sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Adélia Prado (1935)


Adélia Luzia Prado Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, no dia 13 de dezembro de 1935, filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Leva uma vidinha pacata naquela cidade do interior: inicia seus estudos no Grupo Escolar Padre Matias Lobato e mora na rua Ceará.

No ano de 1950 falece sua mãe. Tal acontecimento faz com que a autora escreva seus primeiros versos. Nessa época conclui o curso ginasial no Ginásio Nossa Senhora do Sagrado Coração, naquela cidade.

No ano seguinte inicia o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta, que conclui em 1953. Começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho em 1955.

Em 1958 casa-se, em Divinópolis, com José Assunção de Freitas, funcionário do Banco do Brasil S.A. Dessa união nasceriam cinco filhos: Eugênio (em 1959), Rubem (1961), Sarah (1962), Jordano (1963) e Ana Beatriz (1966).

Antes do nascimento da última filha, a escritora e o marido iniciam o curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis.

Em 1972 morre seu pai e, em 1973, forma-se em Filosofia. Nessa ocasião envia carta e originais de seus novos poemas ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna, que os submete à apreciação de Carlos Drummond de Andrade.

"Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarisse. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa.Continuava a escrever, mas enfadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, é a minha fala."

Em 1975, Drummond sugere a Pedro Paulo de Sena Madureira, da Editora Imago, que publique o livro de Adélia, cujos poemas lhe pareciam "fenomenais". O poeta envia os originais ao editor daquele que viria a ser Bagagem. No dia 09 de outubro, Drummond publica uma crônica no Jornal do Brasil chamando a atenção para o trabalho ainda inédito da escritora.

"Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando."

O livro é lançado no Rio, em 1976, com a presença de Antônio Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho, entre outros.

O ano de 1978 marca o lançamento de O coração disparado que é agraciado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.

Estréia em prosa no ano seguinte, com Soltem os cachorros. Com o sucesso de sua carreira de escritora vê-se obrigada a abandonar o magistério, após 24 anos de trabalho. Nesse período ensinou no Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, Fundação Geraldo Corrêa — Hospital São João de Deus, Escola Estadual são Vicente e Escola Estadual Matias Cyprien, lecionando Educação Religiosa, Moral e Cívica, Filosofia da Educação, Relações Humanas e Introdução à Filosofia. Sua peça, O Clarão,um auto de natal escrito em parceria com Lázaro Barreto, é encenada em Divinópolis.

"O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta."

Em 1980, dirige o grupo teatral amador Cara e Coragem na montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. No ano seguinte, ainda sob sua direção, o grupo encenaria A Invasão, de Dias Gomes. Publica Cacos para um vitral. Lucy Ann Carter apresenta, no Departament of Comparative Literature, da Princeton University, o primeiro de uma série de estudos universitários sobre a obra de Adélia Prado.

Em 1981 lança Terra de Santa Cruz.

De 1983 a 1988 exerce as funções de Chefe da Divisão Cultural da Secretaria Municipal de Educação e da Cultura de Divinópolis, a convite do prefeito Aristides Salgado dos Santos.

Os componentes da banda é publicado em 1984.

Participa, em 1985, em Portugal, de um programa de intercâmbio cultural entre autores brasileiros e portugueses, e em Havana, Cuba, do II Encontro de Intelectuais pela Soberania dos Povos de Nossa América.

Fernanda Montenegro estréia, no Teatro Delfim - Rio de Janeiro, em 1987, o espetáculo Dona Doida: um interlúdio, baseado em textos de livros da autora. A montagem, sob a direção de Naum Alves de Souza, fez grande sucesso, tendo sido apresentada em diversos estados brasileiros e, também, nos EUA, Itália e Portugal.

Apresenta-se, em 1988, em Nova York, na Semana Brasileira de Poesia, evento promovido pelo Comitê Internacional pela Poesia. É publicado A faca no peito.

Participa, em Berlim, Alemanha, do Línea Colorada, um encontro entre escritores latino-americanos e alemães.

Em 1991 é publicada sua Poesia Reunida.

Volta, em 1993, à Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Divinópolis, integrando a equipe de orientação pedagógica na gestão da secretária Teresinha Costa Rabelo.

Em 1994, após anos de silêncio poético, sem nenhuma palavra, nenhum verso, ressurge Adélia Prado com o livro O homem da mão seca. Conta a autora que o livro foi iniciado em 1987, mas, depois de concluir o primeiro capítulo, foi acometida de uma crise de depressão, que a bloquearia literariamente por longo tempo. Disse que vê "a aridez como uma experiência necessária" e que "essa temporada no deserto" lhe fez bem. Nesse período, segundo afirmou, foi levada a procurar ajuda de um psiquiatra.

"O que se passou? Uma desolação, você quer, mas não pode. Contudo, a poesia é maior que a poeta, e quando ela vem, se você não a recebe, este segundo inferno é maior que o primeiro, o da aridez."

Deus é personagem principal em sua obra. Ele está em tudo. Não apenas Ele, mas a fé católica, a reza, a lida cristã.

"Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de fé carrega e inclui esta marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à minha vida, costura minha experiência, me dá horizonte. Acredito que personagens são álter egos, está neles a digital do autor. Mas, enquanto literatura, devem ser todos melhores que o criador para que o livro se justifique a ponto de ser lido pelo seu autor como um livro de outro. Autobiografias das boas são excelentes ficções."

Estréia, em 1996, no Teatro Sesi Minas, em Belo Horizonte, a peça Duas horas da tarde no Brasil, texto adaptado da obra da autora por Kalluh Araújo e pela filha de Adélia, Ana Beatriz Prado.

São lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos de maio. Participa, em maio, da série "O escritor por ele mesmo", no ISM-São Paulo. Em Belo Horizonte é apresentado, sob a direção de Rui Moreira, O sempre amor, espetáculo de dança de Teresa Ricco baseado em poemas da escritora.

Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.

"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."

Em 2000, estréia o monólogo Dona da casa, em São Paulo, adaptação de José Rubens Siqueira para Manuscritos de Felipa. A direção é de Georgette Fadel e Élida Marques interpreta Felipa.

Em 2001, apresenta no Sesi Rio de Janeiro e em outras cidades, sarau onde declama poesias de seu livro Oráculos de Maio acompanhada por um quarteto de cordas.

OBRAS:

POESIA:
- Bagagem, Imago - 1976
- O coração disparado, Nova Fronteira - 1978
- Terra de Santa Cruz, Nova Fronteira - 1981
- O pelicano, Rio de Janeiro - 1987
- A faca no peito, Rocco - 1988
- Oráculos de maio, Siciliano - 1999
- A duração do dia, Record - 2010

PROSA:

- Solte os cachorros, Nova Fronteira - 1979
- Cacos para um vitral, Nova Fronteira - 1980
- Os componentes da banda, Nova Fronteira - 1984
- O homem da mão seca, Siciliano - 1994
- Manuscritos de Felipa, Siciliano - 1999
- Filandras, Record - 2001
- Quero minha mãe - Record - 2005
- Quando eu era pequena - 2006.

ANTOLOGIAS:

Mulheres & Mulheres, Nova Fronteira - 1978
Palavra de Mulher, Fontana - 1979
Contos Mineiros, Ática - 1984
Poesia Reunida, Siciliano - 1991 (Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O pelicano e A faca no peito).
Antologia da poesia brasileira, Embaixada do Brasil em Pequim - 1994.
Prosa Reunida, Siciliano - 1999

BALÉ

- A Imagem Refletida - Balé do Teatro Castro Alves - Salvador - Bahia - Direção Artística de Antônio Carlos Cardoso. Poema escrito por Adélia Prado especialmente para a composição homônima de Gil Jardim.

Vem de antes do sol
A luz que em tua pupila me desenha.
Aceito amar-me assim
Refletida no olhar com que me vês.

Ó ventura beijar-te,
espelho que premido não estilhaça
e mais brilha porque chora
e choro de amor radia.

(Divinópolis, 1998).

Fonte:
http://www.releituras.com/aprado_bio.asp

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 406)


Uma Trova Nacional

Em minha varanda a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossa rede...
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–

Uma Trova Potiguar

Que a mão do homem não tisne
com seu desarranjo anárquico.
O lago onde nada o cisne
com porte nobiliárquico!!!
–LUIZ DUTRA BORGES/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - TrovaUneVersos/RN
Tema: SILHUETA - M/E.

Trago no peito guardada,
entre as lembranças da vida
a Silhueta gravada
da tua imagem querida!
–ZENAIDE MARÇAL/CE–

Uma Trova de Ademar

Ao partir, causaste um drama
e, em estado de demência,
finjo ter você na cama...
E nem sinto a sua ausência.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

É uma verdade e parece
que se tornou popular:
a gente primeiro esquece
para depois perdoar.
–JOSÉ FIRMO/PE–

Simplesmente Poesia

Ser Poesia. Ser Poeta...
–AUZÊH FREITAS/RN–

Me desnudo de tudo
e sinto o absurdo que é
não acreditar
no que me veste
e me reveste.

Canso sem correr.
E o fim da caminhada
não é mais minha meta.

Quero seguir a passos lentos
tendo como único alento
a maravilhosa descoberta
que respiro e aspiro a mim mesma.

Ser Poesia. Ser Poeta.

Estrofe do Dia

No deslumbrar da aurora
um coro de muitas aves
canta as canções mais suaves
que a gente cantava outrora,
na cama ela reza e chora
ouvindo a doce aquarela,
desperta, vai pra janela,
recorda nossa amizade;
nasceu um pé de saudade
no jardim da casa dela.
–ZÉ FERNANDES/CE–

Soneto do Dia

O Ébrio.
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Curtindo o efeito da malvada pinga,
cantando vai pela deserta rua...
Do mundo mau que o desprezou se vinga
fazendo um show bizarro à luz da lua!

Um sonolento abre a janela e xinga,
menciona a mãe e ele responde: “É a tua!”
gargalha e chora... e grita... e dança... e ginga...
e deita e dorme na calçada nua...

Já foi homem de bens, hoje um mendigo
que teve um dia a lhe mudar a história
uma mulher traidora e um falso amigo...

Que força estranha encerra um desengano:
pode impulsar um homem à vitória
ou transformá-lo num farrapo humano!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Preservação de Livros (Parte 2)


3. UMIDADE E TEMPERATURA

A umidade e a temperatura são fatores climáticos que contribuem significativamente para a deterioração do material bibliográfico.

São fontes de umidade:
Chuvas,
rios,
limpezas aquosas,
infiltrações por janelas,
paredes e tetos.

Existem diversos equipamentos para controle climático, desde um simples ar condicionado até os sistemas mas sofisticados como:
Sistemas centrais de resfriamento,
calefação,
umidificação e
desumidificação do ar.

Locais que não disponibilizam essas aparelhagens pode-se utilizar ventilação natural ou forçada como meio de controle simultâneo da umidade e da temperatura.

II. TRATAMENTOS BÁSICOS PARA CONSERVAÇÃO DO ACERVO

1. TRATAMENTO DE HIGIENIZAÇÃO

Esse tratamento é muito importante para a conservação do acervo, pois irá retirar do livro os agentes responsáveis pela sua deterioração como poeira, espórios e detritos de insetos. O ideal seria que esse trabalho fosse realizado em uma mesa apropriada, local ventilado e afastado das estantes para evitar que a poeira seja transferida para as outras obras.

1.1 HIGIENIZAÇÃO COM SABONETE NEUTRO

Utilizar sabonete neutro para limpeza das capas plastificadas e de material sintético. Proceder da seguinte maneira:

Material necessário:
- Sabonete
- Tecido de algodão (fralda)

Procedimento: · · · · ·
Colocar água em um balde; Molhar a fralda e torcer bem; Passar a fralda sobre o sabonete neutro (nunca molhar o sabonete); Aplicar sobre as capas removendo toda a sujeira; Passar uma fralda seca para retirar o excesso de umidade.

2. REPARAÇÃO DE LIVROS

O desgaste e a degradação do acervo é muito rápido, sobretudo quando se trata de coleções públicas maciçamente utilizadas. Por isso, faz-se necessário o reparo das obras para prolongar a vida útil do acervo nas bibliotecas. Os livros devem ser analisados para determinação do tratamento adequado a ser utilizado. Antes de começar o trabalho de reparação do livro devemos saber como ele é formado. Geralmente o livro é constituído por cadernos separados e em alguns casos são formados por páginas coladas juntas uma a uma (folhas soltas).

2.1 REMOÇÃO DE FITAS ADESIVAS

Os adesivos possuem componentes que com o tempo se degradam e descolam. A retirada dos mesmos merece atenção especial, considerando que em alguns casos nem com a utilização de solventes, se consegue remove-los. Neste caso, não insistir, pois o papel poderá ser danificado.

Material necessário:

– Cotonete ou vareta de madeira (usado por manicures),
- Algodão,
- Acetona acetato de etila;
- Pedaço de vidro ou celulóide (chapa de radiografia),
- Papel absorvente e
- Bisturi

Procedimento: · ·

As fitas adesivas podem ser removidas com uma espátula ou bisturi; O resíduo do adesivo que ficar no papel deve ser removido com acetona e espátula ou, se não tiver a espátula remove-las somente com a acetona ou acetato de etila.

Colocar a folha com a fita adesiva sobre um papel absorvente e as duas sobre um vidro ou celulóide; Umedecer o cotonete na acetona; Passar na fita adesiva pelos dois lados da folha (verso e direito); Com a ponta do bisturi, soltar cuidadosamente a fita adesiva para não danificar o papel.

2.2 LIMPEZA DA LOMBADA

É o processo onde se retira o excesso de cola, restos de papéis, fitas adesivas, etc... É usado quando a costura está perfeita e não necessita desmonte do livro.
––––––
Continua... Desmonte dos Livros; Conserto das Folhas; Costura

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 10


GATA

Na brancura da pele e no gesto macio,
A carícia tu tens e a moleza de gata:
O teu andar sutil é doce como a pata
Desse animal pisando um tapete sombrio...

Tens uma morbidez lânguida de sonata.
Teu sorriso é polido, é fino e é muito frio...
Se as tuas mãos acaso eu beijo e acaricio,
Sinto uma sensação esquisita, que mata.

Quando eu tomo esse teu cabelo ondeado e louro,
E o cheiro, e palpo o teu corpo branco e felino,
Como te torces, pois, minha serpente de ouro!

O teu corpo se enrola em meu corpo amoroso,
E o teu beijo me aquece e vibra como um hino,
Animal de voz rouca e gesto silencioso!

HELIOGÁBALO


É um prostíbulo. E pois, tendo admirado tudo,
– Calígula a rugir dentro d’um lupanar,
Tibério, como se fosse um fauno cornudo,
De lepras e furor a se despedaçar, –

Supunha nada mais ter que ver, quando mudo
E apavorado, viu pela cidade entrar
O novo imperador, coberto de veludo,
Seda e ouro, e por fim bracelete e colar...

E era um deus, era um deus, d’uma pompa feroz.
Quando o filho do sol aos pórticos assoma,
Entre eunucos reais e truões, alçando a voz,

“Viva o Imperador!” O mundo o aclama e quer.
“Viva!” O monstro excedeu as crápulas de Roma!
Heliogábalo é um homem e é uma mulher!
Maio – 1904

AMOR CINZENTO

Ao Celestino Junior

Embaixo é o dia fusco, é a luz mortuária; em cima
Rolos de fumo e sebo, ó soturna cloaca!
A Vida extinta sob uma grandeza opaca...
Nem pomos de ouro, nem cantigas de vindima!

Fumo só. Tédio só. Natureza de luto.
Cinza e betume chove. E em torno se derrama
Todo um acre vapor feralmente corrupto,
Feito de cerdos e de batráquios e lama...

O corpo é um muito mau pardieiro, bem vedes!
E por isso também, embora que murmures,
Oh! minha alma! estás presa entre quatro paredes!

Presa! e dilui-se o mundo! e nem um sonho ao menos,
E nem festas! e nem um agasalho algures,
Num leito brando, nuns braços brandos de Vênus!...
1898

BORBOLETA

Ao José Gelbecke

Hoje, uma borboleta, assim, toda amarela,
Veio bater aqui junto à minha janela.
Olhei. Ela passou. Eu comecei a olhar.
De novo ela passou e tornou a passar,
Tão veludosa e ao mesmo tempo tão inquieta...
Que quereria pois aquela borboleta?
Ia e vinha outra vez, doida, a se debater,
Com ademanes, com trejeitos de mulher...
Era um dia de sol, fino e voluptuoso,
De um grande beijo ideal, de um infinito gozo,
De um lindo céu azul, esplêndido verão,
E ela a roçar em mim, como uma tentação...
E ela a passar aqui, dentro do seu corpete,
Tão leve, tão sensual, no seu andar coquete,
A subir, a descer de tal modo, Senhor,
Que a mim me pareceu, mas sem tirar nem pôr,
Essas que andam de lá p’ra cá, coquetemente,
À noite, nos jardins, a seduzir a gente...
1903

SÚPLICA DE UM FAUNO

Ao Pânfilo d’Assumpção

– Foi neste bosque, olhai, que ontem a mais pomposa
Das lupercais eu vi. Coroada de rosa,
Dos loureiros em flor à sombra, que perfuma,
Vênus o corpo ideal, mais claro que uma espuma,
Cedeu ao teu furor, ó Adônis, à tua
Fome, como se fosse uma bacante nua...

Ébria, a torcer-se toda em delírios de louca,
Mirto rugiu de amor, a boca em tua boca,
Enlaçada contigo, ó sátiro cornudo,
Sobre essa relva, assim, tenra como veludo...

E que algazarra vã daquela juventude,
Ouvindo Pã soprar na sua flauta rude,
Quando no meio de sussurros e de assombros,
Correu Apolo atrás dos lactescentes ombros
De Leucoteia uivando: eu te amo! eu te amo! eu te amo!
Ágil, sutil, veloz, como se fosse um gamo...

E que riso cruel, tonitroante e louco,
Quando Vulcano aparecendo daí a pouco,
Entre outros braços nus, que não de seu esposo,
Vênus veio encontrar delirando de gozo...

Correu o vinho a flux. Os sonhos e as quimeras
Coroaram o deus Pã de mirtos e de heras...
Resplandeceu o sol da alegria. A floresta
Ecoou, como se fosse o próprio Olimpo em festa.

Só eu de quem jamais a dúvida se arranca,
Só eu não pude rir dessa risada franca.
Adoro uma deidade, a caçadora Diana,
Mas amar sem ventura é uma batalha insana...

E de fato, não sei que demônio porfia
Entre nós dois, que sendo a única alegria
Dos meus olhos, jamais logro o puro desejo
De morrer a seus pés como a onda de um beijo...
Por Júpiter, no entanto eu juro que não posso
Domar este furor, conter este alvoroço...
Por onde quer que eu vá, luz desesperadora,
Eros o coração me enfurece a toda hora
Desses desejos vãos, inquietos e raros,
Que eu nunca vencerei, porque a beleza é fátua...

Assim pois, antes ser um triste cego, Vênus,
Ou possuir então esse prestígio, ao menos,
De poder transformar-me, ó deuses, numa estátua
Mais insensível do que o mármore de Paros!

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Daniel Galera (Mãos de Cavalo)


Mãos de Cavalo, obra de Daniel Galera, começa com capítulos curtos, escritos em terceira pessoa.

O autor intercala duas histórias. A primeira destaca a trajetória de um garoto que - dos dez aos quinze anos de idade, metido em suas aventuras de bairro, entre corridas de bicicleta e campinhos de futebol - vive justamente as primeiras descobertas em relação à sua própria identidade. Na segunda, o foco aponta um jovem cirurgião plástico que, ao chegar aos trinta anos depois de uma rápida, árdua e bem sucedida trajetória de estudos e experiências profissionais, começa então a colocar sua escolhas em cheque, bem no momento em que sai para uma longa viagem com um amigo. Esses acontecimentos vão aos poucos se conectando no tempo e no espaço dramáticos, e compõem uma delicada trama sobre memória, perda e culpa.

Com habilidade, costura os capítulos e mistura as referências de uma maneira que traz ao leitor um grande prazer em acompanhar, ele próprio, o processo de auto-descoberta vivido pelo personagem. Tanto o garoto como o cirurgião vão entender que, tragicamente, só se conhece a própria identidade a partir de eventos-limite, extasiantes ou cruéis, momentos que vão ser carregados pela vida a fora. Entre ritos de passagem e acertos de contas, forma-se um indivíduo.

Durante as duas trajetórias, o escritor não perde a oportunidade de explorar temas bastante interessantes. O fascínio pela violência estética em contraponto à covardia frente a agressividade real, o recalque das emoções, o desejo e a impressão de vermos nossas vidas registradas pelas lentes de uma câmara de cinema.

O protagonista de Mãos de Cavalo não é uma pessoa simples. Talvez ninguém seja mesmo. E pouco a pouco o vemos exposto pelo autor. Através das descrições ultra-detalhistas de cada situação, vemos dissecadas suas impressões frente a cada situação, seja ela o descer vertiginoso de uma ladeira montado numa CaloiCross aro 20', seja testemunhar o ventre de sua esposa ser rasgado durante o parto enquanto a anestesia não fazia efeito.

Primeiramente independentes, as duas tramas vão, aos poucos, ganhando elementos que as aproximam, até que o passado e o presente praticamente se transformam em um só acontecimento, mostrando como foi e como poderia/deveria ter sido determinado fato aos olhos do protagonista. Durante essa trajetória, o autor constrói uma gradativa imersão do personagem do presente em fatos do seu passado que o ajudaram a afirmar sua própria identidade. Em um momento em que dúvidas em relação à vida levam o protagonista a buscar e assumir novas referências de mundo, há uma volta no tempo até um momento traumático, mas que o ajudou a encontrar a si próprio. E essa rememoração é decisiva também para os rumos do seu próprio futuro. Nesse momento as duas histórias se fundem em uma imagem única e definitiva.

Segundo o autor, a obra é uma síntese de diversas histórias que guardou na cabeça durante anos, mas que vieram se transformando e atualizando ao longo do tempo. Algumas cenas e personagens têm origem em coisas que ele imaginava desde os dez ou doze anos de idade, muito antes de sonhar em escrever. Segundo Galera, as primeiras três versões de Mãos de Cavalo foram jogadas fora: somente na quarta tentativa o autor encontrou a forma que lhe pareceu ideal para desenvolver o romance até o fim.

Esse tom se manifesta numa prosa rica em detalhes, em descrições bem trabalhadas de cenas e atmosferas, nas quais a aparente placidez do cenário reforça a intensidade dos sentimentos dos personagens. Nada é gratuito aqui: numa partida de videogame, num parto sem anestesia, na trilha sonora de uma festa de quinze anos, assiste-se à tumultuada trajetória do protagonista rumo ao cotidiano do mundo adulto, preenchido entre o sucesso profissional e o "piloto automático" de um casamento fora dos planos.

O tema principal do livro é a identidade, a obsessão que se tem por defini-la e a inutilidade geral desse esforço. Até que ponto é possível decidir como as pessoas querem ser e que imagem os outros terão delas? Talvez definir isso racionalmente seja tão inviável quanto decidir se se quer ou não amar uma determinada pessoa.

Diante do impasse, Mãos de Cavalo acena com um desfecho surpreendente num relato em que a tragédia se insinua a cada linha. Como nas clássicas histórias sobre segunda chance, está em jogo a possibilidade de o covarde se transformar em herói, ou de quem sempre se definiu como "solitário e renegado" encontrar uma integração possível com o mundo. O futuro aí apontado não é movido por certezas absolutas, mas pela grandeza de saber quando aceitar ou lutar contra as armadilhas do acaso.

A estrutura temporal sobre a qual foi montada, o conjunto lexical selecionado e a condução da narrativa em função da construção da personagem são alguns dos aspectos que garantem à obra relevância para ser analisada criteriosamente. Além disso, o valor interpretativo extraído desses aspectos comprova a intencionalidade do autor em desenvolver uma narrativa repleta de significado, justificando sua consagração na literatura.

Um dos fatores da narrativa de Daniel Galera que oferecem oportunidade de proveitosa explanação é a construção da personagem central. Na verdade, todo o percurso do romance concorre para apresentar ao leitor o perfil psicológico e comportamental de Hermano (o “Mãos de Cavalo”). Aliás, percurso seria a palavra-chave dessa narrativa.

Já no primeiro capítulo – O Ciclista Urbano – a narração apresenta-se construída sobre os percursos que Hermano faz, relacionados em algum sentido com o rumo da sua vida.

“(...) O trecho de subida... sairá ileso.” (p. 09-10)

O leitor perceberá ao longo da leitura que todos os obstáculos descritos (árvores, postes, rampas deslizantes, buracos, lombadas, etc.) estão semanticamente ligados aos desafios da vida do próprio Hermano.

A partir do segundo capítulo começamos a entender mais claramente esse jogo com o curso da narrativa relacionado à forma como o personagem guia a sua vida. Os capítulos intitulados por horários – 6h08, 6h13,... – apresentam Hermano em sua vida adulta atual, dirigindo seu carro por ruas e avenidas até a casa de seu amigo Renan para juntos irem a uma escalada na Bolívia. Enquanto Hermano dirige, o narrador vai apresentando elementos do percurso como monumentos, viadutos, nomes de ruas, que remetem ao pensamento de Hermano alguma lembrança de sua vida.

“Passando por baixo... deu a luz a Nara.” (p. 71)

Quando, no capítulo 6h23, fala-se que Hermano “fantasia que a construção... antes que fosse tarde.” (p. 97), remete-se ao fato de que ele deve ainda agarrar-se a fatos de seu passado (o “asfalto”, as “calçadas”, as “árvores”) para resolvê-los antes de serem encobertos por sua vida atual (“o concreto das novas avenidas”). Vemos aí que o espaço à volta de Hermano está sendo relacionado com as suas sensações e lembranças.

Os outros capítulos vão intercalando a narrativa com flashbacks a partir da mirada e reflexão de Hermano de seu passado.

Outra analogia entre um trajeto difícil de percorrer e a vida acontece no capítulo “A Clareira” no momento em que Hermano, Morsa e Pedreiro se entretinham com um jogo de computador com pistas de corrida:

“O jogo de computador... desmontar o computador.” (p. 164-165).

Diante da pista intransponível, os amigos viam que os acontecimentos das próprias vidas seguiam um curso impossível de se evitar.

A forma dos capítulos onde Hermano está dirigindo reforça a idéia de que a narrativa foi organizada sob a ótica de um trajeto, pois eles em um parágrafo apenas, caracterizando assim, a continuidade, a linearidade da estrada, do caminho, da vida.

O tempo em Mãos de Cavalo é outro fator importante para a análise. Com uma leitura atenta, o leitor perceberá que as histórias se fundem, como já citado, unindo passado e presente, e ainda, que os fatos passados exerceram grande influência sobre Hermano em sua fase adulta. Observa-se isso no episódio em que o personagem se vê em situação semelhante a que havia vivenciado na adolescência, na qual tinha agido covardemente ao não ajudar o amigo que era espancado.

“(...) tinha ficado covardemente escondido... minutos depois.” (p. 173).

Hermano guardou para si o sentimento de culpa que o acompanhou durante anos, como uma verdadeira marca, da qual sempre se envergonhou.

“(...) Hermano sentiu-se imediatamente cúmplice... na testa.” (p. 173).

Agora adulto, ele tem a oportunidade de se livrar desse sentimento de culpa e fazer o que não teve oportunidade no passado.

“(...) Sente gosto de sangue... não da covardia.” (p. 151).

A alternância entre passado e presente leva o leitor a compreender o personagem de forma gradual, assim, o passado não só ilumina o futuro, mas também, o próprio passado de Hermano, simultâneamente. Para entender o Hermano adulto, é essencial emergir em sua adolescência.

Outro aspecto interessante é a finalização do livro, o qual não se dá na metade cronologicamente mais atual da narrativa, mas sim, na fase adolescente do personagem. A história termina no fim da narrativa do passado, com uma decisão convicta do personagem sobre como será seu futuro. Porém, o leitor que acaba de saborear o romance sabe que o futuro do personagem não foi tão livre de conflitos como ele imaginava. Existe uma grande contradição na última frase: “Agora sabia exatamente o que fazer. Não seria necessário fingir nunca mais.” (p.188).

A tensão gerada entre passado e futuro, sobre o que o personagem idealiza e o que o leitor já conhece sobre seu destino, são detalhes decisivos para o sucesso do romance.

Com respeito à narração, pode-se notar que, de acordo com a tipologia desenvolvida por Norman Friedman, o narrador é onisciente intruso, ou seja, age como uma espécie de “voz” que permeia a narrativa, porém permanece de fora da trama – não é um personagem – mas sabe de tudo que se passa nas ações exteriores das personagens e também das interiores (seus pensamentos e intencionalidades); por isso, é capaz de transmitir uma perspectiva mais ampla ao leitor, tanto dos fatos presentes, quanto dos acontecimentos que podem estar por vir. Isso é notado no início do capítulo “6h23”:

“Ao pensar no nome da filha percebe pra onde, na verdade, está guiando seu Mitsubishi Pajero...” (p.96)

Outro ponto de destaque é o constante conflito que Hermano enfrenta consigo mesmo. Desde a infância, quando cai da bicicleta, e adquire marcas não só no corpo, mas também na mente.

Na adolescência, a falta de uma personalidade formada do garoto é latente: a ausência de um apelido face aos amigos, que tinham, cada qual uma denominação diferente; a falta de coragem para enfrentar problemas, como em “Downhill”, em que Hermano nota o desdém por parte de Bonobo e sua trupe, ao que ele retruca saltando e levando mais um tombo histórico; a frustração com a sexualidade na primeira relação afetiva; e, principalmente, sua covardia diante do grupo que se vinga de Bonobo com a surra que o leva à morte, em que Hermano foge e se esconde, e apenas assiste ao massacre:

“Hermano entrou no mato, caiu numa vala do terreno e se escondeu atrás de folhas e galhos. (...) durante um período que pareceu horas.”(pp.169-170).

A fase adulta, por sua vez, corresponde a 1 hora e 56 minutos da vida da personagem nos quais se desdobram todos os traumas: a reação de Hermano, agora médico formado, casado e pai de uma filha, como a súbita desistência da escalada ao Cerro Bonete com um amigo, as indagações que faz para si com relação ao casamento e o nome de sua filha, Nara; a revolta na briga entre adolescentes que encontra na vila onde morou, na qual salva o rapaz acuado e bate em todos os demais; e um estranho reencontro com Naiara. Tudo que Hermano realiza nesse período equivale a um “acerto de contas” consigo mesmo, a uma volta no tempo, para refazer todas as ações que um dia deixou de fazer:

“Aos trinta anos, lhe parecia antes de tudo um constante ensaio para um heroísmo que nunca chega. (...) pelo que gostaria de ter sido no passado ou de ser no futuro.” (p.177)

Por fim, um tópico extremamente relevante é a fixação que o autor demonstra ter por sangue.

Por meio de Hermano, surge, incontáveis vezes, durante a trama, de forma direta ou por meio de associações. No livro, a sensação é a de que cada marca ou cicatriz faz com que ele sinta no corpo o que não sentia com os problemas da vida. As marcas deixadas na infância, a queda no torneio de downhill, a preferência por atuar como médico cirurgião, enfim, tudo isso ajuda a trazer a sensação constante de uma tragédia que vai aos poucos se delineando. Porém, a circunstância mais trágica é a morte de Bonobo após a surra, como já comentado. Ele não tinha medo de sentir dor, não tinha medo de se machucar nem de ver sangue; pelo contrário, tinha uma fixação por isso. A sensação de dor do corpo compensava a falta de sensações emocionais:

“Estava pronto para sangrar. Era seu talento. (...) agora ele seria capaz de cortar, quebrar, ralar, escoriar, debulhar, raspar, fraturar, arranhar, perfurar e esmagar seu próprio corpo de um jeito que ninguém jamais esqueceria.”(p. 91)

Os demais fatos têm seu desfecho no que ocorre nas cenas da fase madura do personagem, na briga com os meninos de rua, em que apanha, e sangra muito. Mesmo que tal interpretação não seja necessariamente a que o autor pensou, conforme resposta do próprio a tal questão, ele considera esse ponto de vista aceitável.

Em Mãos de Cavalo, o foco está nas questões de caráter psicológico, embora não seja psicologizante, e induz o leitor a pensar na própria vida, bem como na do autor, por trazer em si um caráter confessadamente autobiográfico, e falar das coisas que ele gosta. Vale salientar que o escritor trata o personagem como alguém externo a ele, conforme palavras do próprio: “A relação do Hermano com o corpo é cheia de simbologias – ele procura controlar e afligir no corpo o que não consegue obter e praticar na vida, acho.”

Fonte:
Análise por Cláudio Edson Baldavia, Daniela Gravina Matielo, Juliano Magalhães Viana, Claudemir Oliveira de Lira, Ivanise Casarin Bandeira e Jéssica Silva de Andrade - II Projeto Integrado de Prática Educacional do Curso de Letras - Mackenzie 2008. Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/m/maos_de_cavalo

Daniel Galera (1979)


Daniel Galera (São Paulo 13 de Julho de 1979) é um escritor e tradutor literário brasileiro. Foi um dos precursores do uso da internet para a literatura, editando e publicando textos em portais e fanzines eletrônicos entre 1997 e 2001. Foi um dos convidados da segunda edição da Festa Literária Internacional de Parati (FLIP), em 2004.Já traduziu 13 livros, predominantemente das novas gerações de autores ingleses e norte-americanos. Publicou até então quatro livros, além de ter participado em algumas antologias de contos. Seu último livro ganhou o Prêmio Machado de Assis de Romance, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional em 2008.

Cresceu e passou boa parte da vida em Porto Alegre, onde voltou a viver recentemente, depois de ter morado por alguns anos em São Paulo - sua cidade natal - e Garopaba, em Santa Catarina. Formou-se em publicidade na UFRGS. Foi colunista fixo do fanzine eletrônico CardosOnline, que também revelou Clarah Averbuck e Daniel Pellizzari. Após o encerramento do ezine em meados 2001, Galera fundou a editora Livros do Mal voltada à nova literatura, junto com dois outros colegas também egressos da extinta publicação, Daniel Pellizzari e Guilherme Pilla. Falando da sua motivação para fundar a editora, Galera diz: "Nossa vontade era ser lido. Não era vontade de conquistar fama ou de receber convite de uma grande editora." Em 2005, exerceu o cargo de coordenador do Livro e da Literatura na Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre.

Como tradutor, Galera busca trabalhar com obras das novas gerações de autores ingleses e norte-americanos, como quadrinhos de Robert Crumb e os romances "Sobre a beleza" (Zadie Smith), "Reino do Medo" (Hunter Thompson), "Extremamente alto e incrivelmente perto" (Jonathan Safran Foer) e, em parceria com Daniel Pellizzari, "Trainspotting" e "Pornô", (Irvine Welsh).

Como escritor possui quatro livros publicados, além de participações em algumas antologias de contos. Seu livro de estréia, uma coletânea de contos chamada "Dentes Guardados", foi publicada em 2001 pela editora Livros do Mal e encontra-se disponível na internet. Em 2003 publica "Até o Dia em que o Cão Morreu", escrito quando ele tinha 23 anos. No livro, Galera narra a história de um jovem de classe média, recém-formado em Letras, que leva uma vida sem realizações num apartamento que aluga no centro de Porto Alegre. O livro traça um retrato de muitos de seus contemporâneos, jovens sem perspectivas ao se formar da faculdade, e narra suas dificuldades para enfrentar a realidade e suas maneiras de se relacionar afetivamente. Em 2007, o livro ganhou adaptação cinematrográfica com o título de "Cão sem Dono", dirigido por Beto Brant e com colaboração de Renato Ciasca.

Estreou na Companhia das Letras em 2006, quando publicou o seu terceiro romance, "Mãos de Cavalo". No livro, a história se desenvolve ao redor de um personagem em três momentos distintos de sua vida: um garoto de dez anos que pilota sua Caloi Cross em um trecho urbano; um cirurgião plástico de sucesso que vive um casamento quase frustrado e que vai escalar o Cerro Bonete, na Bolívia; e adolescente tímido e pacato que encara o valentão da turma durante uma partida de futebol. Ao longo do romance os três enredos se entrelaçam, atraídos para um ponto em comum. De acordo com Galera, o tema principal do livro é a identidade e a inutilidade de se tentar definí-la. Mãos de Cavalo mostra que apenas até certo ponto as pessoas conseguem programar aquilo que são e o que representam para os outros. De um momento em diante, sobretudo em situações-limite, elas passam a ser elas mesmas, sem mediações.

Em 2008, Galera publicou o romance "Cordilheira", ambientado em Buenos Aires. A protagonista do livro é Anita, uma jovem escritora que perde o interesse por literatura e apenas cuida do desejo inadiável de gerar um filho. Movida por essa idéia fixa, acaba indo para Buenos Aires onde se envolve com uma liga de escritores. O livro foi o primeiro lançamento do projeto Amores Expressos da Companhia das Letras, onde diferentes escritores brasileiros visitaram capitais no exterior para escrever obras de ficção. Em 2008 o livro foi o vencedor do Prêmio Literário Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional na categoria romance.

Romances
Cordilheira, Companhia das Letras, 2008;
Mãos de Cavalo,Companhia das Letras, 2006;
Até o Dia em que o Cão Morreu, editora Livros do Mal, 2003; Companhia das Letras, 2007.

Contos
Dentes Guardados, editora Livros do Mal, 2001. [1]

HQs
Cachalote, Quadrinhos na Cia, 2010 (com

Prêmios
Prêmio Machado de Assis de Romance da Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro, 2008), por Cordilheira.
Prêmio Açorianos de Literatura: Editora do Ano (Porto Alegre, 2003).
Prêmio Jabuti de Literatura: Cordilheira, terceiro lugar na categoria Romance (São Paulo, 2009).
Prêmio HQ Mix Novo Talento – Roteirista (2010).

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Daniel_Galera
- Arrais, Daniel; Bertoni, Estêvão. "Como chegar ao primeiro livro" Folha de São Paulo, São Paulo, 26 de março de 2007.
- Borges, Julio Daio. Mostro a mão para poder esconder o resto - Entrevista com Daniel Galera, Rascunho
- Filho, Rubens Ewald Resenha de Cãos sem Dono. Uol Cinema. Acessado em 13 de dezembro de 2008.
- Assis, Diego. "Daniel Galera agarra o osso do romance.", Folha de São Paulo, São paulo, 26 de maio de 2003.
- "A voz de uma geração." Gazeta do Povo, Curitiba, 7 de maio de 2006.
- Pécora, Alcir. "Crítica: Livro luta contra auto-ajuda, mas resulta anódino." Folha de São Paulo, São Paulo, 15 de outubro de 2008.
- "Biblioteca Nacional divulga seus premiados." O Globo, Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2008.

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 9)


CAPICUA
A palavra ou a frase que é lida da mesma forma da esquerda para a direita ou vice-versa tem um lindo nome: palíndromo - do grego palíndromos (que volta sobre seus passos), formada de pálin (em sentido inverso) + drómos (correr; daí hipódromo, autódromo...).
É o caso de palavras como radar, anilina, Natan, Menem e de frases como as seguintes.

Amor a Roma.
- A base do teto desaba.
- A bola da loba.
- A cera causa a sua careca.
- A droga da gorda.
- A grama é amarga.
- Ame o poema.
- Anotaram a data da maratona.
- Laço bacana para panaca boçal.
- Seco de raiva, coloco no colo caviar e doces.
- Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos.

Não fique o leitor aí torcendo-me o nariz. A frase palindrômica vale mais pela engenhosidade do autor (não fui eu!) do que pela possibilidade do fato enunciado. Afinal de contas, todo o mundo sabe que lobas não têm bolas (não importa o sentido) e que a medicina jamais recomendou como calmante a aplicação de caviar e doces no colo.
Esse processo da mesma leitura de lá para cá e de cá para lá também acontece com os números (202, 1.441, 172.424.271...). Como palíndromo é só para letras, o número que é lido da mesma forma em qualquer sentido tem um nome especial: capicua. A palavra se formou de capi (do latim caput, cabeça) + cu + a. A palavra também existe no espanhol, capicúa, que veio do catalão, significando literalmente "cabeça e rabo".
A última data que foi capicua: 20/02/2002. Qual será a próxima, prezado leitor?
Capicua também é, no dominó, a pedra que pode acabar o jogo encaixando-se em qualquer das duas pontas.

CESARIANA
Do FRANCÊS CÉSARIENNE.
Na Roma antiga, já se nascia com o destino traçado. O bebê era posto no chão pela parteira e o pai o levantava em manifestação de reconhecimento como filho legítimo. Se o pai não fizesse isso, a criança era deixada na porta da casa ou num monturo público à disposição de qualquer um. Se a mãe quisesse ficar com o filho, já era meio caminho andado: salta um futuro escravo à romana! Os bebês que nasciam deformados eram abandonados ou afogados, sem nenhum ressentimento, sob a chancela da inteligensia local. Veja só o preceito

(i)moral do filósofo Sêneca:
"É preciso separar o que é bom do que não pode servir para nada". Plutarco registrou que os pobres abandonavam os filhos "para não vê-los corrompidos por uma educação medíocre que os torne inaptos à dignidade e à qualidade".

Qualquer argumento servia de desculpa moral para o enjeitamento de um recém-nascido. Logo depois que Nero assassinou sua mamãe, Agripina, um romano abandonou um bebê com um cartaz: "Não te crio com medo de que mates tua mãe", o equivalente romano para "Remember Agripina".

Mas fiquemos com os casos felizes. Ao bem nascer, a menina recebia um nome só, o da sua gens (um grupo de famílias com um antepassado comum): Túlia, Cornélia, Júlia. Já o irmãozinho da Túlia ganhava três nomes: (a) o prenome - de segunda mão, já usado por um antepassado (Marco, por exemplo); (b) o nome - que era o da sua gens (com isso já virava Marco Túlio); (c) o sobrenome - o da sua família (e ficava Marco Túlio Graco). Depois, devido ao acúmulo das homonímias e à ausência do CPF, foi- se agregando um quarto e um quinto nomes.

Quando César, o famoso imperador assassinado, nasceu em 100 a.C., foi batizado assim: Caio Júlio César.

O sobrenome da gens Julia - Caesar-já era usado desde 208 a.C., e sua origem é imprecisa. Para alguns veio de caesaries, cabeleira (longa e abundante); para outros, de caesus, particípio de caedere, cortar, e aí interpretado como "retirado do ventre da mãe por incisão". Como o César que ganhou notoriedade foi o personagem shakespeariano, criou-se a lenda de que a palavra cesariana veio dele, que teria nascido dessa forma. Muito improvável: a mãe, Aurélia, viveu muitos anos após o nascimento do filho. A primeira cesariana documentada (numa mulher viva, é claro) foi realizada em 1610. A mãe? Morreu 25 dias depois.

Caesar virou duas coisas: título de imperador romano e salada. A famosa "Caesar salad" tem o nome do seu criador, Caesar Gardini, dono do restaurante Caesar"s Place, em Tijuana, no México. Mais um caso de criatividade movida pela necessidade. A invenção se deu na década de 1920, numa noite em que Caesar teve de improvisar uma salada quando apareceram mais clientes do que ele imaginava.

CLIPE
Do inglês clip, que é a forma resumida de paper (papel)
clip (juntar). *

A palavra foi aportuguesada, clipe, e tem o plural regular clipes, e não, como alguns pronunciam, clips, que é o plural do inglês clip.

No século XIX, as pessoas usavam um alfinete para manter juntas duas ou mais folhas de papel, muitas vezes involuntariamente adornadas por gotículas de sangue.

Videoclipe foi formado de vídeo + o verbo inglês (to) clip com o sentido de cortar, abreviar.

Em 1899, o norueguês Johan Vaaler, Convicto de que o século não poderia terminar sem um fato impactante para a civilização, inventou o clipe. Ele patenteou sua criação na Alemanha porque, naquela época, não havia legislação sobre patentes na Noruega.

O clipe de Vaaler tinha uma volta a menos que o atual, com a desvantagem de o final do arame ferir o papel. E daí? - questionaram os noruegueses, sem conhecer a versão posterior aprimorada. Era um objeto inventado por um norueguês para a humanidade, um orgulho para o país. Que outra invenção, além do bacalhau, a Noruega teria a ostentar perante o mundo?

O clipe se transformou num símbolo nacional. Na Segunda Guerra Mundial, as forças nazistas ocupantes proibiram que os noruegueses usassem buttons com as iniciais de seu rei Haakon VII, que vivia no exílio. Em substituição, e em sinal de protesto pela ocupação, eles passaram a usar um clipe na lapela. Em Oslo, existe um monumento com uma escultura de um clipe de seis metros de altura, em homenagem a Vaaler.

O clipe ganhou cores, formas, plásticos e um consumo impressionante em todo o planeta. Nos Estados Unidos as vendas chegam hoje a 11 bilhões de unidades por ano. Aí pelo final da década de 1990, Lloyds Bank promoveu uma curiosa pesquisa sobre a utilização dos clipes pelos norte-americanos, que são fascinados por pesquisas bizarras. Qual o destino final de um clipe? Se você pensa que evidentemente é unir folhas de papel, veja o resultado da pesquisa (colhido num site na Internet, acredite se quiser). De cada 100.000 clipes consumidos nos Estados Unidos:

- 19.143 servem como fichas de pôquer;
- 17.200 mantêm peças de roupa juntas;
- 15.556 caem no chão e se perdem;
- 14.163 são distraidamente destruídos em conversas telefônicas;
- 8.504 são usados para limpar unhas ou cachimbos;
- 5.434 viram palitos para cavucar os dentes.

O que dá um total de 80.000 clipes. Os demais 20.000 têm destinos variados. Ah, sim, quantos são usados para juntar folhas de papel? Apenas cinco!

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Casamento De Narizinho – I – A doença do Príncipe


Depois da viagem de Narizinho ao reino das Águas Claras o príncipe Escamado caiu em profunda tristeza. Emagreceu. Suas escamas foram ficando fininhas como papel de seda. Permanecia horas de olho pregado no trono de onde Narizinho havia assistido ao grande baile da corte, e de vez em quando puxava uns suspiros que pareciam arrancadas com torquês.

E quanto a apetite, nada. Por mais coisas gostosas que o cozinheiro real inventasse, era sempre aquilo: o príncipe erguia-se da mesa sem tocar em prato algum. Minhocas lindas deixavam-no tão indiferente como se fossem dessas horríveis minhocas de isca, que têm anzol dentro.

Esse estado de alma do príncipe entristecia bastante a corte. Além de o amarem sinceramente, receavam que no caso da morte do Escamado subisse ao trono alguma piranha de má casta, ou um célebre polvo que se divertia em estrangular os pobres peixes nos seus terríveis tentáculos.

O doutor Caramujo foi chamado para examinar o príncipe. Tomou-lhe o pulso. Pediu para ver a língua. Depois, erguendo para a testa os óculos de tartaruga, disse com toda a gravidade:

— Vossa Majestade está sofrendo de narizinho arrebitadite, doença muito séria, cujo único remédio é casamento com uma certa pessoa.

O príncipe arregalou os olhos, cheio de espanto. Era a primeira vez que aquele médico não receitava pílulas.

— Tens razão, Caramujo! — disse ele. — Minha moléstia não é do corpo, mas da alma. Desde que Narizinho deixou o reino não mais houve sossego para mim. Perdi o apetite, o sono, a coragem e não tenho gosto para coisa nenhuma.

— Pois é! — continuou o médico, muito contente de ter acertado. — A doença de Vossa Majestade não passa de amor recolhido e só pode sarar com casamento. Se Vossa Majestade me permite, farei uma tentativa para obter esse precioso remédio.

Os olhos do príncipe brilharam de esperança.

— Sim, permito, pois não. E se conseguires obter-me esse precioso remédio, saberei recompensar-te. Far-te-ei Duque da Pílula!...

O grande médico retirou-se contentíssimo com a idéia de virar duque. Seria uma grande honra para a família dos caramujos, na qual nunca houve nem sequer um comendador, quanto mais duque.

E foi conferenciar sobre o importantíssimo assunto com os outros figurões da corte.

Discutiram, discutiram, e depois de muito discutir resolveram endereçar a Narizinho um pedido de casamento. O doutor Caramujo mandou chamar uma senhora Lula, à qual disse:

— A senhora, que é a escrevente do mar, porque tem dentro do corpo uma pena de osso e um tinteiro de tinta, faça uma carta bem bonita pedindo a mão de Narizinho para o nosso amado príncipe.

A senhora Lula fez a carta. O doutor Caramujo dobrou-a, bem dobradinha, e fechou-a, bem fechadinha. E colocou dentro duma concha de madrepérola — para que não se molhasse na viagem. Em seguida entregou a concha aos peixinhos escoteiros, dizendo:

— Levem-me esta concha até à beira do ribeirão que corre pelo sítio de dona Benta e depositem-na em lugar onde possa ser enxergada. Se se distraírem pelo caminho com alguma minhoca e perderem a concha, o príncipe os fará eletrocutar a todos pelo peixe elétrico, estão ouvindo?

Os peixinhos juraram obediência e lá seguiram, rodando com a concha pelo fundo do mar.
––––––––
Continua... O Pedido

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 405)


Uma Trova Nacional

Saudade sem esperança
é berço sem serventia!
É brinquedo sem criança,
na casa triste e vazia!
–THALMA TAVAVES/SP–

Uma Trova Potiguar

Quero teu corpo revolto,
tantas vezes prometido,
e este céu que está envolto
nas sombras do teu vestido.
–GONZAGA DA SILVA/RN–

Uma Trova Premiada

2009 - Bandeirante/PR
Tema: AUSÊNCIA - M/H

Na vida vivo tentando
tornar meu mundo risonho,
pois a tristeza vem quando
existe ausência de um sonho.
–VANDA ALVES/PR–

Uma Trova de Ademar

Talvez por ser inocente
nessa matéria de amar,
por mais disfarces que invente,
não consigo lhe enganar.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Por mais que eu viva desperto
meu porvir não descortino:
o destino é tão incerto,
que também não tem destino.
–ADERBAL MELO/PE–

Simplesmente Poesia

Palavras Nuas
–EFIGÊNIA COUTINHO/SC–

Quem sonha acorda, discorda
Vem frase de língua a falar...
Soltas ao vento, em horda.

Neuma dentro do sonho,
O balancim com andor a vagar...
Imagens dum tempo bisonho.

Ritmo limiar com intenção,
Que as portas de palavras a olvidar.
Sejam abertas com precisão.

Breve pausa sem fachada,
Somente vai o tempo enganar.
Pois ele não tem retomada.

Há ventos ruidosos nos ares,
Revirando tempos a passar...
Não faz vincos similares.

É o tempo duma palavra nua,
Entre dois corpos a sina lavrar...
A vida que em mil cores continua.

Estrofe do Dia

Quando eu olho pro céu fico pensando
se mereço ir pra lá quando morrer,
Deus não gosta de abuso de poder
e eu abuso do meu de vez em quando,
quando os pobres me pedem soluçando
mesmo tendo sobrando eu digo não;
e nessa coisa de “ajuda teu irmão”
eu ainda não quis acreditar;
Jesus Cristo morreu pra me salvar,
e eu nem sei se mereço a salvação!
–RAIMUNDO CAETANO/PB–

Soneto do Dia

Terceira Juventude
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Primeiro, os anos passam lentamente...
Depois, no declinar da mocidade,
o tempo sai voando, loucamente,
deixando as marcas da Terceira Idade...

Mas, trazendo a esperança ainda latente,
e, enfeitando com sonho, a realidade,
vamos rememorando, heroicamente,
os mais doces momentos de saudade...

É sublime a Terceira Juventude...
E, quando Deus nos dá paz e saúde,
vencemos o receio da partida,

pois, somando as benesses da existência,
nos mostra a sábia voz da experiência
que foi um Céu, na Terra, a nossa vida!...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Trova Ecológica 50 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Fábio Rocha (Antologia Poética)


LOBOS

Escrever
Meu corpo se enche de emoções dementes,
como uma taça sob torneiras intermitentes.
Se não fosse a poesia,
para onde ela transbordaria?

FÉRIAS

A Fábio, Eduardo, Suzana e José Ronaldo Neto

Lá vai o turista
subindo a ladeira.
E corre o pivete
atrás da carteira...
Lá vem o turista
descendo a ladeira.

JARDIM

A Marta, Mário, Ilka e Salvador

Do velho terraço cheio de limo,
pedaço cinzento de sua infância,
via as sombras da grande amendoeira.
O balanço enferrujado,
as grandes e barulhentas folhas caídas...
Parecia algo intocado, sagrado.
Um copo de água estagnado
era visitado
por miúdos pardais sedentos.
As amêndoas serviam de giz
para escrever nas paredes
que era um menino feliz.

BRILHO

A Alessandra

Sempre haverá
estrelas no céu.
As nuvens passam,
as tempestades se acalmam...
Sempre haverá
estrelas no céu.
Pingue a última gota
de esperança do coração...
Sempre haverá
estrelas no céu.
E nelas verei teu sorriso.

CHUVA ATUAL

Vendo a chuva que cai agora,
lembro daquela
que choveu outrora.
Escorrendo pelas folhas, naquele dia...
Hoje chove a melancolia.
Há o frio, Há poças,
há o cheiro da chuva na terra,
há tristeza em cada gota.
Algo nas nuvens se move.
Quem chora quando chove?
O pior é que a cada dia,
aquilo que já choveu,
de novo jamais chover poderia.

O VIGIA

O vigia
vigia.
Raios de luz esguia
iluminam a rua vazia.
O vigia
vigia.
Uma brisa suave e fria
traz cheiro de terra molhada e assobia.
O vigia
vigia.
Em sua mente toca uma canção da utopia
que há muito não se ouvia.
Mas é triste a canção.
E só traz mais solidão
e melancolia.

DEFINIÇÃO

A Daishoo

A vida é
como a lágrima que cai.
De tristeza ou alegria,
cai com poesia.
Algumas caem rebeldes, brigando.
Outras se deixam levar.
Caem tristes, felizes, esperançosas,
melancólicas, rebeldes, carentes ou desgostosas.
Mas todas que dos olhos saem,
sem exceção, caem.
E feliz da gota
que chega ao mar,
após cair longamente,
a procurar.
E a comunhão eterna, total e imutável
encontrar.
(Não conte a ninguém não,
mas algumas gotas que se juntam tem essa sensação,
mesmo antes do fim da queda.)

SOLIDÃO

Não estou só.
Há ácaros em minha pele,
insetos escondidos em meu quarto,
células estranhas em meu sangue,
vírus em animação suspensa no ar
e sua forte presença
em meu coração.

Fonte:
ROCHA, Fábio. A Magia da Poesia. Rio de Janeiro: Papel Virtual Editora, 2000.
Editoração Eletrônica: Ana Petrik Magalhães

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 404)

Uma Trova Nacional
Uma Trova Potiguar

Contemplo à noite, à janela...
e entre as estrelas e a lua,
eu sinto o perfume dela
que no meu quarto flutua.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - Goianá/MG
Tema: SEARA - M/E

Ante a dor, chora risonho,
jamais pises em ninguém!
Mantém, meu filho, o teu sonho,
trilha a seara do bem!
–JOSÉ VALDEZ DE C. MOURA/SP–

Uma Trova de Ademar

Faço versos...Me comovo,
e o meu pranto se mistura
com a cultura do povo
e a minha própria cultura...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Coração, bate de leve;
deixa os teus sonhos horríveis,
que um coração nunca deve
sonhar coisas impossíveis.
–BELMIRO BRAGA/MG–

Simplesmente Poesia

Ser
–JÂNIA SOUZA/RN–

Em mim, há imenso céu azul
puro sussurro de anjo de luz.

Há também profundo oceano
fruto da melancolia do mundo
com meus segredos, meus medos
murmúrio de ondas – sonhos.

Há também em mim frágil pássaro
soberano em voo – liberdade!
Sem limite em seus horizonte
em busca de paz e felicidade.

Em mim ainda há este ser
eterno aprendiz, até que seu sopro
se torne apenas o resto do fim.

Estrofe do Dia

Não conto mesmo a ninguém
essa dor que me atrofia,
eu me calo e escrevo em verso,
porque sei que a poesia
seca o choro da saudade
e nunca diz a verdade
sobre o mundo da agonia.
–DÁGUIMA VERÔNICA/MG–

Soneto do Dia

Fora do Prazo.
–Amilton Maciel/SP–

A beleza do sol, em seu ocaso,
Supera muita vez o resplendor
Desse astro-rei a pino, lá no vaso
Azul que o concebeu seu Inventor!

Também conosco, não só por acaso,
Consegue-se sentir todo o sabor
Da existência, talvez fora do prazo,
Ou seja, quando a vida está a se pôr...

Antes que a noite chegue, o sol se esmera
E dá o melhor que tem, enquanto a espera,
Em homenagem que presta ao Criador!

E quando o sono-eterno se aproxima,
Nossa existência sente o melhor clima
Para reverenciar o Deus de Amor!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Preservação de Livros (Parte 1)


APRESENTAÇÃO

O presente trabalho pretende mostrar a indicação de soluções dos danos mais comuns em acervos bibliográficos. Descrevendo os processos de reparos em livros, relacionando os materiais necessários, as técnicas e os procedimentos inerentes. Orienta para evitar as causas da deterioração objetivando o prolongamento da vida útil dos livros e documentos.

I. PRINCIPAIS AGENTES DE DETERIORAÇÃO DE ACERVOS DOCUMENTAIS

1. INSETOS, FUNGOS E ROEDORES

Dentre os agentes de degradação de acervos documentais, os agentes biológicos como insetos, fungos e roedores constituem ameaças sérias devido aos danos que podem gerar, muitas vezes irreparáveis. Em razão disso, vigilância e controle de proliferação devem ser adotados permanentemente dentro da política de preservação de acervos, pois a proliferação destes organismos ocorre de modo bastante rápido se as condições da biblioteca forem inadequadas. Os métodos de controle envolvem freqüentemente o emprego de produtos químicos que, quando aplicados, necessita de orientação devido aos riscos de danos à integridade das obras e à saúde dos funcionários e usuários da biblioteca.

2. AÇÃO DO HOMEM

Sem dúvida a ação do homem contribui demasiadamente para a degradação do acervo, tanto pelo descuido que muitos têm com as obras, como pela ação de vandalismo: furto, destruição, dano, mutilação, etc. Os danos causados são, muitas vezes, irreversíveis, daí,a necessidade de um trabalho de educação do usuário criando-lhe uma mentalidade preservacionista e desenvolvendo a noção do valor do patrimônio da biblioteca para a coletividade. Não se deve esquecer que a adoção de normas e procedimentos básicos contribuem consideravelmente para melhor conservação do acervo:

Nunca usar fitas adesivas em virtude da composição química da cola;

Ao pegar um livro deve-se estar com as mãos sempre limpas;

Nunca retirar um livro da estante puxando-o pela borda superior da lombada. O correto é retirar o livro segurando-o pela parte mediana da lombada;

Nunca umedecer os dedos com saliva ou qualquer tipo de líquido para virar as páginas de um livro. O ideal é virar a página pela parte superior da folha;

Evitar colas plásticas ou em bastão, pois além de serem irreversíveis, favorecem a deterioração do papel devido aos componentes químicos;

Acondicionar os materiais em estantes próprias, com dimensões adequadas, preferencialmente metálicas, dando espaço suficiente entre uma e outra sem comprimi-las excessivamente;

Armários e estantes devem ficar afastados da parede 7 cm e 10 à 15 cm do chão;

Os livros grandes e grossos de estruturas fracas devem ser guardados na horizontal, sem empilhar. Para evitar o declínio dos livros nas estantes, utilizar bibliocantos adequados;

Os documentos devem ser desdobrados (se possível) retirando grampos, alfinetes e clips metálicos para evitar que provoquem manchas de ferrugem;

Nunca apoiar os cotovelos sobre os livros durante a leitura. Este procedimento acarreta uma pressão nas costuras dos cadernos e nas lombadas, provocando o rompimento e o desdobramento dos cadernos do volume;

Não apoiar os livros em superfícies irregulares;

Evitar a luz direta do Sol;

Não encostar as estantes em paredes úmidas;

Não fumar ou alimentar-se em áreas destinadas ao trabalho e manuseio dos livros;

Utilizar transporte adequado para os livros. O ideal é fazer uso de carrinhos construídos para esse fim.

Continua... Umidade e Temperatura; Higienização

Fontes:
DIVISÃO DE PRESERVAÇÃO; Preservação e Recuperação de Material Bibliográfico. Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2001.

MILEVSKY, Robert J.; Manual de Pequenos Reparos em Livros; Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. 2ª edição, Rio de Janeiro, 2001.

Ialmar Pio Schneider (Por que não ler os best-sellers ?)


A leitura, segundo meu juízo, pode ser de instrução, de auto-ajuda, e também de entretenimento, entre outros. Então por que alguns intelectuais se indispõem em aceitar os best-sellers? Assistindo ao programa do Jô Soares que entrevistava o acadêmico imortal Lêdo Ivo, pelo lançamento do seu livro Poesia Completa, e por estar com 80 anos de idade, en passant, falaram sobre os autores que mais vendem e os que não. O poeta falou que é muito relativo este enfoque, uma vez que alguns fazem sucesso porque escrevem para determinada clientela ledora, mas ao mesmo tempo desaparecem na efemeridade das coisas passageiras. Eu, de minha parte, leio certos best-sellers e os tenho apreciado, geralmente. Acredito que o que faz a vendagem dos livros é a mídia. Já vi em página de revista num ônibus em Paris uma propaganda do livro de Paulo Coelho, Veronika decide morrer. Como ele tem um público cativo em quase todo o mundo, é sabido que é um dos maiores vendedores brasileiros de todos os tempos.

Voltando ao poeta Lêdo Ivo, enquanto assistia ao programa do Jô Soares, sendo entrevistado, procurei na prateleira um livro dele, Antologia Poética, com seleção de Walmir Ayala e introdução de Antônio Carlos Villaça, e me deliciei com o seguinte soneto, que reputo um dos melhores de sua verve:

Soneto do Empinador de Papagaio

“A nada aceito, exceto a eternidade,
nesta viagem ambígua que me leva
ao altar absoluto que, na treva,
espera pela minha inanidade.

O que sonhei, menino, hoje é verdade
de alva estação que em meu silêncio neva
o inverno de uma fábula primeva
que foi sol, cego à própria claridade.

Na hora do fim de tudo, separados
fiquem os dois comparsas do destino
que sabe a cinza após o último alento.

E a morte guarde em cova os injuriados
despojos do homem feito; que o menino
empina o papagaio, vive ao vento.”
– Ediouro – pg. 65.

E o entrevistador caçoava dele, dizendo que continuava sendo um menino, embora octogenário.

Mas, pelo que pude aquilatar, eles são leitores de best-sellers, pois quem não quer divulgar seus trabalhos e conquistar leitores?! Não sejamos hipócritas !

Venho de ler um dos maiores best-sellers da atualidade, O Código da Vinci, de Dan Brown, - dez milhões de livros vendidos em todo o mundo – na edição da Sextante. Trata-se de um romance policial, com poucas personagens para não atrapalhar a fluência na leitura, e pleno de lances inesperados. Tenho certeza de que o sucesso de venda deste livro, se deve à simplicidade e a desenvoltura da trama que aos poucos vai conquistando o leitor, sem muito academicismo e sofisticação intelectualista que só fazem afastá-lo. Assim como existem os leitores analfabetos funcionais, tão apregoados por alguns intelectuais, também há os escritores que escrevem só para si mesmos, não atingindo o homem comum do povo que é a maioria no mundo inteiro.

Na poesia, quem não se lembra de J. G. de Araújo Jorge, nas décadas de 50 a 70 ? com seus poemas românticos cativando os corações enamorados ?! Conheço diversas pessoas que se encontraram, se amaram e viveram felizes, lendo e ouvindo as poesias deste poeta que fabricava estes versos:

“Uma hora de morrer...

- I –
Uma hora de morrer é aquela em que,
debruçado sobre teus olhos,
me agarro a ti para salvar-me
e sinto que afundamos juntos.

– II –
Uma hora de morrer
é aquela em que nada dizes,
em que apenas me olhas como agradecendo,
e em que me guardas ainda contra ti
como se quisesses ter a certeza
de que apesar de tudo
ficamos na terra”.

– do livro A Sós... 9ª edição – Editora Record – 1982 – na contracapa.

No meu modesto entender, toda a leitura que desperta a curiosidade do leitor de maneira simples e atinge os corações também, é válida, tanto na prosa quanto na poesia. O importante é que seja agradável, não deixando de ser instrutiva e iluminando as mentes das pessoas...

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.indigoheartpublishing.com/

Paraná em Trovas Collection 10 - Francisco Filipak (Curitiba/PR)


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Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 9


Sátiros e Dríades

DE UM FAUNO


Ao Ismael Martins

Ah! quem me dera, quando passa em meu caminho
Juno! com seu andar de névoa que flutua,
Poder despi-la dessa túnica de linho...
E vê-la nua! Eu só compreendo estátua nua!

Nua! essa corça nua é branca, e é como a Lua...
Ser eu Apolo! embriagá-la do meu vinho!
Porém se estendo no ar os meus braços, recua,
Esquiva, a dama apressa o passo miudinho...

A dama foge, não deseja que eu avance...
Meu desejo, porém, é um gamo. De relance,
Vendo-a, corre a querer sugar-lhe o claro mel...

Despe-a; carrega-a, assim, despida, para o leito...
E, nua, em flor, bem como um sátiro perfeito,
Sobre o feno viola essa Virgem cruel!
1898

DON JUAN

Sensível, como quem podia ser, apenas
Mais vão do que uma sombra um gesto perpassou,
E logo desse herói, revoltas as melenas,
Brilhava o estranho olhar, que tanto ambicionou...

Era uma confusão. Pálidas e morenas,
Cada qual, cada qual como Deus a formou,
Não foi uma, nem dez, porém foram centenas
As mulheres por quem Don Juan desesperou...

Todas, todas que viu, ele mordeu de beijos,
Enraiveceu de amor, poluiu de desejos,
Tomado de furor, doido d’embriaguez...

Um delírio! Porém, Don Juan era um artista
E portanto cruel, nervoso, pessimista,
E de resto, o infeliz nunca se satisfez!
Novembro – 1903

NÃO SEI QUE POETA...

Não sei que poeta mau teve a lembrança, um dia,
Possuído d’um furor de plebe iconoclasta,
Baseado em não sei que falsa filosofia,
De querer te cobrir d’uma glória nefasta...

E entre epítetos e baldões de toda casta,
Esquecendo afinal o tom dessa hierarquia,
E a pose arquiducal e antiga da poesia,
O teu manto de rei nervosamente arrasta...

Ele não soube ler, ó herói, o teu destino,
Um supremo desdém, um orgulho divino,
E nunca pôde ver, pálido Dom João,

Através desse olhar, cismativo ou risonho,
Que não eras senão o símbolo d’um sonho,
E essa flor ideal e eterna da Ilusão!

DON JUAN, MAS PORQUE FOI...

Don Juan, mas porque foi um sedutor, de resto
Não deixou de curtir a Decepção cruel,
Pois sempre que sonhou, enlevado num gesto,
Sorver o amor, assim como um favo de mel,

Não sei, não sei que flor, com ódio manifesto,
Angélica, porém, com alma de Ariel,
Quando ele ia beber, inquieto, quase honesto,
Deitava-lhe no copo o veneno e o fel.

Abrindo os corações, todos, de par em par,
Apenas ele quis transpor o limiar,
Que estremeceu e tão branco e desfigurado...

Lírio ou rosa, não sei, nenhuma flor tocou,
Que uma serpente vil não tivesse manchado,
E um verme também não exclamasse: aqui ’stou!
Maio – 1904

UM DOS SONETOS DE DON JUAN

Ao Domingos Nascimento

Todos os dias o meu coração suspira,
Umas vezes por ti, meu bem, outras por ti,
Meu novo bem, assim que se fora uma lira,
Ora em dó, ora em fá, ora em ré, ora em mi...

Ó torres de marfim, ó torres de safira,
Pérolas ideais, que eu nunca possuí,
Quando é que poderei (a minha alma delira)
Palpitar sobre vós, bem como um colibri?

E que ânsia de poder fundir-vos num só beijo,
E que ânsia de beijar a todas de uma vez,
Astros, dignos do meu soberano desejo!

Carnes, alvor de luz da manhã, que irradia,
Olhos, inundações furiosas de embriaguez,
Tranças revoltas como uma noite de orgia!
1903

OUTRO SONETO DE DON JUAN

Quando fulges aqui pela minha lembrança,
Ó fogo de Babel, luxuriosa flor,
É como se fulgisse a ponta de uma lança,
E é mais ódio talvez que eu sinto do que amor.

E vingança também e sede de vingança,
Sabendo que afinal foste possuída por
Tudo quanto bem quis, atroz desesperança,
Por vaidade ou prazer, ser teu possuidor...

E que horrível pesar que pois assim me veja
Condenado a querer enfim uma mulher
Que todo o mundo quis e todo o mundo beija...

E tenha por destino e por minha desgraça,
A infâmia de beber no fundo de uma taça
Onde eu sei que bebeu um beberrão qualquer!...

AINDA OUTRO DO MESMO AUTOR

Ó Sodoma gentil, ó flor maravilhosa,
Ser amado por ti causa-me tal prazer
Que eu não sei te dizer, minha pálida rosa,
Mas depois de te amar vale a pena morrer.

Acredita, eu não sei, pérola preciosa,
De gesto mais gracil e doce de mulher;
Que bom de te lançar, carne voluptuosa,
Por sobre os ombros nus flores de malmequer!

Tu não és, tu não és menos que uma rainha,
E parece que estou ao fundo de um clarão,
De um êxtase sem fim, que apenas se contém...

Eu desejo morrer. No meio da ilusão,
Ó Sodoma, porém, de inda tu seres minha,
Quem me dera viver, só p’ra te querer bem!
Fevereiro – 1904

AINDA OUTRO...

Quando te vejo assim passar como um lampejo,
Não imaginas tu, causa de meu prazer,
O anseio, e o fulgor, e o horror com que te vejo,
E o orgulho, e a ambição, e a fome de te ver.

Escuta: para mim, tu és um grande beijo,
Que inundasse de luz o fundo do meu ser...
E é um punhal este amor, e é um dardo este desejo,
E nada satisfaz a ânsia de te querer!

Os nossos olhos são uma voracidade!
Mal se avistam, não sei que loucura os invade:
Correm a se agarrar, trêmulos de paixão...

E pelejam assim, agarrados e unidos,
No meio d’um fragor trágico de rugidos,
Doidos por se querer destruir, mas em vão...
Novembro – 1903

E FINALMENTE O ÚLTIMO...

Ao Santa Rita Junior

Meu encanto, meu bem, rosa de Alexandria,
Minha tulipa, meu ideal, minha ilusão,
Minha loucura, meu amor, minha agonia,
Meu céu aberto, que parece uma prisão:

Minha esperança e meu pesar de cada dia,
Ó minha luz, tu és o meu desejo vão,
E a espada, e o broquel, e a pluma, e essa alegria,
E esse delírio, e a flor da desesperação!

Quando será, porém, ó moinho de vento,
A hora que tarda, enfim, o suplício, o momento,
Em que eu, embriaguez celeste, hei de poder,

Já fatigado, já, de tudo, sim, de tudo,
Desses teus olhos vãos, mais caros que o veludo,
Ansiar ao pé de ti, mas por outra mulher?...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 8)


NÃO DAR O BRAÇO A TORCER
Não dar o braço a torcer é insistir numa opinião, não mudar de idéia. A expressão é originária dos tempos das torturas físicas da Inquisição.

BRAVO!
A palavra latina barbarus, estrangeiro, grosseiro, deu, em português, os adjetivos bárbaro e bravo, que têm os sentidos de rude e admirável. A interjeição, usada para aclamar um artista, começou a ser usada pelos italianos, que, ao final de um espetáculo de música, gritavam bravo - com o sentido de extraordinário - e o nome doautor da obra: Bravo Rossini! Bravo Verdi!
Esse sentido de notável, admirável da palavra bravo se estendeu ao uso do vocábulo bárbaro no Brasil, como em um cara bárbaro, um filme bárbaro...

BUMBA-MEU-BOI
É uma festa natalina muito popular no Nordeste brasileiro, na qual se encena a morte e o ressuscitamento de um boi. Bumba -meu-boi equivale a "bate, chifra, meu boi!". Bumba, palavra onomatopaica representativa do som de uma batida, uma pancada (sinônima de bum), pode ter vindo do quicongo (um grupo de línguas africanas) mbumba, bater.

CAIXA- PRETA
Na verdade, o avião tem duas caixas-pretas: uma para dados sobre o vôo e outra para comunicações da cabine. Ambas não são pretas. São laranja berrante para facilitar sua localização entre os destroços de uma aeronave.
A expressão começou a ser usada depois da Segunda Guerra Mundial, quando as caixas-pretas passaram a ser amplamente utilizadas. Mas antes disso o pessoal da força aérea britânica já chamava assim qualquer caixa contendo equipamento de navegação aérea complicado. A cor preta provavelmente foi escolhida para designar algo misterioso, secreto e também pela aliteração da expressão em inglês (black box).
O sentido se ampliou para designar qualquer sistema ou aparelho cujo mecanismo de funcionamento é incompreensível para o usuário.
Uma das grandes questões da humanidade é a seguinte: já que as caixas-pretas são indestrutíveis, por que os aviões não são feitos do mesmo material? Até que é possível. Só um probleminha: com o peso, o bicho não decola de jeito nenhum.

PINTAR O CANECO
Caneco pode ser uma forma variante de caneca. Mas, na expressão pintar o(s) caneco(s) - cometer desatinos -, caneco aparece com outro sentido, que é empregado regionalmente: diabo. Nesse caso veio de cão (o diabo) + a terminação diminutiva - eco. Quer dizer, pintar o caneco é mesmo fazer diabruras.
E, aqui, permita-me o leitor uma digressão e uma confidência. Aí pelos meus dez anos, cada vez que eu engendrava uma travessura, feito raro mas de boa qualidade, com efeito denso e particularmente irritante, minha mãe me chamava de "cão do diabo". Ao ostentar esse título, sentia-me como a última das crianças.
Ora, sendo o cão o melhor amigo do homem, eu me achava ainda mais vil que o próprio demônio, por eu ser a personificação de seu servil e irracional companheiro. Foram necessárias décadas para que a etimologia viesse iluminar-me e fazer-me ver o verdadeiro intento da afronta materna. É que minha mãe, pessoa muito dada a pleonasmos, na verdade proferia uma ofensa enfática em que cão e diabo se paralelizavam, um em reforço do outro. Ou seja, o cão era o diabo e vice-versa. E, assim, eu seria um supercão ou um superdiabo, não cumulativamente. A confidência era essa; a digressão acaba aqui. Adiante.

CANTO DO CISNE
O canto do cisne é o gorjeio harmonioso do cisne na hora da morte. Por extensão, passou a significar a última obra de um artista. Na mitologia grega, o cisne aparece associado a ambos os sexos. Nêmesis, a deusa da justiça distributiva e da vingança, se metamorfoseou em gansa para fugir das investidas de Zeus. A tolinha achava que com isso enganaria o deus dos deuses. Claro que Zeus, o maior banco de dados da Grécia antiga, registrou a metamorfose da amada e partiu para a sua. Zeus e sua mania de grandeza: em vez de se transformar num mero ganso, preferiu um congênere, o cisne, por ter um membro maior. * E aí, penas para que te quero, Zeus se uniu (sexualmente) a Nêmesis. Com isso, e considerada a condição não ovípara dos seres humanos, a bela Nêmesis teve que esperar alguns dias para desfazer sua metamorfose. Nêmesis, a gansa, pôs um ovo, que foi encontrado por um pastor, que o entregou a Leda, mulher de Tíndaro, rei de Esparta. Leda guardou o ovo num cesto e dele nasceram dois seres humanos, um de cada sexo: Pólux e Helena (isso mesmo, a de Tróia).
A crença de que os cisnes cantam antes de morrer já era contada por Aristóteles na sua "História dos Animais":
"Eles são musicais e cantam principalmente com a proximidade da morte; aí eles voam para o mar. Várias pessoas, navegando perto da costa da Líbia, casualmente encontraram muitos deles no mar, cantando tristes melodias, e realmente viram alguns deles morrendo."

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004