segunda-feira, 11 de julho de 2016

Emílio de Meneses (Poemas Escolhidos)

PINHEIRO MORTO
Ao Paraná

Nasceste onde eu nasci. Creio que ao mesmo dia
Vimos a luz do sol, meu glorioso irmão gêmeo!
Vi-te a ascensão do tronco e a ansiedade que havia
De seres o maior do verdejante grêmio.

Nunca temeste o raio e eu como que te ouvia
Murmurar, ao guiar da fronde, ao vento: - "Teme-o
Somente o fraco arbusto! A rija ventania,
Teme-a somente o errante e desnudado boêmio!

Meu vulto senhorial queda-se firme. Embala-mo
O tufão e hei de tê-lo eternamente ereto!
Resisto ao furacão quando a aura abate o cálamo!"

Ouve-me agora a mim que, em vez de ti, vegeto:
Já que em ti não pesei, entre os fulcros de um tálamo,
Faze-te abrigo meu nas entraves de um teto!

O VIOLINO

São, ás vezes, as surdinas
Dos peitos apaixonados
Aquelas notas divinas
Que ele desprende aos bocados...

Tem, ora os prantos magoados
Dessas crianças franzinas,
Ora os risos debochados
Das mulheres libertinas...

Quando o ouço vem-me à mente
Um prazer intermitente...
A harmonia, que desata,

Geme, chora... e de repente
De uma risada estridente
Nos "allegros" da Traviata.

P.C.

Tão pequenino e trêfego parece,
Com seu passinho petulante e vivo,
A quem o olha, assim, com interesse,
Que é a quinta-essência do diminutivo.

Figura de leiloeiro de quermesse,
Meloso e parecendo inofensivo,
Tem de despeitos a mais farta messe,
E do orgulho é o humílimo cativo.

Não há talento que ele não degrade,
Não há ciência e saber que ele, á porfia,
Não ache aquém da sua majestade.

Dele um colega, há tempos, me dizia:
É o Hachette ilustrado da vaidade,
É o Larousse da megalomania!

C.M.

Lá na terra dos pampas tem o nome
De chimarrita, diz o Leal de Souza,
E este apelido afirmam que o consome
E é o que o há de levar à fria lousa.

Se lho repetem briga e já não come,
Não para, não descansa, não repousa,
Aguenta a sede, suportando a fome,
Dando o estrilo feroz por qualquer cousa.

Entretanto, não tem os dotes falhos;
Do talento gaúcho é um belo adorno
E tem brilhantes feitos e trabalhos.

Rapadurescamente espalha em tomo,
Uma impressão de cheiro a vinha-d'alhos,
De um leitãozinho mal tostado ao fomo.

R.A.

Era ministro então. O Olavo e o Guima
Diziam que ele era o Morfeu da pasta,
E o dorminhoco andava em metro e rima
Na pilhéria que a tanta gente agasta.

Mas galgando o Catete, escada acima,
Num despertar febril, Morfeu arrasta
Todas as forças que a vontade anima,
Nos vastos planos de uma idéia vasta.

Tudo revive! A atividade é infrene.
São mutações de sonho! É o Eldorado,
É o Dinheiro na Estética e na Higiene!

Hoje, glorioso e um tanto fatigado
Não se deixa ficar calmo e solene
A dormir sobre os louros do passado.

R.

Pedra preciosa de um tamanho imenso.
(Pois que o nome é um rubi deste tamanho
Que é sorte e é fortuna traz apenso),
Eis mais ou menos o seu vulto estranho.

Escravo cauteloso do bom senso
Fugidio ao espírito tacanho,
Quando entra em luta diz: Ou morro ou venço!
E é difícil que alguém lhe tome o ganho.

Desdobrado em trabalho multiforme,
Em finança e política não dorme,
E numa ou noutra. nunca perde a audácia.

Sendo do Bananal, não é um banana:
Tocou rumo a S. Paulo a caravana,
E ei-lo Rubião, em honra da rubiácea.

J. DE M.

Com este agora a musa não contava!
Nem a musa mordaz, nem a brejeira,
Em certo dia o vejo a deitar lava,
Aproximo-me e encontro uma geleira.

Quando a aparência é fria, a alma está brava.
Se aquela é tormentosa, esta é fagueira.
E assim, da vida. o rumo, a sós, desbrava,
E, a sós, colima o termo da carreira.

Por muito que o humorismo o prenda e engrade.
Ele não esbraveja nem se irrita,
Mas se lhe escapa com facilidade.

A golpes de talento o laço evita
E ao ridículo opõe a habilidade.
Eis, mal pintado, o Júlio de Mesquita.

W. L.

E um bandeirante novo, sem as botas
De andar em carrascais, ou serras brutas,
De penetrar nas mais profundas grotas
Ou se internar nas mais soturnas grutas.

É o bandeirante urbano nas devotas
Ânsias de ver em formas resolutas,
O esplendor das metrópoles remotas
Em plintos, colunatas e volutas.

Ele antevê. nas cores mais exatas
Da Paulicéia as graças infinitas,
No áureo fulgor de mágicas palhetas.

Porém, depois dos bons tempos de pratas,
Ele que é homem que detesta as fitas,
Sente a falta do arame nas gavetas.

A. A.

Dizem que às vezes, quer se achar bonito,
Mas, nem sendo Amadeu e sendo amado,
Mas muito amado mesmo, eu não hesito:
Se não é feio, é bem desengraçado.

Entretanto se o vejo (isto é esquisito)
Através de um soneto burilado,
É mais que belo, afirmo em alto grito,
É o próprio Apoio que lhe fica ao lado.

Mais comprido que a universal história,
Este Leconte com seu ar caipira,
Me deixa uma impressão nada ilusória.

Quando ele ao alto, a inspiração atira,
Com a cabeça a topar no céu da glória,
É um guindaste a guindar a própria lira.

V. DE C.

Fraco e doente, se solta algum gemido,
Ou sai um verso ou brota uma sentença.
Se como Juiz sempre é acatado e ouvido,
Como poeta não sei de alguém que o vença.

Se nas Ordenações presta sentido,
Tem, nas regras de Horácio, parte imensa.
Não se lhe sabe o culto preferido:
Se na Arte ou no Direito, tem mais crença.

Tendo defeito, nunca teve alcunha.
Quando aparece, num reencontro é liça,
O que nos antagonistas acabrunha,

É ver que, sem fraqueza nem preguiça,
Numa só mão, com o mesmo gesto empunha,
A áurea lira e a balança da Justiça!. ..

F. G.

Este é por certo o verdadeiro espelho
Das maiores derrotas e conquistas
Que o regime vem tendo, e o seu conselho,
Tem sempre o cunho das mais largas vistas.

Foi das molas mais rijas do aparelho
Que deu cabo das hostes monarquistas.
Foi o Moisés do novo Mar Vermelho,
A égua madrinha dos propagandistas.

Calmo, risonho, perspicaz, cordato,
Todos sentem no Ilustre veterano,
Do político arguto o fino tato.

Mas o Matusalém republicano,
Tem orgulho infantil de ser, de fato,
O bisavô dos netos do Herculano!

L. DE F.

O rosto escuro em pontos mil furado,
Se lhe move da boca em derredor.
Não consegue um segundo estar calado
E é de S. Paulo o tagarela-mor.

Traz, de nascença. o todo avelhantado
De um macróbio infantil e, - coisa pior, -
Dá idéia de que já nasceu usado
Ou de que foi comprado no belchior.

Tudo nele é exagero, até a atitude
De saudar elevando o diapasão:
"Nobre amigo! Mui fuerte e de salude?"

No mais é um excelente amigalhão.
Mas que voz! É o falsete áspero e rude .
De um gramofone de segunda mão.

L. G.

Este vale, em toicinho, a inteira Minas;
Derretê-lo, seria um desencargo
Para a atual crise das gorduras suínas.
(O Monteirinho a isso põe embargo).

Arrota francos, marcos, esterlinas,
Mas uma alcunha o faz azedo e amargo:
Senador tonelada. Usa botina
Cinquenta e quatro, É sombra, bico largo.

Tem uma proverbial sobrecasaca,
Cujo pano daria, em cor cinzenta,
Para o Circo Spinelli uma barraca.

Da do Oliveira Lima ela é parenta
Pois só o forro das mangas dá, em alpaca.
Para o novo balão do Ferramenta.

M. DE S.

Conhecem, por acaso, o Monteirinho
Que é Antônio, que é Monteiro e que é de Souza?
Pois não é para aí um qualquer cousa
De baixo preço ou de valor mesquinho.

Assim mesmo tostado e mascavinho,
Numa poltrona do Monroe repousa,
Calado e quedo qual funérea lousa,
A apanhar perdigotos do vizinho.

Cabritinho de mama já esgotada,
No tapete não solta as azeitonas
E só espera o momento da marrada.

Dele, a exibir as alentadas lonas,
Diz o Lopes Gonçalves Tonelada :
Ai! cabrito cheiroso do Amazonas !

Emílio de Meneses (1866 - 1918)

Emílio Nunes Correia de Meneses nasceu em Curitiba, Paraná, a 4 de julho de 1866 e faleceu no Rio de Janeiro, em 6 de junho de 1918. Jornalista e poeta, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras mas faleceu antes de tomar posse. . 
Escreveu sonetos e poemas satíricos tão mordazes que o comparavam a Gregório de Mattos. Considerado boêmio e excêntrico para os padrões da época. Era filho de Emílio Nunes Correia de Meneses e de Maria Emília Correia de Meneses, único homem dentre oito irmãs. Seu pai era também um poeta. Faz seus estudos iniciais com João Batista Brandão Proença, e depois no Instituto Paranaense. Sem ser de família abastada, trabalha na farmácia de um cunhado e, ainda com dezoito anos, muda-se para o Rio de Janeiro, deixando em Curitiba a marca de uma conduta já distoante ao formalismo vigente: nas roupas, no falar e nos costumes. Boêmio, na capital do país encontra solo fértil para destilar sua imaginação, satírica como poucos. A amizade com intelectuais, entretanto, fez com que tivesse seu nome afastado do grupo inicial que fundara a Academia. Torna-se jornalista e, por intercessão do escritor Nestor Vítor, trabalha com o Comendador Coruja, afamado educador. Em 1888 casa-se com uma filha deste, Maria Carlota Coruja, com quem tem no ano seguinte seu filho, Plauto Sebastião. Mas Emílio não estava fadado para a vida doméstica: neste mesmo ano separa-se da esposa, mantendo um romance com Rafaelina de Barros. Autor de versos mordazes, eivados de críticas das quais não escapavam os políticos da época, mestre dos sonetos, Emílio de Meneses é portador de uma tradição - iniciada com o Brasil, em Gregório de Matos. Tendo sido nomeado para o recenseamento, como Escriturário do Departamento da Inspetoria Geral de Terras e Colonização, em 1890, Emílio aposta na especulação da falácia econômica do Encilhamento, criada pelo Ministro da Fazenda Ruy Barbosa: como muitos, fez rápida fortuna, esbanja e, terminada a farsa, como todos os outros investidores, vai à falência. Não muda, entretanto, seus hábitos. Continua o mesmo boêmio de sempre, a povoar os jornais da época com suas percucientes anedotas.
"Os que conheceram Emílio de Meneses ainda estão a vê-lo, com aquela bigodeira a Vercingetorix e aquele amplo chapéu, ora brandindo o bengalão retorcido, a expedir raios sobre a iniquidade dos pigmeus que o irritavam; ora sufocado num riso apoplético de intenso gozo mental, rematando uma sátira com que, destro, arrasava a empáfia dos potentados e a impertinência dos presunçosos; ora bonacheirão, carinhoso, entalando uma fatia de pão-de-ló na boca de um de seus fiéis cães de raça; ora ainda transfigurado, olímpico, dizendo, com inspiração extraterrena, 'Os Três Olhares de Maria' ou o 'Ibiseus Mutabilis'. (...)" (Mendes Fradique, no Prefácio de "Mortalha - Os deuses em ceroulas".)

Apesar de preterido pela Academia Brasileira de Letras, Emílio veio finalmente a ser eleito (15 de agosto de 1914) segundo ocupante da Cadeira 20, cujo Patrono é Joaquim Manuel de Macedo, e na qual jamais veio a tomar assento, falecendo em 1918. Seria saudado por Luís Murat. Na versão oficial, disponível no sítio da ABL, Emílio deixara de tomar posse por conta da sua teimosia em manter críticas no discurso de posse: Emílio compôs um discurso de posse, em que revelava nada compreender de Salvador de Mendonça, nem na expressão da atuação política e diplomática, nem na superioridade de sua realização intelectual de poeta, ficcionista e crítico. Além disso, continha trechos arguidos, pela Mesa da Academia, de “aberrantes das praxes acadêmicas”. A Mesa não permitiu a leitura do discurso e o sujeitou a algumas emendas. Emílio protelou o quanto pôde aceitar essas emendas, e quando faleceu, quatro anos depois de ter sido eleito, ainda não havia tomado posse de sua cadeira. Sobre este episódio do discurso, o Imortal Afrânio Peixoto, que por muitos anos presidiu a Casa, consignou: Emílio de Meneses quisera descompor a Oliveira Lima, ao que se opôs Medeiros e Albuquerque, que então presidia, ordenando a supressão dos tópicos alusivos e ofensivos: à insistência do neófito, em dizê-los, ameaçou-o com o comutador da luz elétrica, desde aí ao alcance da mão do presidente. Não foi preciso usar deste obscuro meio coercitivo, porque o acadêmico recalcitrante não chegou a ser recebido, e seu discurso apenas tardiamente publicado nos jornais, razão por que não figura na coleção da Academia
Emílio escrevia não apenas com o próprio nome: diversos pseudônimos foram por ele utilizados, tais como Neófito, Gaston d’Argy, Gabriel de Anúncio, Cyrano & Cia., Emílio Pronto da Silva.
Trabalhos publicados
Marcha fúnebre - sonetos - 1892 ; Poemas da morte -1901 ; Dies irae - A tragédia de Aquidabã - 1906 ; Poesias - 1909 ; Últimas rimas - 1917 ; Mortalha - Os deuses em ceroulas (reunião de artigos, org. Mendes Fradique) -1924 ; Obras reunidas - 1980

Fontes:
MENEZES, Emílio de. Obra Reunida. RJ: José Olympio, 1980.
http://pt.wikipedia.org


Academia Brasileira de Letras

domingo, 10 de julho de 2016

Oscar Wilde (O Príncipe Feliz)

Bem no alto da cidade, numa alta coluna, erguia-se a estátua do príncipe feliz. Era todo coberto de finas folhas de ouro puro, tinha nos olhos duas safiras brilhantes, e um grande rubi vermelho reluzia no cabo de sua espada.

Na verdade era muitíssimo admirado.

- É tão belo quanto um cata-vento - observou um dos conselheiros da cidade, que desejava ganhar reputação por ter gosto artístico - só não é muito útil - acrescentou, temendo que o povo o considerasse pouco prático, o que realmente não era.

- Por que você não pode ser como o príncipe feliz? - perguntou uma mãe ao filho que pedia a lua. - O príncipe feliz nunca chora por motivo algum.

- Fico satisfeito que haja alguém no mundo que seja realmente feliz - murmurou um homem desapontado, enquanto fitava a estátua maravilhosa.

Parece mesmo um anjo - disseram as crianças da Escola de Caridade, ao saírem da catedral em seus mantos escarlates e aventais alvos.

- Como sabem? - disse o professor de matemática- Nunca viram um anjo.

-Ah! mas nós vimos, em sonhos - responderam as crianças; e o professor de matemática franziu as sobrancelhas, com semblante muito severo, pois não aprovava que crianças sonhassem.

Uma noite, voou sobre a cidade uma pequena andorinha. Suas companheiras tinham partido para o Egito seis semanas antes, mas ela ficou pra trás porque estava apaixonada pelo mais belo junco. Ela o conheceu no principio da primavera, enquanto voava rio abaixo atrás de uma mariposa amarela, e ficou tão atraída por aquela figura esquia, que parou pra falar-lhe.

- Poderei amá-lo? - disse a andorinha, que gostava de ir direto ao assunto, e o junco fez-lhe uma reverência. Então voou ao seu redor, tocando a água com as asas, provocando ondulações prateadas. Era sua maneira de fazer a corte, que durou o verão inteiro.

É uma relação ridícula - chilchearam as outras andorinhas -, ele não tem dinheiro, e tem parentes demais - e na verdade o rio estava bem cheio de juncos. quando veio o outono, voaram para longe.

Depois que partiram, andorinha sentiu-se solitária e começou a cansar-se de seu amado. - Ele é de pouca conversa, e temo que seja galanteador, porque está sempre flertando com a brisa. E, certamente, toda vez que a brisa soprava, o junco fazia as mais graciosas mesuras. - Reconheço que seja caseiro - continuou -, mas adoro viajar, e meu marido, consequentemente, também deveria gostar de viagens.

- Virá comigo? - disse finalmente a ele. Mas o junco meneou a cabeça, tão arraigado estava a seu lar.

- Só estava gracejando comigo - disse ela. -Vou para as pirâmides. Adeus! - e se foi.

O dia todo ela voou, e de noite chegou à cidade. - Onde pernoitarei? Espero que a cidade esteja preparada para me abrigar.

Então viu a estátua sobre a alta coluna, e disse:

- Vou me acomodar ali, é um lugar muito bem localizado, com bastante ar fresco. - Assim, pousou entre os pés do príncipe feliz.

- Tenho um aposento de ouro - disse baixinho para si, olhando ao redor, e preparou-se para dormir,  mas no momento em que colocava a cabeça sob a asa, uma enorme gota de água caiu sobre ela. - Que estranho! Não há uma única nuvem no céu, as estrelas estão brilhando e, entanto chove. O clima no Norte da Europa é mesmo horrível. O junco gostava de chuva, mas isso era puro egoísmo dele. 

Outra gota caiu.

- Qual a utilidade de uma estátua, se não serve para proteger da chuva? Tenho que procurar uma boa chaminé. - disse ela, e decidiu ir embora.

Mas antes que abrisse as asas, uma terceira gota caiu, ela levantou os olhos e viu... Ah! o que ela viu?

Os olhos do príncipe feliz estava cheios de lágrimas, e lágrimas corriam em suas faces douradas. Seu rosto era tão belo sob o luar que a pequena Andorinha encheu-se de compaixão.

- Quem é você?  disse ela.

- Sou o príncipe feliz.

- Por que está chorando então? - perguntou a andorinha. - Encharcou-me completamente.

- Quando era vivo e tinha um coração humano - respondeu a estátua - eu não sabia o que eram lágrimas, pois vivia no Palácio de Sans-Souci, onde à tristeza não é permitido entrar. Durante o dia, brincava com meus companheiros no jardim, e à noite conduzia a dança no grande salão. Em volta do jardim havia um muro muito alto, mas nunca me importei em saber em saber o que existia além dele, pois tudo ao meu redor era tão lindo. Meus cortesãos chamavam-me príncipe feliz, e feliz em verdade eu era, se o prazer é felicidade. Assim vivi e assim morri. E agora que estou morto, colocaram-me aqui tão alto que posso ver a feiura e toda a miséria de minha cidade e, embora meu coração seja de chumbo, não posso fazer outra coisa senão chorar.

- O quê? Ele não é de ouro maciço? - disse a andorinha para si. Era muito educada para fazer comentários pessoais em voz alta.

- Longe - continuou  a estátua com sua voz baixa e musical -  muito longe numa rua estreita, há uma casinha pobre. Uma janela está aberta e vejo uma mulher sentada à mesa. Tem o rosto magro e abatido, e as mãos ásperas, picadas pela agulha, pois é costureira. Está bordando flores-da-paixão num vestido de cetim para a mais adorável dama de honra da rainha vestir no próximo baile da corte. Num leito, no canto do quarto, está deitado seu filho doente.Tem febre, e pede laranjas. A mãe não tem nada para dar-lhe, exceto água do rio, e por isso ele está chorando. Andorinha, andorinha, pequena andorinha, não quer levar-lhe o rubi do cabo de minha espada? Meus pés estão presos a este pedestal e não posso me mover.

- Esperam-me no Egito - disse a andorinha. - Minhas amigas estão voando sobre o Nilo, conversando com as flores de lótus. Em breve vão dormir na tumba do grande rei. O próprio rei está ali, em seu sarcófago coberto de adornos. Está enrolado em linho amarelo e embalsamado com especiarias. Em seu pescoço há um colar de jade verde-pálido, e suas mãos são como folhas secas.

- Andorinha, andorinha, pequena andorinha. - disse o príncipe - Não quer ficar comigo por uma noite, e ser minha mensageira? O menino está com tanta sede, e a mãe tão triste...

- Acho que não gosto de meninos - respondeu a Andorinha. - No verão, quando eu estava no rio, havia dois meninos rudes, os filhos do moleiro, que estavam sempre atirando pedras em mim. Nunca me acertaram, é claro. Nós andorinhas voamos bem demais para que nos acertem, e venho de uma família famosa pela agilidade, ainda assim, foi um sinal de desrespeito.

Mas o príncipe feliz parecia tão triste que a andorinha se condoeu: 

- Está muito frio aqui, mas ficarei com você por um noite, e serei sua mensageira.

- Muito obrigada, andorinha! - disse o príncipe.

Então a andorinha tirou o enorme rubi da espada do príncipe e voou, levando-o no bico por sobre os telhados da cidade.

Passou pela torre da catedral, onde anjos de mármore branco estavam esculpidos. Passou pelo palácio e ouviu o rumor da dança. Uma jovem formosa apareceu na sacada com su namorado.

- Como estão maravilhosas as estrelas - disse ele - e como é maravilhoso o poder do amor!

- Espero que meu vestido fique pronto a tempo a tempo para o baile do Estado - respondeu a jovem. - Mandei que bordassem flores-da-paixão nele, mas as costureiras são tão preguisosas!

A andorinha passou sobre o rio, e viu as lanteranas penduradas nos mastros dos navios. Passou sobre o gueto e viu velhos judeus negociando entre si, pesando dinheiro em balanças de cobre. Finalmente, chegou à casa pobre e espiou. O menino agitava-se febrilmente no leito, e a mãe caíra no sono, tão cansada estava. saltou para dentro e deixou suavemente o grande rubi sobre a mesa, ao lado do dedal. Então voou suavemente em volta do leito, abanando a fronte do menino com as asas.

- Sinto-me refrescar! - disse o menino - Acho que estou melhorando. - e mergulhou num sono delicioso.

Então a andorinha voltou ao príncipe feliz, e contou-lhe o tinha feito.

- Engraçado - observou ela - mas agora sinto calor, embora esteja tão frio.

- É porque praticou uma boa ação - disse o príncipe. E a pequena andorinha começou a pensar, adormecendo logo em seguida. Pensar sempre a fez ficar com sono.

Quando o dia raiou, ela voou ao rio e tomou um banho.

- Que fenômeno notável! - disse o professor de ornitologia ao passar pela ponte - Uma andorinha no inverno! - E  escreveu uma longa carta sobre isso no jornal local. Todos a citavam, porque estava cheia de palavras que não compreendiam.

Esta noite parto para o Egito - disse a andorinha, bastante animada com a perspectiva. Visitou todos os monumentos públicos, e ficou posada um longo tempo no topo do campanário da igreja. Onde quer que fosse, os pardais aplaudiam, dizendo uns aos outros:

- Que estrangeira distinta! - E ela se divertiu bastante com isso.

Quando a lua surgiu, voltou ao príncipe feliz e disse:

- Tem alguma encomenda para o Egito? Já estou partindo.

- Andorinha, andorinha, pequena andorinha! - disse o príncipe - Não quer ficar comigo mais um noite?

- Esperam-me no Egito! - respondeu a andorinha - Amanhã minhas amigas voarão até a segunda catarata. Os hipopótamos deitam-se ali entre os caniços, e num grande trono de granito está sentado o deus Memnon. Durante a noite inteira ele contempla as estrelas, e quando brilha a estrela da manhã, ele emite um canto de alegria e depois silencia. Ao meio dia os leões vêm à margem das águas para beber. Têm olhos que se parecem com berilos verdes, e seus rugidos são mais estrondosos do que o rugir das cataratas.

- Andorinha, andorinha, pequena andorinha! - disse o príncipe - Longe, no outro lado da cidade, vejo um jovem numa água furtada. Está debruçado sobre uma mesa coberta de papéis, e num copo ao seu lado há um maço de violetas murchas. Seu cabelo é castanho e crespo, seus lábios são vermelhos como a romã, e tem olhos grandes e sonhadores. Ele tenta terminar um peça para o diretor do teatro, mas sente muito frio para continuar escrevendo. Não há fogo no fogão, e a fome o enfraqueceu.

- Ficarei com você mais um noite! - disse a andorinha, que no fundo tinha um bom coração. - Devo levar-lhe outro rubi?

- Ai de mim! Não tenho mais rubis - disse o príncipe - meus olhos são tudo o que me resta. São feitos de safiras preciosas, trazidas da Índia há mil anos. Arranca um delas e leva ao jovem. Ele a venderá ao joalheiro, comprará comida e lenha, e terminará a peça.

- Caro príncipe! - disse a andorinha - Não posso fazer isso. - e começou a chorar.

- Andorinha, andorinha, pequena andorinha! - disse o príncipe - Faça o que lhe ordeno.

Então a andorinha arrancou o olho do príncipe e voou até a água furtada do estudante. Era muito fácil entrar já que havia um buraco no telhado. Arremessou-se através dele e entrou no quarto. O jovem tinha a cabeça enterrada nas mãos, e não viu o bater das asas. Quando levantou os olhos, encontrou a bela safira pousada sobre as violetas murchas.

- Começo a ser apreciado. Isto deve ser de algum adimirador. Agora posso terminar minha peça! - gritou, parecendo muito contente.

No dia seguinte, a andorinha foi ao porto. Pousou no mastro de uma grande embarcação e observou os marinheiros puxando caixas enormes do porão do navio. - Upa! - gritavam eles a cada caixa que levantavam.

- Vou para o Egito! - bradou a andorinha, mas ninguém lhe deu atenção, e quando a lua surgiu, voou até o príncipe feliz.

- Vim para dizer-lhe adeus.

- Andorinha, andorinha, pequena andorinha! - disse o príncipe - Não quer ficar comigo por mais um noite?

- É inverno! - respondeu - E a neve fria logo vai chegar. No Egito o sol é quente sobre as palmeiras, e os  crocodilos deitam-se na lama e olham preguisoçamente ao redor. Minhas companheiras estão construindo um ninho no templo de Baalbec, e as pombas rosadas as observam, arrulhando entre si. Caro príncipe, tenho que deixá-lo, mas nunca o esquecerei, e na próxima primavera trarei duas lindas jóias para substituir as que doou. O rubi será mais rubro que a rosa vermelha, e a safira tão azul quanto o imenso oceano.

- Na praça logo abaixo - disse o príncipe feliz - há uma pequena vendedora de fósforos. Ela os deixou cair na sarjeta, e estão todos estragados. Seu pai baterá nela se não levar dinheiro para casa, e por isso ela está chorando. Não tem sapatos nem meias, e sua cabecinha está descoberta. Arranca meu outro olho e leva-lhe, para que seu pai não a maltrate.

- Ficarei com você mais um noite! - disse a andorinha - Mas não posso arrancar outro olho. Você ficaria completamente cego.

- Andorinha, andorinha, pequena andorinha! - disse o príncipe - Faça o que lhe ordeno.

Ela arrancou então o outro olho do príncipe e alçou vôo. Precipitou-se sobre a vendedora de fósforos e deixou cair a jóia na palma de sua mão.

- Que lindo pedacinho de vidro! - disse ela, e correu para casa sorrindo.

A andorinha voltou ao príncipe e disse:

- Está cego agora. Então ficarei com você para sempre.

- Não, pequena andorinha! - disse o príncipe - Deve partir para o Egito.

- Ficarei com você para sempre. - disse a andorinha, e adormeceu aos pés do príncipe.

Durante todo o dia seguinte, ficou pousada no ombro do príncipe, e contou-lhe histórias sobre coisas que viu em terras estranhas. Falou-lhes sobre íbis vermelhos, que postavam em longas fileiras em margens do Nilo, apanhando peixes dourados com os bicos; sobre a Esfinge, que é tão antiga quanto o próprio mundo, vive no deserto e tudo sabe; sobre os mercadores, que caminham vagarosamente ao lado de seus camelos e levam contas de âmbar nas mãos; sobre o rei das montanhas da Lua, que é negro como o ébano e cultua um imenso cristal;sobre a grande serpente verde, que dorme numa palmeira e tem vinte sacerdotes para alimentá-la com bolos de mel; e sobre os pigmeus que navegam sobre um grande lago em largas folhas e que estão sempre em guerra com as borboletas.

- Querida andorinha! - disse o príncipe - Você me conta coisas espantosas, mas mais espantoso é o sofrimento de homens e mulheres. não há mistério maior que a miséria. Voe por sobre minha cidade, pequena andorinha, e conte-me o que vir por lá.

Assim, a andorinha voou sobre a grande cidade e viu ricos divertindo-se em suas residencias luxuosas, enquanto os mendigos sentavam-se em frente aos portões. Voou por becos escuros e viu os rostos pálidos das crianças esfomeadas, olhando apaticamente para as ruas sombrias. Sob o arco de um ponte estavam deitados dois meninos, abraçados um ao outro, tentando manter-se aquecidos.

- Tenho tanta fome! - diziam os meninos.

- Vocês não podem ficar aqui! - gritou o guarda noturno, e eles se retiraram, vagando sob a chuva.

Então a andorinha voltou e contou ao príncipe o que tinha visto.

- Sou coberto de ouro puro - disse o príncipe - você deve tirá-lo folha por folha, dá-lo aos meus pobres, os vivos sempre acham que ouro pode fazê-los felizes.

Folha após folha de puro ouro a andorinha arrancou, até que o príncipe feliz ficasse fosco e acinzentado. Folha após folha de puro ouro levou aos pobres, e os rostos das crianças tornaram-se mais rosados, e elas riam e brincavam na rua.

- Agora temos pão! - gritavam as crianças.

Então veio a neve, e depois da neve, a geada. As ruas pareciam feitas de prata, de tão luminosas e brilhantes, pontas de gelo, longas como adagas de cristal, pendiam dos beirais das casas, todos passavam vestindo casacos de pele, e as crianças usavam gorros escarlate, patinando sobre o gelo.

A pobre andorinha sentia cada vez mais frio, mas não queria deixar o príncipe, pois o amava muito. Apanhava as migalhas à porta do padeiro quando ele não estava olhando, e tentava se aquecer agitando as asas.

Mas por fim sentiu que iria morrer. Mal tinha forças para voar uma vez mais ao ombro do príncipe.

- Adeus, querido príncipe! - murmurou - Deixa-me beijar suas mãos?

-Fico contente que vá para o Egito afinal, pequena andorinha! - disse o príncipe - Ficou muito tempo aqui, mas deve beijar-me os lábios, pois a amo.

- Não é para o Egito que vou. - disse a andorinha - Vou para a casa da morte. A morte é irmã do sono, não é mesmo?

Então beijou o príncipe feliz nos lábios e caiu morta a seu pés.

Naquele momento, um estranho estalo soou dentro da estátua, como se algo se tivesse quebrado. A verdade é que o coração de chumbo despedaçou-se em dois. Era certamente um geada terrível.

Na manhã seguinte, bem cedo, o prefeito caminhava na praça em companhia dos conselheiros da cidade. Ao passar pela coluna, olhou para a estátua:

- Meu Deus que aspecto miserável tem o príncipe feliz! - disse ele.

- Muito miserável, realmente - disseram os conselheiros da cidade, que sempre concordavam com o prefeito. - Na verdade, é pouco mais que um mendigo!

- Pouco mais que um mendigo. - disseram os conselheiros da cidade.

E há até um passáro morto aos seus pés! - continuou o prefeito. - Devemos emitir um decreto que proíba os passáros de morrerem aqui. - E o secretário da cidade anotou a sugestão.

Então, puseram abaixo a estátua do príncipe feliz. - Como já não é belo, já não é mais útil - disse o professor de Arte na universidade.

Assim, fundiram a estátua numa fornalha e o prefeito convocou uma reunião com a corporação, para decidir o que seria feito do metal.

- Naturalmente precisamos ter outra estátua, - disse ele - e será com minha imagem.

- Com minha imagem. - disse cada um dos conselheiros da cidade, e começaram a discutir. Da última vez que soube deles, ainda estavam discutindo.

- Que coisa estranha! - disse o contramestre da fundição - Este coração de chumbo não derrete na fornalha. Vamos jogar fora. - Assim, jogaram-no em um monte de lixo onde estava também a andorinha morta.

-Traz-me as duas coisas mais preciosas da cidade - disse Deus a um de seus anjos. E o anjo trouxe-Lhe o coração de chumbo e o pássaro morto.

- Escolheste muito bem. - disse Deus - Pois no jardim do Paraíso este passarinho cantará eternamente, e em minha cidade dourada, o príncipe feliz me louvará.


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Paulo Walbach (Poemas Escolhidos)

ELE... QUEM É? 

Ele só como um relógio marca o tempo,
Num despertar constante de seu olhar brilhante
Todos os dias, e sempre...
Eternamente...
O SOL...

Fulgura em cada horizonte sobre qualquer lugar,
Por trás das montanhas; sobre o verde mar.
Faz assim seu aparecer, seu assomar...
Deixando seu rastro de luz, sua cor, o seu calor que conduz...
Com a fúria distante inflama o seu fogo;
E lá em cima mostra o seu esplendor...
Mais tarde, sem cessar, nem cansar...
Já deixando a saudade e o seu manto glorioso...
A SOMBRA...

De repente, luzeiros se acendem como tochas de fogo...
E ela aparece, inteira, orgulhosa, deslumbrante, ou apenas bela...
Em sua silhueta tímida, elegante e singela
Como uma virgem donzela: A noiva radiante e confiante
Nos seus passos firmes indo para o altar...
A LUA...

E no seu véu flutuante espargindo a sua aura, à procura de seu amado...
Seguindo os seus passos, tão só
E apenas deslizando
Sob mil olhares fixos e luzentes
De suas cúmplices damas...
AS ESTRELAS...

Lá no céu, como que a inveja soberba e maldosa,
Elas - ligeiras, cinzentas, enfadonhas, vaidosas,
Vão tomando o espaço, embaciando as luzes... 
AS NUVENS...

E com certo triunfo
Chegando aos rumores vorazes e atrozes
Relampeando e riscando os céus -
OS TROVÕES...

Destemidos, corajosos, como guerreiros em luta
Invadindo as trevas, anunciam com certa ira
A TEMPESTADE...

Uma outra forma de vida, que abruptamente cai...
E essa simbiose total e vital, às vezes letal,
Vem dar ao homem e à natureza
A VIDA...

Quando na manhã seguinte...
No silêncio do alvorecer...
Num mesmo lugar quem sabe...
Fulgura novamente, serena e fantasmagoricamente
a imagem do rei a reiniciar a sua lida
com sua coroa de ouro, no seu rastro da vida,
mostrando a sua força e raça
para cumprir a sua divina missão,
oferecendo ao homem o calor, equilíbrio, energia e luz
numa perene magia, para provar que a força de tudo isso,
vem misteriosamente a todos, sem discriminação,
com justiça, com amor...
Vem de uma força única...
criadora de tudo e de todos nós...
vem de ...
D E U S !!!!

APENAS UMA PLUMA

Sou apenas uma pluma carregada pelo vento;
vou vivendo a minha vida, por aqui ou acolá,
sem morada, sem família e sem ninguém.
Sou apenas uma pluma, desgarrada de meu sabiá…

Não tenho asas, não tenho canto,
não tenho vida, só tenho encanto.
Sou suave, leve solta eu sou,
Sem presa, sem saber para onde vou.

Sou apenas uma pluma do meu sabiá,
que voava e cantava pra viver…
Mas, um dia, triste dia aconteceu:
Uma pedra, dura pedra o abateu.

E soltei-me da plumagem de seu peito,
e do sopro derradeiro, eu voei…
Sou a pluma separada do meu ser,
que morreu, sem saber do meu viver!

Minha vida se é vida, feito assim…
Pouco dela sei, pouco sei de mim.
Pois eu vivo, se o sopro me soprar,
se a brisa ou se o vento me levar.

Mas um dia, a sorte me pegou
pelo vôo de um pássaro de acolá,
carregando-me pelo bico familiar:
Era o bico da mulher do meu sabiá.

De uma vida com passado, sem futuro,
transmutada de um dia para cá…
Do nada, quase nada, virei ninho
da ninhada dos filhotes do meu sabiá!

A LINGUAGEM DO POETA

Arte, Sonho, Liberdade! – a Poesia;
que o poeta,sem passagem, acredita,
pelos sonhos, perambula na magia
das palavras de sua Língua tão Bendita.

Ele voa pelas asas da alegria,
no embalo da estrela que palpita…
nos acordes do silêncio e da folia;
acelera, anda, passa, freia, grita…

Na linguagem; sinestesia ele tenta…
Escrevendo, vai suprindo sua emoção,
muitas vezes, já cansado de Sonhar…

O Poeta, com coragem, experimenta
até o fogo, que embriaga o vulcão,
acendendo seu pavio do Amar!

RASCUNHO & BORRÃO

Nas linhas pautadas do velho caderno
aterrissam sonhos, que viajam em mim…
Vêm de algures, além do inverno,
ao porto seguro da pista molhada,
em versos sem fim…

Pedaços poemas, delírios sem asas,
fonemas opacos que vêm para mim;
às vezes quebrados, não chegam, não vingam,
se perdem no espaço…
e viram poeira num outro jardim.

Palavras sem forças, sem nexo,sem voz,
que risco e apago e faço borrão.
Pensamentos que fogem, se soltam no ar,
e voltam sem vida na mente cansada
de minha emoção…

Os versos que morrem no ventre da alma
são sementes estéreis jogadas no chão…
Sepulto as letras nas pautas vazias,
escritos perdidos à espera de luz,
meu lápis riscando em traços em cruz…
fechando o caderno rascunho e borrão!

VENTO MENINO

Acordei com a voz do vento,
Que batia na minha janela…
Pensei na hora e no tempo,
Acendi ao meu lado uma vela.

Lá fora o frio ardia,
Doíam, a relva e a flor…
O vento na janela batia;
Batendo, implorava calor.

Abri a janela e o vento…
Tremendo, em mim desmaiou;
Passei minhas mãos sobre ele,
Sorrindo, o vento acordou.

Parecendo um menino perdido
Entre as mãos espalmadas o acolhi,
Balbuciando logo em meu ouvido,
melancólico adágio eu ouvi.

Tremendo ainda o vento,
No outro ouvido cantou…
Parecendo elemento alado,
O vento pra mim sussurrou.

Não sendo menino e nem pássaro,
Que presos, ainda podem cantar…
Levei-o tão logo à janela…
E o vento se põe a voar!


Fontes:
Poemas enviados pelo poeta
http://simultaneidades.blogspot.com
http://poetasdobrasil.blogspot.com
Lilia Souza (organizadora). Coletânea da Academia Paranaense de Poesia. 2012

Paulo Walbach Prestes (1945)

       
 Paulo Roberto Walbach Prestes nasceu em 1945, em Curitiba.
Formou-se em Direito. Iniciou sua vida literária, quando no científico, em 1965, um professor de português dasafiou a turma, exigindo uma poesia com o tema “Policromia”... em 15 minutos o trabalho deveria estar terminado. Desenvolveu a poesia conectando-a à criação do Universo por Deus, e assim, obtendo o glorioso e inesperado primeiro lugar, lendo-a em todas as salas de aula.
Está presente em diversas antologias literárias, sagrando-se vencedor em vários concursos a nível nacional e internacional.
Escreveu um livro artesanal, "França: um sonho de luz", em 45 estrofes poéticas. Em 2012, lançou "Liamir Santos Hauer: mulher araucária", um livro biográfico. Elaborou uma antologia de poetas da Academia Paranaense de Poesia e da Oficina da Poesia da Biblioteca Pública do Paraná.
Teve centenas de crônicas publicadas no jornal "A Gazeta do Povo". 
Além de escritor, foi premiado em concursos nacionais de pintura e de fotografia.
Entrou para o Centro de Letras do Paraná, através de seu saudoso padrinho cultural, Túlio Vargas, Presidente da Academia Paranaense de Letras. Associado também da Academia Paranaense da Poesia.

Fénelon (História de Alibe, o Persa)

O Xá Abas, rei da Pérsia, durante uma viagem, distanciou-se de todo o seu séquito a fim de passar pelo campo sem ser reconhecido e para aí apreciar o povo em toda a sua liberdade natural; levou consigo apenas um de seus cortesãos. 

“Não conheço absolutamente, disse-lhe o soberano, os verdadeiros costumes dos homens; tudo o que de nós se aproxima está disfarçado. É a arte, e não a simples natureza, que se nos apresenta. Quero estudar a vida rústica e ver essa espécie de homens que é tão desprezada, embora sejam o verdadeiro sustentáculo de toda sociedade humana. Estou enfadado de ver palacianos que me observam para me surpreender com lisonjas. Preciso ver agricultores e pastores que não me conheçam”.

ele, com seu confidente, por muitas aldeias onde havia danças e maravilhava-se ao encontrar, longe dos palácios, prazeres tranquilos e nada dispendiosos. Fez uma refeição numa cabana e, como estivesse com muita fome, após haver andado mais que de costume, os simples alimentos que aí encontrou souberam-lhe melhor que todas as finas iguarias de sua mesa. Ao passar numa campina matizada de flores, marginada por límpido regato, avistou um pastorzinho que tocava flauta à sombra de um grande olmo, junto a seus carneiros. Aproximou-se dele, observou-o, achou-lhe uma fisionomia agradável, um ar simples e ingênuo, mas nobre e gracioso.

trapos que o pastor vestia em nada empanavam o brilho de sua beleza. O rei julgou, a principio, que fosse alguém de nascimento ilustre que se houvesse disfarçado, mas soube pelo pastor que seu pai e sua mãe habitavam uma aldeia próxima e que seu nome era Alibe.

À medida que o soberano o interrogava, ia apreciando nele um espírito firme e sensato. Seus olhos eram vivos e nada possuíam de violento ou selvagem. A voz era doce, insinuante e própria para sensibilizar. 0 rosto nada possuía de rústico, mas sua beleza não era uma beleza indolente, afeminada. 0 pastor, de dezesseis anos aproximadamente, não sabia que era assim como os outros o viam. Julgava pensar, falar, ser, enfim, como todos os outros pastores de sua aldeia, mas, sem educação, aprendera tudo que a razão ensina àqueles que a ouvem. 0 soberano, depois de conversar com ele familiarmente, sentiu-se encantado. Foi por ele informado das condições dos povos, de tudo que os reis nunca vêm a saber da multidão de bajuladores que os rodeia. De vez em quando se ria da ingenuidade daquela criança que se expressava com absoluta liberdade. Era uma grande novidade para o rei ouvir alguém falar tão espontaneamente. Fez sinal ao cortesão que o acompanhava para não dizer quem ele era, porque temia que Alibe perdesse num instante toda a sua naturalidade e seu encanto, caso soubesse com quem falava.

“Bem vejo, dizia o príncipe ao cortesão, que a natureza não é menos bela nas condições mais humildes que nas mais eminentes. Jamais filho algum de rei me pareceu melhor nascido que este guardador de carneiros. Sentir-me-ia muito feliz em ter um filho tão belo, tão sensato, tão amável. Parece-me apto para tudo e, caso se tenha o cuidado de instruí-lo, certamente será, algum dia um grande homem. Quero que seja educado junto a mim.”

O rei levou Alibe, que muito surpreso ficou quando soube a quem havia agradado. Ensinaram-lhe a ler, a escrever, a cantar e deram-lhe depois professores das artes e ciências que adornam o espírito. A princípio ficou um tanto maravilhado com a corte, e a grande modificação do seu destino lhe afetou um tanto o coração. Sua idade e a valia de que desfrutava, reunidas, alteraram um pouco sua sabedoria e sua moderação. Ao invés do seu cajado, da sua flauta e do seu traje de pastor, vestiu um traje de púrpura bordado a ouro com um turbante coberto de pedrarias. Sua beleza superou tudo que a corte possuía de mais agradável. Ele se tornou apto para os negócios mais sérios e mereceu a confiança de seu senhor que, conhecendo o gosto requintado de Alibe por todas as magnificências de um palácio, acabou dando-lhe um cargo muito importante na Pérsia, qual seja o de guardar tudo que o príncipe possui em pedrarias e em alfaias de valor.

Durante toda a vida do grande xá Abas, a valia de Alibe não cessou de aumentar. À medida que ele ia alcançando idade mais madura, mais se lembrava de sua condição antiga e muitas vezes dela sentia saudade: "Ó belos dias, dizia consigo, dias inocentes, dias em que desfrutei uma alegria pura e sem perigo, dias depois dos quais outros não tive tão aprazíveis, será que não vos tornarei a ver? Aquele que de vós me privou, ao me dar tantas riquezas, privou-me de tudo.” Quis rever sua aldeia. Comoveu-se em todos os lugares onde outrora dançara, cantara, tocara flauta com seus companheiros. Fez algum bem a todos os seus parentes e amigos, mas almejou-lhes como principal felicidade, que jamais deixassem a vida campestre e nunca experimentassem as desditas da corte.

Tais desditas ele as sentiu, após a morte do seu bom senhor o xá Abas. A este sucedeu o filho, xá Sefi. Cortesãos invejosos e dominados pela ambição acharam meios e modos de preveni-lo contra Alibe: “Ele abusou, diziam, da confiança do falecido rei. Acumulou tesouros imensos e desviou muitas coisas de altíssimo valor, das quais era o depositário.” 

0 xá Sefi era jovem e príncipe, tanto não era necessário para ser crédulo, desatento e incauto. Teve a vaidade de querer parecer reformar aquilo que o rei seu pai fizera, e julgar melhor que ele. A fim de ter um pretexto de destituir Alibe de seu cargo, pediu-lhe, a conselho de seus cortesãos invejosos, que lhe levasse uma cimitarra guarnecida de diamantes, de imenso valor, que o rei seu avô costumava cingir nos combates. 0 xá Abas mandara outrora tirar dessa cimitarra todos os seus belos diamantes e Alibe provou, com boas testemunhas, que tal coisa fora feita por ordem do falecido rei, antes de lhe ser dado o cargo.

Quando os inimigos de Alibe viram que não mais podiam servir-se desse pretexto para perdê-lo, aconselharam ao xá Sefi que lhe pedisse para fazer, dentro de quinze dias, um inventário rigoroso de todas as alfaias preciosas, cuja guarda lhe incumbia. Ao cabo de quinze dias, pediu para ver pessoalmente todas as coisas. Alibe abriu-lhe todas as portas e mostrou-lhe tudo que ele guardava. Nada faltava: tudo estava limpo, bem arrumado e conservado com muito zelo. 0 rei, muito surpreso de encontrar por toda parte tanta ordem e cuidado, quase modificara sua disposição a favor de Alibe, quando avistou, na extremidade de uma grande galeria cheia de esplêndidas alfaias, uma porta de ferro, com três enormes fechaduras. “‘É aí, disseram-lhe ao ouvido os cortesãos invejosos, que Alibe escondeu todas as coisas preciosas que desviou. “Logo o rei gritou encolerizado: “Que guardou aí? Mostre-mo!”

A essas palavras Alibe atirou-se a seus pés, suplicando-lhe, em nome de Deus, que não lhe tirasse o que ele possuía de mais precioso sobre a terra. Não é justo que eu perca num momento o que me resta e que representa meu derradeiro recurso, após haver trabalhado tantos anos junto ao rei seu pai. Tirai, se quiserdes, o restante, mas deixai-me isso.”

O rei não teve a menor dúvida de que se tratava de um tesouro mal adquirido que Alibe reunira. Falou em tom mais alto e fez absoluta questão de que lhe abrissem a portar. Afinal, Alibe, que estava com a chave, abriu-a pessoalmente. Depararam apenas com o cajado, a flauta e o traje de pastor que Alibe possuíra outrora, e que muitas vezes revia com júbilo, receoso de esquecer sua primitiva condição: “Eis, disse, ó grande rei, os preciosos restos de minha antiga felicidade. Nem a fortuna, nem vosso poder, puderam privar-me deles. Eis meu tesouro que conservo para me enriquecer, quando me tiverdes tornado pobre. Retomai tudo o mais, deixai-me estas queridas lembranças de meu primeiro estado. Ei-los, meus verdadeiros bens, que jamais me faltarão. Ei-los, estes bens singelos, inocentes, sempre caros àqueles que sabem contentar-se com o necessário, porque não se atormentam absolutamente com o supérfluo. Ei-los, estes bens que nunca me causaram um instante de dificuldade. Ó queridos instrumentos de uma vida simples e feliz! Só a vós amo, convosco é que desejo viver e morrer. Porque foi preciso que outros bens enganadores me viessem iludir e perturbar minha vida? Eu vou as restituir, grande rei, todas as riquezas que me vierem de vossa liberalidade. Conservo apenas as que possuía quando o rei vosso pai, veio, com suas mercês, tornar-me infortunado.”

O rei, ao ouvir essas palavras, compreendeu a inocência de Alibe e indignando-se com os cortesãos que o quiseram perder, expulsou-os. Alibe tornou-se o seu principal auxiliar e foi incumbido dos negócios mais reservados. Mas todos os dias tornava a ver seu cajado, sua flauta e seu antigo traje, que conservava sempre prontos em seu tesouro, a fim de retomá-los, mal o destino inconstante perturbasse a sua situação. Morreu, na extrema velhice, sem nunca ter querido, nem mandado punir seus inimigos, nem reunir fortuna alguma, deixando apenas a seus parentes com que viverem na condição de pastor, que lhe pareceu sempre a mais segura e a mais feliz.

XXVII Festival de Folclore de Montargil/Portugal (16 de Julho)