terça-feira, 26 de outubro de 2021

Minha Estante de Livros (2 Livros de Júlio Verne)


A ILHA MISTERIOSA

A Ilha Misteriosa foi publicado em 1874.

Conta as aventuras de um grupo de abolicionistas estadunidense que, após uma fuga num balão, encontram uma ilha desconhecida. Por vezes, o nome Ilha Misteriosa é usado simplesmente como referência à Ilha Lincoln, ilha fictícia no oceano Pacífico (34° 57' S 150° 30' O), onde a história se desenrola.

A história começa durante a época da Guerra Civil americana, quando cinco prisioneiros de guerra que estavam em Richmond decidem fugir em um balão. O grupo de fugitivos é formado por Cyrus Smith, um engenheiro ferroviário e oficial do exército da "União", Nab (diminutivo de Nabucodonosor), corajoso e fiel servo afro-americano de Smith; o marinheiro Pencroft, seu filho Harbert Brown, o jornalista Gideon Spilett, repórter do New York Herald e Top, o cão de Cyrus.

Após voarem durante vários dias debaixo de uma tempestade, eles caem sobre uma ilha vulcânica não cartografada e aparentemente desabitada. A ilha Lincoln, batizada assim em homenagem a Abraham Lincoln, era dividida em dois lados, um dos quais era árido, demonstrando erupção antiga do vulcão. Com os conhecimentos e habilidades do engenheiro Smith, os cinco conseguem sobreviver na ilha.

Durante o período que ficaram na ilha, eles adotam e domesticam um orangotango, chamado Jup e acabam percebendo uma influência misteriosa na ilha, que os ajudou em diversas situações: a sobrevivência de Cyrus Smith após a queda do balão, o resgate de Top do ataque de um dugongo selvagem, a descoberta de uma caixa com armas e ferramentas e assim por diante.

Eles encontraram no mar uma garrafa com um pedido de socorro, então, decidem usar o barco que construíram para explorar outra ilha, chamada de Ilha Tabor, onde eles acham que há um náufrago. Quando lá chegam, encontram Ayrton, que vivia como um animal selvagem e tentam ajudá-lo. No caminho de volta, eles enfrentam uma tempestade, mas encontram o caminho de volta graças a uma fogueira na ilha, que ninguém lembra de ter acendido.

Depois de algum tempo, chegam alguns piratas à Ilha Lincoln, que são parte da tripulação de piratas da qual Ayrton fazia parte. O navio pirata é destruído inexplicavelmente e os piratas são encontrados mortos, mas sem ferimentos aparentes.

Finalmente, o segredo da ilha é revelado. A ilha é o esconderijo do submarino Nautilus e do Capitão Nemo, onde Júlio Verne escreveu suas aventuras no livro Vinte Mil Léguas Submarinas. Fora Nemo quem salvara os náufragos, fornecera a caixa de armas, enviando a mensagem sobre Ayrton, destruindo o navio pirata e matando os piratas. Pouco depois de ser encontrado pelos náufragos, Nemo morre de velhice.

Já no fim do livro, a ilha explode numa erupção vulcânica. Como eles haviam sido alertados pelo Capitão Nemo antes de morrer, os náufragos sobrevivem no pedaço da ilha que fica acima do nível do mar. A história termina com eles sendo salvos pelo navio "Duncan", que tinha vindo resgatar Ayrton.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

HECTOR SERVADAC

 Hector Servadac (ou Heitor Servadac) foi publicado em 1877.

Os franceses Heitor Servadac, capitão do Estado Maior, e a sua ordenança Ben-Zouf, encontram-se em serviço na Argélia, quando, na madrugada de 1 de Janeiro de 18.., após um fenômeno natural de grande escala, dão por si numa "Terra" muito alterada: o seu peso diminuiu (mas não a sua massa); o movimento aparente do Sol passou-se a realizar em sentido inverso (de ocidente para oriente); a atmosfera tornou-se rarefeita; o dia solar passou a durar apenas seis horas; a temperatura de ebulição da água desceu para quase metade; etc.

Depois de encontrarem mais alguns sobreviventes, e de uma viagem de circunavegação, descobriram que não se encontram sobre a Terra, mas antes sobre um cometa que roçara o planeta Terra, mais especificamente sobre a região do Mar Mediterrâneo, e que este resgatara a partir da sua força de atração gravitacional, a atmosfera e minúsculas frações dos continentes Europeu e Africano.

Um dos sobreviventes, o astrônomo Palmyrin Rosette, determinou os elementos keplerianos (5 quantidades, da mecânica celeste, que definem uma órbita) do cometa, batizado por este de Galia, ficando os sobreviventes a saber que este cometa voltaria a cruzar-se com a Terra dois anos depois.

Este livro conta as aventuras destes "astronautas involuntários" através do sistema solar até ao seu regresso ao planeta Terra.

Os protagonistas deste romance de Júlio Verne desembarcaram no penhasco de La Mola, em Espanha, como anuncia uma placa comemorativa no local

Fontes:
Wikipedia. A Ilha Misteriosa.
Wikipedia. Hector Servadac

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Varal de Trovas n. 530

 

Solange Colombara (Carta de Despedida)

Minha avó dizia: "– Ninguém morre de amor..."

As avós sabem de tudo, sábias conselheiras! Mas nesse momento, discordo, pois estou sim, morrendo de amor...

Volto no tempo... Aquele inverno parecia mais gelado que os anteriores. As imagens tornam-se nítidas em minha mente...

A frente da lareira, meus eternos companheiros, o bule de café quentinho, para aquecer meu coração cansado e infeliz e meu diário, leal amigo e confidente de todas as horas.

Quantas e quantas noites fiquei ali, vendo o fogo tremulando, choramingando e às vezes, até ouvindo seu sussurrar, seus lamentos...

Da varanda olhava o mar agitado. A noite ele ficava mais nervoso, contrastando com a serenidade da lua, iluminando aquela água que muitas vezes me chamava a adentrar em seus mais profundos perigos.

O vento frio e cortante fazia com que eu voltasse ao meu refúgio, sem coragem para enfrentar a vida, quiçá o mar...

E meu diário me ouvia todas as noites...

Tantas cartas escrevi…

Cartas de amor ao meu amor, suplicando que voltasse, explicando que o mundo seria tão lindo, que a vida voltaria a fazer sentido, se ele estivesse ao meu lado,

Havia também os momentos de revolta... E eu escrevia toda minha inquietante amargura, demonstrando meu orgulho, meu amor próprio... Mas eu o perdoaria... Bastaria ele voltar, para meu jardim florescer e toda tristeza acabar.

E o ritual se repetia todas as noites...

Escrevia, lia, relia, todas aquelas cartas que não saíam do meu diário, todo aquele sentimento, aquela mistura de emoções, desejos, anseios, todo aquele vazio...

Uma tarde, resolvi caminhar na areia. Necessitava daquele vento em meu cabelo, daquele cheirinho de maresia em minha pele.

Absorta em meus pensamentos, de repente tomei um sobressalto, pois pressenti a presença de alguém ao meu lado. Mas o susto logo passou, pois o senhor que ali estava tinha um semblante tranquilo e um olhar protetor.

“Boa tarde, minha jovem! O quê uma garota bonita faz nessa praia, em pleno inverno?"

E seu sorriso foi algo tão cativante, tão acolhedor... que qualquer receio ou temor deixou de existir.

"- Estou passando uma temporada na vila."

E ficamos ali, conversando até o sol se por. Todas as tardes nos encontrávamos na mesma hora na praia e conversávamos por horas.

O Sr. Guido era um ex-diplomata, havia perdido sua amada esposa, Isadora, vítima de um mal incurável.

Em um mês estávamos muito amigos. Durante nossos encontros caminhávamos e conversávamos sobre vários assuntos, principalmente sobre nossas vidas. Ele me dizia como foi feliz com sua amada Isadora e eu lhe dizia o quanto sofria por ter sido traída pelo meu grande e único amor.

Em um desses nossos encontros, o convidei para um chá e tivemos uma noite agradabilíssima. O Sr. Guido chegou com flores e um livro que até hoje fica na cabeceira de minha cama. Um livro de poesias que ele havia feito para sua esposa.

Naquela noite entendi o quanto a vida é maravilhosa e saí daquele labirinto em que me encontrava, escrevendo a derradeira

Carta de Despedida

Se você soubesse
Quantos rabiscos,
Desabafos e lamentações...

Se você soubesse
Como as noites
São escuras sem você,
Sem seu corpo,
Sem sua respiração junto à minha...
Se você soubesse
O que sinto,
Se você soubesse
A enorme lembrança que restou...
Se você soubesse
O vazio que em mim ficou.
Se você soubesse...
Não deixaria tudo acabar.

Nunca entreguei nenhuma das cartas de amor que escrevi. Nunca mais o vi, sequer ouvi falar que rumo sua vida tomou.

Ainda tenho meu diário, onde guardo lembranças e lindas recordações. Ainda fico todas as noites na varanda, sentindo o frescor de um novo dia, sempre pronta a novas oportunidades e possibilidades.

O fogo da lareira ainda me aquece...

E sim, minha avó estava correta: Ninguém morre de amor.

Fonte:
Solange Colombara. Dançando com as palavras. SP: Futurama, 2018.
Livro enviado pela autora.

Baú de Trovas XXXVI


A renúncia corresponde,
muita vez, a muito amar;
como quando o Sol se esconde
para que brilhe o luar!
A. A. de Assis
(Maringá/PR)  

= = = = = = = = = = =

O troféu era uma taça,
e o bebum, em ousadia,
diz:- Que coisa mais sem graça
ganhar a taça vazia.
Alba Christina Campos Netto
(São Paulo/SP)

= = = = = = = = = = =

Em meus sonhos de criança,
desejei pescar a Lua
e pus anzóis de esperança
nas poças d'água da rua!
Delcy Canalles
(Porto Alegre/RS)

= = = = = = = = = = =

A trova é tão pequenina,
mas diz tudo quanto quer,
qual vaidosa menina
que já se julga mulher...
Diamantino Ferreira
(Campos dos Goytacazes/RJ)
= = = = = = = = = = =


A minha lágrima triste
que na face não rolou
foi a do brilho que viste
e o meu orgulho secou!
Denise Cataldi
(Nova Friburgo/RJ)

= = = = = = = = = = =

Passa a nuvem…volta... ardente
o mesmo sol, o esplendor,
passa a mágoa que se sente,
mas não volta o mesmo amor…
Déspina Athanásio Perusso
(São Jerônimo da Serra/PR)

= = = = = = = = = = =

Na esperança verde e bela
há o otimismo de luz!
Se a porta fecha, a janela
se abre em par e o sol reluz!
Dinair Leite
(Paranavaí/PR)

= = = = = = = = = = =

"Me apavora o fim do mundo!”
diz ao amigo, o Garcês.
"Pois eu já não vou tão fundo...
meu fantasma é o fim do mês…”
Dorothy Jansson Moretti
(Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP)

= = = = = = = = = = =

À consciência frustrada
eu tentei de amor falar;
mas o amor não é mais nada
se não se tem o que amar...
Elias Pescador
(São Paulo/SP)

= = = = = = = = = = =

Autenticidade é luz
e ofusca qualquer mentira;
toda verdade reluz,
valoriza e nada tira.
Emilio Soares da Costa
(Vitória/ES)

= = = = = = = = = = =

Fim do amor, sonhos extintos...
Mas a saudade é radar
que atravessa labirintos
e consegue me encontrar!
Héron Patrício
(Ouro Fino/MG, 1931 – 2018, Pouso Alegre/MG)

= = = = = = = = = = =

Não choro o tempo perdido
num caminho mal traçado;
o que já foi percorrido,
bem ou mal foi caminhado...
Istela Marina Gotelipe Lima
(Bandeirantes/PR)

= = = = = = = = = = =

Calmo... Às vezes violento...
Este amor que nos inflama,
é como o sopro do vento
que atiça... ou apaga a chama...
Ivone Taglialegna Prado
(Belo Horizonte/MG)

= = = = = = = = = = =

Saudoso, eu batia a aldrava
e muito alegre, ao entrar,
em sua fonte eu matava
a minha sede de amar!
Lavínio Gomes de Almeida
(Barra do Piraí/RJ, ???? – 2009)

= = = = = = = = = = =

Do mar recebo a lição;
- Não guarde mágoas passadas...
As ondas que vêm e vão,
da areia apagam pegadas...
Luzia Brisolla Fuim
(São Paulo/SP)

= = = = = = = = = = =

Quando a paixão perde o encanto
e a sorte se torna ingrata,
nem o abandono dói tanto…
A indiferença é que mata!
Maria Lua
(Nova Friburgo/RJ)

= = = = = = = = = = =

Entre os véus da noite, imerso
insone em meu travesseiro,
escrevo apenas um verso
e a saudade… um livro inteiro!
Maria Lúcia Daloce Castanho
(Bandeirantes/PR)

= = = = = = = = = = =

Eu creio na honestidade,
na justiça clara e reta,
no fim da desigualdade...
Não sou louco... Eu sou poeta!
Olympio da Cruz S. Coutinho
(Belo Horizonte/MG)

= = = = = = = = = = =

De carona num fusquinha,
com a mala colorida,
o palhaço é o "flanelinha"
no semáforo da vida.
Olivaldo Júnior
(Mogi-Guaçu/SP)

= = = = = = = = = = =

"Era uma vez..." e adormece
o menino que eu vivi,
e a lenda virava prece
na voz que eu nunca esqueci.
Selma Patti Spinelli
(São Paulo/SP)

= = = = = = = = = = =

A noite, se estou contigo
e o sereno a rede orvalha,
em teus braços eu me abrigo
e o teu amor... me agasalha
Therezinha Dieguez Brisolla
(São Paulo/SP)

= = = = = = = = = = =

A vida, em sua beleza,
deu-me tantas emoções,
que, mesmo ao sentir tristeza,
há doces recordações.
Vanda Alves da Silva
(Curitiba/PR)

= = = = = = = = = = =

Chuva a molhar nosso riso,
riso feliz e molhado…
qualquer tempo é paraíso,
quando o amor é partilhado.
Vanda Fagundes Queiroz
(Curitiba/PR)

Contos e Lendas do Brasil (Origem do Rio Amazonas)

Carolina Ramos
O Rio mar


I
Jassyendy* prateava a natureza!
Jassy* era feliz, serena e amada
pelo formoso Cuara*, na certeza
de tudo ter... sem desejar mais nada!

O amor, pujante e livre, na largueza
do azul crescia, em força imensurada,
com esplendor intenso e tal grandeza,
que a Onipotência estava preocupada:

- Não fosse logo essa paixão contida,
em pouco a morte extinguiria a Terra!
Secariam os rios... sem mais vida

e secaria, assim... todo o Universo!
- Sol e Lua... Tupã* separa! E encerra,
com seu poder, aquele amor adverso!

II
A sentença é implacável - sem poesia!
Separação - é a fórmula sensata;
- Cuarassy*, sendo o Sol - brilha de dia!
- Jacy a Lua - à noite, a luz desata!

Tupã, o poderoso, decidia!
E Curussá*, num brilho que arrebata,
a cruz de estrelas no amplo céu abria,
marcando para sempre a triste data!

A alternar-se no azul, em desalento,
não se encontram jamais o Sol e a Lua!
Ao ver Jassy, tão pálida, em tormento,

Cuarassy, em protesto, ostenta um halo
de dor e de saudade... E o adeus flutua
em cada triste ocaso... A torturá-lo!

III
Em vão as súplicas! Também baldados
os apelos dos astros que se uniram
aos pés de Tupãssy*!... Desalentados,
Jassy e Cuarassy de amor deliraml...

Lágrimas, em roldão, pelos costados
e planícies rolaram!... Não se ouviram
na Amazônia os lamentos dos copados
seringais que, engolidos, sucumbiram!

E o pranto de Jassy, protesto insano,
em caudal impetuoso e avassalante,
foi arrojar-se aos braços do oceano!

E a rugir, a gemer e a espumejar,
do manancial de um coração amante,
nascia, então, grandioso - o Rio Mar!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
* Vocabulário
Jassyendy = Luar    
Cuara = Sol
Jassy = Lua    
Tupã = Deus
Cuarassy = Sol de verão
Curussá = Cruzeiro do Sul
Tupãssy - mãe de deus

= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Lenda da Origem do Amazonas
por Marcos Pessoa


Há muitos anos, em plena selva amazônica, existiam dois noivos que sonhavam em se casar. Ela, sublime e brilhante, vestia-se de prata e seu nome era Lua. Ele, respeitável e irradiante, vestia-se de ouro e seu nome era Sol.

Lua era a dona da noite, enquanto Sol era o dono do dia. Entre esse amor, porém, existia um obstáculo impossível de ser superado: Se eles se casassem o mundo se acabaria. Isso porque o amor ardente e incandescente do Sol queimaria toda a terra, enquanto o choro desesperado de dor e sofrimento da Lua afogaria toda a Terra.

Logo, embora fosse um casal apaixonado, como eles poderiam se casar? A Lua apagaria o fogo? O Sol faria toda a água evaporar? Dilema esse que impediu que eles se casassem e foi o motivo lamentável que os fizeram se separar. Os noivos entraram em desespero, e no desespero da saudade sem fim, a Lua chorou durante todo um dia e uma noite. Suas lágrimas escorreram por morros sem fim até chegar ao mar. O mar, porém, ao ver tanta água embraveceu-se. Ele não queria aceitar tanta água.

A sofrida Lua não conseguia misturar suas lágrimas às águas bravas do mar. Foi quando algo estranho aconteceu. As águas escavaram um imenso vale e serras se levantaram ao longo do caminho. De forma misteriosa e assustadora um imensurável rio apareceu. Isso mesmo, as lágrimas da Lua formaram um enorme percurso e preencheu esse espaço dando origem ao rio Amazonas, o rio-mar da Amazônia.

E foi assim, deste amor impossível entre a Lua e o Sol, que nasceu o rio Amazonas, considerado o maior rio do planeta, tanto em volume de água como em extensão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Outra Versão da Lenda

Segundo a lenda Maué da primeira água e origem do rio Amazonas, Icuamã, Ocumató e Onhiamuaçabê* eram irmãos. Um dia, Icuamã deu uma festa e convidou todos os bichos.

Os índios-peixe, Jeju e Mantrinchão, ficaram na porta conversando. O filho de Icuamã, ficou curioso e aproximou-se para ouvir o que eles diziam. Falavam erradamente. O indiozinho começou a corrigi-los e eles, de raiva, fizeram tal feitiçaria que ele morreu.

Icuamã jurou a si mesmo que vingaria a morte do filho. Levou-o até uma clareira, no meio da floresta; depositou-o no chão, dividiu-o pela metade e enterrou os pedaços. Alguns dias depois, brotaram plantinhas; de um pedaço nasceu o timbó-urucuócuhup, o falso timbó; do outro, nasceu o timbó-ocuhén, o verdadeiro.

Perto da casa de Ocumató, morava Sucuri-Tenon, cujo filho, o Sucuri-Pacu, estava proibido pelo pai de ir ver seus tios feiticeiros, Jeju e Traíra. Mas o menino ouviu dizer que Jeju tinha inventado a primeira água e foi à casa deles. A tia lhe mostrou uma pequena poça. O menino achou muito pequeno. A tia, zangada, fez feitiçaria e ele, meio tonto, voltou para casa.

Sucuri-Tenon logo adivinhou o que havia acontecido. “É feitiçaria! Quem o enfeitiçou tem o remédio. Vai buscá-lo.” O curumim obedeceu. Retornou a casa dos tios.

Nesse tempo, o Jeju regressou, bebeu um pouco de água da poça e cuspiu-a em uma cuia. Daí a pouco, apareceu o indiozinho; queixava-se de dor de cabeça. Jeju deu-lhe a água da cuia. Quando ele terminou de tomá-la, sua barriga doía muito e começava a estufar. Implorou ao tio que passasse o maracá de pajé (chocalho) sobre sua barriga, para aliviar a dor. Jeju atendeu. Passou o maracá 1, 2, 3 vezes. E a barriga explodiu. Dela, verteu água que foi crescendo, encheu a casa, saiu pelo terreiro, sempre subindo.

Jeju correu. Ao ver a água pela primeira vez, os índios-pássaros voaram sobre ela, desceram nos galhos da margem e ficaram a olhar. O sapo não esperou e foi para o fundo, cantando de satisfação. É por isso que ele tem, ainda hoje, a voz rouca.

Chamado por Jeju, o Sucuri-Tenon veio saber o que havia. O feiticeiro pediu-lhe que fosse andando na frente, abrindo caminho para a água. “Mas não olhe para trás!” advertiu-o. O Sucuri não deu importância e prosseguiu. Tanto olhou para trás que os rios ficaram com o curso todo sinuoso.

Atraídos pelo rio, os índios-peixe mergulharam. A notícia espalhou-se e Icuamã descobriu que foram os índios-peixe que mataram seu filho. Com Ocumató e muitos índios, organizou um mutirão. Pegaram timbó e entraram no rio, batendo a planta na água. Envenenados, os peixes vieram à tona mortos.

O índio-onça e a mulher não gostaram daquilo. Também mergulharam. Imediatamente, o timbó perdeu a força. Icuamã, com raiva, agarrou os dois e matou-os. Arrancou seus olhos e enterrou-os. Deles nasceram as castanheiras.

Assim surgiu o rio Amazonas, cujo volume de água é superior ao de todos os outros rios do mundo e, é um sistema sinuoso de canais, na maior parte de seu curso através da floresta. Aí vive o Sucuri-Tenon que, de tanto dar voltas, terminou virando cobra.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
* Onhiamuaçabê – o guaraná é fruto brotado dos olhos do filho dessa índia

“AMAZONAS: LENDA OU REALIDADE?”
Por Patrícia Pereira


O nome Amazonas, que batiza o maior Estado do Brasil e um dos maiores rios do mundo, tem sua origem em uma lenda grega que veio parar em terras brasileiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram à região que hoje pertence à Amazônia, em 12 de fevereiro de 1542, encontraram um grupo de índias guerreiras. Segundo os relatos, elas lutavam nuas e viviam em tribos isoladas, sem homens. Eram chamadas pelos índios de icamiabas. Por seus costumes, elas lembravam as lendárias amazonas da mitologia grega, que viviam na Ásia Menor, e logo foi feita a associação entre elas.

As icamiabas eram mulheres altas, musculosas, de pele clara, cabelos compridos e negros, como descreveu o frei espanhol Gaspar de Carvajal, que fazia parte da expedição de Orellana. Ele disse tê-las visto às margens do rio Nhamundá, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas. As índias não permitiam a presença de homens na tribo e, para afastá-los, lutavam com arcos e flechas. Diz a lenda que, para se tornarem exímias arqueiras, arrancavam o seio direito. “A versão mais aceita era que elas atavam o seio direito com uma faixa, parecendo assim que não tinham um dos seios”, diz a historiadora e especialista em folclore Rosane Volpatto.

A palavra icamiaba significa “a que não tem seio”, segundo o estudioso João Barbosa Rodrigues. Essa versão encontra respaldo na lenda grega que dizia que as amazonas queimavam o peito das meninas ainda crianças para que não atrapalhasse o lançamento da flecha. “Essa história não tem nada a ver com nossas icamiabas. Sem seio são as amazonas asiáticas, não as brasileiras”, afirma o indigenista João Américo Peret. Para Rosane, “é pouco provável que as índias inutilizassem um seio porque amavam como mulheres, defendiam-se como guerreiras e multiplicavam-se como mães”.

AMULETO DA SORTE


Embora não tivessem maridos, as icamiabas tinham filhos. Segundo a lenda, uma vez ao ano, em noites de lua cheia, elas realizavam uma cerimônia sagrada para a deusa Yaci, a mãe-lua, no lago Yaci Uarua (Espelho da Lua). Convidavam os índios guacaris, que habitavam os arredores e, nesse dia, tinham relações sexuais com eles sob a bênção da mãe-lua. Após o ritual amoroso, mergulhavam no lago e buscavam no fundo um barro com o qual moldavam um amuleto chamado muiraquitã.

Há várias versões sobre como era feito esse amuleto. Todas, porém, envolvem as icamiabas e o lago Espelho da Lua. Uma das lendas diz que eles eram feitos a partir de uma substância verde pastosa que deveria ser modelada dentro da água do lago. Ao serem colocados em contato com o ar, tornavam-se mais duros que um diamante. Tal barro verde era encontrado também no rio Tapajós, com o qual os índios faziam, debaixo da água, pássaros, rãs e outras figuras. Já os índios uaboí contam que os amuletos eram animais vivos e, para apanhá-los, as índias feriam-se. Ao deixar cair uma gota de sangue sobre o bicho desejado, ele morria e era petrificado.

O amuleto era oferecido pelas amazonas aos homens com os quais haviam mantido relações sexuais ou, segundo outras versões, somente àqueles com quem elas tivessem gerado filhas. Dizem que o amuleto trazia sorte e protegia de doenças. O muiraquitã mais comum tem o formato de sapo e é esverdeado, mas esses amuletos também eram talhados nas formas de peixes, tartarugas e felinos. O amuleto produzido pelas guerreiras amazonas é citado em Macunaíma, um clássico modernista de Mário de Andrade, publicado em 1928. O herói sem caráter passa quase toda a história percorrendo o Brasil à procura de um muiraquitã que perdeu depois de ganhá-lo de sua eterna paixão, uma índia icamiaba.

Segundo contam os índios em sua tradição oral, as filhas das icamiabas, nascidas do encontro anual com os homens de outras tribos, escolhidos dentre os mais vigorosos e belos, eram criadas pelas mães e instruídas no manejo das armas. Quanto aos filhos, eram dados no ano seguinte para que seus pais os criassem. “Aqui entramos novamente num labirinto de miscelâneas entre as amazonas pertencentes às velhas tradições helênicas e as amazonas americanas, pois eram as primeiras que sacrificavam seus filhos homens”, diz a historiadora Rosane.

ICAMIABAS HOJE

O indigenista Peret, que convive com índios há mais de 50 anos, afirma que as mulheres guerreiras existiram e ainda existem na Amazônia. A última notícia que teve delas foi em 1967. Naquela época, ele estava determinado a encontrá-las e, depois de seguir pistas dadas por vários índios, chegou a um missionário alemão na região próxima ao rio Juruena, entre os Estados do Mato Grosso e do Amazonas. “Ele disse que os índios dali eram fregueses das icamiabas”, conta Peret.

“O missionário chamou um deles, que nem falava português, me apresentou e pediu que me contasse sobre as mulheres guerreiras”, lembra o indigenista. “Esse índio foi prisioneiro delas por uma semana. Ele disse que eram cerca de 30, que o alimentavam e, de vez em quando, tinham relação sexual. Durou até que ele não dava mais no couro e as índias o deixaram fugir”, afirma Peret.

Esse índio concordou em levá-lo até as proximidades da aldeia onde teria ficado preso – tinha medo de ser de novo refém. No caminho, passou por sua tribo e o cacique também disse ter sido prisioneiro no ano anterior. Só concordaram em chegar até o local porque viram que as pegadas deixadas pelas icamiabas eram antigas, de mais ou menos um ano. Nas três casas de palha, Peret encontrou arcos, flechas, tacapes (espécie de porrete) e muitos colares. Algumas peças ele doou ao Museu do Índio, outras estão em seu acervo pessoal.

Apesar de nunca ter ficado cara a cara com uma icamiaba, o indigenista já participou de cerimônias indígenas feitas por algumas tribos como forma de relembrar os hábitos das mulheres guerreiras. “Os kayapós têm um ritual chamado mebiök. Uma vez por ano, durante uma semana, as mulheres ocupam a casa sagrada de reunião dos homens. Elas são donas da aldeia nesse período. Provocam os índios, atiram pedras, gritam o nome deles. Os homens ficam em casa, preparam a comida e cuidam dos filhos. É um momento em que as índias querem mostrar que, se os homens não forem leais, fraternos, amigos, se não as respeitarem, vão embora da aldeia, vão voltar a viver sozinhas na floresta como as mulheres guerreiras”, diz Peret.

Outras tribos fazem cerimônias parecidas. Rosane conta sobre as mulheres xinguanas, que celebram o yamarikumã, o ritual das amazonas. “É a rebelião coletiva contra o desprezo e a humilhação de permanecerem como simples espectadoras, assistindo a demonstrações que consideram machistas. Reagindo, as índias fazem o moitará (o comércio de troca intertribal), batem nos maridos, apropriam-se dos seus artesanatos e das flautas sagradas, cantam, dançam, lutam o huka-huka e promovem uma festa tão grande e vigorosa como qualquer outra masculina. Essa é a forma de demonstrarem que a qualquer momento podem repetir o episódio das amazonas guerreiras e viver isoladamente”, diz a historiadora.

Se as guerreiras amazonas são só uma lenda ou se já existiram de fato, não se sabe.

AS AMAZONAS DA MITOLOGIA GREGA REPUDIAVAM O CASAMENTO

A lenda das guerreiras amazonas já era contada na Antiguidade. Elas aparecem, por exemplo, na história de Hércules.

Na mitologia grega, a rainha das amazonas era Hipólita. Ela recebeu do pai, Ares, um cinturão mágico. O nono dos 12 trabalhos de Hércules foi obter justamente esse cinturão. Hércules lutou com Hipólita e matou-a para pegar o cinturão.

A historiadora e estudiosa de folclore Rosane Volpatto explica que as amazonas, segundo relatos de Homero, viviam em comunidades nos templos espalhados pela Ásia Menor em uma época em que ainda vigorava o regime matriarcal. O romano Justino, baseado em fontes gregas, refere-se a “uma nação de amazonas, que, tendo perdido seus maridos na guerra, recusavam-se à escravidão do casamento”.

A princípio, lutavam somente para defender suas terras. Embora repudiassem o matrimônio, não deixavam, uma vez ou outra, de ter relações sexuais com os vizinhos. As crianças nascidas dessas relações, quando meninas, eram educadas nas artes bélicas e na equitação. Porém, antes do início do processo educacional, as amazonas lhes queimavam o peito direito para não causar obstáculo algum ao lançamento da flecha. Já os meninos eram mortos ao nascer.

“Alguns desses aspectos foram encontrados bem vivos nas índias icamiabas da Amazônia, embora elas tenham surgido de forma bem diversa das lendárias guerreiras descritas na Grécia antiga”, diz Rosane. “Provavelmente, foram essas semelhanças que levaram Francisco de Orellana e o Frei Gaspar de Carvajal a denominá-las amazonas quando as viram às margens do rio Nhamundá.”

Fontes:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Livro enviado pela autora.

https://super.abril.com.br/historia/amazonas-lenda-ou-realidade/. Revista Supeinteressante. 2006 por  Patrícia Pereira.

Lendas Indígenas. SP: Aquarela, 1962.

https://noamazonaseassim.com/lenda-da-origem-do-rio-amazonas/. Lenda por Marcos Pessoa. 2013.

domingo, 24 de outubro de 2021

Versejando 83

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 34 –

Finais de semana - sábados e domingos - são dias em que soltamos a imaginação, deixando escorrer sentimentos, ideias, emoções - o ser -, em busca de leveza, sensações, liberdade. São horas em que pomos em prática o lazer que areja e põe o estresse a correr, esquecendo as lides diárias. Passeios, viagens, esportes, legítimos recreios que carregam as baterias interiores.

Tarde azul, domingo ensolarado. Para espantar a modorra pós-almoço, a ideia da pescaria num pesque-pague reunindo os os amigos do ócio dominical. Caniço, anzol, as iscas - o trio. E o pescador pensativo nem busca peixes pescados, simplesmente pesca as imagens da tarde fagueira.

Galho seco de um arbusto
navegando sem intentos,
galho frágil, já vetusto,
vai ao bom sabor dos ventos.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Jessé Nascimento (O Lorde)

Aparentava entre 70 e 75 anos. Ou pouco mais. Alto, charmoso, rosto sem rugas, cabelos brancos, com uma calvície já avançando pela testa. Elegantemente vestido num sóbrio e bem talhado terno.

Andar majestoso, ereto, mais parecendo um lorde, ia abrindo caminho e provocando admirações. Todos o acompanhavam com o olhar ou voltavam-se para trás a fim de observá-lo melhor.

Quando o vi mais de perto, atravessava o sinal de uma das ruas do Centro do Rio de Janeiro. Dos carros e ônibus parados, cabeças moviam-se em sua direção. Não me lembrava de seu rosto como o de alguém conhecido ou famoso. Político? Artista? Não, não. Não o conhecia. Talvez ninguém o conhecesse. Mas ele despertava o interesse de quantos o viam.

Imponente, esguio, chegou ao outro lado da calçada e continuou sua majestosa caminhada por esquinas e ruas, até perder-se por entre prédios e quarteirões. Acompanhei-o com o olhar até não conseguir mais avistá-lo. E só então reiniciei o meu trajeto.

A tarde, meio ensombrecida por algumas nuvens, tinha escondidos o sol e o azul celeste. Mas não havia sequer ameaça iminente de chuva. Uma leve brisa suavizava o mormaço e  amarfanhava com suavidade os meus cabelos.

Aquele senhor, alvo de tantas atenções, provocara uma inusitada cena naquela tarde carioca: impoluto e elegante e, por certo distraidamente, caminhava com o guarda-chuva aberto.

Cirlei Fajardo (Caderno de Poemas) – 1

SER AMOR


Ser Amor é amar cada dia mais e mais...
Cativar o outro com pequenos gestos...
Estar presente mesmo distante...
Ser riso e nunca dor por mais que se queira...
Ser nobre mesmo diante das piores causas...
Ser solícito antes de ser solicitado...
É carregar o outro mesmo não sendo preciso...
E tornar um ínfimo momento... soberbo!
É amar antes de ser amado.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Olhe adiante...
O que você deixou para trás
ficou no passado... no ontem...
Você tem o hoje... o agora...
Posso ser apenas um burrico
selado e pronto para viajar...
Mas o caminho vou percorrer
e vou chegar onde suas mãos
me conduzirem pacientemente...
O caminho está adiante...
Esperando o nosso trote.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Em teu sorriso vejo a paz do amor
Lado à lado com teu sonho bonito
Num dia bendito repleto da tua luz

Quisera eu por um instante estar
Ali... contigo num doce instante
Num abraço sincero e amigo...

Dormitei meus sonhos e não vi
Que em teus sonhos eu estava
Feito princesa querida e amada
Docemente e eterna namorada.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

VIDA...

Em que momento começa
a nossa viagem para além
das fronteiras do sagrado
donde saímos e para onde
cedo ou tarde retornamos?

Passamos pelo tempo e
no exato minuto marcado
em nosso script dividimos
o palco chamado Vida.

Sabemos que eternidade
é muito tempo no nosso
tempo onde tudo pode
acontecer, mudar de repente,
recomeçar ou definitivamente
finalizar ciclos sem fim.

Como ponteiros de um relógio
não somos mais os mesmos
no minuto seguinte.

Dizem que tudo que começa
nos meses dos signos da terra
tem longa duração, ou seja,
florescem e reflorescem
inúmeras vezes como flores
em todas as estações do ano
somos gente insistentemente.

De vez em quando o Jardineiro
nos poda drasticamente ou
por descuido nos confunde e
como erva daninha arranca-nos,
sem dó do confortável leito,
onde deitamos nossas raízes.

Mas como criança fazemos pirraça,
e na manhã seguinte um novo broto
nosso desponta a terra para florir
mais uma vez até em pobre solo.

Ante a sublime ventura,
o milagre somos...
Todas as vezes em que
despertamos do sono
onde ousamos sonhar,
ou perambular o universo
numa outra viagem.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

ARTESÃO DE SONHOS...

O poeta é um artesão
de sentimentos...
Seu instrumento é o coração
que ele traz dentro do peito...
Na ponta dos seus dedos
dedilha os mais lindos sonhos...
Como uma canção
ecoa em nossa mente
e passeia por nós...
Chega ao nosso coração
e nos mantém
reféns dos seus escritos...
Mesmo que o tempo passe
fica cada dia melhor...
Profundamente apaixonante...
Simplesmente intradutível...
O que sentimos quando lemos
seus versos dispostos
caprichosamente...
Simplesmente indescritível
aos nossos olhos e nossa alma
cela perfeita das emoções
despertas por seus versos
mesmo quando imperfeitos....
O tempo não apaga ou diminui
a emoção de ler ou ouvir
o que ele tira do seu peito...
Uma vez mais... belíssimo!
Encantador e sempre apaixonante...

Fonte:
Facebook da poetisa.
https://www.facebook.com/cirlei.fajardo

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) 5 – Omolu-Obaluaê


Meu Omolu é um cientista...
Ele reside no além,
vai de conquista em conquista,
sempre fabricando o bem... 

Num certo palácio, de um reino distante... em um tempo longínquo, houve uma grande festa, programada pelo Criador do mundo, o rei Oxalá. Para a ocasião, ele havia preparado uma mensagem em forma de revelação. Muitos Orixás foram convidados para abrilhantar a nobre celebração. Mas Omolu ficou de fora da lista de convidados, espiando o evento entre as frestas das portas e das janelas do palácio. Ele tinha varíola, e a sua pele era coberta de feridas. Sua aparência, para muitos, causava repugnância. Sabendo disso, ele vivia a se esquivar de todos. No entanto, por dentro, Omolu não era diferente dos outros Orixás, e por isso, a sua vontade de participar da festa era imensa.

Ogum, era guia de guarda e, em certa altura da celebração, se ausentou para fazer a sua rotineira ronda em torno da mansão. Durante o trajeto, flagra Omolu a espiar a alegre movimentação interna. Compadecido com a angústia do amigo, Ogum o cobre dos pés à cabeça com vestes de palha, e o convida a entrar. Mesmo assim, ninguém o convida para dançar.

Observando o dilema do convidado de Ogum, Iansã, também conhecida como Oyá, senhora dos raios e dos sete ventos, que na ocasião vestia um lindo vestido acobreado, o convida para dançar. O seu bailar toma a forma de vento. E essa ventania abençoada, descobre Omolu que, repentinamente, vê suas feridas se transformarem em pipocas que se espalham pelo chão. Enquanto isso, ele se transforma no belo e jovem Obaluaê – sua versão interior e sorri. Iansã sorri ainda mais e os dois tornam a dançar alegremente.

- Bela e querida, obrigado! – diz ele encantado com o nobre gesto de Oyá.

- Um Orixá como você não pode ficar excluído – Você é o Deus que possui a chave da libertação das moléstias entre os mortais. Além do mais, cuida muito bem dos cemitérios e dos mortos.

- Ó, nobre e valiosa amiga, como sinal de minha gratidão, a partir de hoje, lhe concederei poder sobre os mortos. Com seu encanto, os dominará, conduzindo -os aos seus destinos.

- Quanta honra – diz ela pausando a dança por um momento – Mas saiba que não fiz nada demais, todos precisam aprender a valorizar a essência das coisas, é no interior dos corações que reside a verdadeira beleza. A aparência é vã e momentânea, mas o que se tem por dentro, se for bom, vive para sempre.

Ogum, aplaude a cena e, em sinal de respeito e compreensão à grande mensagem da noite, os demais convidados também aplaudem. E reverenciam os amigos que não param de festejar.

Iansã, com seus imensos olhos azuis parece flutuar de felicidade. Nanã, mãe de Obaluaê, chora cristalinas lágrimas de emoção. E o erê Pipoquinha não parava de bagunçar, atirando as pipocas nos convidados da festa. Por fim, ao entenderem a mensagem, em que a maioria pensava se tratar de outro assunto, todos entoaram o hino do reino de Oxalá:

Refletiu a luz divina com todo seu esplendor.
Vem do reino de Oxalá, onde há paz e amor.
Luz que refletiu na terra, luz que refletiu no mar.
Luz que veio de Aruanda para tudo iluminar.
Umbanda é paz e amor, um mundo cheio de luz.
É a força que nos dá vida, e a grandeza nos conduz.
Avante filhos de fé, como a nossa lei não há...
Levando ao mundo inteiro a Bandeira de Oxalá.


Fonte:
Texto enviado pela autora.

sábado, 23 de outubro de 2021

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 12: Luiz Otávio

 

Fernando Pessoa (Diário de Bernardo Soares*) "1"

* Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, semi heterônimo de Fernando Pessoa.
= = = = = = = = = = = = = = = = =

Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cais calmos — tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. Vivo uma era anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele. Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essência das coisas. Há um destino igual, porque é abstrato, para os homens e para as coisas — uma designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.

Mas há mais alguma coisa… Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o elétrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!

Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a uma ou outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donos das lojas. Lentos, fortes e fracos, os recrutas sonambulizam em molhos ora muito ruidosos ora mais que ruidosos. Gente normal surge de vez em quando. Os automóveis ali a esta hora não são muito frequentes; esses são musicais. No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sossego é feito de resignação.

Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu destino, alheio, até, ao destino próprio — inconsciência, muitos ao despropósito quando o acaso deita pedras, ecos de vozes incógnitas — salada coletiva da vida.

Fonte:
Fernando Pessoa. Livro do Desassossego. Disponível em Domínio Público.

Paulo Leminski (Versos Diversos) 12


a máquina
engole página
cospe poema
engole página
cospe propaganda

MAIÚSCULAS
minúsculas

a máquina
engole carbono
cospe cópia
cospe cópia
engole poeta
cospe prosa
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

as flores
são mesmo
umas ingratas

a gente as colhe
depois elas morrem
sem mais nem menos
como se entre nós

nunca tivesse
havido vênus
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

dança da chuva

senhorita chuva
me concede a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

furo a parede branca
para que a lua entre
e confira com a que,
frouxa no meu sonho,
é maior do que a noite
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

não fosse isso e era menos
não fosse tanto e era quase
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

que tudo passe

passe a noite
passe a peste
passe o verão
passe o inverno
passe a guerra
e passe a paz

passe o que nasce
passe o que nem
passe o que faz
passe o que faz-se

que tudo passe
e passe muito bem
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

tanta maravilha
maravilharia durar
aqui neste lugar
onde nada dura
onde nada para
para ser ventura
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg

por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

Fonte:
Paulo Leminski. caprichos & relaxos. Publicado em 1983.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Adega de Versos 52: Daniel Maurício

Fonte: Facebook do poeta.
 

Hans Christian Andersen (A Pena e o tinteiro)


Era no gabinete de um poeta. o tinteiro achava-se sobre a mesa, e alguém disse:

- É estranho quanta coisa pode sair de um tinteiro! Qual será a próxima obra? É na verdade estranho!

- Sim - disse o tinteiro- É prodigiosa! E é o que estou sempre a dizer. 
 
Dirigindo-se à pena e aos outros objetos que estavam ali e podiam ouvi-lo, continuou:
 
 - É quase inacreditável. Realmente, não sei qual será a futura obra que vai sair, quando o homem se põe a me sugar. Uma gota que tira de dentro de mim basta para encher meia página de papel, e quanta coisa pode  estar contida nela! Sou na verdade uma coisa muito singular! É de mim que saem todas as obras do poeta, todos esse seres vivos que o leitor julga conhecer, os sentimentos ternos, o humor, as encantadoras descrições da natureza...Eu mesmo não compreendo, porque não conheço a natureza; mas tudo isso está em mim! Foi de mim que saíram e continuam saindo aquelas multidões de moças, lindas e graciosas, de galhardos cavalheiros, montando soberbos corcéis; de cegos e aleijados - e nem eu mesmo sei quanta coisa mais. Mas, palavra de honra! Faço tudo isso sem pensar.

- Nisso tens razão - disse a pena. - Tu não pensas absolutamente em nada; a não ser assim, saberias que apenas forneces o líquido; dás a matéria líquida, para que eu possa manifestar o que reside em mim, aquilo que escrevo. Sim! Quem escreve é a pena! Homem nenhum o põe em dúvida. E no entanto, a maioria dos homens tem tanta compreensão da poesia como um tinteiro velho.

- Ora, tu não tens muita experiência. Mal faz uma semana que estás servindo, e já te gastaste até a metade! Imaginas que és o poeta...Não passas de uma servente; antes que viesses já tive muitas outras da tua espécie, tanto da família dos patos, como de fabricação inglesa:  conheço tanto a pena de tubo, como a de aço. Muitas já me auxiliaram, e ainda hei de me servir de muitas outras, quando vier o homem que faz os movimentos em meu lugar, e escreve o que sai do meu interior.

– Humpf, seu potinho de tinta! – retorquiu a pena, com desdém.

Á tardinha voltou o poeta. Assistira a um concerto, ouvira um excelente violinista, e sentia-se arrebatado por aquela arte maravilhosa. O artista tirava do instrumento sons prodigiosos: ora fazia-o vibrar, como sonoras gotas d'água, ora como pérolas a rolarem; já, era um coro de passarinhos gorjeando, já, o murmúrio do vento num pinheiral. O poeta tivera a impressão de ouvir o pranto do próprio coração, mas em melodias que pareciam ressoar em uma voz de mulher. Era como se vibrassem não só cordas do violino, mas também o cavalete, e as cravelhas, e o tampo. Fora um concerto extraordinário!

Era certamente difícil, tocar assim; mas parecia apenas um passatempo; era com os e o arco dançasse pelas cordas, acima e abaixo. Diria até que qualquer pessoa poderia imitá-lo...O violino soara por si, o arco tocara sozinho; ambos, sozinhos, faziam tudo, e os ouvintes esqueciam o mestre que os conduzia, inspirando-lhes vida e alma.

Sim, quem fica esquecida era o mestre; mas o poeta lembrou-se dele; pronunciou-lhe o nome e tomou nota de suas impressões.

- Que coisa ridícula, o violino e o arco a se vangloriarem de suas façanhas! E, contudo, nós, homens, quantas vezes o fazemos - o poeta, o artista, o inventor, o cientista, o general - todos o fazem! E no entanto, somos apenas os instrumentos, tocados pela mão de Deus. A ele somente se deve toda a glória. Nós nada temos de que nos orgulhar.

Sim! Foi isso o que poeta escreveu, em uma parábola, a que chamou "O Mestre e os Instrumentos".

- Quem levou uma boa sova, foste tu! – disse a pena para o tinteiro, quando os dois ficaram sozinhos de novo. – Você ouviu quando ele leu em voz alta o que eu havia escrito?

- Sim, ele leu aquilo que eu te dei para que escrevesses. Foi uma bofetada que levaste, pela tua arrogância. Nem sequer percebes quando és alvo de ironias... Dei-te uma bofetada, saída diretamente do meu interior: eu, ao menos, conheço a minha própria malícia.

– Vidrinho de tinta!

– Pauzinho de escrever!

Assim, ambos ficaram satisfeitos por terem dado uma boa resposta. É muito agradável acreditar que decidimos uma questão dando a última palavra, é algo que nos faz dormir bem. E naquela noite os dois dormiram bem.

Só o poeta não dormiu. Seus pensamentos se agitavam dentro dele como os sons do violino, caíam como pérolas e farfalhavam como o vento forte no meio da floresta. Nesses pensamentos, o poeta compreendia o próprio coração; eram como raios que partiam da mente do eterno Mestre.

“Unicamente a Ele é devida toda a glória.”

Daniel Maurício (Devaneios Poéticos) – 8 –


A alma
É uma centelha de D'us
Que em nós habita.
E quando saudosa
Faminta suplica
Pela Árvore da Vida
Que com o seu fruto
A mantém
Imortal.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

A insônia
Roncava tão alto
Que não me deixava dormir.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

As aspas
São caspas
Nas cabeças
Das palavras.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Ela
Bebeu tanta solidão
Que embriagou-se
Com meia taça
De carinho.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Emotiva
Ela era de choro fácil.
Acho que tinha as lágrimas
Aninhadas nos caracóis
Dos cabelos das nuvens.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Londres...
O teu céu cinza
Veste o meu olhar
Que vai buscar estrelas.
Estrelas... até brilham nos postes
Mas não nos meus olhos saudosos.
Passos apressados...
Acho que é a liberdade que corre
E todos vão atrás.
Triste, meu peito-gaiola
Aprisiona o pardal irrequieto,
Que agora discreto
Engoliu seu canto
Pra não se perder entre a multidão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Meus pensamentos
São barcos que me levam
A lugares,
Em que talvez,
Meus pés não possam ir.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Na memória,
A balança ainda balança
A Ciranda cirandinha ainda se canta,
Passa-se o anel
E a peteca sobe até ao céu
Voando penas nos meus olhos.
E a bola no campinho
Ainda se disputa com brigas
Mas também com muito carinho,
Entre os meninos
Que eram mais do que irmãos.
Corre solta a saudade louca
Dos jogos de bets,
Pega-pega, cabra-cega,
Mocinho e ladrão.
Queima em meu peito
As brincadeiras de queimadas,
Pique-latinha, esconde-esconde,
Arco e flecha e até de espadas.
Onde será que a alegria de outrora se esconde
Pois já não tem os grandes quintais
E pra pular corda nem tem mais onde.
De figurinhas, vazios estão meus bolsos
Cheios mesmo só meus olhos
Dessas menenices
Que guardo no coração.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Nas luzes de Manhattan
Embriagam-se meus olhos.
Ao som de uma música azul,
Bebo as estrelas
Numa taça borbulhante.
A ausência de um amor
Com letras maiúsculas,
Arde o meu peito.
E pelas ruas noite a dentro,
Sedento,
Tão cioso me reinvento.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

O resto do amor antigo
Para o próximo
Não se aproveita.
Esvaziar a casa é preciso
Para de amor
Fazer nova colheita.

Murilo Rubião (os Dragões)


"Fui irmão de dragões e companheiro de avestruzes."
(Jó, XXX, 29)


Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram com o atraso dos nossos costumes. Receberam precários ensinamentos e a sua formação moral ficou irremediavelmente comprometida pelas absurdas discussões surgidas com a chegada deles ao lugar.

Poucos souberam compreendê-los e a ignorância geral fez com que, antes de iniciada a sua educação, nos perdêssemos em contraditórias suposições sobre o país e raça a que poderiam pertencer.

A controvérsia inicial foi desencadeada pelo vigário. Convencido de que eles, apesar da aparência dócil e meiga, não passavam de enviados do demônio, não me permitiu educá-los. Ordenou que fossem encerrados numa casa velha, previamente exorcismada, onde ninguém poderia penetrar. Ao se arrepender de seu erro, a polêmica já se alastrara e o velho gramático negava-lhes a qualidade de dragões, “coisa asiática, de importação europeia”. Um leitor de jornais, com vagas ideias científicas e um curso ginasial feito pelo meio, falava em monstros antediluvianos. O povo benzia-se, mencionando mulas sem cabeça, lobisomens.

Apenas as crianças, que brincavam furtivamente com os nossos hóspedes, sabiam que os novos companheiros eram simples dragões. Entretanto, elas não foram ouvidas. O cansaço e o tempo venceram a teimosia de muitos. Mesmo mantendo suas convicções, evitavam abordar o assunto.

Dentro em breve, porém, retomariam o tema. Serviu de pretexto uma sugestão do aproveitamento dos dragões na tração de veículos. A ideia pareceu boa a todos, mas se desavieram asperamente quando se tratou da partilha dos animais. O número destes era inferior ao dos pretendentes.

Desejando encerrar a discussão, que se avolumava sem alcançar objetivos práticos, o padre firmou uma tese: os dragões receberiam nomes na pia batismal e seriam alfabetizados.

Até aquele instante eu agira com habilidade, evitando contribuir para exacerbar os ânimos. E se, nesse momento, faltou-me a calma, o respeito devido ao bom pároco, devo culpar a insensatez reinante. Irritadíssimo, expandi o meu desagrado:

— São dragões! Não precisam de nomes nem do batismo!

Perplexo com a minha atitude, nunca discrepante das decisões aceitas pela coletividade, o reverendo deu largas à humildade e abriu mão do batismo. Retribuí o gesto, resignando-me à exigência de nomes.

Quando, subtraídos ao abandono em que se encontravam, me foram entregues para serem educados, compreendi a extensão da minha responsabilidade. Na maioria, tinham contraído moléstias desconhecidas e, em consequência, diversos vieram a falecer. Dois sobreviveram, infelizmente os mais corrompidos. Mais bem-dotados em astúcia que os irmãos, fugiam, à noite, do casarão e iam se embriagar no botequim. O dono do bar se divertia vendo-os bêbados, nada cobrava pela bebida que lhes oferecia.A cena, com o decorrer dos meses, perdeu a graça e o botequineiro passou a negar-lhes álcool. Para satisfazerem o vício, viram-se forçados a recorrer a pequenos furtos.

No entanto eu acreditava na possibilidade de reeducá-los e superar a descrença de todos quanto ao sucesso da minha missão. Valia-me da amizade com o delegado para retirá-los da cadeia, onde eram recolhidos por motivos sempre repetidos: roubo, embriaguez, desordem.

Como jamais tivesse ensinado dragões, consumia a maior parte do tempo indagando pelo passado deles, família e métodos pedagógicos seguidos em sua terra natal. Reduzido material colhi dos sucessivos interrogatórios a que os submetia. Por terem vindo jovens para a nossa cidade, lembravam-se confusamente de tudo, inclusive da morte da mãe, que caíra num precipício, logo após a escalada da primeira montanha. Para dificultar a minha tarefa, ajuntava-se à debilidade da memória dos meus pupilos o seu constante mau humor, proveniente das noites mal dormidas e ressacas alcoólicas.

O exercício continuado do magistério e a ausência de filhos contribuíram para que eu lhes dispensasse uma assistência paternal. Do mesmo modo, certa candura que fluía dos seus olhos obrigava-me a relevar faltas que não perdoaria a outros discípulos.

Odorico, o mais velho dos dragões, trouxe-me as maiores contrariedades. Desastradamente simpático e malicioso, alvoroçava-se todo à presença de saias. Por causa delas, e principalmente por uma vagabundagem inata, fugia às aulas. As mulheres achavam-no engraçado e houve uma que, apaixonada, largou o esposo para viver com ele.

Tudo fiz para destruir a ligação pecaminosa e não logrei separá-los. Enfrentavam-me com uma resistência surda, impenetrável. As minhas palavras perdiam o sentido no caminho: Odorico sorria para Raquel e esta, tranquilizada, debruçava-se novamente sobre a roupa que lavava.

Pouco tempo depois, ela foi encontrada chorando perto do corpo do amante. Atribuíram sua morte a tiro fortuito, provavelmente de um caçador de má pontaria. O olhar do marido desmentia a versão.

Com o desaparecimento de Odorico, eu e minha mulher transferimos o nosso carinho para o último dos dragões. Empenhamo-nos na sua recuperação e conseguimos, com algum esforço, afastá-lo da bebida. Nenhum filho talvez compensasse tanto o que conseguimos com amorosa persistência. Ameno no trato, João aplicava-se aos estudos, ajudava Joana nos arranjos domésticos, transportava as compras feitas no mercado. Findo o jantar, ficávamos no alpendre a observar sua alegria, brincando com os meninos da vizinhança. Carregava-os nas costas, dava cambalhotas.

Regressando, uma noite, da reunião mensal com os pais dos alunos, encontrei minha mulher preocupada: João acabara de vomitar fogo. Também apreensivo, compreendi que ele atingira a maioridade.

O fato, longe de torná-lo temido, fez crescer a simpatia que gozava entre as moças e rapazes do lugar. Só que, agora, demorava-se pouco em casa. Vivia rodeado por grupos alegres, a reclamarem que lançasse fogo. A admiração de uns, os presentes e convites de outros, acendiam-lhe a vaidade. Nenhuma festa alcançava êxito sem a sua presença. Mesmo o padre não dispensava o seu comparecimento às barraquinhas do padroeiro da cidade.

Três meses antes das grandes enchentes que assolaram o município, um circo de cavalinhos movimentou o povoado, nos deslumbrou com audazes acrobatas, engraçadíssimos palhaços, leões amestrados e um homem que engolia brasas. Numa das derradeiras exibições do ilusionista, alguns jovens interromperam o espetáculo aos gritos e palmas ritmadas:

— Temos coisa melhor! Temos coisa melhor!

Julgando ser brincadeira dos moços, o anunciador aceitou o desafio:

— Que venha essa coisa melhor!

Sob o desapontamento do pessoal da companhia e os aplausos dos espectadores, João desceu ao picadeiro e realizou sua costumeira proeza de vomitar fogo.

Já no dia seguinte, recebia várias propostas para trabalhar no circo. Recusou-as, pois dificilmente algo substituiria o prestígio que desfrutava na localidade. Alimentava ainda a pretensão de se eleger prefeito municipal.

Isso não se deu. Alguns dias após a partida dos saltimbancos, verificou-se a fuga de João.

Várias e imaginosas versões deram ao seu desaparecimento. Contavam que ele se tomara de amores por uma das trapezistas, especialmente destacada para seduzi-lo; que se iniciara em jogos de cartas e retomara o vício da bebida.

Seja qual for a razão, depois disso muitos dragões têm passado pelas nossas estradas. E por mais que eu e meus alunos, postados na entrada da cidade, insistamos que permaneçam entre nós, nenhuma resposta recebemos. Formando longas filas, encaminham-se para outros lugares, indiferentes aos nossos apelos.

Fonte:
Murilo Rubião. O pirotécnico Zacarias. Publicado em 1974.

Murilo Rubião (“Os Dragões”) Análise do Conto

Artigo de Vinícius Ferreira dos Santos (UEL)*


Antes de iniciar a análise do conto “os dragões” de Murilo Rubião, faz-se necessário entender as definições sobre o fantástico e sua relação com a ideia do real. O gênero fantástico lida com uma causalidade narrativa que não é atestada no real. O termo fantástico (do latim phantastica e antes do grego phantastikós) aponta para algo que é criado pela imaginação, que não existe na realidade.

A constituição do real tem características arbitrárias e é constituído pelo referencial do leitor: “Seus valores culturais, que se atualizam através da história, forjam padrões de julgamento (juízo) que caracterizam os aspectos normativos” (SCHWARTZ, 1981, p.54). Para tanto, o fantástico transpassa o universo do concreto, do real e do cotidiano, residindo a partir da linguagem.

Murilo Rubião “trazia em seu estilo as tintas do gênero” que, posteriormente, seria chamado de literatura fantástica. De escrita fácil, direta e inteligente seus contos invadem o espaço da fantasia para fazer uma crítica sutil à sociedade.

É notório nos contos de Murilo Rubião epígrafes bíblicas, especificamente, do antigo testamento, ele não as usa por seu sentido religioso, mas como chaves de leitura ou ampliação de sentido das narrativas.

No conto “Os Dragões” a epígrafe remete ao livro bíblico de Jó, capítulo 30 versículos 29 “Fui irmão de dragões e companheiro de avestruzes”. Tanto os dragões presente na epígrafe, quanto no conto, representam na cultura judaica uma literatura descritiva do mundo animal ligados a Jó - assim como monstros, corujas e dentre outros. Desse modo, os dragões que foram inseridos no texto possuiriam um caráter de estranhamento e desconhecido, e sendo assim não são aceitos pela sociedade. Os dragões representam uma idealização do bem e do mal e comumente eles têm uma energia que é criadora e outra destruidora.

Vale destacar que, os dragões, no conto cumprem uma função na sociedade que estimula o preconceito e a intolerância na comunidade que se instala. “Poucos souberam compreendê- los e a ignorância geral fez com que, antes de iniciada a sua educação, nos perdêssemos em contraditórias suposições sobre o país e raça a que poderiam pertencer” (RUBIÃO, 1998). O ser humano necessita de uma história e de um contexto para compreender-se enquanto ente no mundo, enquanto, os dragões, são sujeitos históricos e sem contexto, por isso sofrem preconceitos de algumas pessoas da sociedade, pois, uma comunidade que é tradicional tem dificuldades de aceitar o que é diferente ao seu redor.

Apenas as crianças não se importaram com a presença dos dragões na comunidade, talvez por não serem influenciadas pelo modo de pensar dos adultos: “Apenas as crianças, que brincavam furtivamente com os nossos hóspedes, sabiam que os novos companheiros eram simples dragões” (RUBIÃO, 1998).

Fazendo uma correlação com o conto “Teleco o coelhinho”(1) que tem como base as transformações repentinas do coelhinho em outros animais, que nos mostra a sua tentativa de adaptação a este mundo, no qual já não são tão comuns valores como a pureza e a bondade. Teleco que queria tanto ser humano torna-se no fim de sua vida, sem dentes e encardido. Neste momento do conto o narrador obriga os leitores a enxergar de fato que a imperfeição rege a vida humana.

A partir dessa análise foi possível constatar que tanto “Os Dragões”, quanto o “Teleco, o coelhinho” os personagens representam um elemento simbólico na narrativa que não é atestada no real, mas que causa estranheza e faz com que o leitor remeta a ideia do mundo real.

Com a chegada das criaturas na pequena cidade, muitas teorias foram discutidas pela população. Primeiro o vigário: que acreditava serem dragões enviados do demônio. Já o velho gramático negava “a qualidade de dragões, “coisa asiática de importação europeia”. Enquanto o jornalista via nas criaturas monstros antediluvianos, referindo-se ao dilúvio e a arca que figuram do Antigo Testamento.

Após o abandono dos dragões, por não terem serventia para a população, o personagem narrador, um professor, decide alfabetizá-los e dar-lhes um nome. Porém, era sabido por ele que eram dragões e deveriam ser tratados como tal. Muitos, assolados por moléstias e doenças provenientes dos homens, vieram a falecer, ficando apenas dois “infelizmente os mais corrompidos”: João e Odorico.

Ao serem perguntados sobre o passado, ambos não se lembravam, a não ser sobre a entrada na cidade: “Por terem vindo jovens para a nossa cidade, lembravam-se confusamente de tudo, inclusive da morte da mãe, que caíra num precipício, logo após a escalada da primeira montanha”. Tanto “montanha” quanto “precipício” são figuras que ecoam no Antigo Testamento. A primeira é lembrada enquanto fortaleza, protegida por Deus e simboliza segurança; e a segunda sinaliza perigo, devido à profundeza onde habita o desconhecido.

A preocupação maior do professor é a iniciação à maioridade de João: “João acabara de vomitar fogo. Também apreensivo, compreendi que ele atingira a maioridade”. O fogo remete a figurações dúbias: pode significar tanto uma força criatura quanto destruidora; e pode, também, significar a iluminação pela sabedoria e purificação da compreensão; já a destruição de Sodoma e Gomorra, presente no livro de Gênesis no Antigo Testamento, foi a partir do fogo e do enxofre.

A presença de subtextos bíblicos também remete a uma possível finitude da cidade no conto: “Três meses antes das grandes enchentes que assolaram o município [...]”. No conto, os habitantes esperam a chegada de outros dragões, talvez por já estarem condenados ao fim. Enquanto a já referida cidade bíblica fora condenada a destruição, a cidade de “Os Dragões” é condenada a eternidade, dando esse caráter de reiteração, voltando assim novamente à epígrafe.

O subtexto bíblico parece revelar um paradoxo que acompanha a maioria dos contos de Murilo Rubião. Ao que tudo indica, ao preferir a eternidade na própria vida, nega a integridade católica, amplamente difundida na cultura da América-Latina.
================================
Fonte:
* Anais do X SEPECH - Seminário de Pesquisa em Ciências Humanas da UEL. 2014. (Seminário). p. 733 a 743.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Varal de Trovas n. 529


 

Paulo Mendes Campos (O canarinho)

Atacado de senso de responsabilidade num momento de descrença de si  mesmo, Rubem Braga liquidou entre amigos, há um ano, a  sua passarinhada. Às crianças aqui de casa tocaram um bicudo e um canário. O primeiro não aguentou a crise da puberdade morrendo logo uns dias depois. O menino se consolou, forjando a teoria da imortalidade dos passarinhos: não morrera, afirmou-nos, com um fanatismo que impunha respeito ou piedade, apenas a sua alma voara para Pirapora, de onde viera. O garoto ficou firme, com a sua fé.

A menina manteve a possessão do canário, desses comuns, chamados chapinha ou da terra, e que mais cantam por boa vontade que vocação. Não importa, conseguiu depressa um lugar em nossa afeição, que o tratávamos com alpiste, vitaminas e folhas de alface, procurando ainda arranjar-lhe um recanto mais cálido neste apartamento batido por umas raras réstias de sol, pois é quase de todo virado para o Sul.

Era um canário ordinário, nunca lera Bilac, e parecia feliz em sua gaiola. Nós o amávamos desse amor vagaroso e distraído com que enquadramos um bichinho em nossa órbita afetiva. Creio mesmo que se ama com mais força um animal sem raça, um pássaro comum, um cachorro vira-lata, o gato popular que anda pelos telhados. Com os animais de raça, há uma afetação que envenena um pouco o sentimento; com os  bichos comuns, pelo contrário, o afeto é de uma gratuidade que nos faz bem.

Aos poucos surpreendi a mim, que nunca fui de bichos, e na infância não os tive, a programá-lo em minhas preocupações. Verificava o seu pequeno cocho de alpiste, renovava-lhe a água fresca, telefonava da rua quando chovia, meio encabulado perante mim mesmo com essa sentimentalidade serôdia*, mas que havia de fazer?

Como nas fábulas infantis, um dia chegou o inverno, um inverno carioca, é verdade, perfeitamente suportável. Entretanto, como já disse, a posição do edifício não deixa o sol bater aqui, principalmente nesta época do ano. É a gente ficar algumas horas dentro de casa e sentir logo uma saudade física dos raios solares. Que seria então do canarinho, relegado agora à área, onde pelo menos ficava ao abrigo da viração marinha. Às vezes, quando sinto frio, vou à esquina, compro um jornal e o leio ali mesmo, ao sol, ao mesmo tempo que compreendo o mistério e a inquietação dos escandinavos, mergulhados em friagens e brumas durante uma boa temporada de suas vidas.

E o canarinho, pois? Levá-lo comigo dentro da gaiola, isso  não, eu não tinha coragem. Não devo ter reputação de muito sensato, e lá se iria (como diz Mário Quintana) o resto do prestígio que no meu bairro eu inda possa ter.  Assim, vendo o passarinho encorujado a um canto, decidimos doá-lo a um amigo comum, nosso e dos passarinhos, dono de um sítio. A comunicação foi feita às crianças depois do café. Pareciam estar de acordo, mas o menino, sem dar um pio, dirigiu-se até a área e soltou o canarinho. A empregada viu e veio contar-nos.

Mas, cadê o menino? Voado? Foi um susto que demorou alguns minutos, pois não o achávamos em seus esconderijos habituais, enrolado na cortina, debaixo da cama, atrás da porta. Restava um armário muito estreito a ser investigado, e lá estava ele, quieto e encolhido no escuro como no útero materno, com uma cara de  expressão  tão  dividida, que o choro da menina se desfez em uma gargalhada cheia de lágrimas.

O canário também tinha sumido e, embora fosse quase certa a sua impossibilidade de ganhar a vida por conta própria, melhor assim, não voltasse nunca mais.

Mas voltou. Na hora do almoço, a empregada  veio  dizer-nos  que ele estava na janela do edifício que se constrói ao lado, muito  triste.

É verdade. Lá está o canarinho, sem saber de onde veio, sem saber aonde ir, sem saber ao certo se gostamos dele, triste, arrepiado e com fome. Um  ponto amarelo no paredão esbranquiçado, lá está o nosso canário-da-terra, a doer em nossos olhos.

Vai-te embora, canarinho, que não te quero mais. Mas ele fica, brincando de corvo, dizendo never more. Este refrão (never more) me deixa meio esquisito. Estou triste. Todo mundo aqui de casa está triste, ridiculamente    triste, nesta manhã luminosa de junho.
=============================
* Serôdia = tardia

Fonte:
Paulo Mendes Campos. O Cego de Ipanema. RJ: Ed. Autor, 1960.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXXII

A CHAMA DO AMOR...

MOTE:
Peço a Deus que o tempo corra
e corra a nosso favor,
para que este amor não morra,
antes que eu morra de amor!...

Aloísio Alves da Costa
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

GLOSA:
Peço a Deus que o tempo corra

e que una mais, a nós dois,
e que apressado, concorra
pra antecipar o depois!

Quero que seja veloz
e corra a nosso favor,
impulsionado, na voz
desse nosso grande amor!

Peço a Deus que nos socorra,
que encurte as horas, um pouco,
para que este amor não morra,
nem diminua, tampouco!

Eu quero ter a certeza
que essa chama, com fervor,
continue sempre acesa...
antes que eu morra de amor!…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

LUA DA PAIXÃO...

MOTE:
Da paixão em nós presente
fulge um desejo tão farto,
que a lua, em quarto crescente
parece cheia em meu quarto...
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ

GLOSA:
Da paixão em nós presente

entre suspiros e beijos,
aumentam, sempre, entre a gente,
os nossos sensuais desejos!

E nessa doce emoção,
fulge um desejo tão farto,
que todo o meu coração,
contigo, amor, eu reparto!

Essa explosão envolvente,
tem tanta força a mostrar,
que a lua, em quarto crescente
não se cansa de aumentar!

É tanta a luz, que irradia,
que de luz se faz um parto
e a Lua, em sua magia,
parece cheia em meu quarto…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

LAVOURAS DO CÉU

MOTE:
Pela magia do vento,
que leva a semente ao léu,
elevo meu pensamento,
para as lavouras do céu!
Flávio Roberto Stefani
Porto Alegre/RS

GLOSA:

Pela magia do vento,
eu viro um mago, a sonhar
e é em agradecimento,
que então me ponho a rezar!

Esse vento tão faceiro
que leva a semente ao léu,
faz vezes de feiticeiro,
num brando e lindo escarcéu!

Vendo o vento em andamento
bailando pelo universo,
elevo meu pensamento,
e nasce, então, o meu verso!

Esse vento vou lembrar
como um doirado troféu,
vou pedir chuva e luar
para as lavouras do céu!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

DUAS TRAPAÇAS

MOTE:
Nós somos duas trapaças
usando a mesma altivez:
- Eu finjo que tu não passas...
- Tu finges que não me vês...
Izo Goldman
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

GLOSA:
Nós somos duas trapaças,

tentando nos enganar;
vestimos nossas couraças,
mas continuamos a amar!

Guardamos nosso segredo
usando a mesma altivez,
num silêncio que dá medo,
que nem o tempo desfez!

Com teu olhar, tu me abraças,
mas eu faço que nem vejo...
- Eu finjo que tu não passas...
e sufoco o meu desejo!

Bate forte o coração,
quando tu passas... de vez,
mas fria e sem emoção,
tu finges que não me vês.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

ESPERANÇAS NAUFRAGADAS...

MOTE:
Pelo mar das ilusões,
pelas paragens salgadas,
fui buscar embarcações
de esperanças naufragadas...
Renata Paccola
São Paulo/SP

GLOSA:

Pelo mar das ilusões,
eu me pus a navegar,
e, ao pulsar de corações
comecei a procurar...

Segui, assim, minhas rotas
pelas paragens salgadas...
Nessas paragens remotas,
procurei contos de fadas!

Explodindo em emoções
de riso e pranto, alternados,
fui buscar embarcações
entre sonhos tão sonhados!

Sete mares, eu cruzei,
em incessantes jornadas
mas só um porto, encontrei,
de esperanças naufragadas...

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XVI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Março 2004.