quarta-feira, 12 de junho de 2019

Malba Tahan (Mil Histórias Sem Fim) Narrativa 3 e 4


Imedin Tahir Ben-Zalan conta sua vida e suas aventuras. Por que foi ele à casa do xeque Abder Ali Madyã e as pessoas que lá encontrou. O que disse o xeque a um velhote que oferecia um escravo e as peripécias que depois se seguiram.

Meu nome é Imedin Tahir Ben-Zalã e sou natural de Damasco.

Muito cedo tive a infelicidade de perder meu pai, e achei-me, com minha mãe e meus irmãos, em completo desamparo. Um bom mercador, que morava nas vizinhanças de nossa casa, tomou-me sob sua proteção. Graças ao inestimável auxílio desse generoso protetor, obtive meios que me permitiram estudar com os mestres e adquirir, assim, os variados conhecimentos que hoje possuo e de que me tenho valido nos transes mais difíceis da vida.

Há cerca de dois anos, mais ou menos, a marcha serena de minha existência foi perturbada por um acontecimento imprevisto. Salomão Moiard, assim se chamava o meu pai adotivo, obrigado a partir para Jerusalém, em virtude de um chamado urgente, deixou os haveres que possuía, inclusive uma pequena caixa na qual se guardavam mil sequins de ouro. Recomendou-me que zelasse com o maior desvelo pelos seus bens e riquezas, pois só ao fim de um ano talvez, liquidados os seus negócios na Palestina, poderia regressar dessa longa jornada ao país dos israelitas.

Jurei que tudo faria para corresponder à honrosa confiança que ele em mim depositara; e, na manhã seguinte, depois da primeira prece, (1) tive a tristeza de vê-lo partir com grande caravana de mercadores judeus.

O velho Salomão deixara, para as minhas despesas, quantia razoável com a qual eu poderia viver, sem privações, durante um ano. Resolvi, entretanto, auxiliar minha mãe, como sempre fizera - a fim de atenuar-lhe a penúria em que vivia -; deliberei obter um emprego que me permitisse, embora com sacrifício, aumentar-lhe os recursos pecuniários.

Naquele tempo vivia em Damasco um opulento mercador chamado Abder Ali Madyã, cujo nome brilhava à luz do prestígio que os muçulmanos atribuem aos que têm ouro em abundância, oásis e caravana. Informado de que o xeque (2) procurava um secretário, apresentei-me em sua nobilíssima residência, à hora marcada, esperançoso de obter o vantajoso emprego.

Recebeu-me à porta um escravo baixote, vestido à moda síria, e, tendo declarado a razão da minha presença, fui conduzido até um belo salão onde deparei várias outras pessoas que aguardavam a audiência do xeque. Entre os presentes, reconheci os incorrigíveis Annaf e Mohammed, “o gago”, escribas de poucas luzes, que se tornaram famosos entre os damascenos em razão da falta de discrição e honestidade com que desempenhavam as tarefas mais sérias de que se encarregavam.

A fantasia popular não exagerava ao atribuir ao poderoso Abder Madyã uma opulência quase lendária. A sua deslumbrante moradia, cuja construção obedecera ao plano de um escravo cristão, ostentava o luxo e a riqueza de um serralho imperial; havia por toda parte valiosas alcatifas, e no salão poligonal em que nos achávamos, as paredes internas eram cobertas por figuras geométricas coloridas, entrelaçadas em harmoniosas combinações. Menos deslumbravam os adornos e pedrarias do que a arte e o fino gosto com que tudo ali era arranjado.

Quando o xeque surgiu, como um príncipe das Mil e uma Noites, acompanhado de seus íntimos e auxiliares, levantamo-nos respeitosamente e fizemos o salã (3). Com um ligeiro aceno, o fidalgo agradeceu-nos a saudação.

Um velhote nervoso, de olhos embaciados, que se pusera a um canto, depois de curvar-se várias vezes desmanchando-se em repetidos salamaleques, aproximou-se do xeque e entregou-lhe um documento que trazia em rolo, preso por uma fita azulada.

O xeque tomou o pergaminho, desenrolou-o lentamente, e sobre os vagos caracteres ali traçados correu displicente o olhar.

Ualá! (4) - exclamou irritado devolvendo ao velhote o documento. - Não me convém a sua proposta. Acho-a irracional. Seria um absurdo que eu comprasse um escravo, por um preço elevado, sem adquirir nessa transação a pele desse escravo! Que disparate! Onde já se viu semelhante despautério?

- Xeque dos xeques! - acudiu pressuroso o velhinho, torcendo os dedos. - Trata-se, como já vos disse mais de uma vez, de um caso excepcional. A pele do escravo a que me refiro não lhe pertence. Posso contar-vos...

- Pelas barbas de Mafoma! - atalhou colérico o xeque. - Não me interessa saber como se chegou a essa situação inverossímil e anti-humana; não me animo, tampouco, a ouvir a história desse escravo martirizado pela servidão! Já estou farto de casos excepcionais! Qualquer mendigo da estrada, em troca de um osso, é capaz de contar vinte casos excepcionais! Os homens de imaginação baratearam o impossível. Só os fatos sobejamente vulgares e rotineiros é que a mim me parecem realmente excepcionais!

E, isso dizendo, voltou-se para um dos homens que se achavam perfilados, aguardando ordens, e murmurou secamente:

- Leva daqui este importuno!

Acompanhei, ainda, com o olhar, o velhote nervoso que se retirava aos trancos, levado pelo braço hercúleo de um guarda. Sua figura pareceu-me cheia de mistério. 

Que estranho caso seria aquele do escravo que não era dono da própria pele? Algum dia - pensei - mesmo que seja para tanto obrigado a contar todos os pelos de um camelo, hei de descobrir o paradeiro desse singular muçulmano para dele ouvir aquele “caso excepcional” a que o xeque não dera a menor importância. (5)

Tendo saído o velhote de roupa cinzenta, ficaram, apenas, aguardando a decisão do xeque, os que pretendiam o lugar de secretário. Éramos em número de quatro: eu, os dois escribas desonestos (aos quais já me referi) e um tipo pálido, alto como uma girafa e muito magro, que não cessava de sacudir a cabeça para baixo e para cima, como se quisesse, por antecipação, concordar com alguma coisa que ia ouvir de alguém.

- Sou avesso à prática da injustiça - começou o xeque - e não quero, pois, errar na escolha de meu novo secretário. Conforme costumo proceder em tais casos, vou submetê-los a uma pequena prova, que será simples e sumária. Aquele que se sair com mais brilho e revelar maior habilidade será por mim escolhido. Ali, sobre aquela mesa, está o material necessário. Cada um dos candidatos poderá escrever a seu bel-prazer o que muito bem entender, contanto que revele inteligência e cultura!

Ao perigoso Annaf, que se achava na frente, cabia, no caso, a iniciativa. Aproximou-se da mesa, tomou do cálamo e de uma folha em branco e, depois de sentar-se sobre uma almofada, escreveu várias linhas, pondo nessa operação os cuidados de um calígrafo.

- Leia! - ordenou o xeque.

O escriba, que usava habitualmente do cinismo como recurso seguro de êxito, leu com voz clara, numa cadência irritante, as linhas que traçara.

Glorificado seja Alá, o Altíssimo! No país do Islã (6) não há homem mais generoso, mais belo, mais sábio e mais valente do que o grande xeque Madyã! O nome desse genial 
muçulmano...

- Não me agradam - interrompeu com azedume o xeque - os elogios derramados como os que aí escreveste. Abomino os bajuladores. A tua gabação, envilecida pela sabujice, cai sobre mim como a baba de um camelo. Vai-te daqui e não me procures mais. Lembra-te de que eu sei fazer com que os impertinentes amarguem o arrependimento das importunações com que me irritam!

Regozijei-me intimamente com tal decisão. Foi o caviloso escriba agarrado, num abrir e fechar de olhos, e arrastado para fora do salão pela férrea musculatura de dois guardas autômatos. Percebi que houve, a seguir, um tumulto, acompanhado de ruídos surdos, no corredor; veio-me a espírito a suspeita de que ele teria sido impiedosamente espancado pelos numerosos servos. O regozijo, que a princípio sentira, transformou-se, por causa daquele sucesso, na mais grave apreensão.

Mohammed, “o gago”, foi o segundo a apresentar a prova exigida. Tendo escrito duas ou três linhas demonstrativas de sua capacidade, entregou-as ao xeque julgador.

Mal relanceara sobre elas os seus olhos espertos, enfureceu-se perigosamente o rico Madyã.

- Miserável, filho de miseráveis! - gritou enviperado. - Detesto, já o disse, a sabujice dos cínicos tanto quanto execro os tipos grosseiros e mal-educados! Isto que escreveste é uma estúpida infâmia! Por Alá! Vai-te, antes que eu perca por completo a calma.

O temido senhor não teve necessidade de repetir a ordem. Um agigantado cameleiro agarrou pelas costas o grosseiro candidato e, com um empurrão violentíssimo, atirou-o para fora da sala, sem cuidar da desastrosa posição que lhe remataria a queda. Ouvi novamente ruídos surdos e prolongados no corredor; desta vez, entretanto, não tive dúvidas sobre o tremendo espancamento com que os servos castigavam o segundo pretendente.

A má sorte de Annaf e Mohammed não perturbou a calma e a serenidade do tal homem pálido, magro, que sacudia a cabeça. Com penalizante humildade, sem desligar dos lábios um lastimável sorriso, que traduzia a mais profunda resignação, aproximou-se do xeque em cujas mãos depositou uma pequena folha, na qual rabiscara alguns versos de notável poeta árabe.

- Imbecil que és! - exclamou o xeque, depois de ler a prova e tomado de vivo rancor. - A tua ignorância é revoltante! Nos versos de Montenébbi (7) que aqui escreveste, há três acentos trocados e duas sílabas erradas! É incrível que um árabe tenha a ousadia de estropiar, assim, o mais admirável poema do Islã! - E a transbordar de empáfia, ajuntou: - Sei de cor os cinco mil versos de Antar, as canções de Nobiha, de Tarafa e Zobe. Já li cem vezes as obras dos antigos e modernos escritores árabes. Não posso admitir, portanto, que um imbecil, por ignorância, estropie torpemente as joias mais caras do grande Montenébbi!

E vi penalizadíssimo ser aplicado ao terceiro infeliz o mesmo tratamento brutal dispensado aos dois primeiros: seguiram-se, como das outras vezes, barulhentos distúrbios no fatídico e temeroso corredor. Voltou-se, a seguir, o xeque para os amigos que o rodeavam e proclamou com irritante prosápia:

- Viram a audácia deste chacal insolente que fiz expulsar agora de minha casa? Teve a petulância de me oferecer, como coisa sua, fruto de sua acanhada inteligência, um punhado de lindos versos que o imortal Montenébbi escreveu, em Chiraz, para obter a simpatia e proteção do poderoso Adod-ed-Daula. O infeliz plagiário não se lembrou de olhar para os seus pés antes de submeter a julgamento a sua desastrosa prova.

E o enfatuado xeque apontou para o grande e rico tapete azul-claro, adornado com legendas admiráveis, que cobria a parte central do aposento. Destacavam-se, no centro do tal tapete, versos admiráveis de Montenébbi:

Quis apossar-me do Tempo
 mas o Tempo, imaginário,
 não se deixou alcançar.
 Procurei a eternidade,
 pensando que, na Ciência,
 tudo pudesse encontrar.
 Mas voltei de mãos vazias,
 lamentando os dias meus,
 estudei e, logo, a Dúvida
 veio afastar-me de Deus... (8)

- Que tapeçaria magnífica! - comentou com voz amolentada um tipo gorducho, de rosto redondo, que parecia íntimo do xeque. - É de estranhar que o velhote não tenha reparado nela, depois de ter permanecido nesta sala, à nossa espera, durante tanto tempo.

- Isso acontece com os indivíduos vulgares, meu caro Rhaif - acudiu com vivacidade o xeque. - Olham, mas não veem; ouvem, mas não escutam; falam, mas não dizem nada; correm, mas não se afastam. Conheci, em Homs, um aguadeiro tão distraído que de uma feita, ao sair da mesquita, esqueceu as babuchas e enrolou os pés no turbante! Ao chegar a casa, a esposa espantou-se e disse: “Que loucura é essa, meu marido? Olha o que fizeste com o teu turbante!” Respondeu o aguadeiro olhando para os pés: “Foi distração minha! Pensei que tomara, por engano, as calças do velho cádi!”

A citação daquele caso - que me parecia uma frioleira sem sentido e sem cabimento - fez rir gostosamente o gordo Rhaif. Todos os outros xeques desmancharam-se, também, em estrepitosas risadas. Sentia-se que a intenção dos presentes era lisonjear e agradar o dono daquele palácio, o opulento xeque Madyã.

Que chiste poderia alguém descobrir naquela desenxabida anedota do aguadeiro? A minha atitude discreta e serena despertou a atenção do xeque.

Fitou-me muito a sério e, fazendo transparecer certa ironia em suas palavras, disse-me com voz pausada:

- Chegou, agora, a tua vez, meu jovem amigo! Que no insucesso e no lamentável fracasso de teus antecessores possas descobrir meio mais seguro de alcançar a vitória. Queira Alá que a tua prova seja satisfatória, pois os cameleiros que me servem já estão, com certeza, fatigados de castigar atrevidos e ignorantes audaciosos! Pela sagrada mesquita de Meca! Vamos à prova!

Narrativa 4

Continuação das aventuras de Imedin. O caso da palavra caucasiana que um filólogo de grande fama traduziu e explicou.

Vendo chegada a minha vez, invadiu-me invencível terror, como se houvesse surgido pela frente um fantasma de apavorante aspecto. Que deveria escrever para agradar ao incontentável xeque? Elogios? Nunca. Lembrava-me ainda do quanto penara o primeiro escriba. Insultos e grosserias? Muito menos. Trechos literários ou poesias? 

Seria uma imprudência de louco. Um engano numa frase, um descuido num verso, seria, para mim, desgraça completa.

Quis Alá que uma feliz inspiração me iluminasse o atribulado espírito. Tomei de uma folha de papel e nela escrevi uma única palavra: Mazaliche!

- Ma-za-li-che! - leu o xeque, vagarosamente, separando com cuidado as sílabas. Que quer dizer “mazaliche”?

Senti, naquele transe perigoso, que a minha salvação, no caso, dependia, exclusivamente, de um pouco de audácia. A palavra “mazaliche” tinha sido inventada, no momento, por mim; nada significava, não tinha sentido algum. Resolvido, porém, a levar até o fim a aventura iniciada de modo tão favorável, respondi com absoluta segurança:

- A palavra “mazaliche”, ó xeque generoso!, não é árabe, nem persa. É um vocábulo descoberto, faz muitos séculos, por um filólogo que estudou os vários dialetos falados pelos povos caucasianos. “Mazaliche” significa o que quiser!...

- Como assim? - interpelou-me novamente o xeque. - Qual é a tradução certa e exata para essa palavra?

- O que quiser! - reafirmei tranquilo. - Não vejo, senhor, como explicar, de outro modo, a significação de uma palavra para nós quase intraduzível. O sábio filólogo que viveu no Cáucaso...

- Basta - atalhou vivamente o xeque. Dispenso-te as explicações linguísticas. A lembrança que tiveste, ao condensar a tua prova numa única palavra, foi realmente original. Revelaste inteligência viva, cultura razoável e também muita presença de espírito. Creio que és digno de exercer as funções de secretário de um homem notável como eu!

Julguei, depois de ter ouvido tais elogios do imodesto xeque, passado inteiramente o perigo e definida, de modo favorável, a situação. Com grande surpresa, porém, o caso tomou, de repente, feição complicada e trágica.

Depois de pequeno silêncio, o xeque assim falou:

- Ser-me-á fácil verificar se disseste ou não a verdade em relação a essa palavra, “mazaliche”. Tenho aqui, em minha casa, como hóspede, há muito tempo, um filólogo eruditíssimo chamado Mostacini Thalabi, que conhece profundamente os mais complicados idiomas do mundo. Vejamos se esse sábio concorda com a tradução que apresentaste para a palavra caucasiana. Fica certo, porém, ó jovem, de uma coisa: se a tua prova, com a originalidade que parece ter, encerrar uma pilhéria, não sairás daqui com uma só costela em perfeito estado!

E depois de proferir tão grave ameaça, que me deixou estarrecido e tonto de pavor, o xeque chamou um escravo e disse-lhe:

- Que venha à minha presença o douto e eloquente filólogo Mostacini Thalabi!

Rápido como uma flecha o escravo desapareceu em busca do sábio.

“Estou perdido”, pensei. “O filólogo vai descobrir a minha audaciosa mistificação. Queira Alá valer-me nesta dependura.”

Momentos depois surge no salão, em companhia de um escravo, um homem de meia-idade, barbas castanhas, olhar muito vivo, rosto largo, a testa alta e mal disfarçada por um turbante farto e desajeitado, com uma grande barra verde. Era o recém-chegado o famoso filólogo Mostacini Thalabi, hóspede do palácio.

Depois de saudar delicadamente a todos os presentes, dirigiu-se ao senhor de Madyã e disse-lhe:

- Alá sobre ti, ó xeque! Que desejas de teu humilde servo?

Respondeu o xeque:

- Mais uma vez, meu bom amigo, vou apelar para os teus profundos conhecimentos linguísticos. Sei que os idiomas, vivos ou mortos, não possuem segredos que resistam à argúcia de teu espírito. Pois bem. Quero que me digas o que significa esta palavra e a língua ou dialeto a que pertence.

E o rico mercador passou para as mãos do filólogo a folha em que eu escrevera o ignorado vocábulo - Mazaliche.

Um sentimento de pavor invadiu-me o espírito e como que me petrificou. A máscara da palidez pesou-me sobre o rosto. Murmurei resignado: “Maktub! (9) Alá é grande! Seja feita a vontade de Alá.”

O sábio leu atentamente a palavra a que eu reduzira a minha prova. Passou a mão direita pela barba, alisando-a, displicente. Meditou alguns instantes como se procurasse coordenar ideias que pareciam quase esquecidas. E disse afinal:

- A palavra aqui escrita compõe-se de dois radicais distintos: mas ou maz, e aliche ou oiliche, da raiz de um verbo oili a que se liga o sufixo che, indicativo de futuro. Mazaliche é encontradiço num dialeto falado na região do Cáucaso. A palavra é, pois, caucasiana!

Quem poderia avaliar a intensidade do meu espanto ao ouvir aquela declaração? Feita pequena pausa, o filólogo continuou:

- Vou dar agora a significação da palavra “mazaliche”. A primeira parte, constituída pelo radical mas, significa “aquilo que”, “coisa”; a segunda, aliche, é um verbo: “querer”, “pretender”, “desejar”, “preferir no futuro”. A melhor tradução para mazaliche será, pois: “o que quiser.”

- Jovem - declarou então o xeque. - A tua prova acaba de ser confirmada pela voz autorizada do nosso grande filólogo. Nomeio-te meu secretário e de hoje em diante viverás neste palácio!

Recebi a seguir, de quase todas as pessoas que nos rodeavam, provas de afeto e simpatia. Cochichou-me um sujeitinho magro, que piscava continuamente os olhos:

- Foste de muita sorte. Com habilidade alcançarás aqui riquezas incalculáveis!

Compreendi que o sábio Mostacini, movido por um sentimento de incomparável bondade, deliberara salvar-me daquela emergência inventando para a palavra “mazaliche” a complicada etimologia que causara tanta admiração ao xeque.

“Serei grato a esse homem”, pensei. “A ele devo exclusivamente a vitória na prova. Quem o informara, porém, da significação que eu havia momentos antes atribuído ao vocábulo ‘mazaliche’?”

Naquele mesmo dia - ao cair da noite - fui aos aposentos do filólogo a fim de agradecer-lhe o precioso auxílio que me prestara.

O erudito Mostacini recebeu-me com indisfarçável alegria.

A sala que lhe fora destinada no palácio era larga e espaçosa. Pelo chão viam-se atiradas, ao acaso, ricas almofadas de seda.

- Já sei, meu amigo - disse-me o filólogo -, vieste aqui agradecer-me a solução engenhosa que dei hoje para o teu caso. O escravo que veio chamar-me é meu amigo e a ele devo inúmeros favores. Este escravo contou-me tudo o que se passara e solicitou o meu auxílio em teu favor. Prometi-lhe que tudo faria para salvar-te. Quando entrei, pois, no salão, já sabia o que devia responder ao xeque em relação à palavra que havias, por certo, inventado. Do contrário estarias irremediavelmente perdido.

- E esse escravo - perguntei - quem é? Por que veio ele em meu auxílio?

Respondeu-me Mostacini:

- Neste palácio vivem dezenas de indivíduos sem caráter e sem dignidade que exploram a vaidade doentia do xeque. A hipocrisia, a inveja e a perfídia se familiarizaram em todos os cantos desta casa, e o vaidoso xeque é a toda hora rodeado por cortesãos indignos, que tudo sacrificam pelo amor à cobiça. A única criatura sincera e leal que aqui conheço é esse escravo. Chama-se Meruã. É filho de um aguadeiro de Damasco e conheceu teu pai durante uma viagem que fez ao Cairo. Meruã é cristão e afirmou-me que se acha no dever de proteger-te. Se quiseres ouvir dele a narrativa de uma aventura estranha ocorrida no Egito ficarás conhecendo, de tua vida, um segredo tão estranho que talvez modifique por completo o curso de tua existência.

Tomado da mais viva curiosidade pelo caso, apertei o bom filólogo com um chuveiro de perguntas, ao que ele retorquiu sem se impacientar:

- Nada quero adiantar-te. Amanhã muito cedo mandarei chamar Meruã. E dele próprio ouvirás a mais espantosa narrativa de quantas correm no mundo. - E acrescentou: 

- Vou agora para o salão. O eloquente xeque-el-medah (10) acaba de chegar. Queres ouvir as narrativas desta noite?

Agradeci ao bondoso ulemá o convite; sentia-me fatigado. Preferia ficar ali, na tranquilidade daquele belo aposento, recostado nas ricas almofadas; não me interessavam, naquele momento, as histórias fabulosas cheias de aventuras trágicas e emocionantes.

Retirou-se o sábio, deixando-me sozinho na maior ansiedade.

Que relação poderia existir entre mim e o misterioso escravo? Que estranha aventura teria ocorrido no Egito com meu pai?

A meu lado achava-se um manuscrito que o filólogo ali deixara. Olhei sôfrego para a obra. Na primeira página li assombrado:

Não há no mundo ninguém sem alguma tribulação ou angústia, seja ele emir, rei ou califa.

E mais:

Prepara-te para sofrer muitas adversidades e vários desgostos nesta miserável vida; porque assim te sucederá onde quer que estiveres, e assim acharás, em verdade, onde quer que te esconderes.

Quem teria escrito aquelas impressionantes palavras? Que sentido teriam elas no enredo de minha vida?

Intrigado com o caso, tomei do curioso manuscrito e consegui, sem dificuldade, ler uma história que me deixou encantado e me fez esquecer os pensamentos confusos que me agitavam.

Eis a história que li:
____________________
continua…
___________________________________
Notas
1 As preces obrigatórias para os muçulmanos são em número de cinco. A primeira ao nascer do dia; a segunda ao meio-dia; a terceira às quatro horas da tarde, mais ou menos; a quarta ao pôr do sol, e a última à noite. A prece deve ser precedida de ablução (ghuci).

2 Xeque - termo de acatamento que se aplica em geral aos sábios, religiosos e pessoas respeitáveis pela idade ou pelos costumes. A denominação xeque é dada igualmente ao chefe de tribo ou agrupamento muçulmano.

3 Salã - quer dizer paz. É a expressão de que se servem os árabes em suas saudações.

4 Ualá! (por Deus!) - exclamação muito usada pelos muçulmanos.

5 A prodigiosa história desse escravo, e do velhote que o queria vender, aparecerá em outra parte desta obra.

6 O Islã, de modo geral, significa “conjunto de países que adotam a religião de Mafoma”. Atualmente esses países são: Turquia, Arábia Saudita, Irã, Afeganistão, 
Iraque, Iêmen, Marrocos, etc.

7 Montenébbi - poeta árabe de grande renome, nasceu em Kufa no ano de 905. Passou a sua infância na Síria e, durante vários anos, viveu entre beduínos do deserto. Muito moço ainda agitou a pequena cidade de Semawat, nas margens do Eufrates, fazendo-se passar como inspirado profeta que aparecia, no mundo, com a missão sublime de fundar uma nova crença religiosa. Fez crer a seus amigos e correligionários que recebia inspiração de anjos e espíritos ocultos e pretendeu elaborar um segundo Alcorão, que serviria de código religioso e moral para a seita revolucionária que pretendia implantar na Arábia e espalhar por todos os recantos do mundo. Foi preso pelas tropas Ikhechiditas de Homs, e só obteve liberdade depois de ter declarado que as suas ideias religiosas eram falsas e que a verdade estava contida unicamente no Islã. O apelido Montenébbi significa “aquele que pretendeu ser profeta”. Escreveu poemas admiráveis, até hoje lidos com entusiasmo pelos árabes. Foi, em seu tempo, o poeta mais popular da Arábia. Era admirado pelos caravaneiros e temido pelos príncipes.

8 Estes versos são do livro Pássaro de Jade, da poetisa brasileira Sônia Regina.

9 Maktub! – Estava escrito!

10 Chefe dos contadores de histórias.

Fonte:
Malba Tahan. Mil Histórias Sem Fim, vol.2.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Lairton Trovão de Andrade (Panaceia de Trovas) 2


A mãe-d'água presidia
o júri do sapo-boi;
o doutor, à revelia,
coaxava: "Se foi, não foi!"

Amigo, aguça o sentido,
preste, pois, sua atenção:
Parede, que tinha ouvido,
hoje tem até visão!

Aquele curvo nariz
é coisa descomunal;
escorre qual chafariz
e, ao assoar, é um temporal.

Benedito era de "partes"
e ao bairro deixava aflito...
Dizia-se às suas "artes":
- Mas será o Benedito?!

Dançar com a Mariquita,
oh, que exercício fatal!
- É  judô do siri-chita,
grudado ao siri-coral.

E o polaco erguendo a voz:
- "Se nóís aqui perde pr'eles,
então, eles:  Ó... ni nóís!
Se nóis ganhá: Nóis… Ó... neles

Era, pois, ciúme tão grande
que o obsessivo do Xavier
tinha ciúme apavorante
de si mesmo co'a mulher.

Faleceu o Pantaleão.
Há, na sala, falatório...
Rosna o morto no caixão:
"Mais silêncio em meu velório!..

- Minha cara, dá-me a mão!
É por ti que vivo e morro!
Dá-me afeto, sim, do cão,
não, porém, de um cão cachorro!

Morre de velho o "seguro",
mesmo assim ele morreu;
"desconfiado" é osso duro
que está bem vivo como eu.

No Terceiro Mundo existe
mentira e desolação;
lê-se até num lema triste:
"Tudo pela corrupção!"

O apego pelo sertão,
da gente lá do Nordeste,
é verdadeira paixão,
pois cria "cabra da peste".

O cão tamanduá-bandeira,
braços abertos para o ar,
em pé na trilha ligeira,
queria o amigo abraçar

O "Santo Antônio moderno"
é a internet das "uniões";
"amores" - paixões do inferno -
causam mil separações.

O vadio quer bem viver
e de ninguém ser submisso;
bom emprego ele quer ter,
mas jamais algum serviço.

Para o torcedor fanático,
jogador profissional
é um exemplo claro e prático
de mercenário ideal.

Pergunta-se, volta e meia,
para quem pouco estudou:
- Quem deixou a Lua cheia?
- Foi o Sol que a engravidou!

Quão exímia pensadora
é a coruja que se cala;
é tão nobre esta doutora
que besteira nunca fala.

Quem tem dinheiro demais,
mas, sendo unhaca, é um mico.
Dirão, zombando, os anais:
"Viveu pobre... e morreu rico.”

Sexta-feira, lua cheia,
há lobisomem tinhoso,
que é bem visto, volta e meia,
por um grande mentiroso.

Veja: "A muda muda a muda"
e muda sem se mudar;
a muda, que a muda muda,
não quer mais muda mudar.

Fonte:
Livro enviado pelo autor.
Lairton Trovão de Andrade. Perene alvorecer. 2016.

Luís da Câmara Cascudo (O Fiel Dom José)


Era uma vez um príncipe que encontrou numa sapataria um rapaz tão vivo e simpático que desejou tê-lo como amigo e companheiro. O rei foi pedir ao sapateiro que desse seu filho para viver com o príncipe e o sapateiro cedeu. O rapaz se chamava José e o Rei deu o dom. Todo o mundo no reinado só o conhecia, daí em diante, por Dom José.

O príncipe e Dom José eram inseparáveis nas festas, passeios e caçadas. O rei tinha uma filha muito bonita mas invejosa e de mau gênio. Vendo aquela amizade do irmão com Dom José, enciumou-se e planejou desfazer o afeto que ligava os dois moços.

Uma manhã mandou dizer a Dom José que fosse conversar com ela no seu próprio quarto. Dom José procurou o príncipe, contou o convite e perguntou se devia ir.

– Vá, Dom José!

Dom José foi e a princesa recebeu-o muito bem e ficou meia hora conversando assuntos tolos, negócios da cidade, modas, etc. Meia hora depois Dom José saiu e foi narrar ao príncipe o que sucedera. No outro dia sucedeu o mesmo, mas a princesa prendeu o moço uma hora no seu quarto.

Apesar de sabedor de tudo, o príncipe começou a ficar desconfiado das conversas. Pela terceira vez a princesa mandou buscar Dom José e só o despediu hora e meia depois. Dom José repetiu toda a conversa ao seu amigo, mas o príncipe não acreditou e, julgando que ele tivesse tentado seduzir sua irmã, pediu ao rei para expulsá-lo do reinado. O rei, mesmo a contragosto, mandou Dom José sair e ir morar numa ilha distante.

Ficando sozinho, o príncipe não achava graça em cousa alguma, emagrecendo, definhando, não querendo caçar nem assistir às festas. Chegou mesmo a adoecer de cama e o remédio que houve foi o rei mandar buscar Dom José. Com a notícia da vinda do amigo, o príncipe foi melhorando, melhorando, e saiu uma bela manhã para caçar. Andou, andou pelos campos, quando viu, distante, numa relva muito verde e brilhante, uma abóbora enorme, coberta de uma névoa faiscante que quase não deixava ver. O príncipe baixou a aba do chapéu, aproximou-se da abóbora e viu que estava fechada e tinha um letreiro:

Para Dom José será
quem daqui tirará.

O príncipe quis tocar mas a abóbora desapareceu. Voltando para casa o príncipe encontrou Dom José e fez muito agrado, conversando e planejando caçadas e brincadeiras futuras.

No outro dia, cedinho, lá foram caçar. O príncipe foi andando no caminho anterior, levando o companheiro para o lado onde vira a abóbora encantada. Sucedeu o que se esperava. Viram a campina verde e a névoa faiscante que não deixava enxergar. Foram para perto e leram o letreiro:

Para Dom José será
quem daqui tirará.

Dom José botou a mão em cima da abóbora e esta se abriu, mostrando a mais linda princesa do mundo. Dom José tirou-a de dentro da abóbora e disse ao príncipe, que ficara assombrado com a beleza da moça:

– O que sou devo ao príncipe, meu senhor. Esta é a ocasião de começar a pagar os benefícios recebidos. Dou esta princesa pela mão ao príncipe meu senhor para sua legítima esposa!

O príncipe ficou radiante de contente e a princesa sorriu para ele agradada e satisfeita com a decisão de Dom José. Ficaram muito animados, conversando, contando à moça que estivera encantada. Como o sol se tornasse quente por demais, os três resolveram passar a força-do-calor abrigados na sombra de umas árvores muito copadas. Deitaram-se e o príncipe e a princesa adormeceram logo. Dom José ficou acordado, vigiando.

Lá para as tantas, três rolinhas passaram voando, fizeram umas voltas em três raminhos, bem em cima da cabeça de Dom José. Começaram as três rolinhas a falar, entretidas.

Disse a primeira:

O príncipe está muito vaidoso por ter recebido a princesa mas não se aproveitará dela. Quando passarem o rio ela pedirá água corrente e bebendo morrerá.

E quem isto ouvir e contar
em pedra-mármore há de se virar!

A segunda continuou a profecia:
– E se a princesa não morrer da água corrente há de morrer quando beber a primeira colher de sopa no jantar dessa noite.

E quem isto ouvir e contar
em pedra-mármore há de se virar!

A terceira rolinha findou:
– Mesmo que a princesa escape da água e da colher envenenada, será devorada pela serpente de duas cabeças na madrugada.

E quem isto ouvir e contar
em pedra-mármore há de se virar!

Dom José tudo ouvira e, logo que as rolinhas voaram, levantou-se, acordou os príncipes e seguiram viagem. Foram passando o rio e a princesa, quando viu as águas claras, correntes e frias do rio, começou a ter sede e a pedir um copo para beber.

– Vão seguindo, vão seguindo, que eu vou buscar água e levo – declarou Dom José.

Os dois continuaram a jornada e Dom José quando os alcançou, algum tempo depois, foi explicando que caíra e perdera toda água mas estavam perto do palácio e lá havia tudo do bom e do melhor.

Chegando foram logo festejados e o rei e a rainha abençoaram a princesa, cobrindo-a de carinhos e anunciando logo o casamento. Dom José foi o padrinho e a princesa solteira a madrinha. De noite houve o banquete, com todos os homens ricos do lugar, e Dom José pediu para não tomar parte na mesa e sim servir como criado.

Os noivos ficaram surpreendidos com aquele pedido. Mas, insistindo Dom José, cederam, e ele serviu como mordomo. Logo que puseram a sopa nos pratos e a noiva segurou a colher de ouro, enchendo-a e levando-a à boca, Dom José correu, arrebatou-a e entregou uma outra colher de prata, dizendo:

– Coma com esta e não pergunte por quê...

O noivo fez um ar de zanga mas nada disse. Acabou-se o jantar e houve baile. Dom José foi ao príncipe e pediu, por um último favor, deixasse ele dormir no mesmo quarto do casamento. O príncipe espantou-se mesmo e ainda mais a noiva, mas sendo Dom José quem dera a mulher ao marido, entenderam que merecia tudo e consentiram no que pedira.

Dom José foi buscar um alfanje, amolou-o como a uma navalha e escondeu-o debaixo da sua cama, preparada no mesmo quarto dos noivos.

Recolheram-se todos e Dom José ficou acordado, botando sentido nos rumores e nos passos. Pela madrugada, quando caiu a friagem ouviu-se um arrastado e foi aparecendo pela janela um bicho mais horroroso da terra, uma serpente que não tinha fim, preta, grossa, com duas cabeças, capaz de engolir sem mastigar a uma junta de bois de carro.

Dom José desembainhou o alfanje e assim que a serpente passou o batente da janela descendo para o chão do quarto, sacudiu um golpe tão violento que decepou as duas cabeças de uma só vez.

Um jorro de sangue esguichou e três pingos salpicaram a face da princesa que estava dormindo. Dom José limpou tudo, atirando o corpão da serpente para fora.

Esta, assim, que bateu na terra, sumiu-se. Dom José viu as três gotas de sangue na bochecha da princesa e foi tirá-las com todo cuidado. Quando estava passando, muito de leve, a ponta dos dedos, a princesa acordou e gritou que Dom José estava querendo faltar-lhe com o respeito. O príncipe ficou furioso mas Dom José não se defendeu.

Amanheceu o dia e o príncipe foi queixar-se ao rei e Dom José foi condenado a morrer degolado imediatamente. Juntou-se a gente toda para assistir sua morte.

Antes de subir para o tabuado onde seria cortado o pescoço, Dom José pediu para contar uma história. O rei consentiu e Dom José começou lembrando sua vida. Contou as vozes das três rolinhas e, quando disse como livrara a princesa de beber a água fresca do rio, ficou transformado em mármore até o peito. Disse como trocara a colher de ouro envenenada por uma de prata. Ficou de mármore até o pescoço. Quando esmiuçou o caso da serpente de duas cabeças, virou-se em mármore, dos pés à cabeça, como uma estátua.

O rei, a rainha, os noivos e a princesa solteira choraram demais, lastimando Dom José. Todo o povo chorou também. O príncipe mandou construir um pedestal no jardim e colocou a estátua de mármore e aí passava a maior parte do dia, chorando e recordando o fiel Dom José.

Meses depois estava o príncipe nesse lugar, quando duas rolinhas vieram voando e pousaram nos ombros da estátua, começando a falar. Disse uma:

– Agora é que o príncipe sabe quem era seu amigo e o que valia o fiel Dom José, encantado para livrar a princesa da morte...

Respondeu a outra:

– É verdade, mas para tudo há remédio. Quando nascer o filhinho do príncipe, passe este alfange no pescocinho do menino e molhe toda a estátua nesse sangue inocente, Dom José voltará a viver como dantes...

O príncipe ouviu essas palavras e ia se levantando quando duas amas vieram correndo do palácio, avisando que a princesa tivera um menino tão bonito como o dia. O príncipe não perdeu tempo. Correu até o quarto, beijou a mulher, segurou o filhinho nos braços e voltou para junto da estátua. Puxou a espada, cortou o pescoço da criança, molhando o mármore no sangue inocente. Assim que acabou, a estátua estremeceu e Dom José pulou do pedestal para baixo, como era dantes.

Antes de abraçar o príncipe, pegou na cabeça e no corpo do menino, juntou as partes e a criança ficou sã e salva, apenas com uma listinha vermelha no pescoço. Abraçaram-se como irmãos, chorando de alegria e Dom José entrou no quarto da princesa levando o menino nos braços, dormindo tranquilamente.

As festas foram as mais compridas e bonitas deste mundo e Dom José casou com a irmã do príncipe, vivendo até cem anos na mais perfeita felicidade.
______________________________________________________
Nota do Autor:
Luísa Freire, Ceará-Mirim, Rio G. do Norte.
Nota – Luísa Freire, branca, analfabeta, residiu em nossa casa de 9 de junho de 1915 até 23 de julho de 1953, quando faleceu. Nascera em junho de 1870. Foi colaboradora preciosa em literatura oral. Com maiores anotações publiquei no Porto, Portugal, um volume inteiro contendo “Trinta Estórias de Bibi”. Bibi era seu apelido dado por mim quando menino e conservado a vida inteira. (Trinta “estórias” brasileiras. Porto: Editora Portucalense, 1955.)

O Fiel Dom José tem variante no “Contos Tradicionais do Povo Português”, de Teófilo Braga, nº 12, A Bixa de Sete Cabeças, vindo do Algarve. Na versão portuguesa não há o encontro da abóbora encantada nem a presença da princesa que casa com o fiel Dom José. As pombas avisam: “E quem isto ouvir e não se calar – Em pedra-mármore há de se tornar”. 

No mais, idêntico. Os irmãos Grimm colheram este conto na Alemanha, o “Fiel João”, estudado exaustivamente por Erich Rösch, “Der Getreue Johannes”, FFC, vol. XXVII, nº 77, Helsinki, 1928, com 147 versões. 

Variantes no “Portuguese Folk-Tales”, de Consiglieri Pedroso, “Pedro and the Prince”, 25, Londres, 1882. “Pedro e Pedrito”, nº XXXIV do “Contos da Carochinha” (Adolfo Coelho). 

Variante no Deccan, “Rama and Luxaran”, citada pelo coordenador português. 

Outra versão clássica no “Pentamerone” de Giambatista Basile (1634), The Raven, Nona distração do quarto dia, edição inglesa de N. M. Penzer do original italiano de Benedetto Croce, IIº, 72, Londres, 1932. É o Mt. 516 de Aarne-Thompson, Faithful John. (N.E.)

Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. 1ª edição digital. São Paulo, 2014.

Malba Tahan (Histórias sem fim) Narrativa 1 e 2


História singular de dois reis amigos e das tristes consequências de uma aposta extravagante entre eles firmada.

Estava escrito que o generoso Soleiman, rei de Bássora, e o grande Ismail, rei de Kabul, seriam amigos inseparáveis apesar da diversidade completa de gênio e caráter que os deveria desunir.

Soleiman, apelidado pelos árabes Al-Adl (o Justo), era um dos monarcas mais bondosos e tolerantes que hão reinado. Preocupava-se exclusivamente em socorrer os infelizes e distribuir justiça entre os seus súditos. Incapaz de praticar violência ou ato de tirania, o rei Soleiman chegava muitas vezes a adoecer quando, pela força das circunstâncias, era obrigado a assinar uma sentença de morte.

Exatamente o contrário era o rei Ismail, que sempre se mostrava impiedoso e perverso. Sua preocupação constante era inventar castigos, perseguir os humildes e guerrear as tribos fracas e inofensivas. O rei Ismail (Alá se compadeça dele!) jamais praticou um ato de clemência ou generosidade!

Não impedia o antagonismo de gênios que esses dois monarcas se ligassem pelos laços da mais pura amizade. Frequentemente o rei Ismail deixava o seu palácio de Kabul e vinha com grande caravana, através da Pérsia, em visita ao seu amigo dileto Soleiman, ao lado de quem se deixava ficar muitos meses esquecido de seu povo e de seu trono.

Um dia achavam-se os dois em amistosa palestra quando o rei Soleiman - que não perdia oportunidade para exaltar as boas qualidades de seu povo - contou ao rei Ismail que os árabes eram muito imaginosos para engendrar histórias. Qualquer pessoa - do mais sórdido mendigo ao mais rico vizir - sabia narrar lendas e contos maravilhosos que prendiam a atenção dos espíritos mais avessos a este gênero de devaneio.

- Não acredito - contraveio o rei Ismail. - Há de perdoar, mas não creio que os seus súditos possuam imaginação tão fecunda e brilhante!

- Pois eu insisto no que afirmo - retornou o rei Soleiman. - E se quiserem uma prova do que assevero, nada mais simples: da varanda deste palácio chamarás um homem qualquer que passe ao alcance do teu apelo. Veremos se ele, seja quem for, não será capaz de narrar-vos uma história interessante, digna de ser ouvida pelos mais altos cultos e exigentes!

- Aceito a proposta - acudiu, em tom sombrio, o soberano de Kabul. - Exijo, porém, uma condição: se o súdito chamado não souber contar-nos uma história ou uma anedota qualquer, será degolado, aqui mesmo, em presença de todos nós.

Depois de meditar um momento, respondeu o bondoso rei Soleiman:

- Concordo plenamente com a exigência. Quero porém uma compensação: se a pessoa aqui trazida deliciar-nos com uma narrativa interessante e atraente, receberá por tua ordem, do tesouro de Kabul, uma recompensa de dois mil sequins de ouro!

- Declaro que aceito a aposta não obstante a condição - assentiu o rei Ismail. - Se o árabe, o que é pouco provável, distrair-nos com uma história digna de ser ouvida por uma pessoa nobre e culta, receberá de mim o valioso prêmio que acabas de estipular! Palavra de rei. - E acrescentou enérgico: - Não dispensarei, entretanto, a punição tremenda se alguém nela incorrer, confessando-se incapaz de narrar a história pedida!

Os nobres que se achavam no salão, informados da singular aposta dos dois soberanos, ficaram grandemente interessados em ver-lhe o desfecho.

A fim de que fosse feita a escolha do herói anônimo que desempenharia, no caso, o papel mais importante, os dois monarcas aproximaram-se da larga varanda do palácio e começaram a observar os populares que caminhavam pelas ruas despreocupadamente.

A atenção do rei Ismail foi despertada por um árabe que se dirigia apressado, de cabeça baixa, em direção do Eufrates.

- Quero ouvir aquele que ali vai! - declarou o rei Ismail. - Que o tragam já à nossa presença.

Transmitida a ordem a um dos oficiais do palácio, o transeunte foi imediatamente levado ao palácio real e conduzido à presença dos soberanos.

O desconhecido que por infelicidade atraíra a atenção do perverso rei de Kabul era um muçulmano (1) de vinte anos talvez. A fisionomia serena, o olhar suave e terno refletiam nitidamente o homem bom e leal. Vestia-se com apurado gosto e a maneira delicada e respeitosa como saudou os soberanos e os nobres maometanos denotava pessoa de fino trato e, certamente, de elevada posição social.

- Jovem muçulmano! - começou o rei Soleiman. - Pedi que viesses à minha presença porque preciso do teu precioso auxílio para vencer uma aposta, aliás simples, que acabo de fazer com o meu amigo, aqui presente, Ismail, rei de Kabul. Vais ser submetido a uma prova, e tamanha é a certeza de que te sairás dela com garbo, que não tive dúvidas em aceitar a proposta do meu antagonista. As condições impostas são estas: se contares aqui, diante de todos nós, uma história interessante e atraente, receberás dois mil sequins de ouro; se a tua narrativa não for de nosso agrado nada receberás e voltarás como vieste; se, finalmente, por uma fatalidade, e nisso eu não acredito, não souberes contar-nos história alguma, serás, por ordem do rei Ismail, degolado imediatamente.

Fez-se no grande salão do palácio de Bássora profundo silêncio. Reis e nobres tinham os olhares voltados para o jovem que parecia encarar a situação com calma e coragem.

- Vamos - ordenou em tom amistoso o rei Soleiman. - Podes começar a tua narrativa. Estamos ansiosos por ouvir a encantadora história que nos vais narrar para conquista do prêmio e vitória de minha aposta.

- Rei generoso! - respondeu o moço. - Que Alá vos conserve feliz até o fim dos séculos. Peço-vos perdão, mas não posso atender ao vosso pedido! - E, diante do pasmo geral dos ouvintes, acrescentou: - Sinto-me forçado a confessar que não me lembro de história alguma digna de ser narrada a tão seleto auditório.

O rei Soleiman, ao ouvir a inesperada resposta, pôs-se pálido de espanto. O bondoso monarca não podia esperar num jovem, que parecia educado e culto, tão completa ausência de um bem comum aos árabes de qualquer classe social.

O rei Ismail sorriu satisfeito diante da infelicidade do moço.

- Pensa melhor, meu rapaz - aconselhou o rei Soleiman. - Não te constranja o falares diante dos que aqui estão. Nem te quero mal e desejo que te saias bem desta prova que nada tem de penosa para um filho do Islã. Se não te lembras de uma história conta-nos um caso qualquer ocorrido com algum amigo teu, um incidente digno de nota, ou mesmo uma anedota, por mais breve que seja, para te desembaraçares do aperto em que, sem querer, te pus.

- Attal Allah unnak ia maulay! (Que Alá prolongue a tua vida, ó rei!) - respondeu o rapaz. - Peço-vos humildemente perdão, ó emir! Eu não sei de caso algum ocorrido com amigo meu, nem conheço a mais simples e banal anedota!

- Narra-nos, então, um episódio qualquer de tua vida! - volveu o rei Soleiman aflito e já temeroso da sorte do pobre muçulmano.

- Rei afortunado! - retorquiu o jovem, com serenidade e segurança. - Não me vem à mente, no momento, episódio algum da minha vida!

- Não vale a pena insistir, ó Soleiman! - interveio friamente o rei Ismail. - Chama logo o teu carrasco. Perdeste, positivamente, a aposta. - E, num riso cheio de perversidade, acrescentou: - Bem te dizia, vaidoso amigo, que teus súditos não têm as ideias e a imaginação que supunhas! Por tua culpa vai este “jovem silencioso” entregar o pescoço ao alfanje do nosso Massuf.

- Nem tudo está perdido - retorquiu o rei Soleiman. - Vou fazer a última tentativa.

E, voltando-se para o jovem que se conservava de pé em atitude respeitosa, tranquilo e indiferente, assim falou:

- Meu filho! Não quero absolutamente que por um mau capricho do rei de Kabul sofras o castigo de morte! Ficarei penalizadíssimo se for obrigado a cumprir o juramento que fiz! Em desespero de causa faço um último apelo à tua imaginação: conta-nos um caso ou um episódio qualquer, inventado ou não, possível ou inverossímil! - E julgando, talvez, que seu apelo não fosse bem compreendido pelo jovem, ajuntou: - Se, por qualquer motivo, não quiseres fazer a tua narrativa em prosa, poderás, sem o menor receio, usar a linguagem admirável dos poetas - o verso! Darás, se inspiração tiveres, forma poética a uma das lendas ou tradições populares de nosso país. Duplo será o nosso prazer em ouvir-te. Não há, realmente, um árabe inteligente que não se arrebate e não se comova ao se deliciar com um conto aprimorado pelas irresistíveis seduções da poesia. Se estás triste, esquece, por um momento, as tuas tristezas. Escuta o conselho do poeta:

As tristezas desta vida
 eu as deixo e abandono:
 De dia, por muita lida;
 De noite, por muito sono! (2)

- Muito agradeço a vossa bondade e o interesse generoso que mostrais pela minha humilde pessoa! É, entretanto, com profunda mágoa, que me vejo mais uma vez obrigado a declarar que estou completamente deslembrado de qualquer caso ou do mais vago episódio verídico ou fantástico. Cabe-me muito bem o apelido que há pouco o rei Ismail lembrou para mim. Sou, infelizmente, o “Jovem Silencioso”.

Compreendendo o rei Soleiman que o moço - ao contrário do que era de se esperar - obstinava-se em não fazer narrativa alguma, muito a contragosto fez com que um dos ulemás (3) da corte lavrasse, segundo determinava a lei, a sentença de morte.

Foi chamado, então, o gigantesco Massuf, carrasco de Bássora, que raras vezes exercia o seu execrando ofício.

Chegado o carrasco, iniciaram-se os preparativos para a execução.

Um dos juízes mais ilustres de Basra leu em voz alta a sentença do rei Soleiman, justificando-a com algumas citações do livro de Alá. (4) Foi ela ouvida por todos os religiosos em silêncio.

O ajudante do carrasco começou, em seguida, a tirar as vestes do condenado, que deveria ficar vestido com um pequeno calção.

Descobriu o algoz que o desditoso jovem trazia ao pescoço, presa por uma corrente de ouro, uma pequena medalha quadrangular. Massuf arrancou-a e foi entregá-la ao rei, que verificou tratar-se de uma curiosa peça com a forma de um losango em que se percebia complicada inscrição em caracteres hebraicos.

- Jovem e desditoso muçulmano! - exclamou pesaroso o rei de Bássora. - Apesar dos esforços que fiz em teu favor, foste condenado. Poucos momentos te restam de vida. 

Dentro de alguns minutos comparecerás diante d’Aquele que é o Juiz Supremo de todos nós! Quero pedir-te o último favor: Dize-me, ao menos, qual é a origem desta medalha e o que significa a inscrição que ela nos mostra.

- Rei! - volveu o moço com altivez. Não posso infelizmente atender ao vosso pedido! O mesmo motivo que me impediu há pouco de contar uma história ao rei Ismail, impede-me agora de esclarecer a origem dessa medalha!

- Qual é esse motivo? - perguntou o rei Soleiman.

- Um juramento, ó rei! - respondeu o condenado.

- Por Alá - exclamou o soberano de Bássora. - É extraordinário esse caso! Não hesitaste em morrer unicamente por causa de um juramento? - E, voltando-se para o seu grão-vizir, o rei Soleiman ordenou, sem hesitar: - Determino que seja adiada, por algumas horas, a execução desse condenado! Desejo esclarecer o mistério desta medalha e a razão do juramento que esse jovem não quis violar nem mesmo para salvar a própria vida!

El-Mothano, grão-vizir do rei Soleiman, era homem dotado de agudeza de espírito, grande cultura, e tinha, além disso, invejável prestígio em Bássora.

Consultado pelo rei sobre o caso da medalha, aconselhou ele ao monarca ouvisse, antes de tudo, a opinião de um velho rabino (5) chamado Simão Benaia Benterandim, morador no bairro judeu.

Narrativa 2

Ordenou o rei Soleiman que o israelita fosse intimado a comparecer imediatamente a sua presença.

Momentos depois, acompanhado de um dos oficiais da corte, dava entrada no grande salão o sábio rabino que o rei de Bássora, com tão grande urgência, queria ouvir.

Rabi Simão, uma das figuras mais conhecidas e estimadas em Bássora, era um homem que bem merecia o respeito, a amizade e o acato de um povo inteiro.

Respeitavam-no os grandes pela sua modéstia, os maus pela integridade de seu caráter, os pobres pela bondade de seu coração. Os seus conselhos eram alívio para os atribulados, incentivo para os fracos, temor para os rebeldes. A sua palavra, onde quer que soasse, determinava o silêncio de todas as vozes, a atenção de todos os ouvidos.

Escaveirado, todo curvado, o andar incerto, os trajes modestos, ele era, sem o querer, um dos vultos de grande prestígio na cidade.

À luz de seu espírito, os mais intrincados problemas tinham imediata e precisa solução. Decifrador emérito dos enigmas da vida, era o homem dos grandes momentos, das grandes angústias.

Ao chegar ao palácio já encontrou repleto o salão de audiências. Todos queriam ouvir e ver o homem de quem dependia a sorte do desafortunado árabe.

- Sei, ó rabi! - começou o rei Soleiman - que és um homem honesto e sábio! Sei também que és um justo e que teus lábios, em caso algum, se abriram para deixar passar uma mentira! A verdade deve ser dita muito embora ela encerre elogio feito a um infiel. (6)

O douto judeu inclinou-se respeitoso, como se quisesse agradecer os elogios que o grande soberano lhe fazia publicamente.

Depois de breve pausa, o monarca prosseguiu:

- Peço-te, ó ilustre filho de Israel!,(7) que me respondas sempre a verdade a todas as perguntas que eu agora te vou fazer!

- Juro por Abraão que só direi a verdade! - respondeu o rabi, estendendo, solene, a mão.

O rei de Basra apontando, então, para o jovem condenado, perguntou ao judeu:

- Conheces este rapaz?

- Não o conheço, ó rei! - respondeu o rabi.

- Já o viste casualmente em algum lugar?

- Também não, ó rei! E posso garantir a Vossa Majestade que este jovem não é amigo, nem é ligado por laço de parentesco a pessoa alguma de minha família!

Voltando-se em seguida para o condenado, o rei perguntou-lhe:

- Conheces este venerável e sábio rabi?

- Devo dizer a Vossa Majestade - respondeu o interpelado - que não o conheço, e é a primeira vez que vejo este ilustre ancião.

Terminado este rápido interrogatório, o rei contou ao rabi Simão tudo o que ocorrera, momentos antes, naquele salão, desde a aposta singular feita com o rei de Kabul até a descoberta da original medalha hebraica que o condenado trazia, como se fosse um talismã, presa por uma forte corrente de ouro.

- É meu desejo, ó rabi! - continuou o rei - que me traduzas a inscrição que esta medalha contém, pois acredito que a essa legenda judaica se prenda o silêncio que levou este jovem a ser condenado à morte.

O judeu tomou a medalha que lhe foi apresentada e mal havia observado uma das inscrições, transfigurou-se como se o assaltasse incontida emoção. Tremiam-lhe as mãos e o rosto cobriu-se de mortal palidez. E foi com voz balbuciante - que denunciava grande angústia - que ele falou:

- Rei magnânimo e justo! Posso adiantar, desde já, que um dos casos mais extraordinários de que teve notícia o mundo acaba de ocorrer diante dos vossos olhos! - 

No imponente salão, o silêncio deixava ouvir a respiração ofegante e penosa do velho rabi, que assim continuou: - Por esta pequena medalha consegui descobrir que este jovem se chama Imedin Tahir Ben-Zalã, é natural de Damasco e aqui se acha há poucos dias. E se Vossa Majestade permitir que eu diga ao jovem Imedin algumas palavras em segredo, ele, livre de todo e qualquer juramento, contará aqui mesmo, diante de todos, uma história tão espantosa que causará aos nobres muçulmanos a mais forte admiração e o maior assombro.

- Consinto! - exclamou o rei Soleiman, que mal podia dominar a curiosidade.

O rabi aproximou-se, então, do jovem Ben-Zalã e disse-lhe, em segredo, algumas palavras ao ouvido.

Os muçulmanos que se achavam no rico salão do palácio de Soleiman presenciaram, nesse momento, uma cena curiosa e comovente.

Ao ouvir a misteriosa revelação do judeu o condenado caiu de joelhos e, cobrindo o rosto com as mãos, começou a chorar copiosamente.

- Por Alá! - exclamou o rei Ismail intrigadíssimo com o que via. - Não posso compreender esse mistério! Exijo que Imedin e este judeu deem imediatamente uma explicação completa deste caso!

Ergueu-se Imedin, e mal dominando a intensa emoção de que se achava possuído assim falou:

- Alá vos conserve, ó rei! Estou agora completamente desligado do juramento que há pouco me prendia ao silêncio, e posso, portanto, contar-vos uma das muitas e belíssimas lendas que aprendi nas longas viagens que empreendi pelo mundo!

- Ouvirei mais tarde - atalhou o rei Ismail - todas as lendas maravilhosas que me quiseres narrar; as lendas formam, bem o sei, o maior tesouro da nossa literatura. Agora, entretanto, faço o maior empenho em ouvir uma explicação completa deste misterioso caso da medalha, a razão desse juramento descabido que fizeste, e a significação que tiveram, afinal, as palavras ditas, em segredo, pelo rabi. Desejo, enfim, ó jovem!, ouvir uma narrativa minuciosa da tua vida e de tuas aventuras pelo mundo.

- Escuto-vos e obedeço-vos - respondeu Imedin. - Vou contar-vos a história da minha vida e vereis como se explicam perfeitamente todos os fatos, de certo modo incompreensíveis, que há pouco aqui ocorreram. Sou forçado, porém, a confessar que a minha vida se acha envolvida numa trama inextricável de mil histórias sem fim...

O rei Ismail, que tudo ouvira e observara com a maior atenção, aproximou-se igualmente do jovem Imedin e disse-lhe:

- Confesso-te, meu amigo, que me considero desde já inteiramente vencido na ousada aposta que fiz, há pouco, com o rei Soleiman. Pagarei com satisfação o prêmio prometido. A curiosidade é, porém, muito forte em meu espírito. Espero, portanto, ouvir o relato das aventuras que te forçaram a proferir o tal juramento que se tornou inviolável até diante da ameaça de morte!

E para atender ao pedido do rei, Imedin Ben-Zalã iniciou o seguinte relato:
____________________________
continua…
______________________________________
Notas
(1) Muçulmano - nome derivado de mauslim, “aquele que se resigna à vontade de Deus”. Os muçulmanos são os que seguem a religião do Islã, fundada por Mafoma em 672. O islamismo apresenta cerca de 240 milhões de adeptos, isto é, 14% da população total do globo. Islã, forma derivada do verbo as lamas, significa confiar cegamente, resignar-se. O substantivo Islã designa igualmente o conjunto de países muçulmanos.
(2) Esta trova é de Bastos Tigre.
(3) Ulemá - vocábulo derivado do árabe Ulamá, plural de Alem. Significa sábio, douto, erudito. (B. A. B.)
(4) Livro de Alá - denominação dada ao Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos, composto de 114 capítulos, ou suratas, divididos em versículos. Segundo a crença dos 
árabes, foi revelado por Deus a Mafoma por intermédio do arcanjo Gabriel. (B. A. B.)
(5) Doutor israelita: o que explica a lei sobre os hebreus. (B. A. B.)
(6) Para o rei Ismail o rabi Simão era um infiel. Os muçulmanos dividem os infiéis em três grupos principais: judeus, cristãos e idólatras. (B. A. B.)
(7) Israel - palavra hebraica que significa “forte contra Deus”. Sobrenome que, segundo a Bíblia, foi dado a Jacó depois de sua luta com um anjo. (B. A. B.)

Fonte:
Malba Tahan. Mil histórias sem fim. vol. 2.

Concurso Nacional de Trovas da ACLAPTC (Resultado Final e Programação)


A Academia Capixaba de Letras e Artes de Poetas Trovadores, ACLAPTC divulgou nesta quinta feira, dia 06 de Junho de 2019, o Resultado Oficial e final do Concurso Nacional e Estadual de Trovas com o tema Anchieta, devendo constar na Trova, as palavras Anchieta e Cultura. 

Foram recebidas um total de 810 Trovas, de 276 Trovadores de diversas cidades brasileiras, fato considerado um sucesso, já que foram apenas três meses de divulgação. 

O Concurso foi lançado oficialmente em solenidade realizada em Cariacica, ES, no dia 14 de março e encerrado no dia 05 de Junho. 

Para efeito de julgamento e, em razão da elisão, a palavra Anchieta foi contada com três sílabas poéticas. 

A Trova classificada em primeiro lugar é de Autoria da Trovadora e Comendadora Adircilene Lerilda Batista e Silva, Presidente da Academia Lagopratense de Letras de Lagoa da Prata, cidade localizada no centro oeste de Minas Gerais a 200 quilômetros de Belo Horizonte. 

A premiação ocorrerá durante o XVI Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores a ser realizado de 04 a 07 de Julho de 2019, no Plenário Urias Simões dos Santos da Câmara Municipal de Anchieta, cidade localizada ao sul do Estado do Espírito Santo a 80 quilômetros da Capital Vitória.


Adircilene; Dulcídio; Leonilda e Marina.

TROVAS NÍVEL NACIONAL

1o. Lugar
Adircilene Lerilda Batista e Silva
Lagoa da Prata/MG

Oh! Anchieta, seu esplendor 
mostra com arte e emoção 
que a vida tem mais valor 
com Cultura e Educação. 

2o. Lugar 
Leonilda Yvonneti Spina
Londrina/PR

Jesuíta dedicado, 
cultura e saber profundo. 
Anchieta é consagrado: 
Santo e herói do novo mundo! 

3o. Lugar
Marina Gomes de Souza Valente
Bragança Paulista/SP

Padre José de Anchieta, 
tendo a Virgem como tema, 
com cultura e sem caneta 
traçou na areia um poema. / 

Medalhas de Honra ao Mérito e Diplomas de Vencedores: 

Márcia Jaber e Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho (ambos de Juiz de Fora, MG);
Roque Aloísio Weschenfelder (Santa Rosa/RS); 
Amilton Maciel Monteiro, (São José dos Campos/SP); 
Paulo Roberto de Oliveira Caruso (Niterói/RJ); 
Raimunda Pinheiro de Souza Frazão (São José do Ribamar/MA);
Rogério Marques Siqueira Costa (Itaocara/RJ); 
Almir Zarfeg (Teixeira de Freitas/BA);
Elias Botelho (Teixeira de Freitas/BA); 
Olympio da Cruz Simões Coutinho (Belo Horizonte/MG); 
Wanda Cunha (São Luis/MA); 
Francisco Gabriel (Natal/RN) e 
Maria Marlene Nascimento Teixeira Pinto (Taubaté/SP).

TROVAS NÍVEL ESTADUAL

Do Estado do Espírito Santo foram recebidas um total de 132 trovas de 69 trovadores Capixabas 

1o. Lugar
Albércio Nunes Vieira Machado
Serra/ES

É litorânea a Cidade 
de Anchieta. Que formosura! 
Também tem a qualidade: 
ser o Berço da Cultura. 

Medalhas de Honra ao Mérito e Diplomas de Vencedores:

Nealdo Zaidan (Anchieta/ES); 
Hawany Nawar Everton Maranhão (Piúma/ES);
Val Bernardino (Barra de São Francisco, Norte do ES); 
Emílio Soares da Costa (Vitória/ES);
Ângela Lino Veríssimo (Serra/ES); 
Geraldo Fernandes (Vitória/ES); 
Lenaldo Ferreira da Silva [Aldo Veranatto] (Guarapari/ES); 
Max Miller (Serra/ES); 
Zenaide Emília Thomes Borges (Carapina/ES); 
Givaldo Inácio da Silva [Mestre Gil] (Serra/ES); 
Denise Moraes (Vitória/ES).

MELHORES POESIAS

A Comissão Julgadora também divulgou a lista de classificados com as melhores Poesias do Concurso Nacional com o tema “Maravilha de Anchieta.” Este ano a Comissão resolveu optar em divulgar a relação de todos os classificados. A escolha dos três melhores poemas será feita durante o Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores. O classificado lerá, no sábado à tarde, o seu poema se tiver presente. Caso não possa comparecer indicará alguém para ler o seu poema. Uma Comissão Julgadora escolhida na hora dentre os presentes ao Congresso escolherá os três primeiros lugares que receberão troféus e Diplomas. 

Todos participantes receberão Medalha de honra ao Mérito e Diplomas. 

Classificação dos Poetas: 
Jacimar Berti Boti (Colatina/ES); 
Nealdo Zaidan (Anchieta/ES); 
Max Miller (Serra/ES); 
Anne Mahin (Guarapari/ES); 
Paulo Roberto de Oliveira Caruso (Niterói/RJ); 
João Roberto Vasco Gonçalves (Vitória/ES); 
Edilson Celestino Ferreira (Vitória/ES); 
Maria Marlene Nascimento Teixeira Pinto (Taubaté/SP); 
Hawany Nawar Everton Maranhão (Piúma/ES); 
Francisco Gabriel (Natal/RN); 
Lenaldo Ferreira da Silva [Aldo Veranatto] (Guarapari/ES);  
Raimunda Pinheiro de Souza Frazão (São José de Ribamar/MA). 

Os Congressos Brasileiros de Poetas Trovadores foram iniciados em 1981 com a denominação de Seminários Nacionais da Trova, sempre na primeira Semana de Julho para comemorar o Aniversário do Clube dos Trovadores Capixabas, CTC, fundado a 1º de Julho de 1980. Em novembro de 2017, o CTC transformou-se em Academia de Letras e Artes de Poetas Trovadores, ACLAPTCTC, com 50 Acadêmicos Fundadores Titulares e 40 Acadêmicos Correspondentes de diversas Cidades brasileiros e do Exterior. Este ano de 2019, além do Congresso em Anchieta está previsto para o período de 14 a 17 de Novembro o XVII Congresso Brasileiro de Poetas Trovadores na Cidade de Iúna, na Região do Caparaó, onde está o Pico da Bandeira, na divida entre Minas e Espírito Santo, com apoio da Academia Iunense de Letras através do seu Presidente José Salotto e da Prefeitura local.

HOTÉIS PARA O EVENTO
Na Sede do Município a recomendação é para o “Recanto, Restaurante e Pousada”, na Avenida Rauta, 631, no bairro Alvorada, Telefone: 28 – 999 71 22 91, falar com Camila e informar que é uma reserva para o evento do Congresso de Poetas Trovadores. 

Os preços são especiais, com Café da manhã. A diária do quarto individual com ventilador é R$ 45,00. A diária do quarto com Ar Condicionado, Individual R$ 65,00 e Casal R$ 130,00. 

Na Pousada Beira Mar, com Café da manhã, a diária de Solteiro com banheiro no corredor e recepção é de R$ 70,00 e Casal na Suíte: R $ 140,00. 
Reservas: Tel.: 28 - 999 53 30 21. Com café da Manhã. No Centro existe ainda a Pousada Sergipana Tel.: 28 - 999 72 20 75, com preços semelhantes. 

Existem as opções de hotéis e pousadas nas praias de Iriri, Castelhanos e Ubú, localizadas próximo ao Centro da Cidade, que poderão ser encontradas pelo Web Site da Prefeitura Municipal: www.anchieta.es.gov.br;

PROGRAMAÇÃO 

Anchieta - Espírito Santo 

De 04 a 07 de julho de 2019 

Evento totalmente gratuito aberto para a participação de qualquer pessoa: professores, estudantes e povo em geral. 

Palestras, Desfile dos poetas, lançamento e relançamento de livros de escritores de Anchieta, Vitória, Rio e São Paulo. Serenata dos trovadores. Missa em Trovas. 

Local: Auditório Da Câmara Municipal De Anchieta 

DIA 04 De Julho, QUINTA FEIRA. 

INÍCIO AS 18 HORAS 

Local Auditório Da Câmara Municipal. 

Abertura Solene, com o presidente da ACLAPTCTC, Clério José Borges. 

Homenagem aos vencedores dos concursos de poesias e trovas. 

Concurso do melhor bolinho de arroz de Anchieta: Culinária e música. 

Trovas. 

Poesia. 

Homenagem Aos Artistas De Anchieta. 

DIA 05 De Julho, SEXTA FEIRA 

10 Horas 

Passeio. 

Início do concurso relâmpago de trovas com o tema “O luar de minha cidade” 

15 Horas 

Auditório Da Câmara Municipal. 

Início das Palestras. 

Sarau Poético. 

Escolha do melhor poeta de Anchieta. 
Venha se candidatar lendo duas poesias de sua autoria. 

Oficina de Trova. 

O que é prosa é poesia? 

Quem foi Florbela Espanca? 

Quem foi Cora Coralina? 

Quem foi Cecília Meirelles? 

O que é haicai e acrostico? 

19 Horas 

Serenata Pelas Ruas Da Cidade. 

Saída da Câmara Municipal até a Praça São Pedro. 

Venha cantar músicas antigas de serenata. Traga seu violão... 

DIA 06 De Julho, SÁBADO 

10 Horas 

Troveata. 
Desfile pelas ruas de Anchieta com distribuição de livros, poesias e trovas. 

De 15 As 21h30m 
Auditório da Câmara. 

Palestras e Lançamento de Livros de autores de Vitória, Anchieta, Guarapari, Rio De Janeiro e São Paulo. 



Palestras: 
O que são moedas virtuais; 
Os milagres de Anchieta; 
Marco zero de Anchieta local da primeira aldeia indígena; 
Como montar um livro para publicação. 
“Anchieta em verso e prosa”, por Roberto Vasco. 
“Doces Lembranças” em Anchieta, por Maria Cândida Vasco Gonçalves. 

Sarau Poético. 
Venha E Declame Sua Poesia. 

Entrega Solene De Comendas 
Homens: Grande Oficial Consul Da Paz 2019. 
Senhoras: Embaixadora Consulesa Da Paz 2019. 

Dia 07 De Julho, Domingo 

10h30m 
Missa Em Trovas, com Frei Firmino. 

11h30m 
Auditório Da Câmara Municipal 
Premiação aos vencedores do concurso relâmpago de trovas. 
Encerramento solene do Congresso.

Presidente Clério José Borges – cj-anna@bol.com.br;
Secretário Geral: robertovasco@hotmail.com; Tel.: 27 99963 04 71
Diretor de Relações Públicas: Lenaldo Ferreira - lenaldo@live.com;