terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Ano Novo n. 435)

 Uma Trova Nacional

Que 2012 seja
tempo de amor e harmonia...
e que você, onde esteja,
viva com Deus, todo dia!
VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR

 Uma Trova Potiguar

Na minha “sonhocultura”,
vou cultivar para o povo,
leirões de literatura
para enfeitar o Ano Novo.
FRANCISCO MACEDO/RN

 Uma Trova Premiada

2000 - Petrópolis/RJ
Tema: Ano 2000 - 13º Lugar

Que os anos 2000 nos falem
de novos feitos de luz,
mas que seus ecos não calem
a voz que bradou na cruz!
DOROTHY JANSSON MORETTI/SP

 Uma Trova de Ademar

Eu desejo aos Trovadores,
Convicto e cheio de pose:
Muita Paz...Muitos amores
e um feliz “2012” !!!
ADEMAR MACEDO/RN

 ...E Suas Trovas Ficaram

Deus com seu saber profundo,
para nos trazer a paz,
mandou o seu filho ao mundo
há dois mil anos atrás
MIGUEL RUSSOWSKY/SC

 Simplesmente Poesia

Um Mundo Menos Aflito
 HÉLIO ALEXANDRE/RN

Que o novo ano sorria,
que o amor não se desgaste,
toda tristeza se afaste
e se aproxime alegria;
espero que a fantasia
se torne realidade
para que a fraternidade
substitua o conflito,
e um mundo menos aflito
encontre a felicidade.

 Estrofe do Dia

Ano novo, vida nova,
assim diz velho refrão,
mas a vida ensina e prova
que em qualquer situação,
só o amor constrói o bem,
tornando feliz quem tem
afeto no coração.
VITOR RONALDO COSTA/DF

  Soneto do Dia

Dois Mil e Doze
RAYMUNDO DE SALLES BRASIL/BA

Dois mil e doze vai se aproximando,
receoso, talvez, do que lhe espera,
dar fim a tanta droga! Ah, quem lhe dera!
E prender de uma vez quem está roubando.

Tarefa ingente sob o seu comando,
tempo tão curto para tanta espera,
enorme corrupção que prepondera,
e essa pobreza ínfima grassando.

Reveste-te, ANO NOVO, de poder!
De onde quer que tu venhas, venhas rei,
trazendo um velho lema contundente

que clama: ser, é bem melhor que ter,
e todos são iguais perante a lei,
e merecem viver honradamente!

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cara De Coruja –VII - A coroinha

Depois que Narizinho e as princesas se enjoaram de ver aquela maravilha, resolveram dançar. A boneca imediatamente saiu para arranjar pares. Foi ao terreiro e trouxe de lá o príncipe Ahmed, o príncipe Codadad e outros. Narizinho agarrou Codadad antes que alguma princesa o fizesse, e saiu dançando com ele como se fosse uma princesa oriental. Branca de Neve dançou com o príncipe Ahmed. Rosa Vermelha foi tirada por Ali Babá, e Rosa Branca, pelo Gato de Botas. Só Cinderela não dançou para não estragar os seus sapatinhos de camurça. Nisto o Visconde, que ainda estava à janela, gritou:

— Estou vendo uma poeirinha lá longe... Todos pararam de dançar, murmurando: “Quem poderá ser?” Logo depois duma batidinha na porta, Rabicó introduziu a menina da Capinha Vermelha.

— Capinha! — exclamaram todas alegríssimas, porque todas queriam muito bem a essa gentil criança. Viva Capinha!...

A menina entrou, muito corada por ter vindo a pé, e disse:

— Boa tarde para todos os presentes, ausentes e parentes !

Em seguida deu um beijo em Narizinho e outro na boneca.

— Antes de mais nada — foi dizendo Emília — quero saber o seu verdadeiro nome, porque uns dizem Capinha Vermelha e outros, Capuzinho Vermelho. Qual é o certo?

— Meu verdadeiro nome é Capinha Vermelha, porque depois que vovó me fez esta capinha todos que me viam ir para a casa dela diziam: “Lá vai indo a menina da capinha vermelha!” Mas, como vocês podem ver, esta capinha tem um capuz, que eu às vezes uso. De modo que tanto podem chamar-me Capinha, como Capuzinho, ou mesmo Chapeuzinho Vermelho.

— Coitada de sua avó! — exclamou Emília. — Você não imagina como ficamos tristes com o que lhe aconteceu! Diga-me: sua avó era muito magra?

Capinha estranhou a pergunta — mas respondeu que sim.

— Muito magra ou meio magra?

— Bem magra.

— Então não entendo aquele lobo — disse Emília – porque uma velha muito magra não é alimento. Só osso...

Todos riram-se da boneca, e Narizinho explicou que Emília, coitada, era asnática de nascença. Nisto o relógio bateu cinco horas.

— As senhoras princesas e os senhores príncipes – disse Narizinho — estão convidados para um café. E voltando-se para a cozinha:

— Tia Nastácia! Traga um café bem gostoso para estes ilustres amigos.

Quando tia Nastácia entrou na sala com a bandeja de café, seus olhos se arregalaram de espanto.

— Credo! — exclamou. — Não sei onde Narizinho descobre tanta gente importante e tanta princesa tão linda! A sala está que até parece um céu aberto...

— Quem é ela? — perguntou Branca de Neve ao ouvido da boneca enquanto a negra servia o café.

— Pois não sabe? — respondeu Emília com carinha malandra.

— Nastácia é uma princesa núbia que certa fada virou em cozinheira. Quando aparecer um certo anel, que está na barriga dum certo peixe, virara princesa outra vez. Quem vai danar com isso é dona Benta, que nunca achará melhor cozinheira.

Quando tia Nastácia veio servir Narizinho, a menina notou qualquer coisa enganchada em sua saia.

— Que é isso, Nastácia? Tem jeito de uma coroinha.

A negra abaixou-se.

— Credo! — exclamou. — Até parece feitiço. Uma coroinha de rei, sim... É que fui ao quintal buscar um pau de lenha e quase nem pude andar de tanto rei e fada e princesa que vi por lá. Com certeza esbarrei nalgum reizinho e a coroa enganchou na minha saia. Mas não foi por querer, não. Credo!...

— Estou conhecendo essa coroa! — exclamou Rosa Vermelha.

— É do meu sogro, o poderoso rei que mora atrás do meu castelo. Com certeza viu passar o bando da Xerazade e correu atrás e na carreira deixou cair a coroa.

E guardou-a no bolso para restituí-la ao seu dono. Todos tomaram café, menos Cinderela.

— Só tomo leite — explicou a linda princesa. — Tenho medo de que o café me deixe morena.

— Faz muito bem — disse Emília. — Foi de tanto tomar café que tia Nastácia ficou preta assim...
–––––––
Continua... Cara de Coruja– VIII – A Varinha de condão

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Blog com Nova Roupagem

O Blog está com nova cara.


Carolina Ramos (Árvore)

Verde bandeira desfraldada ao vento,
árvore amiga, o olhar que te procura
busca repouso e vai achar alento
na sombra que lhe estendes, lá da altura!

A sede abrasa! E o fruto sumarento
entregas, com requintes de ternura,
a quem poda a raiz que é teu sustento
ao extrair do solo a seiva pura!

Ramos erguidos, abraçando o espaço,
tua ânsia de dar não tem cansaço!
Tua benção de amor não tem medida!

E embora tanto dês e nada colhas,
com o verde pincel de tuas folhas
vais colorindo de esperança a vida!

Fonte:
Carolina Ramos. Destino: poesias. SP: EditorAção, 2011.

António Botto (A Rolinha Nervosa)

     Certa manhã, Nica zangou-se com Mica e Tica. Estas três rolas bravias não se davam muito bem.

     Nica afastou-se para um canto e ali ficou de olhos cerrados. Zangada, nem queria fixar as irmãs. E detestava a natureza inteira: os arvoredos, a lua, o sol, as estrelas, as nuvens, os caminhos, as fontes, - tudo, tudo a aborrecia ou enervava, dizia.

     Nisto, um passarinho amarelo pôs-se a cantar empoleirado num galho de marmeleiro...

     - Tu não vês aquele pássaro, Mica, a fazer troça de ti?

     - Não pode ser, disse a Mica; a esta hora, os passarinhos têm mais em que pensar.

     Nica, então, distraiu-se, passeou, compôs o ninho, e quando nas águas de um charco molhou o bico e lavou as penas do peito, o mesmo passarinho amarelo ainda gorjeava alegremente.

     - Que passarinho tão amável!, exclamou ela. A cantar e a chamar-me linda! Não é o mesmo que à pouco se pôs a troçar de mim, certamente.

     - É o mesmo, responde Tica; e diz o que à pouco dizia. Tu é que não és a mesma.

Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. RJ: Livraria Bertrand.

Marly de Oliveira (Antologia Poética)

CERCO DA PRIMAVERA

5.


Molhava os cabelos negros
nas águas da noite, quando
cheio de sombra acendeste
uns olhos cor de limão,
iluminando o silêncio
com o simples tocar de mão.

Um rumor de vinho claro,
de bocas e mãos unidas
e um cheiro de mel e flor,
rasparam, ai, como espada,
meu corpo cheio de noite
e o teu, perdido de amor.

Por certo que não queria,
mas tinha a cintura e jeito
ao teu abraço achegados,
e na sombra relumbrava
a água verde dos teus olhos
nos meus cabelos molhados.

Tremores de vento e lua
encabritavam-me o sangue,
e penas de sal e fogo
talavam o silêncio escuro,
ferindo nossas cadeiras
e amarfanhando o chão duro.

Em frio e fogo de amor
apenas luz se alongaram
curvados talhes desnudos.
E nas sombras o silêncio
agitava como franjas
seus longos braços agudos.

RETRATO

Deixei em vagos espelhos
a face múltipla e vária,
mas a que ninguém conhece
essa é a face necessária.

Escuto quando me falam,
de alma longe e rosto liso,
e os lábios vão sustentando
indiferente sorriso.

A força heróica do sonho
me empurra a distantes mares,
e estou sempre navegando
por caminhos singulares.

Inquiri o mundo, as nuvens
o que existe e não existe,
mas, por detrás das mudanças,
permaneço a mesma, e triste.

               De Cerco da Primavera (1958)

EXPLICAÇÃO DE NARCISO

1.

A carne é boa, é preciso louvá-la.
A carne é boa, não é triste ou fraca.
O que a atinge é a fraqueza que há num homem,
a tristeza, maior que um homem, mata-a.
A carne nada tem, salvo o seu sono,
barro tranqüilo de harmoniosa forma,
corpo que distraídos animamos,
fonte real de toda a nossa glória.
A carne é o instrumento do princípio,
é por ela que eu vivo, que vivemos,
e se revela o amor como é preciso;
o que está fora se une ao que está dentro,
alma e corpo no corpo confundidos,
e a sensação completa de estar vendo.

18.

Num tempo alheio ao tempo, a sós comigo
mais uma vez diante de mim, me escuto:
o meu rebanho ficou longe, longe,
e sou pastor apenas do meu luto.
Mana de mim como um silêncio o amor,
e uma angústia, uma estrela em que me escudo
extremamente para não morrer,
de meus próprios recursos inseguro.
Que saudade de mim me vem agora
quando revejo a fonte com seu brilho
onde meu rosto urgia um tempo-outrora!
Permanência do amor ou desafio
ao tempo, no âmago de mim se vota
um sol eterno e cada vez mais frio.

               De Explicação de Narciso (1960)

A SUAVE PANTERA

1.

Como qualquer animal,
olha as grades flutuantes.
Eis que as grades são fixas:
Ela, sim, é andante.
Sob a pele, contida
— em silêncio e lisura —
a força do seu mal,
e a doçura, a doçura,
que escorre pelas pernas
e as pernas habitua
a esse modo de andar,
de ser sua, ser sua,
no perfeito equilíbrio
de sua vida aberta:
una e atenta a si mesma,
suavíssima pantera.

11.

Como no fundo da ostra a pérola
ela se deita veludosa,
mas anda com patas rebeldes
seu coração com uma glória.
Tem um ritmo de silêncio
a força com que ele desprega
as patas a cada momento,
numa espécie de ânsia secreta.
Violento é o sono do seu corpo,
mas sem aspereza nenhuma,
igual à queda de uma coifa
brusca e silente na verdura,
sem direção, igual à paina
mas uma paina concentrada,
mas uma paina vigorosa,
seu sono cego, cheio de asas.

               De A Suave Pantera (1962)

O SANGUE NA VEIA
25.

Escrevo; logo, sinto, logo, vivo,
e tiro-lhe ao viver a indisciplina
que o espraiaria, que o dispersaria,
e dou-lhe a minha forma comedida,
a que tem o tamanho de um amor
que eu guardo, que não gasto, não disperso;
amor que se concentra em dura pérola,
não pétala, não isto que é um excesso,
pois que pode voar; o que me fica
de tudo o que acontece e não se altera,
de tudo o que acontece e me escraviza,
e do que escravizando me liberta.
Escrevo; logo, sou quem se domina,
e quem avança numa descoberta.

               De O Sangue na Veia (1967)

XVI

                              À Mônica (aos três anos)

Um súbito silêncio enfreia a mágica
aventura de estar entre os objetos
que apenas reconhece. Ela adormece
a meus pés como um gato, um bicho quieto,
com doçura felina, suave e intensa,
recolhida em si mesma contra o frio
da noite. Ela me é, me dorme no seu sono,
desdobrada de mim, além de mim,
que a recebi sem entender, atenta
ao milagre de vida de que fui
receptáculo apenas, serva mansa,
e em tudo obediente à natureza.
Dorme a meus pés, e meu amor reinventa-se
vendo-a tão calma assim, tão sem defesa.

               De Contato (1975)

Clarice

XVIII.

Revejo seu rosto nos vários retratos:
cada um capta algo, nenhum a totalidade
do que ela foi, do que é ainda,
a cada instante outra/renovada.
Eu sei que ela tocou no escuro o Proibido
e conheceu a Paixão
com todas as suas quedas.
Quem esteve a seu lado sabe
o que é fulguração de abismo
e piscar de estrela na treva.

               De Aliança (1979)

Alguns poemas

11. 
Um dia vou ser apenas uma biografia.
Nem isso, talvez, uma inscrição
numa pedra qualquer,
no pó que o vento leva,
na memória inconstante dos que amei
de forma certa.

29. Ser poeta não é ambição minha,
diz Pessoa,
é a minha maneira de estar sozinho.
É também a maneira de esquivar-me
à ação, eu acrescento,
subjugada por forças poderosas,
enquanto o pensamento
cava fundo
no abismo.

30. A função do poema: conhecer,
A função do teorema: desafio
que leva à abstração, à conjetura.
A função da esperança: convencer
que o poema, o teorema, a ciência, a invenção,
o semáforo, a história, a explosão
de Hiroshima; Picasso e sua glória;
o decalque, a estrutura, a rachadura,
a ruptura, a eternidade, a desmemoria;
a ignorância, a pobreza, a riqueza,
a insuficiência, a morte têm sentido.

INSCRIÇÃO

Eu. E diante da vida,
com meu azul intacto,
Um esbatido de pássaros.
Alto no vento. Grato.

A sensação de ser
só, uno, um, completo.
No redondo das horas,
pleno, lúcido, cego.

O que de mim salvando
se vai a cada instante,
nesse morrer diário
e sucessivo: um canto.

TRÊS POEMAS DE OUTUBRO

1. 
Lume, teu rosto,
agudo e novo
como um descobrimento,
E tuas mãos silêncio,
como noturno fruto
pendido sobre mim.
Eu em ti,
com meus arroubos de ave,
mas sem querer partir.

2. 
Quando às vezes te assalto
com meu querer noturno,
ébrio de mãos e beijos,
não é alguém que busca
o limiar de um lábio
ou vinho, para a mesa.
Alguém de copo em mão,
no umbral da tua porta,
o infinito suposto
quer, para além do umbral
e para além da porta.

3. 
No céu inteiro penso,
amplo de vôos límpidos
e bicos musicais,
torso desnudo e azul
como o de um pombo triste,
nuvens como asas doces,
de um corpo altivo e elástico.
No espaço em que naufrago,
onde as horas não querem
portais ou tetos, penso,
quando te chamo pássaro.

MORTE

E lutarás comigo,
fresca ainda de vento,
presa às luzes do dia
pelos cabelos últimos.
Quebrantarás meus olhos,
sei.
Apagarás as mãos
para a ternura,
para o amor,
também sei.
E alçarás a distância
entre mim e quem amo,
imperdoável.
E me terás por fim.
Mas se entrega, dura.
Mais que difícil,
fria.

ELEGIA
 
Teu rosto é o íntimo da hora
mais solitária e perdida,
que surge como o afastar-se
de ramos, brando, na noite.
Não choro tua partida.

Não choro tua viagem
imprevista e sem aviso.
Mas o ter chegado tarde
para o fechar-se da flor
noturna do teu sorriso.

O não saber que paisagens
enchem teus olhos de agora,
e este intervalo na vida,
esta tua larga, triste,
definitiva demora.
Fontes:
Carlos Machado. Poesia.net – numero 272 – ano 10. www.algumapoesia.cdm.br
http://marlydeoliveira.blogspot.com/search/label/CERCO%20DA%20PRIMAVERA

Lima Barreto (Anúncios…anúncios)

Quando bati à porta do gabinete de trabalho do meu amigo, ele estava estirado num divã improvisado com tábuas, caixões e um delgado colchão, lendo um jornal. Não levantou os olhos do quotidiano, e disse-me, naturalmente:

- Entra.

Entrei e sentei-me a uma cadeira de balanço, à espera de que ele acabasse a leitura, para darmos começo a um dedo de palestra. Ele, porém, não tirava os olhos do jornal que lia, com a atenção de quem está estudando coisas transcendentes. Impaciente, tirei um cigarro da algibeira, acendi-o e pus-me a fumá-lo sofregamente. Afinal, perdendo a paciência, fiz abruptamente:

- Que diabo tu lês aí, que não me dás nenhuma atenção?

- Anúncios, meu caro; anúncios...

- É o recurso dos humoristas à cata de assuntos, ler anúncios.

- Não sou humorista e, se leio os anúncios, é para estudar a vida e a sociedade. Os anúncios são uma manifestação delas: e às vezes, tão brutalmente as manifestam que a gente fica pasmo com a brutalidade deles. Vê tu os termos deste: "Aluga-se a gente branca, casal sem filhos, ou moço do comércio, um bom quarto de frente por 60$ mensais, adiantados, na Rua D., etc., etc." Penso que nenhum miliardário falaria tão rudemente aos pretendentes a uma qualquer de suas inúmeras casas; entretanto, o modesto proprietário de um cômodo de sessenta mil-réis não tem circunlóquios.

- Que concluis daí?

- O que todos concluem. Mais vale depender dos grandes e dos poderosos do que dos pequenos que tenham, porventura, uma acidental distinção pessoal. O doutor burro é mais pedante que o doutor inteligente e ilustrado.

- Estás a fazer uma filosofia de anúncios?

- Não. Verifico nos anúncios velhos conceitos e preconceitos. Queres um outro? Ouve: "Senhora distinta, residindo em casa confortável, aceita uma menina para criar e educar com carinhos de mãe. Preço razoável.Cartas para este escritório, a Mme., etc., etc."

Que te parece este anúncio, meu caro Jarbas?

- Não lhe enxergo nada de notável.

- Pois possui.

- Não vejo em quê.

- Nisto: essa senhora distinta quer criar e educar com carinhos de mãe, uma menina; mas pede paga, preço razoável - lá está. É como se ela cobrasse os carinhos que distribuísse aos filhos e filhas. Percebeste?

- Percebo.

- Outra coisa que me surpreende, na leitura da seção de anúncios dos jornais, é a quantidade de cartomantes, feiticeiros, adivinhos, charlatães de toda a sorte que proclamam, sem nenhuma cerimônia, sem incômodos com a polícia, as suas virtudes sobre-humanas, os seus poderes ocultos, a sua capacidade milagrosa. Neste jornal, hoje, há mais de dez neste sentido. Vou ler este, que é o maior e o mais pitoresco. Escuta: "Cartomante - Dona Maria Sabida, consagrada pelo povo como a mais perita e a última palavra da cartomancia, e a última palavra em ciências ocultas; às excelentíssimas famílias do interior e fora da cidade, consultas por carta, sem a presença das pessoas, única neste gênero - máxima seriedade e rigoroso sigilo: residência à rua Visconde de xxx, perto das barcas, em Niterói, e caixa postal número x, Rio de Janeiro. Nota: - Maria Sabida é a cartomante mais popular em todo o Brasil". Não há dúvida alguma que essa gente tem clientela; mas o que julgo inadmissível é que se permita que "cavadoras" e "cavadores" venham a público, pela imprensa, aumentar o número de papalvos que acreditam neles. É tolerância demais.

- Mas, Raimundo, donde te veio essa mania de ler anúncios e fazer considerações sobre eles?

- Eu te conto, com algum vagar.

- Pois conta lá!

Eu me dava, há mais de um decênio, com um rapaz, cuja família paterna conheci. - Um belo dia, ele me apareceu casado. Não julguei a coisa acertada, porque, ainda muito moço, estouvado de natureza e desregrado de temperamento, um casamento prematuro desses seria fatalmente um desastre. Não me enganei. Ele era gastador e ela não lhe ficava atrás. Os vencimentos do seu pequeno emprego não davam para os caprichos de ambos, de forma que a desarmonia surgiu logo entre eles. Vieram filhos, moléstias, e as condições pecuniárias do ménage foram ficando atrozes e mais atrozes as relações entre os cônjuges. O marido, muito orgulhoso, não queria aceitar os socorros dos sogros. Não por estes, que eram bons e suasórios; mas pela fatuidade dos outros parentes da mulher, que não cessavam de lançar na cara desta os favores que recebia dos pais e decuplicar os defeitos do seu marido. Freqüentemente brigavam, e todos nós, amigos do marido, que éramos também envolvidos no desprezo liliputiano dos parentes da mulher, intervínhamos e conseguíamos apaziguar as coisas por algum tempo. Mas a tempestade voltava, e era um eterno recomeçar. Por vezes, desanimávamos; mas não nos era possível deixá-los entregues a eles mesmos, pois ambos pareciam ter pouco juízo e não saber afrontar dificuldades materiais com resignação.

Um belo dia, isto foi há bem quatro anos, depois de uma disputa infernal, a mulher deixa o lar conjugal e procura hospedagem na casa de uma pessoa amiga, nos subúrbios. Todos nós, os amigos do marido, sabíamos disso; mas fazíamos constar que ela estava fora com os filhos. Em determinada manhã, aqui mesmo, recebo uma carta com letra de mulher. Não estava habituado a semelhantes visitas e abri a carta com medo. Que seria? Fiz uma porção de conjecturas; e, embora com os olhos turvos, consegui ler o bilhete. Nele, a mulher do meu amigo pedia-me que a fosse ver, à rua tal, número tanto, estação xxx, para se aconselhar comigo. Fui de coração leve, porque a minha intenção era perfeitamente honesta. Em lá chegando, ela me contou toda a sua desdita, passou dez descomposturas no marido e disse-me que não queria saber mais dele, sendo a sua tenção ir para o interior trabalhar. Perguntei-lhe com o que contava. Na sua ingenuidade de menina pobre, criada com fumaças de riqueza, ela me mostrou um anúncio.

- Então, é daí?

- É daí, sim.

- Que dizia o anúncio?

- Que, em Rio Claro ou São Carlos, não sei, numa localidade do interior de São Paulo, precisavam-se moças para trabalhar em costuras, pagando-se bem. Ela me perguntou se devia responder, oferecendo-se. Disse-lhe que não e expliquei-lhe a razão. Tão ingênua era ela, que ainda não tinha atinado com a malandragem do anunciante... Despedi-me convencido de que seguiria o meu conselho leal; mas, estava tão fascinada e amargurada, que não me atendeu. Respondeu.

- Como soubeste?

- Por ela mesma. Ela me mandou chamar novamente e mostrou-me a resposta do meliante. Era uma cartinha melosa, com pretensões de amorosa, em que ele, o desconhecido correspondente, insinuava que coisa melhor do que costuras ela iria encontrar em Rio Claro ou São Carlos, junto dele. Pedia-lhe o retrato e, logo que fosse recebido, se agradasse, viria buscá-la. Era rico, podia fazer.

- Que disseste?

- O que devia dizer e já tinha dito, pois já previa que o tal anúncio fosse uma cilada, e cilada das mais completas. Que dizes agora do meu pendor pelas leituras de anúncios?

- Tem o que se aprender.

- É isto, meu caro: há anúncios e... anúncios...

Efigênia Coutinho (Flor do Pecado)

Nesta dança ardente em chamas alma desperta
E serpenteia todo o meu corpo em sedução,
Como num jogo, incendeia a pele em descoberta
Propenso a exalar o incenso da louca paixão...

O ardor em mim instalado vira um braseiro
De rubro sentir, que toda pele se inflama
E a entranha ardente, deste fogo é o picadeiro,
De onde se devora ao leito desejos,de toda trama.

E em cada beijo sedutor todo o nosso sonho,
Acalenta audaz o desejo dessa entrega total...
E na vontade de ser possuída componho,
Ao corpo a chama deste sentir seqüencial.

Agiganta-se dentro de mim o teu ser agrilhoado,
E no meu íntimo a chama ardente em sinfonia,
Exala de todo o ser o aroma da flor do pecado,
Em desejos ardentes numa eloqüente sincronia!

Fonte:
Poema enviado pela autora

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas de Natal n. 434)

 Uma Trova Nacional

Se queres ter a certeza
de fazer um gesto nobre,
que a sobra da tua mesa,
vá para mesa do pobre!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova Potiguar


Peço a “Noel”, com leveza,
que ao chegar do polo norte,
bote ao menos pão na mesa
dos que nasceram sem sorte.
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada


2002 - Garibaldi/RS
Tema: Natal - M/H


Meu Natal, hoje, é melhor,
pelo conforto e os bons tratos,
mas o sonho era maior,
quando eu não tinha sapatos!
–JOSÉ MESSIAS BRAZ/MG–

Uma Trova de Ademar


Para a ceia que traduz
Um grande significado,
quero que seja Jesus
meu principal convidado.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


É Natal! A casa cheia
e a família reunida
no amor de Deus faz a ceia,
dividindo o pão da vida!
–VERA MARIA BASTOS/MG–

Simplesmente Poesia

Amigo Ademar!
                         –NEMÉSIO PRATA/CE–


Vejo que és grande em bondade
para com este aprendiz;
só pode ser caridade:
pois nada de mais eu fiz!

"Grande Poeta" não sou,
oh menestrel das salinas;
mas meu coração amou
as mensagens natalinas!

Estrofe do Dia 

No Natal compre presentes
compre flores e perus,
encha a árvore de bolinhas
enfeite com muita luz;
prepare um belo jantar
e não deixe de convidar
o nosso amado Jesus.
–JOSÉ ACACI/RN–
         
 Soneto do Dia

Natal dos Meus Sonhos
                      –JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–


Se não houver partilha de bondade
Não há Natal na vida que amenize
A dor profunda da desigualdade
Entre os irmãos de casa e de marquise.

Que a ceia repartida simbolize
O pão sagrado da fraternidade
E que consagre a paz e realize
Esse Natal de fato e de verdade.

De não ter criança pobre numa esquina
A olhar brinquedos dentro da vitrina,
Onde “Papai Noel” sorri contente...

Natal é muito mais, e mais seria,
Se a gente retribuísse o dia a dia
Que a vida nos concede de presente.
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Graciliano Ramos (A Última Noite de Natal)

Os grandes olhos claros e aguados boiavam na sombra nevoenta, cheios de espanto. Esfregou-os, arrastou-se pesado e entanguido, mal seguro à bengala,sentou-se num banco do jardim, fatigado, suspirando, examinou a custo os arredores. Gastou uns minutos passeando as mãos desajeitadas na gola do casaco. 0 exercício penoso enfureceu-o. Resmungou palavras enérgicas e incompreensíveis, esforçou-se por dominar a tremura.

Com certeza era por causa do frio que os dedos caprichosos divagavam no pano esgarçado e os queixos banguelos se moviam continuamente. Era por causa do frio, sem dúvida. Se conseguisse abotoar o casaco e levantar a gola, os movimentos incômodos cessariam.

Em que estava pensando ao chegar ali? Ia jurar que pensava em coisas agradáveis. Ou seriam desagradáveis? Pedaços de recordações incoerentes dançavam-lhe no espírito, acendiam-se, apagavam-se, como vaga-lumes, confundiam-se com os letreiros verdes, vermelhos, que se acendiam e apagavam também quase invisíveis na poeira nebulosa. Tentou reunir as letras, fixar a atenção nas mais próximas, brilhantes, enormes.

A igreja toda aberta resplandecia. O incenso formava uma neblina perturbadora. E, através dela, os altares refugiam como sóis, a luz das velas numerosas chispava nas auréolas dos santos.

Que doidice ! Não é que estava imaginando ver ali, nas transitórias claridades, a igreja vista sessenta anos antes? Tresvariava. Sacudiu a cabeça, afastou a lembrança importuna. De que servia desenterrar casos antigos, alegrias e sofrimentos incompletos?

O que devia fazer... Pôs-se a mexer os beiços, procurando nas trevas úmidas e leitosas que o envolviam o resto da frase. O que devia fazer... Repetiu isto muitas vezes, numa cantilena, distraiu-se olhando a chuva amarela, verde, vermelha, dos repuxos. Impossível distinguir as cores. Ultimamente a cidade ia escurecendo. As pessoas que transitavam junto aos canteiros sem flores eram vultos indecisos; .os prédios se diluíam nas ramagens das árvores, manchas negras; os letreiros vacilantes não tinham sentido.

O que devia fazer... De repente a idéia rebelde surgiu. Bem. Devia meter os botões nas casas e agasalhar o pescoço. Depois cruzaria os braços, aqueceria as mãos debaixo dos sovacos, ficaria imóvel e tranqüilo. Mas os dedos finos e engelhados avançavam, recuavam, não havia meio de governá-los. Se pudesse riscar um fósforo, chegá-lo a um cigarro, esqueceria os inconvenientes que o aperreavam: o frio, a dureza das juntas, o tremor, a zoeira constante, sussurro de maribondos assanhados. Dores errantes andavam-lhe no corpo, entravam nos ossos e vinham à pele, arrepiavam os cabelos, fixavam-se nas pernas, esmoreciam.

Agora não estava no banco do jardim, perto das estátuas, das árvores, do coreto, dos esguichos coloridos. Estava longe, a sessenta anos de distância, ajoelhado na grama, diante da igreja da vila. Os rostos embotados, que se dissociavam, juntaram-se no largo onde um padre velho dizia a missa da meia-noite. Fervilhavam matutos em redor das barracas, num barulho de feira, e uma sineta badalava impondo em vão respeito e silêncio. Os cavalinhos rodavam. Esgueiravam-se casais pelos cantos. O padre velho dirigia olhares fulminantes àquela cambada de hereges. Uma figura pequenina cantava os hinos ingênuos, de versos curtos, fáceis. Tudo parecera de chofre muito sério, eterno. Os hinos capengas elevavam-se, estiravam-se. A mulher tinha um rosto de santa e exigia adoração. Sessenta anos. As fachadas enfeitavam-se com lanternas de papel, janelas escancaradas exibiam presépios, listas de foguetes cortavam o céu negro. A sineta badalava, zangada. E o burburinho da multidão não diminuía.

Sessenta anos. Da cinza que ocultava os olhos frios saltou uma faísca; os alfinetes pregados na carne trêmula embotaram-se; o espinhaço curvo endireitou-se; um débil sorriso franziu os beiços murchos; os braços ergueram-se lentos, buscando a imagem de sonho.

Imagem de sonho, que doidice! Era apenas uma bonita criatura de bom coração. Ligara-se a ela. E dezenas de vezes tinham-se os dois  ajoelhado ali na grama, olhando as lanternas, os presépios, os foguetes, o padre que dizia a missa da meia-noite. Algumas esperanças, muitos desgostos. Os meninos cresciam, engordavam. E no jardim da casa miúda um jasmineiro recendia.

Depois tudo fora decaindo, minguando, morrendo. Achara-se novamente só. Os filhos e os netos se haviam espalhado pelo mundo. Agora... Que extensa caminhada, que enormes ladeiras, pai do céu ! Já nem se lembrava dos lugares percorridos.

Conseguiu abotoar o casaco e levantar a gola.

Andar tanto e afinal chegar ali, arriar num banco, não perceber as letras que se acendiam . e apagavam. Certamente àquela hora, diante duma igreja aberta, outro homem novo admirava outra pessoinha ajoelhada, sentia desejos imensos, formava planos absurdos. Os desejos e os planos iam desfazer-se como a fumaça  luminosa dos repuxos.

(20 de dezembro de 1941).

Fonte:
Linhas Tortas. RJ: Editora Record, 1983.

Carlos Lúcio Gontijo (Poesias Escolhidas)

ANO NOVO

Não me importa a frase feita
Se a mulher amada não me vem
Não me importa nenhuma seita
Se a fé diz-me amém
Não me importa o termo
Se todos os ermos me acham
Não me importam os fenestrados
Se as portas não me encaixam
Não me importam os enlatados
Se a toda fome me abro
Não me importa o velho quadro
Se já pendurei-me um novo olhar.

CASA DE HERANÇA

Os olhos são o cio das luzes
Sem eles a claridade não teria razão
Nossa emoção espiritual é fio condutor
Calor que faz a prosopopéia dos objetos
Por isso, mãe, ao vender nossa casa
Foi como negociar meu berço
Cortar as asas de pássaro
Perder o terço de orações
Mãe, confesso que chorei
Molhei meu rosto feito nuvem de chuva
Abandonei paredes que erguemos com a mão
E o limoeiro, mãe, lá no meio do terreiro
Quando for de seca a estação
Quem vai adivinhar-lhe a sede?
Mãe, em outra rede a paisagem da janela
Nova sentinela para nossas coisas
Recordo uma vida de menos solidão
Quando antes desta minha viuvez de mãe
Até havia mais doce na acidez do limão!

JESUS SALVADOR

Do Menino-Jesus todos se sentem donos
         Assentados no trono frio do egoísmo humano
         Fazem-No patrono da eterna crucificação
         Depositário fiel de repetida salvação
         Relicário dos Céus à disposição do pecador
         Pincel miraculoso a nos renovar a cor
         Apontando-nos o amor como iluminada prece
         Oração da qual jamais se esquece o Criador! 

LÓGICA DAS BORBOLETAS

Cada borboleta é uma alavanca
Que arranca tumores do chão
Tudo então ganha asas e voa
Em coisa à toa se transforma toda mágoa
Não há por que se afogar em água rasa
Quando até larva se ergue alada
E faz do rastejar vida passada!

ALDEIA CAPITAL

Meço infinitos entre concreto
Num secreto desejo de abolição
Como rio que  sonha cachoeira
Meus olhos voam na poeira das ruas
Senzalas nuas da injustiça social
Crucificando braços, erguendo escuridão
Paisagens e laços da construção capital

Fonte:
Poesias enviadas pelo autor

Carlos Correia Santos (Aplausos para o Espetáculo do Tropeço!)

Chegue-se. Tome seu lugar nessa vã e imensa casa de espetáculos que sãos os tempos atuais. Valha-se de seus doces porque o açúcar sempre atenua a dor. Acomode-se plenamente a contento e prepare-se para aplaudir, pois o espetáculo vai começar.

Espetáculo?

Qual?

O tropeço.

Sim, o tropeço. Eis o grande espetáculo que tanto ganha ovações, aplausos e fãs nos dias de hoje. O tropeço.

Prostram-se as massas diante de seus famigerados twitters e facebooks para ver quem caiu, quem desabou, quem ruir. E assim se ri. O que se quer é rir. Gritar aos ventos todos dessa nau insanidade chamada internet. Gritar: aquele imbecil ali tropeçou. Caiamos como abutres sobre ele. Sim, façamos do clique bico de corvo para furar a carne daquela calma, afligir aquela alma. Lancemos o mouse sobre aquele que tropeçou e, qual ratos a despedaçar lixo (Ave, Chico Buarque), espalhemos tristeza e crueldade.

Em pensar que houve um tempo no qual compartilhar era apenas etimologia: partilhar com. Dividir o que de bom, o que de bem. Agora... Num compartilhar, compraz-se a infâmia. Compra-se intolerância. Vende-se a dignidade. Acha-se o pouco caso. Perde-se a paz de espírito.

Na platéia, o ávido espectador do tropeço, quando não encontra, caça. O fantoche da sanha geral, que baila sobre o fio da navalha diante da turba coberta pela burca do anonimato, tem que se estatelar, tem que se esborrachar. Ah, ele não fará seu número? Pois a turba o leva à lona. Assim, feito perdigueiros das bordas do apocalipse, os espectadores do tropeço dedicam-se a criar dramaturgias que derrubem.

No entanto...

Tão no entanto...

Dos saltos ninguém fala. Para os saltos aplausos tão poucos... Não interessa festejar o que põe para frente. Aos acorrentados à mediocridade, pouco interessa celebrar o ir adiante.

E segue, desta feita, em cartaz o show do tropeço. O irônico é que as platéias se esquecem de algo divinamente poético. O espetáculo da vida é democrático. Você está aí nessa fétida platéia aplaudindo quem cai? Caindo na gargalhada? Aplausos para você. Amanhã o papel de protagonista, bebê, certamente há de ser seu.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Caravelas da Poesia III

CESÁRIO VERDE
Lúbrica


Mandaste-me dizer,
No teu bilhete ardente,
Que hás-de por mim morrer,
Morrer muito contente.

Lançaste no papel
As mais lascivas frases;
A carta era um papel
De cenas de rapazes!

Ó cálida mulher,
Teus dedos delicados
Traçaram do pazer
Os quadros depravados!

Contudo, um teu olhar
É muito mais fogoso,
Que a febre epistolar
Do teu bilhete ansioso:

Do teu rostinho oval
Os olhos tão nefandos
Traduzem menos mal
Os vícios execrandos.

Teus olhos sensuais
Libidinosa Marta,
Teus olhos dizem mais
Que a tua própria carta.

As grandes comoções
Tu, neles, sempre espelhas;
São lúbricas paixões
As vívidas centelhas...

Teus olhos imorais,
Mulher, que me dissecas,
Teus olhos dizem mais,
Que muitas bibliotecas!

ALICE GOMES
Na idade dos porquês

Professor diz-me    porquê?
Por que voa o papagaio
que solto no ar
que vejo voar
tão alto no vento
que o meu pensamento
não pode alcançar?

Professor diz-me    porquê?
Por que roda o meu pião?
Ele não tem nenhuma roda
E roda    gira    rodopia
e cai morto no chão...

Tenho nove anos    professor
e há tanto  mistério à minha roda
que eu queria desvendar!
Por que é que o céu é azul?
Por que é que marulha o mar?
Porquê?
Tanto porquê que eu queria saber!
E tu que não me queres responder!

Tu falas falas    professor
daquilo que te interessa
e que a mim não interessa.
Tu obrigas-me a ouvir
quando eu quero falar.
Obrigas-me a dizer
quando eu quero escutar.
Se eu vou a descobrir
Fazes-me decorar.

É a luta    professor
a luta em vez de amor.

Eu sou uma criança.
Tu és mais alto
mais forte
mais poderoso.
E a minha lança
quebra-se de encontro à tua muralha.

Mas
enquanto a tua voz zangada ralha
tu sabes    professor
eu fecho-me por dentro
faço uma cara resignada
e finjo
finjo que não penso em nada.

Mas penso.
Penso em como era engraçada
aquela rã
que esta manhã ouvi coaxar.
Que graça que tinha
aquela andorinha
que ontem à tarde vi passar!...

E quando tu depois vens definir
o que são conjunções
e preposições...
quando me fazes repetir
que os corações
têm duas aurículas e dois ventrículos
e tantas
tanta mais definições...
o meu coração
o meu coração que não sei como é feito
nem quero saber
cresce
cresce dentro do peito
a querer saltar cá para fora
professor
a ver se tu assim compreenderias
e me farias
mais belos os dias.

DAVID MOURÃO-FERREIRA
Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

BOCAGE
O corvo e a raposa

É fama que estava um corvo
Sobre uma árvore poisado
E que no sôfrego bico
Tinha um queijo atravessado.

Pelo faro àquele sítio
Veio a raposa matreira
A qual, pouco mais ou menos
Lhe falou desta maneira:

- Bons dias, meu lindo corvo;
És glória desta espessura;
És outra fénix, se acaso,
Tens a voz como a figura.

A tais palavras o corvo
Com louca, estranha afoiteza
Mor mostrar que é bom solfista
Abre o bico e solta a presa.

Lança-lhe a mestra o gadanho
E diz: - Meu amigo, aprende
Como vive o lisonjeiro
à custa de quem o atende.

Esta lição vale um queijo,
Tem destas para teu uso.
Rosna então consigo o corvo
Envergonhado e confuso:

- Velhaca, deixou-me em branco
Fui tolo em fiar-me dela
Mas este logro me livra
De cair noutra esparrela.

ANTÓNIO GEDEÃO
Poema da auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta
Vai na brasa de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.
Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as núvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Foge, foge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

AL-BERTO
Recado

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço

Coracy Teixeira Bessa (Colheita Noturna)

Rua deserta. Ao longe, os últimos ruídos na noite que se prepara para repousar à espera da próxima manhã. Vulto solitário, a garota, quase ainda criança, se move como sombra indecisa.

Corre e colhe. Colhe. Corre. De tonel em tonel, de saco em saco, do lixo recolhe o hipotético sustento. Latas, vidros, plásticos e papéis configuram o (im)provável lucro. Corre e colhe sujeira, cortes, arranhões. Aos magros dedos, que não aprenderam a escrever nem contar, diligentemente esmiúçam como se fossem à cata de tesouros. Rende-se à tentação de guardar para si um vidrinho vazio de perfume. Aspira-lhe os resquícios do odor outrora ali guardado. Devaneia: um vestido vermelho, um par de sapatos combinando, uma passadeira bordada cingindo-lhe a raiz dos cabelos. E o perfume. Não sabe se é de rosa, jasmim ou alguma flor exótica, daquelas pelas quais gente que pode paga uma fortuna. O das rosas que aspirara no enterro da mãe, emurchecidas, lhe deixara uma desagradável impressão. Do jasmim, remota lembrança da casa da avó, doce demais, deixara-a levemente enjoada. Seria de algo que desconhecia…

O tabefe no ouvido pega-a desprevenida. Rodopia e cai sobre um monte de caixas de papelão vazias – ainda com o vidrinho de perfume na mão. Enfrenta os congestos olhos de beberão contumaz do padrasto: “Ainda não terminei! Falta procurar no lixo da lanchonete! Por favor, pai Dé!”. Surdo ao seu apelo o homem vocifera: “Tu pensa que pode me enrolar?! Quem te deu esse vidro de perfume, vagabunda?!”. Chocada, tentando se levantar, a garota procura se defender: “Ninguém! Achei aqui no lixo…”. Em resposta, o homem chuta-a brutal e repetidamente. O vidrinho de perfume espatifa-se além. Antes que possa recompor o corpo contorcido pela dor, o homem agiganta-se sobre a menina indefesa e a violenta. Satisfeito, cambaleando, apossa-se do saco contendo o produto da colheita noturna da garota e sai à procura de algum boteco ainda aberto àquelas horas…

Sobre os refugos da cidade, uma vida se esvai lentamente, ceifada pela selvajaria (in)humana.

O caminhão coletor de lixo, nesta madrugada, recolhera mais que sacos, caixas e engradados?

Fonte:
Academia de Letras de Maringá. III Concurso Literário Cidade de Maringá – Modalidade Crônica – Troféu Luiz Lourenço. Disponível no site da Academia de Letras de Maringá.

Efigenia Coutinho (Trovas Avulsas)

Meu pescador enlaçado
quero todo o teu carinho,
 sonho um abraço apertado,
vou me perder no caminho.

Os teus sonhos reluzentes
de ternura e emoção,
são como enredos fluentes
pescando nossa emoção.

Acreditando em Deus, fui
pescando meus sonhos sim,
e lá onde o sonho flui,
encontrei você em mim!

Voltar sonhar, não me peças...
perderia a insensatez,
creria em  tuas promessas
p’ra arrepender-me outra vez.

Essa foi a trova classificada com Menção Especial:

Os teus sonhos reluzentes
de ternura e emoção,
são como enredos fluentes,
pescam nosso coração.

Fonte:
Trovas enviadas pela autora

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cara De Coruja –VI – Outros convidados

Em seguida veio o alfaiate que matava sete de um golpe. Veio também o soldadinho de chumbo que depois de derretido ao fogo se transformou em coração.

— E como virou soldadinho outra vez ?— quis saber Emília.

— Uma fada, que leu minha história — chorou uma lagrimazinha tão sentida que virei soldado outra vez.

— E a dançarina de saiote cor-de-rosa? Morreu no fogo também?

— Essa morreu para sempre — respondeu o soldadinho, fingindo que se assoava, mas de fato enxugando os olhos. O burrinho supunha que como era soldado não podia demonstrar fraqueza, chorando.

Depois veio um Patinho Feio, filho daquele outro que virara cisne. Assim que entrou, Emília, que já tinha visto tia Nastácia matar um pato, foi depressa cochichar-lhe ao ouvido:

— Não saia daqui, não vá à cozinha, ouviu? Lá mora uma fada preta que não tem piedade nem de frangos nem de patinhos. Pega os coitados e vai logo lhes torcendo o pescoço. Sabe para quê? Para assá-los no forno, imagine!...

Tamanho susto levou o patinho, que teve de encostar-se à parede, mais pálido que uma vela de cera — das que não são cor-de-rosa. Hansel e Gretel vieram em seguida, sendo muito festejados.

Emília quis saber notícias daquele ossinho que mostravam à feiticeira cada vez que ela dizia: “Hansel, mostre o dedinho, para eu ver se está engordando.” Emília achava que como tinham sido salvos por aquele ossinho, era injustiça não terem feito dele um colar para ser trazido ao pescoço. Depois chegou a Xerazade, acompanhada de todos os heróis das Mil e Uma Noites. Como não pudessem entrar na sala, muito pequena para contê-los todos, tiveram de ficar de fora.

Narizinho, Emília e as princesas correram à janela, donde puderam regalar-se de ver o Pescador e o Gênio, o Cavalo Encantado, os príncipes Codadad e Ahmed, Sindbad o Marujo, Morgiana e mais uma multidão de sultões, sultanas, califas e escravos núbios, pretos e lustrosos como jabuticabas.

— Por que não trouxe também o pássaro Roca? – perguntou Emília à Xerazade.

— Que idéia! — respondeu a princesa sorrindo. — Para que esse bruto derrubasse uma pedra em cima do sítio de dona Benta e nos esmagasse a todos, como fez com o navio de Sindbad?

Depois vieram os heróis gregos, o valente Perseu que matou a Górgona, o heróico Teseu que matou o Minotauro e até a cabeça da Medusa, espetada na ponta de um pau, com aquela porção de cobras se mexendo em lugar de cabelos. Tantos personagens maravilhosos vieram, que o terreiro de dona Benta ficou de não caber um alfinete.

Narizinho olhava, olhava, no maior êxtase de sua vida. Só reis e príncipes e fadas e anões e madrastas boas e más, e bruxas e mágicos de chapéus em forma de cartucho, e ursos que viram príncipes, e lobos de dentuça arreganhada... Mas Peter Pan não aparecia — o que muito decepcionava Pedrinho. Seu grande desejo era justamente conhecer Peter Pan. Estavam todos à janela, regalando os olhos naquele espetáculo nunca visto no mundo, quando Emília se pôs a filosofar.

— Estou pensando na vaca mocha — disse ela. — A coitada costuma deitar-se aí no terreiro todas as tardes. Imaginem a surpresa dela agora! Olha dum lado, vê um rei. Vira-se de outro, dá com um anão. Sacode a cauda e bate numa princesa. A coitada deve de estar que nem mover-se pode. Se não morrer de medo, é capaz de secar o leite — e amanhã dona Benta vai ficar danada!...
–––––––
Continua... Cara de Coruja– VII – A Coroinha

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Antonio Botto (Leviandade)


Havia uma figueira muito velha, e o dono, que também era velhote, um dia, depois de a olhar, exclamou:

- Esta árvore não presta.

Durante setenta anos, carregadinha, dera saborosos frutos, mas, maltratada, carcomida pelo tempo, apenas as suas folhas, quando o sol na Primavera aquecia as almas e o mundo, rebentavam ainda viçosas, plenas de graça e de frescura. Já não podia dar figos.

Outro dia, o velho dono, voltando-se para o filho mais novo, murmurou num tom velado de saudade e de tristeza:

- Creio que é tempo de eu poder descansar um pouco e ficar em sossego, sem canseiras, sem cuidados, a aproveitar esta luzerna de vida que me resta, depois de setenta anos de trabalho.

- Setenta anos!, como a figueira, meu pai!

- O velho baixou a cabeça e nunca mais repetiu: - Esta árvore não presta.

Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. Livraria Bertrand

Sérgio Reis (Couro de Boi)


Conheço um velho ditado, que é do tempo dos agáis.
Diz que um pai trata dez filhos, dez filhos não trata um pai.
Sentindo o peso dos anos sem poder mais trabalhar,
o velho, peão estradeiro, com seu filho foi morar.
O rapaz era casado e a mulher deu de implicar.
"Você manda o velho embora, se não quiser que eu vá".
E o rapaz, de coração duro, com o velhinho foi falar:
Para o senhor se mudar, meu pai eu vim lhe pedir
Hoje aqui da minha casa o senhor tem que sair
Leve este couro de boi que eu acabei de curtir
Pra lhe servir de coberta aonde o senhor dormir
O pobre velho, calado, pegou o couro e saiu
Seu neto de oito anos que aquela cena assistiu
Correu atrás do avô, seu paletó sacudiu
Metade daquele couro, chorando ele pediu
O velhinho, comovido, pra não ver o neto chorando
Partiu o couro no meio e pro netinho foi dando
O menino chegou em casa, seu pai foi lhe perguntando.
Pra quê você quer este couro que seu avô ia levando
Disse o menino ao pai: um dia vou me casar
O senhor vai ficar velho e comigo vem morar
Pode ser que aconteça de nós não se combinar
Essa metade do couro vou dar pro senhor levar.

Cornélio Pires (Trovas da Vida)


PREFÁCIO
Desejava ter comigo
Uma jóia de alto preço
Não tendo, porém, o ouro
Esse propósito, esqueço...

Mas tendo fé em mim mesmo
Lembro-me, com razão
De ofertar-lhes este livro,
Que me expressa a gratidão

AMBIÇÃO
Conserva a simplicidade,
Observa onde te pões,
A ambição domina os homens,
EM todas as direções.

AMOR
Amor puro é qual diamante
De beleza singular,
Mas se é vendido ou tem preço,
Qualquer um pode comprar.

AMOR NO ALÉM
De alma para outra alma
O amor é um laço tão forte
Que vejo muitos casais
Unidos depois da morte.

ANOTAÇÃO
Jesus deu valor ao pouco:
“Pão nosso de cada dia”
Se tiveres mais e mais,
O “muito” te arruinaria.

BARULHO
Para quem pensa e trabalha
Em benefícios reais
Qualquer barulho atrapalha,
Silêncio nunca é demais.

BENÇÃO DE MÃE
Depois da cruz, Jesus viu
Que o Bom ladrão o seguia...
E o outro? Também foi salvo,
Pela benção de Maria.

BENDITA SEJA
Já que o mal nasce de nós
Como vem e quando vem,
Bendita seja a pessoa
Que apóia a força do bem.

CLONAGEM
Clonagem é um feito antigo;
Fala a Bíblia com razão.
Nosso pai creou Mãe Eva
Numa costela de Adão.

DESENGANO
Ele ajuntou prata e ouro,
Porém, não achou transporte,
Quando buscou pensativo,
A grande agência da morte.

DESEQUILÍBRIO
Há mulheres arruinadas
Na luta em que se consomem.
Não por fraqueza ou maldade,
Mas por desprezo do homem.

DESILUSÃO
Silvino era apaixonado
Pela jovem Maristela;
Numa festa da Laranja,
Silvino ficou sem ela.

DINHEIRO
Registro esta nota sábia
Do Doutor Joaquim de Malta:
“Riqueza não traz ventura,
Mas o dinheiro faz falta.”

DOENÇA
Muitas Vezes, a doença,
Por mais que aborreça e doa,
É socorro necessário
Para guardar a pessoa.

DUAS MÃES
Nossa Senhora chorava,
Lembrando o Filho... Horas mudas...
Alguém soluçou à porta,
Foi ver: Era a mãe de Judas.

DURAÇÃO DO AMOR
O amor é uma luz do Céu,
Dizia o mestre Joaquim,
Sem a praga do ciúme,
Tem duração do “sem-fim”.

ECONOMIA
O dono de muitas capas
Da mais rica às mais singelas
Nas horas de frio ou chuva
Veste somente uma delas.

ESTRELA CONSTANTE
No evangelho de Jesus,
Há uma estrela que nos guia
Que de nós nunca se afasta,
Tem o nome de Maria.

EXTRA-TERRESTRES
Extra-terrestre? Existem.
Não são notícia sem fundo;
Elias saiu da Terra
Numa nave de outro mundo.

FELICIDADE
Casais ricos e felizes
Vivem de festa e rumor,
No entanto, a felicidade
Conhece apenas o amor.

FÉ VIVA
Foi exemplo de fé viva
A jovem mãe de Belém;
Chorou com o filho humilhado,
Sem pedir nada a ninguém.

FORÇA
Avistando a força bruta
Ferindo ou pisando alguém,
Age em silêncio e auxilia
À nobre força do Bem.

GUERRA
A guerra surge por vezes
De nação para nação,
Mas é constante
Nos casos de opinião

HUMILDADE
A maior dama do mundo,
Mostrando humildade e fé,
Usava este nome simples:
Maria de Nazaré.

INDISCIPLINA
Há muita morte no mundo
Fora do tempo previsto,
Não por falta de assistência,
Sim, por falta de juízo.

LIBERDADE
Virtude alta e sublime
Ninguém quer viver sem ela:
É a liberdade, no entanto,
Que exige muita cautela.

LIÇÃO SIMPLES
Uma lição clara e simples
A que a verdade nos chama:
- Por força de obediência
Realmente ninguém ama.

MÃOS NOBRES
Branca, amarela ou morena
Nos sofrimentos da estrada
Se é mão que dá socorro
Será sempre abençoada

MORTO VIVO
Ao morrer, disse Romário:
“Volto já...”, falando a custo.
Após seis meses, voltou...
A esposa caiu de susto.

NÃO PODE
Deixou milhões para os órfãos
O avarento João Lasmar,
Deixou para a caridade
Porque não pode levar.

NO ALÉM
Em nosso estado no Além,
Seja em luz, penumbra ou treva,
O que importa é a consciência
Da vida que a gente leva.

PROGRAMA
Quem quiser ter vida longa
Pelos caminhos terrenos,
No curso do dia a dia
Coma pouco e fale menos

PRUDÊNCIA
Falta pouco. Não critiques.
Deixa os outros tais quais são.
Há quem passe a noite em festa
E amanheça em provação

RACISMO
Em qualquer grupo racista
De sábios crentes e ateus,
Perguntemos seriamente,
De que forma é a cor de Deus

REALIDADE
“O homem deixou milhões”
Falei ao sábio Jomar.
Disse-me o sábio: “Deixou
Porque não pode levar”.

RECADO FRATERNO
Se caíste em provação
Por falha de outra pessoa,
Em favor da própria paz,
Trabalha, ora e perdoa.

REFLEXÃO
O homem é sempre poder,
Faz tudo quanto ele quer.
No entanto, não nos esqueçamos:
Somos filhos de mulher.

REMÉDIO
Joel gritava xingando,
Na Fazenda Terra Oca;
O tio deu-lhe um remédio:
O xarope “calaboca”

SALÁRIO
Salário pobre e pequeno?
Não consigo ser ingrato.
Se tenho montes de arroz,
Ao comer, só tenho um prato.

SALÁRIO DE DEUS
Serviço pago é dinheiro
Entre nobres e plebeus;
Serviço-abnegação
Tem o salário de Deus

SE QUERES
Se queres cooperação
Para qualquer obra do Bem,
Não afastes a esperança
Do coração de ninguém.

SERVIÇO AO PRÓXIMO
Sigamos servindo aos outros
E escutai, amigos meus:
Quem trabalha para o bem
Colhe o salário de Deus.

TUDO PASSA
O tempo corre apressado
No campo, na rua, em casa
Tudo passa velozmente
Se a pessoa não se atrasa.

Fonte:
Francisco Cândido Xavier (psicografia). Livro Trovas da Vida.
Digitalizado por Aparecida Tognato. Organizado por José Feldman.