qualquer inflexão à opinião pública”. Certamente por corresponder à expectativa real, o editor Manuel Antônio Serva conseguiu em 1815 um empréstimo do governo para aumentar e aprimorar sua oficina.

Além de notas oficiais, o periódico publicava notícias nacionais e informações relativas ao comércio, às artes, às ciências e, eventualmente, à agricultura. Trazia também notícias internacionais reproduzidas de periódicos estrangeiros. Por chegarem ao Brasil com dias de atraso, sua publicação entre nós estava quase sempre defasada. 

O jornal era pequeno, com quatro páginas de 17,5 x 10 cm. Ao final havia a seção “Aviso”, com anúncios no valor de 100 réis a linha, referentes a chegadas e partidas de embarcações, comércio de escravos, sociedades mercantis, vendas de mercadorias etc. Desde sua criação, a gazeta tinha que passar pela censura, como tudo o que se publicava no Brasil, mas a seção “Aviso” só passou a ser submetida a tal crivo em 1819. 

Os estudos apontam a identidade de dois redatores ao longo da história da publicação, ambos pertencentes à elite culta da época: Gonçalo Vicente Portela, professor de gramática latina, e o padre Inácio José de Macedo, presbítero secular, professor de filosofia e pregador régio. O jornal tinha como epígrafe os versos do poeta português Sá de Miranda: “Falei em tudo verdades/ a quem em tudo as deveis” e circulava às terças e sextas-feiras, com eventuais edições extras.

Maria Beatriz Nizza da Silva, que estudou profundamente o Idade d’Ouro do Brazil - assim como Renato Berbert de Castro, estudioso da imprensa baiana - observou que há uma lacuna referente ao ano de 1820, creditada, provavelmente, à interrupção temporária da publicação após a morte do proprietário, em 1819. O jornal reapareceu em 1821 com novo formato e periodicidade diária (excetuados os domingos), passando mais tarde a circular apenas duas vezes por semana.

Inicialmente, a assinatura podia ser anual (8$000 réis), semestral (4$000 réis) ou trimestral (2$400 réis), paga antecipadamente. O exemplar avulso custava 60 réis. A análise do público-leitor feita por Nizza da Silva demonstra que a gazeta não chegava a ter 200 assinantes em uma população, a baiana, calculada, à época, em 18 mil habitantes. Houve, portanto, considerável esforço ao longo da vida do periódico em obter mais assinantes. 

Em seu livro, a autora transcreveu o folheto raro Prospecto da Gazeta da Bahia, publicado um dia antes do lançamento de Idade d’Ouro do Brazil e no qual encontramos as inspirações para o nome do periódico: 

"As ciências diariamente se promovem, a agricultura se dilata, as artes se estendem, as fábricas se erigem, o comércio floresce e as quinas portuguesas são consideradas com respeito nos mares do novo e velho mundo. As riquezas afluem de toda a parte, as comodidades aumentam-se cada dia, a justiça e a paz deram-se amigavelmente as mãos para nossa felicidade. Podemos dizer sem receio que esta é a Idade d’Ouro do Brazil. Nem a crítica mais severa tem que repugnar à bem merecida aplicação dum nome tão especioso. Paralelizemos o dourado século de Augusto com a presente idade do Brasil e não temos susto de que se taxe de lisonjeira a alusiva comparação, principalmente na Bahia. Sem descer a detalhes minuciosos, mediremos no complexo de virtudes propriamente reais, que adornam o sublime ânimo do nosso vigilantíssimo soberano e que têm caracterizado todos os atos da sua admirável e providentíssima regência. E nós não vemos, em toda a antiguidade, nem outro tempo, nem outro príncipe que se assemelhe ao que a providência suscitou em nossos dias para fundador deste império brasílico. Esta observação assídua faz que, tendo nós de coordenar uma folha periódica nesta cidade e desejando que o seu título só por si seja a mais firme recomendação para os que a lerem, demos à nossa gazeta da Bahia a denominação adequada: IDADE D’OURO." (A primeira gazeta da Bahia: Idade d”Ouro do Brazil. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2ª ed., 2005, ps. 36-7)

Exemplares de Idade d’Ouro do Brazil estão espalhados por várias bibliotecas, podendo ser consultados aqui na Biblioteca Nacional, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na Biblioteca Nacional de Lisboa, no Arquivo Público e no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, onde pode ser encontrado o seu primeiro número.

Fonte
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/idade-d’ouro-do-brazil

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 4 de Novembro de 1855: Pergunta aos Leitores


(Folhetins do “Diário do Rio” – de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro de 1855)

Desejava dirigir uma pergunta aos meus leitores.

Mas uma pergunta é uma coisa que não se pode fazer sem um ponto de interrogação.

Ora, eu tenho uma birra muito séria a esta figurinha de ortografia, a esta espécie de corcundinha que parece estar sempre chasqueando e zombando da gente.

Com efeito, o que é um ponto de interrogação?

Se fizerdes esta pergunta a um gramático, ele vos atordoará os ouvidos durante uma hora com uma dissertação de arrepiar os cabelos.

Entretanto, não há coisa mais simples de definir do que um ponto de interrogação; basta olhar-lhe para a cara.

Vede: - ?

É um pequeno anzol.

Ora, para que serve o anzol?

Para pescar.

Portanto, bem definido, o ponto de interrogação é uma parte da oração que serve para pescar.

Exemplo:

1º Quereis pescar um segredo que o vosso amigo vos oculta, e que desejais saber; deitais o anzol disfarçadamente com a ponta da língua:

- Meu amigo, será verdade o que me disseram, que andas apaixonado?

2º Quereis pescar na algibeira de algum sujeito uma centena de mil réis; preparais o cordel e lançais o anzol de repente:

- O sr. Pode emprestar-me aí uns 200 mil réis?

3º Quereis pescar algum peixe ou peixãozinho: requebrais os olhos, adoçai a voz, e por fim deitais o anzol:

- Uma só palavra: tu me amas?

É preciso porém que se advirta numa coisa.

O ponto de interrogação é um anzol, e por conseguinte serve para pescar; mas tudo depende da isca que se lhe deita.

Nenhum pescador atira à água o seu anzol sem isca; ninguém portanto diz pura e simplesmente:

- Empresta-me 300 mil réis?

Não; é preciso que o anzol leve  isca, e que esta isca seja daquelas que o peixe que se quer pescar goste de engolir.

Alguns pescadores costumam deitar um pouco de mel, e outros seguem o sistema dos índios que metiam dentro d’água certa erva que embebedava os peixes.

Assim, ou dizem:

- Meu amigo, o senhor, que é o pai dos pobres, (isca) empresta-me 300 mil réis? (anzol).

Ou então empregam o segundo meio:

- Será possível que o benfeitor da humanidade, o homem que todos apregoam como a generosidade personificada, que o cidadão mais popular e mais estimado desta terra, que o negociante que revolve todos os dias um aluvião de bilhetes do banco, me recuse a miserável quantia de 300 mil réis?

No meio do discurso já o homem está tonto de tanto elogio, de maneira que, quando o outro lhe lança o anzol, é com certeza de trazer o peixe.

Ainda tinha muita coisa a dizer sobre esta arte de pescar na sociedade, arte que tem chegado a um aperfeiçoamento miraculoso.

Fica para outra ocasião.

Por ora basta que saibam os meus leitores que o ponto de interrogação é um verdadeiro anzol.

O caniço desta espécie de anzol é a língua, e o fio ou cordel a palavra; fio elástico como não há outro no mundo.

Ás vezes, quando se olha para esta figurinha aleijada, o ponto de interrogação parece-se mais com um daqueles corcundinhas, espécie de demoninhos maliciosos, de que falam os contos de fada e que viviam a fazer pirraças aos homens.

É que de fato há ocasiões em que ele torna-se realmente um anãozinho zombeteiro e impertinente, que leva a ousadia até a rir-se nas barbas de um pobre homem.

Haveis de ter encontrado pelo mundo algum desses homens que depois de terem feito todo o mal que podem a outro, vêm com o riso nos lábios insultar a dor e envenenar com sua baba a ferida mal cicatrizada.

Este homem atira à cara do outro o corcundinha de que vos falei, e dirige pouco mais ou menos uma pergunta neste sentido:

- Então, meu amigo, por que não me conta os seus pesares? Não tem confiança em mim?

Há também um certo ponto de interrogação que tem seus ares de mestre de latim ou de professor de primeiras letras.

Este é carrancudo e severo; tem a voz áspera e fanhosa, como do homem que toma rapé; e ordinariamente anda aos pulos.

Lembro-me perfeitamente que na minha aula de latim às vezes estava eu bem distraído, quando ele saltava-me pela frente gritando:

- Hora-ae, vocativo?

Felizmente todas as coisas deste mundo têm verso e reverso; o ponto de interrogação, que quase sempre é um anzol, um anão corcunda, ou um pedagogo, parece-se às vezes com um desses meninos travessos e gentis, um desses anjinhos curiosos e inocentes que desejam saber tudo.

Então ele pergunta, mas é como o filho à sua mãe; ri-se, mas é de prazer e de alegria; e leva todo o tempo a brincar entre as palavras, como o colibri no meio das flores.

Vou mostrar-vos essa face risonha do ponto de interrogação, esse verso da medalha cunhada pelos gramáticos.

É uma poesia que li, não sei onde, e que só tem um defeito: o de ser uma pergunta sem resposta.

Ei-la:

A Emy La-Grua

Que geme de amor,
Que beija lasciva
O seio da flor,
Colhe em teus beijos
O brando suspiro,
A brisa furtiva
Os doces bafejos
De que eu me inspiro?
A onda ligeira
Que treme e palpita,
Que de feiticeira
Murmura e saltita,
Viu-te no sorrir
Que o lábio desata
Brincar e fugir
A doce volata?

A corda da lira
Que mal estremece,
E tênue suspira
Um som que entristece,
Bebe em teu pranto
O débil queixume,
Guarda de teu canto
O eco, o perfume?

Tens nos lábios teus
A flor da harmonia,
Que dás como Deus, 
Aos sons melodia, 
Acento divino,
A vaga o seu friso,
Às auras um hino,
E a tudo o sorriso?

Dos anjos soubeste
As notas sublimes
D’harpa celeste,
Com que tudo exprimes;
Ou deu-te o amor
A chama sagrada,
O grito da dor,
A voz inspirada?

Agora é muito natural que, depois de ter lido toda esta maçada, depois de ter virado e revirado em todos os sentidos o ponto de interrogação, o meu leitor esteja desesperado por saber qual era a pergunta que eu lhe pretendia fazer, e que deu causa a todo esse aranzel, misturado de poesia.

É muito justo, e por isso vou satisfaze-lo.

Queria contar domingo passado.

É um conto a respeito das mocinhas brasileiras.

O prometido é devido.

Aí vai pois:

“Um dia a fada Beleza desceu à terra, resolvida a distribuir por todas as moças os tesouros de graça e mimos que possuía.

“Mandou que seu irmão o anãozinho Amor chamasse uma mulher de cada nação, para receber o dom que lhe coubesse.

“Quando todas estavam reunidas, a fada começou a distribuição dos seus presentes.

“Deus à Andaluza cabelos negros e tão longos que lhe podiam servir de mantilha.

“A Italiana olhos brilhantes e ardentes como as estrelas do céu de Nápoles.

“A Árabe  um moreno excitante e uma pele doce e macia como as penas do marabu.

“A Inglesa uma aurora boreal para tingir as faces, os lábios e as espáduas.

“A Alemã pérolas para os dentes e miosótis para os olhos suaves.

“A Russa a distinção de uma princesa e a nobreza necessária para trazer um nome de sete sílabas terminado por off.

“A Francesa a delicadeza do lírio com a graça e o mimo das rosas.

“Depois, passando aos detalhes, deitou a alegria nos lábios da Siciliana, o espírito na cabecinha loira da Irlandesa, o bom senso no coração da Holandesa.

“Então a Brasileira, que por modéstia e por timidez estivera retirada a um canto, puxou docemente a ponta da túnica azul da fada.

- “E eu?

- “Ah! tinha te esquecido.

- “É verdade.

“E agora como há de ser? Já dei tudo que trazia.

- “Mas eu fico sem nada?

A fada refletiu um momento: depois, chamando as outras com um sinal, disse-lhes:

- “Vós sois tão boas que espero haveis de reparar uma falta que cometi esquecendo na distribuição a vossa irmã do Brasil. Eu vos peço pois que cada uma tire um pouco do presente que lhe fiz, e o dê a esta menina tão modesta.

- Não era possível recusar.

“Todas as mulheres do mundo, com uma graciosa amabilidade, chegaram-se à Brasileira, e deram-lhe, uma os seus cabelos negros, outra as estrelas dos seus olhos, esta o sorriso de seus lábios, aquela a ondulação de suas formas acetinadas.

Eis a história que vos prometi contar domingo, quando vos falava das nossas patrícias. Ainda sei outras tão lindas como esta, mas que a pena a correr não pode demorar-se para contá-las.

Irão em ziguezague.

Não reparem se passo em silêncio pela representação de Sapho, apesar de ser a obra-prima de Paccini.

Digam o que quiserem os maestros, não gosto dessa música de barulho, que abafa a voz humana, e obriga os cantores a fazerem contorsões horríveis.

Na Norma e no Otelo, onde os cantores cantam, há prazer em ouvir-se uma bela voz, que brinca nuns lábios risonhos, desatar-se em ondas de harmonia, ou desprender-se de um seio que se ergue apenas numa ondulação suave.

Mas nestas óperas, onde a voz é um grito, onde o canto é uma convulsão, as notas são arrancadas com esforço, a boca se contrai, e a melodia desaparece num estrépido que atordoa; parece que assistimos ao martírio do cantor, a um suplício horrível da beleza, do talento e da inspiração.

Não; por mais que digam, a voz humana não foi feita para essa música de estrépito. Se desejais ouvir a natureza em suas convulsões, assisti ao espetáculo da tempestade numa costa desabrida, mas não ide ao teatro pedir a um cantor que vos venda por uma mesquinharia de dinheiro as centelhas divinas de seu gênio e de sua alma.

O talento é uma vida, é a vida d’alma, da inteligência e do pensamento; nenhum artista tem pois o direito de cometer esse suicídio moral, e de esperdiçar, como Emy La-Grua, numa só noite, a seiva e o viço de uma existência inteira.

Quando assisti à primeira representação da Sapho, pareceu-me ver um quadro, no qual um pintor de gênio, querendo tocar o sublime, derramasse toda a sua inspiração e gastasse todas as tintas de sua palheta.

Havia alguns traços belos, porém no mais eram tons carregados, claros e escuros pouco harmoniosos, perfis ásperos e destacados sobre um fundo sombrio e confuso.

Depois de todo este preâmbulo, é necessário que conte aos meus leitores os acontecimentos notáveis da semana.

Todos os reduzem a um dia (o sábado), a um acontecimento (a chegada do paquete), e a uma notícia, que anda de boca em boca e de jornal em jornal:

A TOMADA DE SEBASTOPOL

Escrevendo-a, não traço unicamente a crônica da semana, mas a história do mundo durante um ano.
(.)

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.