quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Minha Estante de Livros (Novelas Exemplares, de Miguel de Cervantes)


Como gênero literário, a novela já existia, mas, como nota o próprio Cervantes, ele é o primeiro a tentá-la na Espanha. Ele experimenta o gênero em todas as direções possíveis, com relatos bizantinos, cortesãos ou picarescos. E mais: busca estabelecer um padrão realista, fala do cotidiano das pessoas, de uma Espanha que podia ser vista da janela de casa. É interessante notar como ele, filho de uma sociedade machista, sabe das dores femininas e pinta mulheres inteligentes e espirituosas, quando outros as queriam apenas lindas e submissas. É exemplar como Cervantes, homem de temperamento satírico, conseguiu despistar a censura, deixando transparecer entre exaltações aos reis e à Igreja, seu país violento e sensual, trapaceiro e cobiçoso, em que o estupro, por exemplo, é aceito com naturalidade, e um casamento é o único sinal de respeito que se tem pelas mulheres. A edição traz aparatos críticos de estudiosos do autor, notas, poemas em sua versão original e ilustrações.

As Novelas exemplares são uma série de novelas curtas que Miguel de Cervantes escreveu entre 1590 e 1612, e que publicaria em 1613 em uma coleção editada em Madrid por Juan de la Cuesta, devido à grande acolhida que obteve com a primeira parte de Dom Quixote. A princípio receberam o nome de Novelas exemplares de honestíssimo entretenimento.

Trata-se de doze novelas curtas que seguem o modelo estabelecido na Itália. Sua denominação de "exemplares" obedece ao fato de serem o primeiro exemplo castelhano desse tipo de novelas, e ao caráter didático e moral que incluem em alguma medida os relatos. Cervantes se gabava, no prólogo, de ter sido o primeiro a escrever, em castelhano, novelas ao estilo italiano.

Costumam ser agrupadas em duas séries: as de caráter idealista e as de caráter realista. As de caráter idealista, que são mais próximas à influência italiana, se caracterizam por tratar de argumentos de enredos amorosos com grande abundância de acontecimentos, pela presença de personagens idealizados e sem evolução psicológica e por escasso reflexo da realidade. Se agrupam aqui: O amante liberal, As duas donzelas, A espanhola inglesa, A senhora Cornélia e A força do sangue. As de caráter realista atendem mais à descrição de ambientes e personagens realistas, com intenção crítica muitas vezes. São os relatos mais conhecidos: Rinconete e Cortadillo, O licenciado Vidriera, A pequena cigana, A conversa dos cachorros ou o ilustre esfregão. Não obstante, a separação entre os dois grupos não é categórica, e, por exemplo, nas novelas mais realistas podem-se encontrar também elementos idealizantes.

Já que existem duas versões de Rinconete e Cortadillo e de A ciumenta extremadura, pensa-se que Cervantes introduziu nestas novelas algumas variações com propósitos morais, sociais e estéticos (daí o nome de "exemplares"). A versão mais primitiva se encontra numa coleção mista de diversas obras literárias entra as quais se encontra uma novela habitualmente atribuída a Cervantes, A tia fingida. Por outro lado, algumas novelas curtas se acham inseridas também no Dom Quixote, como O curioso impertinente ou uma história do cativo, que conta com elementos autobiográficos. Ademais, alude-se a outra novela já composta, Rinconete e Cortadillo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Adega de Versos 53: Hermoclydes S. Franco

 

Cláudio de Cápua (O Mundo Literário em Preto & Branco) Judas Isgorogota


Na década de 60, por intermédio de Américo Bolonha, renomado jornalista e chefe das oficinas de "A Gazeta", travei conhecimento com quem, anos depois, teria a felicidade de conviver profissionalmente - Judas Isgorogota, jornalista ativo e intelectual de rara sensibilidade e poeta dos mais inspirados dentre os que valorizam a literatura nacional.

Judas Isgorogota nasceu em Lagoa da Canoa, município de Iraipu, no estado de Alagoas, no dia 15 de setembro de 1901. Seu nome de batismo Agnelo Rodrigues de Melo. Faleceu em 10 de janeiro de 1979, aos 77 anos.

O motivo de ter adotado o pseudônimo de Judas Isgorogota é que, ao publicar o seu primeiro soneto, "Madrepérolas", como Rodrigues de Melo, surgiu um homônimo poeta menor que o acusou de assim assinar para criar confusão e que de má fé queria tirar proveito próprio. Bastante aborrecido, apressou-se Agnelo em arranjar outro nome literário.

Tendo um irmão chamado Messias, que era desenhista e ilustrador gráfico e que pelo menos por três décadas se notabilizou em todo o país, Agnelo decidiu: já que existe um Messias na família, vai também existir um Judas.

O nome lembra o apóstolo da traição - Judas Isgorogota - assim chamado por ter nascido no povoado de Kareoth. Ao invés de Iscariotes criou a corruptela de Isgorogota.Com esse pseudônimo, Agnelo Rodrigues de Melo sagrou-se um dos maiores poetas do século XX do Brasil.

Judas Isgorogota era sério e rigoroso, mas também tinha suas sacadas de humor. Vamos a uma delas; nós tínhamos um colega na Rádio Gazeta, rico em virtudes intelectuais, mas... cujos dotes morais não correspondiam ao seu douto-saber; procurava obter vantagens financeiras entre o grupo e Judas, quase que desculpando o colega que se retirava, comentou: – Sabem, fulano tem 11 filhos e vive em constante apuro financeiro. A melhor coisa que se tem a fazer é não emprestar dinheiro pra ele porque, se for pouco, ele esquece e, se for muito, não tem como pagar...

Em outra ocasião, em noite de garoa de inverno paulistano, Judas não parava de tossir. Naquele momento estava na redação o jornalista médico Monteleone, que também ocupava cargo na direção do jornal. Doutor Monteleone prescreveu uma receita para dar fim à tosse do seu ilustre colega. Judas Isgorogota guardou o papel em um dos bolsos. Antes de passar na farmácia, saímos da redação na Av. Cásper Libero e fomos em grupo, Judas, Monteleone, este que vos narra o fato e outros companheiros de imprensa tomar um cafezinho num bar da rua Antonio de Godói. No primeiro gole, Monteleone engasgou-se sendo acometido de forte tosse.

Judas comentou, assim que o médico saiu: - Vou jogar fora este papel por que, afinal, se o doutor não consegue curar a si mesmo, com que autoridade me passou esta receita?

Muito poderia dizer sobre Judas Isgorogota, mas encerro aqui reverenciando a memória desse Judas que, em contra oposição ao nome, jamais traiu alguém e muito enobreceu o mundo das letras nacionais.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retrovisor: crônicas. Publicado em Santos/SP, pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia) XXXI

DESPERTO SEMPRE ANTES QUE RAIE O DIA

 
Desperto sempre antes que raie o dia
E escrevo com o sono que perdi.
Depois, neste torpor em que a alma é fria,
Aguardo a aurora, que já quantas vi.

Fito-a sem atenção, cinzento verde
Que se azula de galos a cantar.
Que mau é não dormir ?  A gente perde
O que a morte nos dá pra começar.

Oh, Primavera aquietada, aurora,
Ensina ao meu torpor, em que a alma é fria,
O que é que na alma lívida a colora
Com o que vai acontecer no dia.
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DEVE CHAMAR-SE TRISTEZA
 
Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.

Sim, tristeza  -  mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.

Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
 De entre as mãos ricas de pó.
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DÓI VIVER, NADA SOU QUE VALHA SER
 
Dói viver, nada sou que valha ser.
Tardo-me porque penso e tudo rui.
Tento saber, porque tentar é ser.
Longe de isto ser tudo, tudo flui.

Mágoa que, indiferente, faz viver.
Névoa que, diferente, em tudo influi.
O exílio nado do que fui sequer
Ilude, fixa, dá, faz ou possui.

Assim, noturno, a árias indecisas,
O prelúdio perdido traz à mente
O que das ilhas mortas foi só brisas,

E o que a memória análoga dedica
Ao sonho, e onde, lua na corrente,
Não passa o sonho e a água inútil fica.
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DÓI-ME QUEM SOU. E EM MEIO DA EMOÇÃO
 
Dói-me quem sou. E em meio da emoção
Ergue a fronte de torre um pensamento
É como se na imensa solidão
De uma alma a sós consigo, o coração
Tivesse cérebro e conhecimento.

Numa amargura artificial consisto,
Fiel a qualquer ideia que não sei,
Como um fingido cortesão me visto
Dos trajes majestosos em que existo
Para a presença artificial do rei.

Sim tudo é sonhar quanto sou e quero.
Tudo das mãos caídas se deixou.
Braços dispersos, desolado espero.
Mendigo pelo fim do desespero,
Que quis pedir esmola e não ousou.
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DO MEIO DA RUA
 
Do meio da rua
(Que é, aliás, o infinito)
Um pregão flutua,
Música num grito...

Como se no braço
Me tocasse alguém
Viro-me num espaço
Que o espaço não tem.

Outrora em criança
O mesmo pregão...
Não lembres... Descansa,
Dorme, coração !...
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DORME, CRIANÇA, DORME
 
Dorme, criança, dorme,
Dorme que eu velarei;
A vida é vaga e informe,
O que não há é rei.
Dorme, criança, dorme,
Que também dormirei.

Bem sei que há grandes sombras
Sobre áleas de esquecer,
Que há passos sobre alfombras
De quem não quer viver;
Mas deixa tudo às sombras,
Vive de não querer.

Evely Libanori (A levíssima presença do instante)

Hoje libertei o bem-te-vi que criei. Entramos na mata, casa dele, ele na minha mão fechada. Eu ia conversando e explicando.

E então eu abri a mão, mas ele não voou. Eu era a mulher com a mão aberta dando a liberdade ao passarinho. Mas ele não voava, Eu, cheia de tristeza, alegria, coragem e júbilo, arremessei ele para o alto, e ele voou para um galho lá em cima. Foi para bem alto.

Ficou olhando, olhando, me olhando lá de cima. Passou uma borboleta, ele virou a cabeça, acompanhou.

Eu pensei; "Que bom, ela agora é o seu alimento, e você está por você, agora não vem mais da minha mão". E ele vai conseguir. Já estava feito, peito estufado, inquieto, treinado, ansioso. Eu não quis que ele esperasse mais, ele já estava pronto. Ficar com ele seria egoísmo meu.

Eu me despedi e saí da mata, não olhei para trás. Como me apeguei a esse passarinho, ele no escritório cantando... Agora, este silêncio. Separar-se de quem se ama: a força que a vida pede de nós. Eu alimentei de três em três horas durante três semanas, só parando para dormir. E vi ele crescer. De criança passou a adolescente, o voo certeiro. O passarinho que voava pela minha cabeça enquanto eu digitava.

Há horas ele estava aqui, agora não está mais e nunca mais estará. E só importa que ele fique bem. E não importa que não nos vejamos. A nossa história é para sempre e foi linda.

Tive um bem-te-vi na minha vida por vinte e um dias. Ouvíamos Strauss e ele cantava. E ele teve a uma humana que o amou. Agora, ele está lá, na mata, sendo passarinho. Ele tem instintos. Lá na mata tem outros bem-te-vis, ele vai ficar bem, Ele solto no céu e na mata. Na minha cabeça, estou com os olhos, o bico aberto para mim, o amarelo do peito dele, o cheiro das penas, o ruflar das asas em cima de mim, o canto, o canto que era de um bem-te-vi.

Eu fui de um bem-te-vi. E cuidei. E hoje eu lancei ele para a vida da mata. Sei que esta noite eu estarei na cama e estarei com ele pousado no galho de uma árvore da mata escura. E, hoje, apesar de estar quente, vai ser uma noite fresca para mim, Eu e esse passarinho bem-te-vi.

Fonte:
Evely Libanori. Nós, animais. SP/RJ: Livro Expressão, 2013.
Livro enviado pela autora.

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Solange Colombara (Portfólio de Spinas) 6

 

Sammis Reachers (A pinga, os pinguços e a vala de óleo)

O motorista era o Sidnei, que além de militar como chofer de busão era também soldado da Polícia Militar, no tempo em que era possível aos tais manterem dois empregos. Sidnei era o que podemos chamar de 'bandalha', aquele motorista meio amalucado, que quando dá na venta, faz o que quer.

Bem, nesse dia Sidnei vinha com o carro para a garagem da Ingá, já encerrados os trabalhos no turno da tarde, recolhendo de seu expediente na linha 31 (Beltrão X Ponta da Areia). O ônibus era um antigo queixo duro, com portas enormes.

O cobrador, outro presepeiro de responsa, o lendário Chacrinha, deitou-se no banco de trás do ônibus e veio dormindo enquanto Sidnei dirigia-se à garagem.

O bom Sidnei, bandalha como só ele, havia tomado umas cachaças antes de levar o carro para a garagem, mais até do que ele estava acostumado. Sim, grave infração, mas o cara era cana... Ao entrar na garagem, alguém lhe disse para colocar o carro 'na vala', que é uma parte elevada onde se lavam as partes inferiores e se fazem reparos nos ônibus. Sidnei, muito mamado, arremeteu à toda em direção à vala.

Segundos antes, ele havia aberto as duas portas, para que o marcador de roletas (catraca) na portaria da empresa pudesse anotar o número do encerrante, mas ao andar esquecera-se de fechá-las. Enquanto isso o velho Chacrinha, o cobrador, também mamado, nada de acordar.

Ao aproximar-se da vala, ao invés de diminuir a velocidade para posicionar o veículo no estreito espaço, o maluco do Sidnei se atrapalhou e acelerou ainda mais. O resultado? Deu uma grande bordoada no muro ao fim da vala, que foi ao chão.

Quanto ao cobrador Chacrinha, o boneco caiu do banco fim rolou como uma jaca madura e caiu para o fundo da vala, que sempre estava molhada e cheia de óleo e graxa.

Levantou-se desnorteado e todo torto, xingando, efeito da cachaça...

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

Ialmar Pio Schneider (Versos Diversos) – 6 –

AO LEITOR

Quando escrevo me assalta um pensamento
indeciso de não saber a quem
possa atingir meu louco sentimento
e duvidar assim não me faz bem...

Espero apenas que o meu sofrimento
não vá prejudicar... ferir ninguém...
Ponho aqui realidade e fingimento
para a escolha daqueles que me leem.

Segue junto comigo se te apraz
conhecer solidão e fantasia,
às vezes desespero, às vezes paz:

meus Sonetos e Cânticos Dispersos
dizendo que no mundo da poesia
cada qual é o poeta dos seus versos…
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AQUELA NOITE, AQUELE SONHO...

Aquela noite que eu sonhei contigo
não foi tão triste como as outras mais.
Aquele sonho belo eu não maldigo,
naquelas horas eu te amei demais.

Sonhei imensamente e não consigo
esquecer teus abraços irreais.
O destino era então o meu amigo
e tu, meus devaneios ideais...

Hoje, volto pra o quarto novamente,
sem vontade de me atirar ao leito
que me espera num único convite.

Por fim, meu corpo pálido consente
e na esperança de sonhar-te deito,
ouvindo os pios que a coruja emite!…
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“CIGARRAS CANTAM NA MANHÃ SERENA”

Cigarras cantam na manhã serena
que se aproxima já do meio-dia,
e escutando a estridente cantilena
fico a pensar... do mundo o que seria ?

se não houvesse o encanto da poesia
pra libertar o espírito que pena
mergulhado em tristeza e nostalgia
afeito assim à condição terrena.

E me pergunto nestas horas calmas
o que pudera confortar as almas
quando envoltas em ânsias e conflito,

se não fossem os sons da natureza,
as flores coloridas e a beleza
do céu azul, das nuvens, do infinito?!…
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NOITES DE LUAR

Estou de novo só... mas conformado
porque posso enfrentar a solidão,
sem esquecer também que no passado
derramei minhas lágrimas em vão.

É preciso entoar uma canção
que venha merecer o teu agrado,
isenta de qualquer desilusão
como se nunca houvesse soluçado.

Eu olho os céus e como antigamente
as noites têm estrelas e luar
que me permitem outra vez sonhar;

e não me sinto triste nem contente,
porquanto a vida agora é diferente:
tenho a poesia para não chorar…
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SONETO A MÁRIO QUINTANA

Leio Mário Quintana e A Rua dos Cata-ventos
me leva à infância de menino sonhador,
quando inda não pensava em mágoas e tormentos
que havia de sofrer ao procurar o amor...

Vejo os dias sem sol, frios e nevoentos,
tal a Londres longínqua envolvida em palor,
... (tudo esquecer talvez !)... os bons e maus momentos,
as horas de alegria e também as de dor.

A ruazinha é tão calma e sossegada; agora
minha imaginação ouve canções de outrora ,
e os lindos pregões da madrugada , me acordam...

Olho ao alto girar um cata-vento triste,
parece ser assim o último que persiste
de todos que, os de minha infância, hoje recordam !

Fonte:
www.sonetos.com. Acesso em 15.01.2016. (site fora do ar)

Guimarães Rosa (Pirlimpsiquice*)


Aquilo na noite do nosso teatrinho foi de Oh. O estilo espavorido. Ao que sei, que se saiba, ninguém soube sozinho direito o que houve. Ainda, hoje adiante, anos, a gente se lembra: mas, mais do repente que da desordem, e menos da desordem do que do rumor. Depois, os padres falaram em por fim a festas dessas, no Colégio. Quem nada podia mesmo explicar, o ensaiador, Dr. Perdigão, lente de coreografia e história-pátria, voltou para seu lugar, sua terra; se vive, estará lá já após de velho. E o endiabrado pretinho Alfeu, corcunda? Astramiro, agora aeroviário, e o Joaquincas — bookmaker e adjazidas atividades – com ambos raro em raro me encontro, os fatos recordam-se. A peça ia ser o drama “Os Filhos do Doutor Famoso”, só em cinco atos. Tivemos culpa de seu indesfecho, os escolhidos para o representar? Às vezes penso. Às vezes, não. Desde a hora em que, logo num recreio de depois do almoço, o regente Seu Siqueira, o Surubim, sisudo de mistérios, veio chamar-nos para a grande novidade, o pacto de puro entusiasmo nosso avançara, sem sustar-se. Éramos onze, digo, doze.

Atordoados, pois. O padre Prefeito, modo solene, fez-nos a comunicação. Donde, com o Dr. Perdigão ali ao lado, rezou-se o padre-nosso e três ave-marias, às luzes do Espírito. Aí, o Dr. Perdigão, que empunhava o livro, discursou um resumo, para os corações da gente, à toda. Então, cada um teve de ler do texto alguma passagem, extraindo de si a melhor bonita voz, que pudesse, leu-se desabaladamente. Só o Zé Boné não se acanhou de o pior, e promoveu risos, de preenchido beócio, que era. Quando o Dr. Perdigão nos despachou, lembramo-nos de que na turma estavam de mal os dois mais decididos e respeitados — Ataualpa, que ia ser o Doutor Famoso, e o Darcy, o Filho Capitão. Mas os mesmos conviram logo em precisar pazes, sem o caso de a gente bem-oficiar se oferecendo de permeio. Tocaram de bem, dando ainda o Ataualpa ao Darcy um selo do Transvaal, e o Darcy a Ataualpa um da Tasmânia ou da China. Em seguida, eles, de chefes, nos sobreolharam, e pegaram com ordens: — “Ninguém conta nada aos outros, do drama!” Concordados, combinou-se, juramos. Careciam-se uns momentos, para a grandiosa alegria se ajustar nos cantos das nossas cabeças. A não ser o Zé Boné, decerto.

Zé Boné, com efeito, regulava de papalvo. Sem fazer conta de companhia ou conversas, varava os recreios reproduzindo fitas de cinema: corria e pulava, à celerada, cá e lá, fingia galopes, tiros disparava, assaltava a mala-posta, intimando e pondo mãos ao alto, e beijava afinal — figurado a um tempo de mocinho, moça, bandidos e xerife. Dele, bem, se ria. O basbaque. Mesmo assim, acharam que para o teatro ele me passava; decidindo o padre Prefeito e o Dr. Perdigão que, por retraído e mal à vontade, em qualquer cena eu não servisse. Não fosse o padre Diretor, de bom acaso vindo entrando, declarar que, aluno aplicado, e com voz variada, certa, de recitador, eu podia no vantajoso ser o “ponto”. Sorri de os outros comigo, amigos, mexerem. Joaquincas, o que era para personificar o Filho Padre, me deu duas marcas novas de cigarros, e eu a ele uma prata de quinhentos réis e o meio pão que estava guardando na algibeira. Aí, o Darcy e Ataualpa, arranjada coragem, alegaram não caber Zé Boné com as prestes obrigações. Mas o padre Prefeito repreendeu-nos a soberba, tanto quanto que o papel que a Zé Boné tocava, de um policial, se versava dos mais simples, com escasso falar. Adiantou nada o Araujinho, servindo de o outro policial, fazer a cara amargosa: acabou-se a opinião da questão. Não que Zé Boné à gente não enchesse — de inquietas cautelas. O segredo ia ele poder guardar?

Aí, mais, teve-se dúvida. Se os outros alunos se embolassem, para à força quererem fazer a gente contar a estória do drama? Dois deles preocupavam-nos, fortes, dos maiores dos internos, não pegados para o teatrinho por mal comportados incorrigíveis! Tãozão e o Mão-na-Lata, centro avante do nosso time. E um, cá, teve a ideia. Precisávamos de imaginar, depressa, alguma outra estória, mais inventada, que íamos falsamente contar, envolvendo os demais no engano. E, de Zé Boné, ficasse sempre perto um, tomando conta.

Sem razão, se vendo, essas cismas. Zé Boné nada de nada contava. Nem na estória do drama botava sentido, a não ser a alguma facécia (chacota) ou peripécia, logo e mal encartadas em suas fitas de cinema; pois, enquanto recreios houvesse, continuava ele descrevivendo-as, com aquela valentia e o ágil não-se-cansar, espantosos. E o Tãozão e Mão-na-Lata no assunto do teatro nem tocavam, fingindo decerto não dar a tanta importância. Mas, a outra estória, por nós tramada, prosseguia, aumentava, nunca terminava, com singulares em extraordinários episódios, que um ou outro vinha e propunha: o “fuzilado”, o “trem de duelo”, a máscara: “fuça de cachorro”, e, principalmente, o “estouro da bomba”. Ouviam, gostavam, exigiam mais. Até o pretinho Alfeu, filho da cozinheira, e aleijado, voltava se arrastando com rapidez para a escutar, enquanto o Surubim não o via e mandava embora. Já, entre nós, era a “nossa estória”, que, às vezes, chegavamos a preferir à outra, a “estória de verdade”, do drama. O qual, porém, por meu orgulho de “ponto”, pusera eu afinco em logo reter, tintim de cor por tintim e salteado. Descontentava-me, só, na noite do dia, dever ficar encoberto do público, debaixo daquela caixa ou cumbuca, que por ora ainda não se tinha, nos ensaios.

— “Representar é aprender a viver além dos levianos sentimentos, na verdadeira dignidade” — exortava-nos o Dr. Perdigão, sobre suas sérias barbas. Ataualpa — o “Peitudo” — e Darcy — o “Pintado” — determinavam se acabasse, em hora, com essa tolice de apelidos. Umas donas estariam costurando as roupas que íamos revestir, os fraques do Doutor Famoso e do Amigo, a batina do Filho Padre, a farda do Filho Capitão, só trajes. Alvitrou-se senha de nos tratarmos só pelos nomes em drama: Mesquita, o “Filho Poeta”, Rutz, o “Amigo”, Gil, o “Homem que sabia o segredo”, Nuno, o “Delegado”. O Dr. Perdigão dirimia os embaraços: em vez de o “Criado”, o Niboca chamar-se-ia melhor o “Fâmulo”, Astramiro o “Redimido”, e não o “Filho Criminoso”; eu, o “Mestre do Ponto”. — “Lembrem-se: circunspecção e majestade…” proferia o Dr. avante — … e: “Longa é a arte e breve a vida… — um preconício dos gregos!” Inquietávamo-nos, não fossem destituir-nos daquele sonho. Íamos proceder muito bem, até o dia da festa, não fumar escondido, não conversar nas filas, esquivar o mínimo pito, dar atenção nas aulas. Os que não éramos “Filhos de Maria”, impetrávamos fazer parte. Joaquincas comungava a diário, via-se mesmo só ideal, já padre e santo. Todas as tardes, a partir do recreio de depois do jantar, subia-se para o ensaio, demorado, livrando-nos dos estudos da noite sob o duplo olhar do Surubim; essa vantagem, também, os outros nos invejavam. — “Sus! Brio! Obstinemo-nos. Decoro e firmeza. Ad astra per aspera! Sempre dúcteis ao meu ensinamento…” — o Dr. Perdigão observando. Suspirávamos pelo perfeito, o estrito jogo de cena a atormentar-nos. Menos ao Zé Boné, decerto. Esse, entrava marchando, fazia continências, mas não havendo maneira de emendar palavra e meia palavra. E já o dia vindo próximo, nem mais duas semanas. Por que não o trocar, ao estafermo? Não o Dr. Perdigão: — “Senhores discípulos meus, para persistir no prepará-los, a perseverança não me desfalece!” Zé Boné, do tom, tirava algum entender, empinava-se inconfuso e contente. Ah, seu “ensino”, à rija, à vera, seria para ele nos pagar. Não por enquanto. Só se ansiava. Sempre juntos, no notável, relegados os planos para as férias, e mesmo só por alto lembrado o afã do futebol.

Se não os tempos e contratempos. Troçavam de nós, os outros? Citando, com ares, o que não entendíamos, nem. Diziam já saber a verdadeira estória do drama, e que não passávamos de impostores. De fato, circulava outra versão, completa, e por sinal bem aprontada, mas de todo mentirosa. Quem a espalhara? O Gamboa, engraçado, de muita inventiva e lábia, que afirmava, pés juntos, estar dono da verdade. O cume de cachorro! Nele, passada a festa, jurou-se também uma sova. Por ora, porém, tínhamos de combater essa estória do Gamboa, que nos deixava humilhados. Repetíamos, então, sem cessar, a nossa estória, com forte cunho de sinceridade. Sempre ficavam os partidários de uma e de outra, não raro bandeando campo, vez por vez, por dia. Tãozão e Mão-na-Lata chefiavam o grupo dos Gamboas?

— “Entreguemo-nos à suma justiça do Onipotente…” — proferia o Joaquincas.

– “Uma tana! Sento o braço!” — o Darcy rugia, ou o Ataualpa. Mas: — “… O réprobo, o ímprobo, que me malsina os dias…” — já, vai vago, desembestando. O Surubim dizia que o nosso teatro roubava ao ensino, e que não era verdade que, nas provas, iríamos ganhar boas notas de qualquer maneira. Possível? Mão-na-Lata estava combinando outro time, porque a gente mal treinava; misérias! Para ver se Zé Boné enfiava juízo, valia não o deixar dar mais seu cinema? E, pronto, certas cenas do drama, legítimas, estavam sendo divulgadas. Haveria entre nós um traidor? Não. Descobriu-se: o Alfeu. O gebo, pernas tresentortadas e moles, quase de não andar direito, mas capaz de deslizar ligeiro por corredores e escadas, feito uma cobra; e que vinha escutar os ensaios, detrás das portas! Só que, no Alfeu, mesmo pós festa, não se podia meter o braço: ele furtava, para a gente, pão, doces, chocolate, coisas da cozinha dos padres. Tínhamos de alugar- lhe o silêncio! Tudo, felizmente, por três dias. Já o Dr. Perdigão, desistido de introduzir no Zé Boné sua parte, intimara-o a representar de mudo, apenas, proibido de abrir a boca em palco. Doía-me um dente, podia inchar a cara; ou não, não doía? Tudo por dois dias, só. Tãozão e Mão-na-Lata, o que ameaçavam? Tudo por dia e meio, pela véspera. Pelo que, fremia-se e ardia-se. Sendo, nessa véspera, o nosso ensaio geral.

— “Sus e eia! Abroquelemo-nos…” O Dr. Perdigão se passeava levemente.

Saía-nos o ensaio geral em brilho e pompa, todos na ponta da língua seus papéis – para meu desgosto. Não iam precisar de ponto? Nisso, porém, sobreveio-nos o trom de Júpiter. O padre Diretor assistira ao quinto ato. Ele era abstrato e sério: não via a quem. Sem realces, disse: que nós estávamos certos, mas acertados demais, sem ataque de vida válida, sem a própria naturalidade pronta… Despejou conosco, tontos de consternados. E já na noite tão tarde. Do nosso Dr. Perdigão, empalidecendo até a barba: — “Senhores meus alunos… Ad augusta per angusta…” — ele se gemeu. — “Durmamos…”

E quem disse que, no outro dia, seguinte, domingo — o dia! — íamos tornar a ensaiar, ensaiar, ensaiar, senhor, mas — com os rebuliços, as horas curtas, poucas: a missa demorada, a gente ganhando pão de mel e biscoitos no café, tendo-se de ajudar a arrumar o teatro, a caixa do ponto verde, repintada fresca, as muitas moças e senhoras aparecidas, chegadas as roupas nossas teatrais, novinhas nos embrulhos, enquanto se dizia que Tãozão e o Mão-na-Lata estavam reunindo uns, que iam amassar a gente, armar baderna de briga, e chegando visitas, pais, parentes, de fora, para assistir, corriam o Colégio, se dizendo agora que o pessoal de Tãozão e Mão-na-Lata, os Gamboas, iam dar na gente a tremenda vaia! — e o Dr. Perdigão de repente doente, de fígado, cólicas, a gente com medo que a festa pudesse não haver, e traziam também os programas prontos do nosso teatro, até o Alfeu vestido de roupa nova, marinheiro, a mãe dele fazia-o hoje andar com as muletas, e o Dr. Perdigão já sarado, levantado, suas sumas pretas barbas, de tarde, o jantar cedo, garrafa de soda limonada, e galinha, pastéis, sobremesa de dois doces, nem pude, pois, que era que vinha vindo, direto para dizer, o Surubim, satisfeito, bem eu tinha temido caiporismos de última hora, passado o dia inteiro assim, de orelha com a pulga atrás?

Silêncio. O Surubim vinha para o Ataualpa. Estava na portaria o tio do Ataualpa — o pai do Ataualpa era deputado, estava à morte, no Rio de Janeiro. Ataualpa tinha de viajar, de trem, daqui a duas horas. E o teatro, o espetáculo? Ataualpa já ia, com o Surubim, mudar de roupa, arrumar a mala. Mas, o teatro era para impossível de não haver, era em benefício. E… Só quem podia ser, em vez do Ataualpa, quem sabia decorados todos os papéis, o Doutor Famoso: eu! Ah, e o “ponto”? Dúvida, não dúvida: o ponto seria, ótimo, o Dr. Perdigão, sendo. Se disse, se fez.

O contentamento — o medo. O fraque? O povo. O — ali, quem meio escondido, me cutucando — o Alfeu! — “Quer um gole?…” — do que ele tinha furtado: uma garrafa de genebra, da adega dos padres — falava que era para dar mais alma de coragem. Eu não quis. E os outros? Zé Boné? O Alfeu não sorria: sibilava. Eu não queria saber dos outros, já estavam me vestindo, o fraque só ficava um pouquinho largo, de nada. Os outros também não deviam de gostar das senhoras e moças passando carmins na cara da gente, o que não era de homem! — e repintando-nos os olhos. E a hora enorme. O teatro, imensamente, a plateia: — “Ninguém mais cabe!” — o povaréu de cabeças, estrondos de gente entrando e se sentando, rumor, rumor, oh as luzes. O Dr. Perdigão, de fraque também: — “Excelsior!” — meio desanimado. Não era o monte de momento, sim, não. Era a hora na hora. Parecia que os empurravam – para o de todo sem propósito. Me punham para a frente. Só ouvi as luzes, risos, avistei demais. O silêncio.

Eu estava ali, parado, em pé, de fraque, a beira-mundo do público, defronte. E, que queriam de mim, que esperavam? Atrás, os companheiros tocando-me; isto era hora para piparotes? E oh! — súbito a súbitas, eu reconhecia na plateia, tão enchida, todos, em cada um seu lugar: Tãozão, o Mão-na-Lata, o Gamboa, o Surubim, o Alfeu, o padre Diretor… oh! — e tinha-me lembrado da terrível coisa, Meu Deus, então ninguém não tinha pensado nisso, antes? Porque, aquele arranjo de todos nós no palco, vindos ao proscênio, eu adiante, era conforme o escrito no programa: o Ataualpa, primeiro, devia recitar uns versos, que falavam na Virgem Padroeira e na Pátria. Mas, esses versos, eu não sabia! Só o Ataualpa sabia-os, e Ataualpa estava longe, agora, viajando com o tio, de trem, o pai dele à morte… Eu, não. Eu: teso e bambo, no embondo, mal em suor frio e quente, não tendo dá-me-dá, gago de êêê, no sem-jeito, só espanto.

O minuto parou. Riam, diante de mim, aos milhares. De lá, da fila dos padres, faziam-me gestos: de ordens e de perguntatividades, sinais danados, explicavam-me o que eu já sabia que não sabia, não podia. Sacudi que não, puxei para fora os bolsos, para demonstrar que não tinha os versos. Instavam-me. — “Abaixem o pano!” — escutei a voz do padre Prefeito. O Dr. Perdigão, em seu buraco bobo, rapava goela. Tornei a não olhar; falei alto. Gritei, tremulei, tão então: — “Viva a Virgem e viva a Pátria!” — gritei.

Ressoaram enormes aplausos. — “Abaixem o pano!” — era ainda o padre Prefeito, no bastidor. Porque, agora, era mesmo a hora, para ficarmos no palco só o Doutor Famoso e seus quatro Filhos, daí o pano tornava a subir, para abrir a primeira cena do drama. — “… o pano!” Mas o pano não desceu, estava decerto enguiçado, não desceu nunca. Confusão. Os que tinham de sair de cena, não saíam. Tornamos a avançar, todos, sem pau nem pedra, em fila, feito soldados, apalermados. E, aí, veio a vaia. Estrondou…

A vaia, que ninguém imaginava. O que era um mar — patuleia, todos em mios, zurros, urros, assovios: pateada. A gente, nada. Ali, formados, soldados mesmos, mudando de cor, de amargor. — “Atenção! Submetam-se!” — mas nem os padres àquilo não podiam por cobrança? Por pouco, o Dr. Perdigão ia se surgir de lá, da caixa, mas não venceu, e se botou abaixo. A gente, firmes, sem mover o passo, enquanto a vaia se surriava. A vaia parou. A vaia recomeçou. Aguentávamos. — “Zé Boné! Zé Boné!” — aqueles gritavam também, depois de durante, dessa vaia, ou em intervalos. — “Zé Boné!…” Foi a conta.

Zé Boné pulou para diante, Zé Boné pulou de lado. Mas não era de faroeste, nem em estouvamento de estrepolias. Zé Boné começou a representar!

A vaia parou, total.

Zé Boné representava — de rijo e bem, certo, a fio, atilado para toda a admiração. Ele desempenhava um importante papel, o qual a gente não sabia qual. Mas, não se podia romper em riso. Em verdade. Ele recitava com muita existência. De repente, se viu: em parte, o que ele representava, era da estória do Gamboa! Ressoaram as muitas palmas.

A pasmação. Num instante, quente, tomei vergonha; acho que os outros também. Isso não podia, assim! Contracenamos. Começavamos, todos, de uma vez, a representar a nossa inventada estória. Zé Boné também. A coisa que aconteceu no meio da hora. Foi no ímpeto da glória — foi — sem combinação. Ressoaram outras muitas palmas.

A princípio, um disparate — as desatinadas pataratas, nem que jogo de adivinhas. Dr. Perdigão soprava alto, em bafo, suas réplicas e deixas, destemperadas. Delas, só pouca parte se aproveitava. O mais eram ligeirias — e solertes seriedades. Palavras de outro ar. Eu mesmo não sabia o que ia dizer, dizendo, e dito — tudo tão bem — sem sair do tom. Sei, de, mais tarde, me dizerem: que tudo tinha e tomava o forte, belo sentido, esse drama do agora, desconhecido, estúrdio, de todos o mais bonito, que nunca houve, ninguém escreveu, não se podendo representar outra vez, e nunca mais. Eu via os do público assungados, gostando, só no silêncio completo. Eu via — que a gente eramos outros — cada um de nós, transformado. O Dr. Perdigão devia de estar soterrado, desmaiado em sua correta caixa do ponto.

Gritavam bis o Surubim e o Alfeu. Até o padre Diretor se riu, como ri Papai Noel. Ah, a gente: protagonistas, outros atores, as figurantes figuras, mas personagens personificantes. Assim perpassando, com a de nunca naturalidade, entrante própria, a valente vida, entrepuxada. Zé Boné, sendo o melhor de todos? Ora, era. Ei. E. Fulge, forte, Zé Boné! — freme a representação. O sucesso, que vindo não se sabe donde e como; alguém me disse, que estava lá; jurou como foi. Mas — de repente — eu temi? A meio, a medo, acordava, e daquele estro estrambótico. O que aquilo nunca parava, não tinha começo nem fim? Não havia tempo decorrido. E como ajuizado terminar, então? Precisava. E fiz uma força, comigo, para me soltar do encantamento. Não podia, não me conseguia — para fora do corrido, contínuo, do incessar. Sempre batiam, um ror, novas palmas. Entendi. Cada um de nós se esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito — o maravilhoso — a gente voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia dos outros e no nosso próprio falar. E como terminar?

Então, querendo e não querendo, e não podendo, senti que — só de um jeito. Só uma maneira de interromper, só a maneira de sair — do fio, do rio, da roda, do representar sem fim. Cheguei para a frente, falando sempre, para a beira da beirada. Ainda olhei, antes. Tremeluzi. Dei a cambalhota. De propósito, me despenquei. E caí.

E, me parece, o mundo se acabou.

Ao menos, o daquela noite. Depois, no outro dia, eu são, e glorioso, no recreio, então o Gamboa veio, falou assim: — “Eh, eh, hem? Viu como era que a minha estória também era a de verdade?” Pulou-se, ferramos fera briga.
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* Pirlimpsiquice. À parte o estranhamento, percebe-se que é perfeita a construção desta palavra-valise que condensa, em si, a magia (pirlimpimpim), a doação do sopro (psique) de vida (ou de poesia) e a maluquice (ou doidice, como se queira) de realização do inesperado, do imprevisível.
 
Fonte:
Guimarães Rosa. Primeiras histórias. Publicado em 1962.

Minha Estante de Livros (2 Livros de Júlio Verne)


A ILHA MISTERIOSA

A Ilha Misteriosa foi publicado em 1874.

Conta as aventuras de um grupo de abolicionistas estadunidense que, após uma fuga num balão, encontram uma ilha desconhecida. Por vezes, o nome Ilha Misteriosa é usado simplesmente como referência à Ilha Lincoln, ilha fictícia no oceano Pacífico (34° 57' S 150° 30' O), onde a história se desenrola.

A história começa durante a época da Guerra Civil americana, quando cinco prisioneiros de guerra que estavam em Richmond decidem fugir em um balão. O grupo de fugitivos é formado por Cyrus Smith, um engenheiro ferroviário e oficial do exército da "União", Nab (diminutivo de Nabucodonosor), corajoso e fiel servo afro-americano de Smith; o marinheiro Pencroft, seu filho Harbert Brown, o jornalista Gideon Spilett, repórter do New York Herald e Top, o cão de Cyrus.

Após voarem durante vários dias debaixo de uma tempestade, eles caem sobre uma ilha vulcânica não cartografada e aparentemente desabitada. A ilha Lincoln, batizada assim em homenagem a Abraham Lincoln, era dividida em dois lados, um dos quais era árido, demonstrando erupção antiga do vulcão. Com os conhecimentos e habilidades do engenheiro Smith, os cinco conseguem sobreviver na ilha.

Durante o período que ficaram na ilha, eles adotam e domesticam um orangotango, chamado Jup e acabam percebendo uma influência misteriosa na ilha, que os ajudou em diversas situações: a sobrevivência de Cyrus Smith após a queda do balão, o resgate de Top do ataque de um dugongo selvagem, a descoberta de uma caixa com armas e ferramentas e assim por diante.

Eles encontraram no mar uma garrafa com um pedido de socorro, então, decidem usar o barco que construíram para explorar outra ilha, chamada de Ilha Tabor, onde eles acham que há um náufrago. Quando lá chegam, encontram Ayrton, que vivia como um animal selvagem e tentam ajudá-lo. No caminho de volta, eles enfrentam uma tempestade, mas encontram o caminho de volta graças a uma fogueira na ilha, que ninguém lembra de ter acendido.

Depois de algum tempo, chegam alguns piratas à Ilha Lincoln, que são parte da tripulação de piratas da qual Ayrton fazia parte. O navio pirata é destruído inexplicavelmente e os piratas são encontrados mortos, mas sem ferimentos aparentes.

Finalmente, o segredo da ilha é revelado. A ilha é o esconderijo do submarino Nautilus e do Capitão Nemo, onde Júlio Verne escreveu suas aventuras no livro Vinte Mil Léguas Submarinas. Fora Nemo quem salvara os náufragos, fornecera a caixa de armas, enviando a mensagem sobre Ayrton, destruindo o navio pirata e matando os piratas. Pouco depois de ser encontrado pelos náufragos, Nemo morre de velhice.

Já no fim do livro, a ilha explode numa erupção vulcânica. Como eles haviam sido alertados pelo Capitão Nemo antes de morrer, os náufragos sobrevivem no pedaço da ilha que fica acima do nível do mar. A história termina com eles sendo salvos pelo navio "Duncan", que tinha vindo resgatar Ayrton.
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HECTOR SERVADAC

 Hector Servadac (ou Heitor Servadac) foi publicado em 1877.

Os franceses Heitor Servadac, capitão do Estado Maior, e a sua ordenança Ben-Zouf, encontram-se em serviço na Argélia, quando, na madrugada de 1 de Janeiro de 18.., após um fenômeno natural de grande escala, dão por si numa "Terra" muito alterada: o seu peso diminuiu (mas não a sua massa); o movimento aparente do Sol passou-se a realizar em sentido inverso (de ocidente para oriente); a atmosfera tornou-se rarefeita; o dia solar passou a durar apenas seis horas; a temperatura de ebulição da água desceu para quase metade; etc.

Depois de encontrarem mais alguns sobreviventes, e de uma viagem de circunavegação, descobriram que não se encontram sobre a Terra, mas antes sobre um cometa que roçara o planeta Terra, mais especificamente sobre a região do Mar Mediterrâneo, e que este resgatara a partir da sua força de atração gravitacional, a atmosfera e minúsculas frações dos continentes Europeu e Africano.

Um dos sobreviventes, o astrônomo Palmyrin Rosette, determinou os elementos keplerianos (5 quantidades, da mecânica celeste, que definem uma órbita) do cometa, batizado por este de Galia, ficando os sobreviventes a saber que este cometa voltaria a cruzar-se com a Terra dois anos depois.

Este livro conta as aventuras destes "astronautas involuntários" através do sistema solar até ao seu regresso ao planeta Terra.

Os protagonistas deste romance de Júlio Verne desembarcaram no penhasco de La Mola, em Espanha, como anuncia uma placa comemorativa no local

Fontes:
Wikipedia. A Ilha Misteriosa.
Wikipedia. Hector Servadac

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Varal de Trovas n. 530

 

Solange Colombara (Carta de Despedida)

Minha avó dizia: "– Ninguém morre de amor..."

As avós sabem de tudo, sábias conselheiras! Mas nesse momento, discordo, pois estou sim, morrendo de amor...

Volto no tempo... Aquele inverno parecia mais gelado que os anteriores. As imagens tornam-se nítidas em minha mente...

A frente da lareira, meus eternos companheiros, o bule de café quentinho, para aquecer meu coração cansado e infeliz e meu diário, leal amigo e confidente de todas as horas.

Quantas e quantas noites fiquei ali, vendo o fogo tremulando, choramingando e às vezes, até ouvindo seu sussurrar, seus lamentos...

Da varanda olhava o mar agitado. A noite ele ficava mais nervoso, contrastando com a serenidade da lua, iluminando aquela água que muitas vezes me chamava a adentrar em seus mais profundos perigos.

O vento frio e cortante fazia com que eu voltasse ao meu refúgio, sem coragem para enfrentar a vida, quiçá o mar...

E meu diário me ouvia todas as noites...

Tantas cartas escrevi…

Cartas de amor ao meu amor, suplicando que voltasse, explicando que o mundo seria tão lindo, que a vida voltaria a fazer sentido, se ele estivesse ao meu lado,

Havia também os momentos de revolta... E eu escrevia toda minha inquietante amargura, demonstrando meu orgulho, meu amor próprio... Mas eu o perdoaria... Bastaria ele voltar, para meu jardim florescer e toda tristeza acabar.

E o ritual se repetia todas as noites...

Escrevia, lia, relia, todas aquelas cartas que não saíam do meu diário, todo aquele sentimento, aquela mistura de emoções, desejos, anseios, todo aquele vazio...

Uma tarde, resolvi caminhar na areia. Necessitava daquele vento em meu cabelo, daquele cheirinho de maresia em minha pele.

Absorta em meus pensamentos, de repente tomei um sobressalto, pois pressenti a presença de alguém ao meu lado. Mas o susto logo passou, pois o senhor que ali estava tinha um semblante tranquilo e um olhar protetor.

“Boa tarde, minha jovem! O quê uma garota bonita faz nessa praia, em pleno inverno?"

E seu sorriso foi algo tão cativante, tão acolhedor... que qualquer receio ou temor deixou de existir.

"- Estou passando uma temporada na vila."

E ficamos ali, conversando até o sol se por. Todas as tardes nos encontrávamos na mesma hora na praia e conversávamos por horas.

O Sr. Guido era um ex-diplomata, havia perdido sua amada esposa, Isadora, vítima de um mal incurável.

Em um mês estávamos muito amigos. Durante nossos encontros caminhávamos e conversávamos sobre vários assuntos, principalmente sobre nossas vidas. Ele me dizia como foi feliz com sua amada Isadora e eu lhe dizia o quanto sofria por ter sido traída pelo meu grande e único amor.

Em um desses nossos encontros, o convidei para um chá e tivemos uma noite agradabilíssima. O Sr. Guido chegou com flores e um livro que até hoje fica na cabeceira de minha cama. Um livro de poesias que ele havia feito para sua esposa.

Naquela noite entendi o quanto a vida é maravilhosa e saí daquele labirinto em que me encontrava, escrevendo a derradeira

Carta de Despedida

Se você soubesse
Quantos rabiscos,
Desabafos e lamentações...

Se você soubesse
Como as noites
São escuras sem você,
Sem seu corpo,
Sem sua respiração junto à minha...
Se você soubesse
O que sinto,
Se você soubesse
A enorme lembrança que restou...
Se você soubesse
O vazio que em mim ficou.
Se você soubesse...
Não deixaria tudo acabar.

Nunca entreguei nenhuma das cartas de amor que escrevi. Nunca mais o vi, sequer ouvi falar que rumo sua vida tomou.

Ainda tenho meu diário, onde guardo lembranças e lindas recordações. Ainda fico todas as noites na varanda, sentindo o frescor de um novo dia, sempre pronta a novas oportunidades e possibilidades.

O fogo da lareira ainda me aquece...

E sim, minha avó estava correta: Ninguém morre de amor.

Fonte:
Solange Colombara. Dançando com as palavras. SP: Futurama, 2018.
Livro enviado pela autora.

Baú de Trovas XXXVI


A renúncia corresponde,
muita vez, a muito amar;
como quando o Sol se esconde
para que brilhe o luar!
A. A. de Assis
(Maringá/PR)  

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O troféu era uma taça,
e o bebum, em ousadia,
diz:- Que coisa mais sem graça
ganhar a taça vazia.
Alba Christina Campos Netto
(São Paulo/SP)

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Em meus sonhos de criança,
desejei pescar a Lua
e pus anzóis de esperança
nas poças d'água da rua!
Delcy Canalles
(Porto Alegre/RS)

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A trova é tão pequenina,
mas diz tudo quanto quer,
qual vaidosa menina
que já se julga mulher...
Diamantino Ferreira
(Campos dos Goytacazes/RJ)
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A minha lágrima triste
que na face não rolou
foi a do brilho que viste
e o meu orgulho secou!
Denise Cataldi
(Nova Friburgo/RJ)

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Passa a nuvem…volta... ardente
o mesmo sol, o esplendor,
passa a mágoa que se sente,
mas não volta o mesmo amor…
Déspina Athanásio Perusso
(São Jerônimo da Serra/PR)

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Na esperança verde e bela
há o otimismo de luz!
Se a porta fecha, a janela
se abre em par e o sol reluz!
Dinair Leite
(Paranavaí/PR)

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"Me apavora o fim do mundo!”
diz ao amigo, o Garcês.
"Pois eu já não vou tão fundo...
meu fantasma é o fim do mês…”
Dorothy Jansson Moretti
(Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP)

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À consciência frustrada
eu tentei de amor falar;
mas o amor não é mais nada
se não se tem o que amar...
Elias Pescador
(São Paulo/SP)

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Autenticidade é luz
e ofusca qualquer mentira;
toda verdade reluz,
valoriza e nada tira.
Emilio Soares da Costa
(Vitória/ES)

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Fim do amor, sonhos extintos...
Mas a saudade é radar
que atravessa labirintos
e consegue me encontrar!
Héron Patrício
(Ouro Fino/MG, 1931 – 2018, Pouso Alegre/MG)

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Não choro o tempo perdido
num caminho mal traçado;
o que já foi percorrido,
bem ou mal foi caminhado...
Istela Marina Gotelipe Lima
(Bandeirantes/PR)

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Calmo... Às vezes violento...
Este amor que nos inflama,
é como o sopro do vento
que atiça... ou apaga a chama...
Ivone Taglialegna Prado
(Belo Horizonte/MG)

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Saudoso, eu batia a aldrava
e muito alegre, ao entrar,
em sua fonte eu matava
a minha sede de amar!
Lavínio Gomes de Almeida
(Barra do Piraí/RJ, ???? – 2009)

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Do mar recebo a lição;
- Não guarde mágoas passadas...
As ondas que vêm e vão,
da areia apagam pegadas...
Luzia Brisolla Fuim
(São Paulo/SP)

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Quando a paixão perde o encanto
e a sorte se torna ingrata,
nem o abandono dói tanto…
A indiferença é que mata!
Maria Lua
(Nova Friburgo/RJ)

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Entre os véus da noite, imerso
insone em meu travesseiro,
escrevo apenas um verso
e a saudade… um livro inteiro!
Maria Lúcia Daloce Castanho
(Bandeirantes/PR)

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Eu creio na honestidade,
na justiça clara e reta,
no fim da desigualdade...
Não sou louco... Eu sou poeta!
Olympio da Cruz S. Coutinho
(Belo Horizonte/MG)

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De carona num fusquinha,
com a mala colorida,
o palhaço é o "flanelinha"
no semáforo da vida.
Olivaldo Júnior
(Mogi-Guaçu/SP)

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"Era uma vez..." e adormece
o menino que eu vivi,
e a lenda virava prece
na voz que eu nunca esqueci.
Selma Patti Spinelli
(São Paulo/SP)

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A noite, se estou contigo
e o sereno a rede orvalha,
em teus braços eu me abrigo
e o teu amor... me agasalha
Therezinha Dieguez Brisolla
(São Paulo/SP)

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A vida, em sua beleza,
deu-me tantas emoções,
que, mesmo ao sentir tristeza,
há doces recordações.
Vanda Alves da Silva
(Curitiba/PR)

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Chuva a molhar nosso riso,
riso feliz e molhado…
qualquer tempo é paraíso,
quando o amor é partilhado.
Vanda Fagundes Queiroz
(Curitiba/PR)

Contos e Lendas do Brasil (Origem do Rio Amazonas)

Carolina Ramos
O Rio mar


I
Jassyendy* prateava a natureza!
Jassy* era feliz, serena e amada
pelo formoso Cuara*, na certeza
de tudo ter... sem desejar mais nada!

O amor, pujante e livre, na largueza
do azul crescia, em força imensurada,
com esplendor intenso e tal grandeza,
que a Onipotência estava preocupada:

- Não fosse logo essa paixão contida,
em pouco a morte extinguiria a Terra!
Secariam os rios... sem mais vida

e secaria, assim... todo o Universo!
- Sol e Lua... Tupã* separa! E encerra,
com seu poder, aquele amor adverso!

II
A sentença é implacável - sem poesia!
Separação - é a fórmula sensata;
- Cuarassy*, sendo o Sol - brilha de dia!
- Jacy a Lua - à noite, a luz desata!

Tupã, o poderoso, decidia!
E Curussá*, num brilho que arrebata,
a cruz de estrelas no amplo céu abria,
marcando para sempre a triste data!

A alternar-se no azul, em desalento,
não se encontram jamais o Sol e a Lua!
Ao ver Jassy, tão pálida, em tormento,

Cuarassy, em protesto, ostenta um halo
de dor e de saudade... E o adeus flutua
em cada triste ocaso... A torturá-lo!

III
Em vão as súplicas! Também baldados
os apelos dos astros que se uniram
aos pés de Tupãssy*!... Desalentados,
Jassy e Cuarassy de amor deliraml...

Lágrimas, em roldão, pelos costados
e planícies rolaram!... Não se ouviram
na Amazônia os lamentos dos copados
seringais que, engolidos, sucumbiram!

E o pranto de Jassy, protesto insano,
em caudal impetuoso e avassalante,
foi arrojar-se aos braços do oceano!

E a rugir, a gemer e a espumejar,
do manancial de um coração amante,
nascia, então, grandioso - o Rio Mar!
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* Vocabulário
Jassyendy = Luar    
Cuara = Sol
Jassy = Lua    
Tupã = Deus
Cuarassy = Sol de verão
Curussá = Cruzeiro do Sul
Tupãssy - mãe de deus

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Lenda da Origem do Amazonas
por Marcos Pessoa


Há muitos anos, em plena selva amazônica, existiam dois noivos que sonhavam em se casar. Ela, sublime e brilhante, vestia-se de prata e seu nome era Lua. Ele, respeitável e irradiante, vestia-se de ouro e seu nome era Sol.

Lua era a dona da noite, enquanto Sol era o dono do dia. Entre esse amor, porém, existia um obstáculo impossível de ser superado: Se eles se casassem o mundo se acabaria. Isso porque o amor ardente e incandescente do Sol queimaria toda a terra, enquanto o choro desesperado de dor e sofrimento da Lua afogaria toda a Terra.

Logo, embora fosse um casal apaixonado, como eles poderiam se casar? A Lua apagaria o fogo? O Sol faria toda a água evaporar? Dilema esse que impediu que eles se casassem e foi o motivo lamentável que os fizeram se separar. Os noivos entraram em desespero, e no desespero da saudade sem fim, a Lua chorou durante todo um dia e uma noite. Suas lágrimas escorreram por morros sem fim até chegar ao mar. O mar, porém, ao ver tanta água embraveceu-se. Ele não queria aceitar tanta água.

A sofrida Lua não conseguia misturar suas lágrimas às águas bravas do mar. Foi quando algo estranho aconteceu. As águas escavaram um imenso vale e serras se levantaram ao longo do caminho. De forma misteriosa e assustadora um imensurável rio apareceu. Isso mesmo, as lágrimas da Lua formaram um enorme percurso e preencheu esse espaço dando origem ao rio Amazonas, o rio-mar da Amazônia.

E foi assim, deste amor impossível entre a Lua e o Sol, que nasceu o rio Amazonas, considerado o maior rio do planeta, tanto em volume de água como em extensão.
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Outra Versão da Lenda

Segundo a lenda Maué da primeira água e origem do rio Amazonas, Icuamã, Ocumató e Onhiamuaçabê* eram irmãos. Um dia, Icuamã deu uma festa e convidou todos os bichos.

Os índios-peixe, Jeju e Mantrinchão, ficaram na porta conversando. O filho de Icuamã, ficou curioso e aproximou-se para ouvir o que eles diziam. Falavam erradamente. O indiozinho começou a corrigi-los e eles, de raiva, fizeram tal feitiçaria que ele morreu.

Icuamã jurou a si mesmo que vingaria a morte do filho. Levou-o até uma clareira, no meio da floresta; depositou-o no chão, dividiu-o pela metade e enterrou os pedaços. Alguns dias depois, brotaram plantinhas; de um pedaço nasceu o timbó-urucuócuhup, o falso timbó; do outro, nasceu o timbó-ocuhén, o verdadeiro.

Perto da casa de Ocumató, morava Sucuri-Tenon, cujo filho, o Sucuri-Pacu, estava proibido pelo pai de ir ver seus tios feiticeiros, Jeju e Traíra. Mas o menino ouviu dizer que Jeju tinha inventado a primeira água e foi à casa deles. A tia lhe mostrou uma pequena poça. O menino achou muito pequeno. A tia, zangada, fez feitiçaria e ele, meio tonto, voltou para casa.

Sucuri-Tenon logo adivinhou o que havia acontecido. “É feitiçaria! Quem o enfeitiçou tem o remédio. Vai buscá-lo.” O curumim obedeceu. Retornou a casa dos tios.

Nesse tempo, o Jeju regressou, bebeu um pouco de água da poça e cuspiu-a em uma cuia. Daí a pouco, apareceu o indiozinho; queixava-se de dor de cabeça. Jeju deu-lhe a água da cuia. Quando ele terminou de tomá-la, sua barriga doía muito e começava a estufar. Implorou ao tio que passasse o maracá de pajé (chocalho) sobre sua barriga, para aliviar a dor. Jeju atendeu. Passou o maracá 1, 2, 3 vezes. E a barriga explodiu. Dela, verteu água que foi crescendo, encheu a casa, saiu pelo terreiro, sempre subindo.

Jeju correu. Ao ver a água pela primeira vez, os índios-pássaros voaram sobre ela, desceram nos galhos da margem e ficaram a olhar. O sapo não esperou e foi para o fundo, cantando de satisfação. É por isso que ele tem, ainda hoje, a voz rouca.

Chamado por Jeju, o Sucuri-Tenon veio saber o que havia. O feiticeiro pediu-lhe que fosse andando na frente, abrindo caminho para a água. “Mas não olhe para trás!” advertiu-o. O Sucuri não deu importância e prosseguiu. Tanto olhou para trás que os rios ficaram com o curso todo sinuoso.

Atraídos pelo rio, os índios-peixe mergulharam. A notícia espalhou-se e Icuamã descobriu que foram os índios-peixe que mataram seu filho. Com Ocumató e muitos índios, organizou um mutirão. Pegaram timbó e entraram no rio, batendo a planta na água. Envenenados, os peixes vieram à tona mortos.

O índio-onça e a mulher não gostaram daquilo. Também mergulharam. Imediatamente, o timbó perdeu a força. Icuamã, com raiva, agarrou os dois e matou-os. Arrancou seus olhos e enterrou-os. Deles nasceram as castanheiras.

Assim surgiu o rio Amazonas, cujo volume de água é superior ao de todos os outros rios do mundo e, é um sistema sinuoso de canais, na maior parte de seu curso através da floresta. Aí vive o Sucuri-Tenon que, de tanto dar voltas, terminou virando cobra.
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* Onhiamuaçabê – o guaraná é fruto brotado dos olhos do filho dessa índia

“AMAZONAS: LENDA OU REALIDADE?”
Por Patrícia Pereira


O nome Amazonas, que batiza o maior Estado do Brasil e um dos maiores rios do mundo, tem sua origem em uma lenda grega que veio parar em terras brasileiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram à região que hoje pertence à Amazônia, em 12 de fevereiro de 1542, encontraram um grupo de índias guerreiras. Segundo os relatos, elas lutavam nuas e viviam em tribos isoladas, sem homens. Eram chamadas pelos índios de icamiabas. Por seus costumes, elas lembravam as lendárias amazonas da mitologia grega, que viviam na Ásia Menor, e logo foi feita a associação entre elas.

As icamiabas eram mulheres altas, musculosas, de pele clara, cabelos compridos e negros, como descreveu o frei espanhol Gaspar de Carvajal, que fazia parte da expedição de Orellana. Ele disse tê-las visto às margens do rio Nhamundá, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas. As índias não permitiam a presença de homens na tribo e, para afastá-los, lutavam com arcos e flechas. Diz a lenda que, para se tornarem exímias arqueiras, arrancavam o seio direito. “A versão mais aceita era que elas atavam o seio direito com uma faixa, parecendo assim que não tinham um dos seios”, diz a historiadora e especialista em folclore Rosane Volpatto.

A palavra icamiaba significa “a que não tem seio”, segundo o estudioso João Barbosa Rodrigues. Essa versão encontra respaldo na lenda grega que dizia que as amazonas queimavam o peito das meninas ainda crianças para que não atrapalhasse o lançamento da flecha. “Essa história não tem nada a ver com nossas icamiabas. Sem seio são as amazonas asiáticas, não as brasileiras”, afirma o indigenista João Américo Peret. Para Rosane, “é pouco provável que as índias inutilizassem um seio porque amavam como mulheres, defendiam-se como guerreiras e multiplicavam-se como mães”.

AMULETO DA SORTE


Embora não tivessem maridos, as icamiabas tinham filhos. Segundo a lenda, uma vez ao ano, em noites de lua cheia, elas realizavam uma cerimônia sagrada para a deusa Yaci, a mãe-lua, no lago Yaci Uarua (Espelho da Lua). Convidavam os índios guacaris, que habitavam os arredores e, nesse dia, tinham relações sexuais com eles sob a bênção da mãe-lua. Após o ritual amoroso, mergulhavam no lago e buscavam no fundo um barro com o qual moldavam um amuleto chamado muiraquitã.

Há várias versões sobre como era feito esse amuleto. Todas, porém, envolvem as icamiabas e o lago Espelho da Lua. Uma das lendas diz que eles eram feitos a partir de uma substância verde pastosa que deveria ser modelada dentro da água do lago. Ao serem colocados em contato com o ar, tornavam-se mais duros que um diamante. Tal barro verde era encontrado também no rio Tapajós, com o qual os índios faziam, debaixo da água, pássaros, rãs e outras figuras. Já os índios uaboí contam que os amuletos eram animais vivos e, para apanhá-los, as índias feriam-se. Ao deixar cair uma gota de sangue sobre o bicho desejado, ele morria e era petrificado.

O amuleto era oferecido pelas amazonas aos homens com os quais haviam mantido relações sexuais ou, segundo outras versões, somente àqueles com quem elas tivessem gerado filhas. Dizem que o amuleto trazia sorte e protegia de doenças. O muiraquitã mais comum tem o formato de sapo e é esverdeado, mas esses amuletos também eram talhados nas formas de peixes, tartarugas e felinos. O amuleto produzido pelas guerreiras amazonas é citado em Macunaíma, um clássico modernista de Mário de Andrade, publicado em 1928. O herói sem caráter passa quase toda a história percorrendo o Brasil à procura de um muiraquitã que perdeu depois de ganhá-lo de sua eterna paixão, uma índia icamiaba.

Segundo contam os índios em sua tradição oral, as filhas das icamiabas, nascidas do encontro anual com os homens de outras tribos, escolhidos dentre os mais vigorosos e belos, eram criadas pelas mães e instruídas no manejo das armas. Quanto aos filhos, eram dados no ano seguinte para que seus pais os criassem. “Aqui entramos novamente num labirinto de miscelâneas entre as amazonas pertencentes às velhas tradições helênicas e as amazonas americanas, pois eram as primeiras que sacrificavam seus filhos homens”, diz a historiadora Rosane.

ICAMIABAS HOJE

O indigenista Peret, que convive com índios há mais de 50 anos, afirma que as mulheres guerreiras existiram e ainda existem na Amazônia. A última notícia que teve delas foi em 1967. Naquela época, ele estava determinado a encontrá-las e, depois de seguir pistas dadas por vários índios, chegou a um missionário alemão na região próxima ao rio Juruena, entre os Estados do Mato Grosso e do Amazonas. “Ele disse que os índios dali eram fregueses das icamiabas”, conta Peret.

“O missionário chamou um deles, que nem falava português, me apresentou e pediu que me contasse sobre as mulheres guerreiras”, lembra o indigenista. “Esse índio foi prisioneiro delas por uma semana. Ele disse que eram cerca de 30, que o alimentavam e, de vez em quando, tinham relação sexual. Durou até que ele não dava mais no couro e as índias o deixaram fugir”, afirma Peret.

Esse índio concordou em levá-lo até as proximidades da aldeia onde teria ficado preso – tinha medo de ser de novo refém. No caminho, passou por sua tribo e o cacique também disse ter sido prisioneiro no ano anterior. Só concordaram em chegar até o local porque viram que as pegadas deixadas pelas icamiabas eram antigas, de mais ou menos um ano. Nas três casas de palha, Peret encontrou arcos, flechas, tacapes (espécie de porrete) e muitos colares. Algumas peças ele doou ao Museu do Índio, outras estão em seu acervo pessoal.

Apesar de nunca ter ficado cara a cara com uma icamiaba, o indigenista já participou de cerimônias indígenas feitas por algumas tribos como forma de relembrar os hábitos das mulheres guerreiras. “Os kayapós têm um ritual chamado mebiök. Uma vez por ano, durante uma semana, as mulheres ocupam a casa sagrada de reunião dos homens. Elas são donas da aldeia nesse período. Provocam os índios, atiram pedras, gritam o nome deles. Os homens ficam em casa, preparam a comida e cuidam dos filhos. É um momento em que as índias querem mostrar que, se os homens não forem leais, fraternos, amigos, se não as respeitarem, vão embora da aldeia, vão voltar a viver sozinhas na floresta como as mulheres guerreiras”, diz Peret.

Outras tribos fazem cerimônias parecidas. Rosane conta sobre as mulheres xinguanas, que celebram o yamarikumã, o ritual das amazonas. “É a rebelião coletiva contra o desprezo e a humilhação de permanecerem como simples espectadoras, assistindo a demonstrações que consideram machistas. Reagindo, as índias fazem o moitará (o comércio de troca intertribal), batem nos maridos, apropriam-se dos seus artesanatos e das flautas sagradas, cantam, dançam, lutam o huka-huka e promovem uma festa tão grande e vigorosa como qualquer outra masculina. Essa é a forma de demonstrarem que a qualquer momento podem repetir o episódio das amazonas guerreiras e viver isoladamente”, diz a historiadora.

Se as guerreiras amazonas são só uma lenda ou se já existiram de fato, não se sabe.

AS AMAZONAS DA MITOLOGIA GREGA REPUDIAVAM O CASAMENTO

A lenda das guerreiras amazonas já era contada na Antiguidade. Elas aparecem, por exemplo, na história de Hércules.

Na mitologia grega, a rainha das amazonas era Hipólita. Ela recebeu do pai, Ares, um cinturão mágico. O nono dos 12 trabalhos de Hércules foi obter justamente esse cinturão. Hércules lutou com Hipólita e matou-a para pegar o cinturão.

A historiadora e estudiosa de folclore Rosane Volpatto explica que as amazonas, segundo relatos de Homero, viviam em comunidades nos templos espalhados pela Ásia Menor em uma época em que ainda vigorava o regime matriarcal. O romano Justino, baseado em fontes gregas, refere-se a “uma nação de amazonas, que, tendo perdido seus maridos na guerra, recusavam-se à escravidão do casamento”.

A princípio, lutavam somente para defender suas terras. Embora repudiassem o matrimônio, não deixavam, uma vez ou outra, de ter relações sexuais com os vizinhos. As crianças nascidas dessas relações, quando meninas, eram educadas nas artes bélicas e na equitação. Porém, antes do início do processo educacional, as amazonas lhes queimavam o peito direito para não causar obstáculo algum ao lançamento da flecha. Já os meninos eram mortos ao nascer.

“Alguns desses aspectos foram encontrados bem vivos nas índias icamiabas da Amazônia, embora elas tenham surgido de forma bem diversa das lendárias guerreiras descritas na Grécia antiga”, diz Rosane. “Provavelmente, foram essas semelhanças que levaram Francisco de Orellana e o Frei Gaspar de Carvajal a denominá-las amazonas quando as viram às margens do rio Nhamundá.”

Fontes:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Livro enviado pela autora.

https://super.abril.com.br/historia/amazonas-lenda-ou-realidade/. Revista Supeinteressante. 2006 por  Patrícia Pereira.

Lendas Indígenas. SP: Aquarela, 1962.

https://noamazonaseassim.com/lenda-da-origem-do-rio-amazonas/. Lenda por Marcos Pessoa. 2013.

domingo, 24 de outubro de 2021

Versejando 83

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 34 –

Finais de semana - sábados e domingos - são dias em que soltamos a imaginação, deixando escorrer sentimentos, ideias, emoções - o ser -, em busca de leveza, sensações, liberdade. São horas em que pomos em prática o lazer que areja e põe o estresse a correr, esquecendo as lides diárias. Passeios, viagens, esportes, legítimos recreios que carregam as baterias interiores.

Tarde azul, domingo ensolarado. Para espantar a modorra pós-almoço, a ideia da pescaria num pesque-pague reunindo os os amigos do ócio dominical. Caniço, anzol, as iscas - o trio. E o pescador pensativo nem busca peixes pescados, simplesmente pesca as imagens da tarde fagueira.

Galho seco de um arbusto
navegando sem intentos,
galho frágil, já vetusto,
vai ao bom sabor dos ventos.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Jessé Nascimento (O Lorde)

Aparentava entre 70 e 75 anos. Ou pouco mais. Alto, charmoso, rosto sem rugas, cabelos brancos, com uma calvície já avançando pela testa. Elegantemente vestido num sóbrio e bem talhado terno.

Andar majestoso, ereto, mais parecendo um lorde, ia abrindo caminho e provocando admirações. Todos o acompanhavam com o olhar ou voltavam-se para trás a fim de observá-lo melhor.

Quando o vi mais de perto, atravessava o sinal de uma das ruas do Centro do Rio de Janeiro. Dos carros e ônibus parados, cabeças moviam-se em sua direção. Não me lembrava de seu rosto como o de alguém conhecido ou famoso. Político? Artista? Não, não. Não o conhecia. Talvez ninguém o conhecesse. Mas ele despertava o interesse de quantos o viam.

Imponente, esguio, chegou ao outro lado da calçada e continuou sua majestosa caminhada por esquinas e ruas, até perder-se por entre prédios e quarteirões. Acompanhei-o com o olhar até não conseguir mais avistá-lo. E só então reiniciei o meu trajeto.

A tarde, meio ensombrecida por algumas nuvens, tinha escondidos o sol e o azul celeste. Mas não havia sequer ameaça iminente de chuva. Uma leve brisa suavizava o mormaço e  amarfanhava com suavidade os meus cabelos.

Aquele senhor, alvo de tantas atenções, provocara uma inusitada cena naquela tarde carioca: impoluto e elegante e, por certo distraidamente, caminhava com o guarda-chuva aberto.

Cirlei Fajardo (Caderno de Poemas) – 1

SER AMOR


Ser Amor é amar cada dia mais e mais...
Cativar o outro com pequenos gestos...
Estar presente mesmo distante...
Ser riso e nunca dor por mais que se queira...
Ser nobre mesmo diante das piores causas...
Ser solícito antes de ser solicitado...
É carregar o outro mesmo não sendo preciso...
E tornar um ínfimo momento... soberbo!
É amar antes de ser amado.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

Olhe adiante...
O que você deixou para trás
ficou no passado... no ontem...
Você tem o hoje... o agora...
Posso ser apenas um burrico
selado e pronto para viajar...
Mas o caminho vou percorrer
e vou chegar onde suas mãos
me conduzirem pacientemente...
O caminho está adiante...
Esperando o nosso trote.
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Em teu sorriso vejo a paz do amor
Lado à lado com teu sonho bonito
Num dia bendito repleto da tua luz

Quisera eu por um instante estar
Ali... contigo num doce instante
Num abraço sincero e amigo...

Dormitei meus sonhos e não vi
Que em teus sonhos eu estava
Feito princesa querida e amada
Docemente e eterna namorada.
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VIDA...

Em que momento começa
a nossa viagem para além
das fronteiras do sagrado
donde saímos e para onde
cedo ou tarde retornamos?

Passamos pelo tempo e
no exato minuto marcado
em nosso script dividimos
o palco chamado Vida.

Sabemos que eternidade
é muito tempo no nosso
tempo onde tudo pode
acontecer, mudar de repente,
recomeçar ou definitivamente
finalizar ciclos sem fim.

Como ponteiros de um relógio
não somos mais os mesmos
no minuto seguinte.

Dizem que tudo que começa
nos meses dos signos da terra
tem longa duração, ou seja,
florescem e reflorescem
inúmeras vezes como flores
em todas as estações do ano
somos gente insistentemente.

De vez em quando o Jardineiro
nos poda drasticamente ou
por descuido nos confunde e
como erva daninha arranca-nos,
sem dó do confortável leito,
onde deitamos nossas raízes.

Mas como criança fazemos pirraça,
e na manhã seguinte um novo broto
nosso desponta a terra para florir
mais uma vez até em pobre solo.

Ante a sublime ventura,
o milagre somos...
Todas as vezes em que
despertamos do sono
onde ousamos sonhar,
ou perambular o universo
numa outra viagem.
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ARTESÃO DE SONHOS...

O poeta é um artesão
de sentimentos...
Seu instrumento é o coração
que ele traz dentro do peito...
Na ponta dos seus dedos
dedilha os mais lindos sonhos...
Como uma canção
ecoa em nossa mente
e passeia por nós...
Chega ao nosso coração
e nos mantém
reféns dos seus escritos...
Mesmo que o tempo passe
fica cada dia melhor...
Profundamente apaixonante...
Simplesmente intradutível...
O que sentimos quando lemos
seus versos dispostos
caprichosamente...
Simplesmente indescritível
aos nossos olhos e nossa alma
cela perfeita das emoções
despertas por seus versos
mesmo quando imperfeitos....
O tempo não apaga ou diminui
a emoção de ler ou ouvir
o que ele tira do seu peito...
Uma vez mais... belíssimo!
Encantador e sempre apaixonante...

Fonte:
Facebook da poetisa.
https://www.facebook.com/cirlei.fajardo

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) 5 – Omolu-Obaluaê


Meu Omolu é um cientista...
Ele reside no além,
vai de conquista em conquista,
sempre fabricando o bem... 

Num certo palácio, de um reino distante... em um tempo longínquo, houve uma grande festa, programada pelo Criador do mundo, o rei Oxalá. Para a ocasião, ele havia preparado uma mensagem em forma de revelação. Muitos Orixás foram convidados para abrilhantar a nobre celebração. Mas Omolu ficou de fora da lista de convidados, espiando o evento entre as frestas das portas e das janelas do palácio. Ele tinha varíola, e a sua pele era coberta de feridas. Sua aparência, para muitos, causava repugnância. Sabendo disso, ele vivia a se esquivar de todos. No entanto, por dentro, Omolu não era diferente dos outros Orixás, e por isso, a sua vontade de participar da festa era imensa.

Ogum, era guia de guarda e, em certa altura da celebração, se ausentou para fazer a sua rotineira ronda em torno da mansão. Durante o trajeto, flagra Omolu a espiar a alegre movimentação interna. Compadecido com a angústia do amigo, Ogum o cobre dos pés à cabeça com vestes de palha, e o convida a entrar. Mesmo assim, ninguém o convida para dançar.

Observando o dilema do convidado de Ogum, Iansã, também conhecida como Oyá, senhora dos raios e dos sete ventos, que na ocasião vestia um lindo vestido acobreado, o convida para dançar. O seu bailar toma a forma de vento. E essa ventania abençoada, descobre Omolu que, repentinamente, vê suas feridas se transformarem em pipocas que se espalham pelo chão. Enquanto isso, ele se transforma no belo e jovem Obaluaê – sua versão interior e sorri. Iansã sorri ainda mais e os dois tornam a dançar alegremente.

- Bela e querida, obrigado! – diz ele encantado com o nobre gesto de Oyá.

- Um Orixá como você não pode ficar excluído – Você é o Deus que possui a chave da libertação das moléstias entre os mortais. Além do mais, cuida muito bem dos cemitérios e dos mortos.

- Ó, nobre e valiosa amiga, como sinal de minha gratidão, a partir de hoje, lhe concederei poder sobre os mortos. Com seu encanto, os dominará, conduzindo -os aos seus destinos.

- Quanta honra – diz ela pausando a dança por um momento – Mas saiba que não fiz nada demais, todos precisam aprender a valorizar a essência das coisas, é no interior dos corações que reside a verdadeira beleza. A aparência é vã e momentânea, mas o que se tem por dentro, se for bom, vive para sempre.

Ogum, aplaude a cena e, em sinal de respeito e compreensão à grande mensagem da noite, os demais convidados também aplaudem. E reverenciam os amigos que não param de festejar.

Iansã, com seus imensos olhos azuis parece flutuar de felicidade. Nanã, mãe de Obaluaê, chora cristalinas lágrimas de emoção. E o erê Pipoquinha não parava de bagunçar, atirando as pipocas nos convidados da festa. Por fim, ao entenderem a mensagem, em que a maioria pensava se tratar de outro assunto, todos entoaram o hino do reino de Oxalá:

Refletiu a luz divina com todo seu esplendor.
Vem do reino de Oxalá, onde há paz e amor.
Luz que refletiu na terra, luz que refletiu no mar.
Luz que veio de Aruanda para tudo iluminar.
Umbanda é paz e amor, um mundo cheio de luz.
É a força que nos dá vida, e a grandeza nos conduz.
Avante filhos de fé, como a nossa lei não há...
Levando ao mundo inteiro a Bandeira de Oxalá.


Fonte:
Texto enviado pela autora.